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Administração Colonial

Comentário

Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 14h58 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 19h20

Fabiano Vilaça dos Santos
Pesquisador da Revista Nossa História e Doutorando em História- USP

A análise do funcionamento das instâncias administrativas coloniais, em especial as câmaras municipais, tem sido revigorada na historiografia recente. As abordagens privilegiam, em síntese, as interações entre os poderes locais e a metrópole e os seus desdobramentos na colonização. Também estão inseridos nos estudos de história administrativa, os agentes designados para o exercício dos governos ultramarinos, de acordo com os modelos de uma sociedade de Antigo Regime e de participação no Real Serviço. Em uma definição geral, as câmaras municipais são conhecidas como as instâncias representativas dos interesses dos colonos. Eram compostas por vereadores escolhidos entre os membros das elites locais; alcaides; juízes ordinários; procuradores e almotacés que exerciam em conjunto o governo das vilas e cidades, cuidando de assuntos como abastecimento, segurança, aplicação dos padrões de pesos e medidas, limpeza e conservação do espaço público, além de possuírem algumas atribuições militares e judiciárias locais.
Algumas dessas atribuições geravam conflitos de autoridade e jurisdição, como atesta a carta régia de 20 de maio de 1734, dirigida ao provedor-mor da Fazenda do Estado do Brasil, para que não se intrometesse nas questões relativas ao exame e aferimento de pesos e medidas na Bahia, pois o assunto era da competência dos oficiais da Câmara de Salvador (AN-cód. 539, vol. 2-fl. 172v). Em termos fiscais, as câmaras municipais também eram responsáveis pelo recolhimento de alguns impostos, o que lhes deu, por vezes, notória autonomia político-administrativa. Segundo Maria Fernanda Bicalho, no Rio de Janeiro do século XVII a Câmara desfrutou de grande autonomia política, em contraste com o século seguinte. Isso pode ser demonstrado por meio de uma carta do rei d. Pedro II, de 8 de novembro de 1694, ao governador do Rio de Janeiro, para que este repreendesse os oficiais da Câmara pela desobediência à ordem régia de ajustar os impostos necessários à manutenção da Colônia do Sacramento (AN-cód. 77, vol. 5-fls. 61-62).
A própria rotina administrativa conduzia, por outro lado, ao contato das câmaras com os administradores coloniais. Um exemplo dessa articulação ocorreu após a invasão dos franceses ao Rio de Janeiro, liderados por René Du-Guay Trouin, em 1711. Na correspondência do Rio de Janeiro para o governo geral na Bahia sobre o estado em que ficou a cidade após a invasão, há sugestões do governador-geral d. Pedro de Vasconcelos para que fosse criado um novo imposto destinado à reconstrução da cidade e à melhoria de suas fortificações, medida que passaria pela Câmara do Rio de Janeiro (AN-cód. 756). Compostas pelos "homens bons", os "cidadãos" oriundos das elites locais, as câmaras ora colaboraram com as instruções metropolitanas ora discordaram do seu conteúdo, defendendo os interesses de seus representantes na sociedade colonial. Sobre o primeiro aspecto, é ilustrativa a atitude de algumas câmaras de Minas Gerais, que no ano de 1800 foram saudadas por d. João pelo plano de "estabelecer por meio do imposto do papel selado, uma taxa que possa produzir os fundos necessários para dar pensões alimentícias anuais a dois engenheiros topógrafos, dois engenheiros hidráulicos, um médico, um cirurgião e um contador que as ditas câmaras deverão mandar estudar" em Portugal (AN-cód. 97-fl. 104). Quanto à defesa de interesses particulares, são numerosos os casos, em diferentes lugares, até mesmo próximo ao fim do período colonial, como o que se verificou no Pará, em 1804, quando os comerciantes pediram um "ato de justiça" pela má administração da Câmara de Belém que, segundo eles, cuidava apenas dos seus interesses particulares aumentando indevidamente as suas rendas com a venda da aguardente, do anil e do vinho (AN-cód. 99, vol. 4-fl. 122).
