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Carta do governador da capitania de Pernambuco sobre a chegada do príncipe regente ao Brasil

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 13h41 | Última atualização em Segunda, 23 de Agosto de 2021, 14h14

Carta enviada ao visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, por Caetano Pinto de Miranda Montenegro, governador da capitania de Pernambuco, na qual expressa tristeza pela partida do príncipe regente, mas vislumbra possibilidades de riquezas com a sua chegada. O governador expõe vários artigos que deveriam ser analisados, considerando que ocorreriam transformações significativas no comércio e na administração do Brasil com a vinda do príncipe regente e de sua real família.

 

Conjunto documental: Ministério do Reino. Pernambuco. Correspondência do presidente da província
Notação: IJJ9 237
Data-limite: 1808-1808
Título do fundo ou coleção: Série Interior
Código do fundo: AA
Argumento de pesquisa: abertura dos portos
Data do documento: 4 de janeiro de 1808
Local: Recife
Folha(s): 1 a 4v

 

Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor

No segundo dia deste ano, dia o mais desgraçado da minha vida, entrou neste porto o Bergantim Três Corações, que partiu de Lisboa em 29 de novembro; e tanto os que nele vieram, como as cartas particulares confirmam, dão por certo, que o Príncipe Regente[1] Nosso Senhor saíra no mesmo dia daquela cidade, ausentando-se com toda a Real Família para os seus Estados da América[2].

Um coração patriótico, e que de tenros anos ama o seu soberano, ainda me não deixa enxugar as lágrimas que notícias tão tristes têm feito derramar aos bons portugueses. Mas logo que eu tenha a certeza da feliz chegada de Sua Alteza ao Rio de Janeiro[3], aos saltos e sobressaltos de um coração fiel hão de suceder tranquilas combinações da reflexão, as quais me pagarão tamanha mágoa e desgosto com um lucro tresdobrado de prazer e contentamento.

Sua Alteza Real vai dar princípio a um Santíssimo Império, que longe de receber leis iníquas, as dará sempre justas a muitas, muito ricas, e mui remotas regiões. O novo Império da América Meridional[4], separado pelo Oceano desse turbilhão cartesiano[5], ou desse incêndio, devorador de tantos tronos e monarquias[6], há de ser o asilo mais seguro da religião e da virtude; da justiça, humanidade e inocência oprimida; da indústria, comércio e de todas as artes, que voarão do antigo para este novo mundo, e nele abrirão canais imensos de riquezas incalculáveis.

Para me trazer a certeza de tantos bens, e a resolução do que proponho na nota inclusa, faço partir o mesmo Bergantim Três Corações, e nele um dos ajudantes das ordens deste governo, o sargento-mor José Peres Campello cuja fortuna de se apresentar a Vossa Excelência, e de beijar a real mão de Sua Alteza[7], invejo mais que nunca nesta ocasião na qual eu renovaria aos reais pés do mesmo Senhor os mesmos juramentos que renovo de longe, quero dizer, o juramento de respeito e homenagem por esta capitania e o juramento de um amor eterno, e uma fidelidade infinita sem limites pela Sua Real Pessoa.

Deus guarde a Vossa Excelência

Recife de Pernambuco em 04 de janeiro de 1808

Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Visconde de Anadia[8]

Caetano Pinto de Miranda Montenegro[9]

Notas de alguns artigos duvidosos, em que me parecem necessárias prontas decisões ou providências interinas enquanto não é possível fazerem-se novos regulamentos.

Sendo proibido no Brasil todo comércio com estrangeiros[10] que modificações se devem agora fazer a respeito dos ingleses? Como devem eles ser recebidos? Quais gêneros e fazendas hão de ser admitidas a despacho? Que direitos hão de pagar as mesmas fazendas?

Com os vassalos, e navios de potências amigas[11], principalmente, dos Estados Unidos da América, deverão fazer-se também algumas modificações?

Os governadores nomeados pelo real decreto de 26 de novembro próximo passado, limitam-se só, como parece, à regência do reino, ou pode haver algum caso em que expressam ordens para Ultramar[12]? E se de fato, ou de direito as expedirem, que execução devem elas ter?

Que execução devem ter também as ordens que costumavam ser expedidas pelo Erário Régio[13], pelo Conselho Ultramarino[14], e pela Mesa de Consciência[15]?

