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O florescimento do comércio de tecidos, roupas, acessórios femininos e masculinos no Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XIX se dá sob a influência da moda, dos hábitos de consumo, e da sociabilidade que a chegada da Corte iria impor à nova capital do Império. Uma outra demografia e ocupação urbanas, posturas municipais disciplinadoras e mesmo a proibição de determinadas vestimentas femininas [ver: Lei de 11 de agosto de 1649] concorreram para as mudanças tradicionalmente assinaladas. A adoção de trajes e outros itens da moda de origem sobretudo francesa pela sociedade local, marcava a tentativa de civilização dos costumes e de aproximação com a aristocracia portuguesa. O processo de "europeização dos corpos", como definiu Maria do Carmo Teixeira Rainho (A cidade e a moda: novas pretensões, novas distinções - Rio de Janeiro, Século XIX. Ed. UnB, 2002), encontrava no varejo, em lojas artesanais, os tecidos importados, e por vezes roupas prontas, que projetavam a aparência desejada e externavam o abismo social entre as camadas da população. A expansão do varejo seria incentivada pela administração joanina, que em 27 de março de 1810, publica o alvará que "permite que se possam vender pelas ruas e casas todas as mercadorias de que se tenham pago os competentes direitos". Essa medida visava ampliar o volume de tributos pagos à Coroa, reconhecendo a atividade ambulante que efetivamente se praticava, "mostrando a experiência que foi sempre impraticável a exata observância daquela pragmática suntuária". Despertou, contudo, a insatisfação dos proprietários de lojas no Brasil e também em Portugal, por reverter as garantias implícitas no "Estatuto dos Mercadores a Retalho exatamente com o argumento de que o comércio ambulante seria prejudicial à riqueza da nação e aos bons costumes ao definirem lugares de respeitabilidade para serem frequentados (todas as lojas deveriam funcionar junto às calçadas e jamais em sobrados) e ao obrigarem os mercadores e seus caixeiros a frequentarem as aulas de comércio para o ensinamento básico das atividades mercantis" (CHAVES, Claudia Maria das Graças. O outro lado do Império. TOPOI, v. 7, n. 12, jan.-jun. 2006, pp. 154. Disponível em https://www.scielo.br/j/topoi/a/RyZbL64cfy3FsTBCGcd43NS/abstract/?lang=pt ). Do ponto de vista do consumo de artigos de luxo ou mais refinados principalmente no Rio de Janeiro, deve-se considerar que nos séculos precedentes chegavam à América portuguesa tecidos indianos, bem como porcelana e chá chineses, concedendo feições orientais à reduzida elite colonial. Além disso, desde o final do setecentos já podiam ser adquiridas mercadorias britânicas, lembrando que tratados anglo-lusitanos do século XVII haviam assegurado direitos à utilização dos portos brasileiros do Rio de Janeiro, Salvador e Recife, como assinala Luciana Martins, acrescentando que a abertura dos portos de Goa, Diu e Damão (na atual Índia) ao comércio europeu permitiu o transporte de produtos da Ásia em naus portuguesas da Índia para Lisboa, suprindo com tecidos e especiarias os mercados da América e da África portuguesas e da Europa. "As próprias mercadorias britânicas circulavam nos mercados do Rio no final do século XVIII, como Staunton (1797, p. 157) registrou: 'as lojas do Rio estavam repletas de manufaturados de Manchester e de outros produtos britânicos, inclusive de gravuras inglesas, tanto sérias como caricaturas'”, destaca Martins. (Paradoxos da modernidade: o Rio de Janeiro do período joanino, 1808-1821. In: Fernandes, E. and Abreu, M.A. (eds.) Brasil Urbano. Rio de Janeiro, Brasil: Mauad). Diante desse quadro, no qual experientes comerciantes que atuaram em outras partes do Império foram, a partir de 1808, os mesmos negociantes que operavam na praça do Rio, tais estabelecimentos inserem-se na paisagem econômica e urbana da capital, catalisando as tendências da moda e do vestuário que nas primeiras décadas do século se davam, essencialmente, pela aquisição de fazendas como cassa, cambraia, belbutes ou chitas, nas quais predominava o algodão, atendendo ao crescente prestígio desse material entre o público europeu.