Categoria que povoa há muito a historiografia brasileira, desde os primeiros cronistas e viajantes dos séculos XVI ao XIX, até historiadores dos séculos XIX e XX, que o elegeram como objeto de estudo, entre eles Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda. É um conceito chave na construção do imaginário regional, na relação de alteridade com o litoral – na qual um define ao outro – e na construção do conceito de nação. Há uma extensa discussão filológica acerca da origem da palavra sertão, e de qual termo latino ela deriva. De deserto ou de certão, em ambas acepções, a ideia que encerra é sempre do interior, local vazio, despovoado, selvagem, distante do litoral, região de fronteira, mas não necessariamente seca, como atualmente se usa para referir à região do semiárido nordestino. No Brasil, é preciso reforçar, não houve um só sertão, mas vários. Desde o início da colonização, o termo aparece no vocabulário daqueles que descreviam as novas terras desbravadas. Ora usado para o interior da capitania de São Vicente, ora para referir às minas gerais, ou para o centro-oeste, em Mato Grosso ou Goiás, era também o interior do Nordeste e as regiões quase inatingíveis da Amazônia. Durante o povoamento, o sertão estava sempre nas franjas das frentes que avançavam em direção ao oeste, se opondo ao litoral. Se a faixa litorânea, mais povoada, representava o ideal de “civilização” – as cidades, o local da administração colonial e do exercício do poder –, por oposição o sertão se definiria como a terra sem lei, inculta, das guerras contra o gentio selvagem, do vazio populacional. No entanto, para aqueles que não encontravam um lugar no mundo da ordem, o sertão também representou a terra promissora, das riquezas ainda inexploradas, da liberdade para escravos e condenados que para lá fugiam, da mestiçagem entre as “raças”, do encontro entre as culturas e línguas. Apesar de em princípio se situar fora da ordem colonial, o sertão estava sempre sendo conquistado, ocupado, em vias de se civilizar, e avançava: a expansão para dentro da colônia era constante e estava diretamente atrelada às atividades econômicas. A produção açucareira interiorizou os engenhos no Nordeste, a mineração promoveu a penetração desde as Minas Gerais até Goiás, os bandeirantes [bandeiras] também foram responsáveis pelo avanço mais ao Sul, desbravando terras e capturando índios, e a pecuária foi um instrumento importante na conquista dos territórios do interior, o gado e as tropas avançando junto com o povoamento. Nas províncias do Norte, a coleta das drogas “do sertão” foi fundamental para a abertura de novos caminhos e a ocupação de regiões distantes e de difícil acesso na mata. Para além de meramente espacial, o sertão é uma categoria cultural que influi até hoje na construção das identidades regionais Brasil afora, na música, na literatura e nas demais manifestações artísticas, seja no interior como no litoral.