Podendo os franceses corromper a fidelidade de alguns portugueses, e servirem-se deles para alienar os ânimos dos habitantes do Brasil, que medidas e cautelas se deverão tomar a este respeito? Os portugueses todos, de qualquer estado, classe, e condição hão de ser recebidos indistintamente, ou deverão escolher-se braços úteis, e exigir-se algum passaporte e legitimação?

Alguns negociantes de Lisboa avisaram aos correspondentes nesta praça, que dirigiram seus navios a Londres. Quando, de que modo, com que segurança e carga, e para que porto deverei permitir a saída dos ditos navios? Que direitos hão de pagar na saída o açúcar[16], algodão[17], e mais efeitos(sic) do Brasil conduzidos para portos estrangeiros, visto que ali se não podem perceber, e arrecadar os que se achavam estabelecidos no Reino?

Tendo grande falta de oficiais para os regimentos pagos e milicianos, seria já confirmada a minha última proposta? Ou poderei, suportar a urgência das circunstâncias, dar exercício com soldo, ou sem ele, aos que propus?

Recife de Pernambuco 4 de janeiro de 1808

Caetano Pinto de Miranda Montenegro

 

[1]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] ESTADOS DA AMÉRICA: os Estados da América, em princípios do século XIX, compreendiam as seguintes capitanias gerais e subalternas: Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Pará, Maranhão, Goiás, Mato Grosso, Ceará, São José do Rio Negro, Piauí, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Espírito Santo, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande. Estas capitanias estavam sob a administração central da Coroa, com o nome de Estado do Brasil, mas o termo Estados da América também se refere às antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão.

[3]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[4] IMPÉRIO PORTUGUÊS: a gênese do grande império português começou a se delinear nos séculos XV e XVI, impulsionado pelo comércio de especiarias, durante a expansão marítima e comercial europeia. A conquista de Ceuta, em 1415, marcou o início deste processo seguido da exploração do litoral africano, da passagem pelo extremo sul da África e da ambicionada chegada de Vasco da Gama às Índias, em 1498. As conquistas prosseguiram com a expedição de Pedro Álvares Cabral, que alcançou o Brasil em 1500, e as posteriores aquisições de territórios na China e no Japão. O Império ultramarino português alcançou tal extensão e diversidade regionais que, no início do século XVI, d. Manuel acrescentou ao título de rei de Portugal e Algarves, os de “senhor da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia e Índia”. Um grande Império português foi o sonho acalentado em alguns momentos ao longo da história de Portugal, especialmente os de crise, como solução possível para grandes impasses e ameaças à própria existência do reino. Em muitos desses momentos (embora não em todos), a sede eleita para esse grande empreendimento seria, não por acaso, o Brasil, a maior e mais lucrativa colônia portuguesa. Mas, em nenhum outro período como no início do século XIX, o projeto desse grande, novo e poderoso Império se fez tão forte e urgente para a sobrevivência de Portugal. O autor desta proposta, que vingaria em 1808, foi d. Rodrigo de Souza Coutinho (posteriormente conde de Linhares) que, em 1797, professando as ideias da Ilustração portuguesa, propôs a criação de um grande Império ultramarino português, colocando o Brasil, estrategicamente, como sede do governo. Justificava seu plano em nome de reforçar a unidade do Império, ameaçada constantemente por rebeliões anticoloniais, pela Independência das Treze colônias e pela Revolução Francesa e sua perigosa mensagem de liberdade. Pretendia deste modo, diminuir a insatisfação dos colonos e as diferenças entre estes e os metropolitanos, dando a todos os habitantes do novo Império o status de vassalos portugueses. A escolha do Brasil, mais especificamente do Rio de Janeiro, para sede do novo governo, também não foi por acaso – localizada estrategicamente próxima a Lisboa, a Luanda (em contato permanente com as possessões na Índia) e às minas gerais, a cidade era ponto chave no comércio do Atlântico e no escoamento da produção aurífera, assim como a colônia era objeto de cobiça de várias outras nações europeias, mais poderosas e fortes que Portugal, como a França e a Grã-Bretanha, por exemplo. A princípio, esse projeto não encontrou eco entre os portugueses reinóis, inconformados em perder o status de metrópole e ver suas colônias elevadas à condição de reino. Essa insatisfação provocou a saída de d. Rodrigo do governo, mas os acontecimentos de 1807 (o bloqueio comercial decretado à aliada Inglaterra, a iminência de uma invasão francesa e o pacto entre França e Espanha sobre a partilha dos territórios portugueses depois de ocupados) empurraram a Coroa para a única solução que se apresentava: transferir a Corte, o governo e todo seu aparato burocrático e administrativo para o Rio de Janeiro, concretizando, ainda que forçosamente, o sonho do Império com sede no Brasil como única saída para a salvação da monarquia portuguesa ante a ameaça francesa, acontecimento sem precedentes na história do colonialismo europeu.

[5] TURBILHÃO CARTESIANO: a expressão “turbilhão cartesiano” faz alusão a René Descartes, um dos expoentes da Revolução Científica ocorrida entre os séculos XVI e XVII, em que as estruturas do pensamento, sobretudo no plano científico, passaram a ser questionadas. Até então, explicações teológicas e metafísicas, apoiadas principalmente pela Igreja Católica, dominavam os estudos em torno dos fenômenos da natureza. Novas descobertas científicas, no entanto, fundamentadas em explicações racionais, revelavam que essas antigas concepções não mais satisfaziam um homem ciente de uma maior objetividade que o levasse a compreender fenômenos e leis que regiam a natureza e consequentemente, o seu mundo cotidiano. Era o surgimento da ciência e da filosofia modernas que, para além do campo científico, trariam novas ideias sobre as relações entre indivíduo, sociedade e Estado. Essas concepções se alastraram pela Europa e integram diretamente o movimento Iluminista, que contestou frontalmente as instituições do Antigo Regime, derrubado na França em 1789 por revolucionários inspirados pela filosofia das luzes. Com Napoleão Bonaparte, os ideais da Revolução Francesa foram impostos à força em vários países, o que representou para homens como o governador da capitania de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro um verdadeiro “turbilhão” movido pela força das perigosas ideias francesas.

[6] DEVORADOR DE TRONOS E MONARQUIAS: termo empregado pelo governador da capitania de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, para referir-se a Napoleão Bonaparte em carta ao visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo, na qual saudava a chegada do príncipe regente ao Brasil em 1808. Após a eclosão da Revolução Francesa, Bonaparte foi nomeado comandante militar dos exércitos franceses e, em 1799, liderou um golpe de estado que desencadearia, nos 15 anos seguintes, inúmeros conflitos continentais entre as potências envolvidas na disputa pelo controle do comércio mundial. A política expansionista de Napoleão foi responsável por alçar o império francês a proporções continentais, anexando territórios como o Sacro Império Romano-Germânico, o território da Bélgica, da Holanda, da Espanha, parte da Península Itálica e outros estados germânicos. Em 1807, o exército francês, sob o comando do general Junot, invade Portugal. O expansionismo bonapartista foi diretamente responsável pela transferência da corte portuguesa e da família real para o Brasil em 1808.

[7] BEIJA-MÃO: função medieval revivida pelos Bragança, a cerimônia de corte do beija-mão era uma representação pública, que punha o monarca em contato direto com o vassalo. Este, por sua vez, lhe apresentava as devidas reverências e suplicava por alguma mercê, frequentemente concedida pelo rei. Pleno de significado simbólico, o cerimonial reforçava a autoridade paternal do soberano protetor da nação, bem como o respeito à monarquia, confirmado pela postura altamente reverencial diante dos reis e pelo fascínio que exercia sobre o povo em geral. Regras prescritas determinavam a sequência de atos que levava ao ponto mais alto da cerimônia do beija-mão: chegando junto à sua majestade, por meio de uma reverência, que consistia em dobrar um pouco ambos os joelhos (genuflexão), ficando o corpo inteiro, punha-se um joelho em terra e lhe beijava a mão. Após levantar, tornava-se a fazer outra genuflexão e, voltando-se para o lado direito, retirava-se da sala. No Brasil, o ritual do beija-mão adquiriu um caráter fundamental nas cerimônias celebradas por d. João VI. O rei recebia o público todas as noites, exceto domingos e feriados, no palácio de São Cristóvão, acompanhado por uma banda musical. Este ritual “antiquado”, como foi observado por convidados austríacos na corte carioca, fez parte de todo o cerimonial restaurado por d. João que adotou, aqui no Brasil, um papel tradicional de monarca absoluto. Sua preocupação era manter um contato direto com súditos que nunca o haviam visto e, consequentemente, aumentar a sua popularidade concedendo alguma mercê. O beija-mão se tornara, assim, uma forma de aproximação dos representantes da Corte com o povo da colônia e de afirmação da autoridade real.

[8] MELO SOTTOMAYOR, JOÃO RODRIGUES DE SÁ E (1755-1809): filho de Aires de Sá e Melo e de d. Maria Antônia de Sá Pereira e Meneses, participou ativamente do cenário político luso-brasileiro. Entre as funções e distinções que possuiu, destacam-se: senhor donatário da vila de Anadia (1787); comendador de São Paulo de Maçãs; alcaide-mor de Campo Maior; membro do conselho da Fazenda e ministro plenipotenciário em Berlim. Em reconhecimento aos serviços prestados pelo seu pai como diplomata e secretário de Estado adjunto do marquês de Pombal e depois secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, d. Maria I concedeu-lhe o título de visconde de Anadia em 1786, sendo agraciado com o título de conde pelo príncipe regente d. João em 1808. Transferiu-se junto com a Corte portuguesa para o Brasil em 1808 e exerceu o cargo de secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos até sua morte em 1809.

[9] MONTENEGRO, CAETANO PINTO DE MIRANDA (1748-1827): nasceu no bispado de Lamego em Portugal, segundo filho de Bernardo José Pinto de Miranda Montenegro, fidalgo escudeiro da Casa Real e de d. Antônia Matilde Leite Pereira de Bulhões. Comendador da Ordem de Cristo, Montenegro seguiu a carreira das letras, frequentando a Universidade de Coimbra a partir de 1777, onde obteve o grau de bacharel em 1781. Concluiu a licenciatura em 1783, ano em que também recebeu o grau de doutor em Direito. Contemporâneo dos irmãos Andrada, José Bonifácio e Antônio Carlos, foi apresentado ao ministro Martinho de Melo e Castro por d. Catarina Balsemão – mulher de Luiz Pinto de Sousa Coutinho, futuro ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra –, senhora de grande influência na corte, que solicitou para seu afilhado, o despacho de governador do Mato Grosso. O ministro Melo e Castro, no entanto, o nomeou em 1791 para o cargo de intendente do ouro no Rio de Janeiro, permanecendo na função até 1794, quando conseguiu a patente de governador e capitão general da capitania de Mato Grosso. Permaneceu governador do Mato Grosso até 1803, e tornou-se, posteriormente, governador da capitania de Pernambuco, no período entre 1804 a 1817, inclusive durante a Revolução pernambucana. Chegou a ser nomeado governador e capitão general de Angola, mas por meio de manifestações de diversos municípios, da Câmara do Senado do Recife e de pessoas notáveis junto ao príncipe regente, foi mantido no cargo. Participou ativamente da v ida política do Império, e recebeu do Imperador d. Pedro I os títulos de barão, visconde e marquês de Vila Real da Praia Grande.

[10] PROIBIDO NO BRASIL TODO COMÉRCIO COM ESTRANGEIROS: a expressão em destaque evidencia o impasse que gerou o apoio britânico a Portugal no momento que antecede a transmigração da Corte para o Brasil em 1808. As relações comerciais no Brasil, até 28 de janeiro daquele ano, seguiram diretrizes mercantilistas, das quais o pacto colonial é considerado um elemento constitutivo. De acordo com as regras do exclusivismo colonial, cabia à colônia, no caso o Brasil, fornecer gêneros tropicais ou metais preciosos para a metrópole, explorados em regime de monopólio, isto é, somente Portugal poderia comercializar com o Brasil, e ainda, todos os produtos manufaturados seriam fornecidos pela metrópole, pois a colônia estava impedida de produzi-los. O monopólio comercial foi uma fonte essencial de recursos para a Coroa portuguesa. A Inglaterra, tradicional aliada de Portugal, vislumbrando as potencialidades de comércio com o Brasil, em decorrência da transferência da Corte, e estando ameaçada de estrangulamento nas rotas comerciais pela França, apoiou a transmigração da família real para os seus Estados da América, fazendo incluir, nos acordos realizados para este fim, uma cláusula que visava obter uma posição privilegiada no comércio com o Brasil, levando ao fim do pacto colonial.

[11] POTÊNCIAS AMIGAS: após a ascensão de Napoleão Bonaparte ao posto de imperador e a formação de uma aliança militar entre a Espanha e França, tropas francesas comandadas pelo general Junot invadiram Portugal em novembro de 1807, em decorrência de sua indecisão em aderir ao bloqueio comercial à Inglaterra, tradicional aliada portuguesa. Como consequência, a Corte e a família real portuguesa migraram para o Brasil e, em 1808, já estabelecido no Rio de Janeiro, d. João declarou guerra aos franceses. A expressão “potências amigas” refere-se aos países – entre eles Inglaterra e Estados Unidos – que não aderiram ao bloqueio imposto por Napoleão e que, após a chegada da família real ao Brasil, foram beneficiadas com as vantagens alfandegárias advindas da Abertura dos Portos.

[12] ULTRAMAR: ultramar era o termo utilizado para se referir aos domínios ultramarinos, às possessões de além-mar, às terras conquistadas e colonizadas no período da expansão marítima e comercial europeia, ocorrida a partir do século XV. No caso português, as possessões coloniais espalhavam-se pelos continentes africano, americano e asiático, tendo como principais cidades Luanda e Benguela na África, Macau e Malaca na Ásia, e Rio de Janeiro e Salvador na América. Desse termo deriva por exemplo Conselho Ultramarino, órgão criado em 1642 visando uniformizar a administração do ultramar, competindo-lhe a gestão de todos os negócios referentes aos Estados do Brasil, Índia, Guiné, ilhas de São Tomé e Cabo Verde, e de todos os demais territórios em África vinculados a Portugal.

[13]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[14] CONSELHO ULTRAMARINO: criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contra-informes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

[15] MESA DA CONSCIÊNCIA E ORDENS: inicialmente denominada Mesa da Consciência, quando de sua criação em 1534, passou a ser designada de Mesa da Consciência e Ordens a partir de 1551, quando acrescentou a sua administração, as matérias referentes às três ordens militares e também cristãs: Cristo, Santiago da Espada e São Bento de Avis. Organismo judicial criado em 1532, tinha como propósito auxiliar o monarca – supremo dispensador da justiça – em resoluções que não competissem aos tribunais de justiça e de fazenda. O Regimento de 1608 estabeleceu que o Tribunal da Mesa seria composto de um presidente, cinco deputados (teólogos e juristas), um escrivão da câmara e três escrivães específicos para cada uma das ordens. Entre as várias atribuições da Mesa estavam encarregar-se dos pedidos dirigidos diretamente ao rei, que tocassem a “obrigação de sua consciência” e foi um dos mecanismos utilizados para a centralização do poder monárquico. Outras de suas atribuições eram: a tutela espiritual e temporal das ordens militares; a administração da Casa dos Órfãos de Lisboa; a tutela de diversas provedorias, entre elas a gestão de capelas e hospitais e a dos defuntos e ausentes; a superintendência da administração da Universidade de Coimbra, o governo espiritual das conquistas, entre outras. A Mesa de Consciência e Ordens foi criada juntamente com o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço no Brasil em alvará de 1808. Este trouxe algumas modificações em relação às funções a serem exercidas pelo tribunal na nova sede do Império, passava a tratar dos assuntos relativos ao padroado, em função da jurisdição espiritual da Ordem de Cristo em todos os territórios ultramarinos, direito concedido por Roma no século XV. Incluía, dentre outras competências, a análise dos pedidos de criação de novas freguesias, a construção de capelas, assuntos ligados às irmandades, a gerência de conflitos entre eclesiásticos, bem como os embates entre os clérigos e a população. Foi extinta no reinado de d. Pedro I, em 1828.

[16] AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[17] ALGODÃO: diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

 

Sugestões para uso em sala de aula

Utilizações possíveis:
* Nos eixos temáticos: "História das representações e das relações de poder".
* Ao abordar os sub-temas: "Nações, povos, lutas, guerras, revoluções" e "Cidadania e cultura no mundo contemporâneo".

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
* Relações entre cultura e sociedade em Portugal e no Brasil;
* Iluminismo;
* Administração colonial;
* Relações sociais de dominação na América Portuguesa;
* Coroa portuguesa;
* Processo de formação, expansão e dominação do capitalismo no mundo (a expansão do comércio na Europa do Renascimento, a expansão colonial e o acúmulo de riquezas pelos Estados Nacionais europeus, entre outros).

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