Em termos gerais, consente-se que as câmaras municipais foram politicamente mais proeminentes até o fim do século XVII ou pelo menos até meados do século XVIII. A criação de cargos como o de juiz de Fora, nomeado pelo rei, ao contrário do juiz Ordinário, eleito pela municipalidade, representou a maior ingerência da Coroa nos negócios coloniais. No século XVII, acontecimentos que colocaram em risco a soberania portuguesa sobre os territórios americanos, como as invasões holandesas no Nordeste, criaram espaços para a vigência de uma série de prerrogativas e privilégios advindos da atuação dos indivíduos e das famílias mais influentes nas municipalidades na defesa dos domínios portugueses. Tal situação, no entanto, não se extinguiu por completo da realidade colonial, como é possível depreender de um parecer do vice-rei conde de Aguiar, de 8 de fevereiro de 1805, sobre uma representação da Câmara do Rio de Janeiro ao príncipe d. João, na qual seus oficiais expunham os serviços que a dita Câmara prestara em outros tempos à Coroa, pedindo "em remuneração deles vários privilégios". Entre os pedidos figuravam o aumento das rendas da Câmara; a exclusividade na venda da pólvora; a licença para a construção de salinas e a restituição de uma cota do rendimento do subsídio do vinho. O parecer do conde de Aguiar mostrava-se ora contra ora a favor das reivindicações da Câmara do Rio de Janeiro (AN-cód. 204, vol. 3-fls. 76v-78v).
A fidelidade à monarquia também é um aspecto relevante do posicionamento das câmaras municipais, conforme indica a carta de Tomás Antônio de Vila-Nova Portugal, ministro e secretário dos Negócios do Reino, de 14 de outubro de 1817, a respeito da procuração que lhe fora dada por diversas câmaras do Ceará, dentre as quais a de Fortaleza, Icó, Sobral, São Bernardo, Aracati, Campo Maior e Montemor, para representá-las na Aclamação do príncipe d. João, em meio ao contexto da "revolução" deflagrada em Pernambuco, em 1817, que atingiu várias capitanias do Nordeste inclusive a do Ceará, posto que menos intensamente (AN-Série Interior, IJJ9 513 - s/n).
Paralelamente aos estudos sobre a atuação das câmaras municipais, a historiografia tem se dedicado ao estudo das trajetórias sociais e administrativas dos agentes designados pela Coroa portuguesa para o governo das diferentes partes do Império colonial. As conclusões de tais estudos, como os do historiador português Nuno Gonçalo Monteiro, têm mostrado, a partir dos critérios de recrutamento dos governadores - como a formação militar e a origem familiar, além de uma certa experiência administrativa que também credenciava os candidatos -, uma espécie de hierarquia dos cargos na qual o Estado da Índia despontou nos séculos XVI e XVII como destino de elementos oriundos da alta nobreza.
Para o século XVIII, a distribuição dos cargos mais importantes da administração ultramarina concentrou-se no Estado do Brasil, com destaque para Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco. As capitanias subalternas ou de menor expressão eram administradas por indivíduos de status social menos privilegiado, mas com experiência militar comprovada. Havia outra divisão administrativa na América portuguesa: o Estado do Maranhão e Grão-Pará, com sede em São Luís, que vigorou até 1751, quando a unidade passou a ser designada como Estado do Grão-Pará e Maranhão, com sede em Belém, até 1772. Nessa unidade administrativa, que tinha as capitanias de São José do Rio Negro e São José do Piauí como subalternas, os governadores estavam mais afastados do governador-geral ou do vice-rei e comunicavam-se diretamente com Lisboa.
Na prática, a autoridade dos governadores-gerais e vice-reis do Estado do Brasil era muito restrita, não representando muito mais que a de um governador e capitão-general. Até o fim do período colonial, a atuação dos governadores foi orientada pelo Regimento entregue ao governador-geral Roque da Costa Barreto, em 1677. O regimento prescrevia o cuidado com a defesa da Colônia, a boa administração da Fazenda e da Justiça, o cerceamento dos abusos dos governadores de capitania e a sua subordinação ao governador-geral ou vice-rei. Mesmo assim, foram comuns durante o período colonial os conflitos de jurisdição entre governadores de capitanias limítrofes geradas pela má definição das divisas ou motivados por interesses econômicos. Alguns casos demonstram a existência de tais problemas de jurisdição, segundo relatou Bernardo José de Lorena, em 23 de julho de 1789, ao vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa, sobre a usurpação dos limites da capitania de São Paulo pela do Rio de Janeiro, que se apossara da freguesia da Paraíba Nova, pertencente à jurisdição da Câmara de Guaratinguetá (AN-cód. 602, vol. 1-fls. 8-11). Sobre a conduta dos governadores, as trajetórias administrativas apresentam vários episódios de "quedas em desgraça", conforme as palavras de Nuno Gonçalo Monteiro, por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito. Quase no fim do período colonial, uma carta de 20 de março de 1804, dirigida pelos moradores da capitania do Espírito Santo a d. João, acusou o governador Antônio Pires da Silva Pontes de ser "homem sem lei, nem religião, que pelos seus despotismos tem feito desertar da capitania vários moradores, estes fugindo das injúrias e castigos arbitrários, mandando açoitar homens libertos na praça, [...] embolsando dinheiro com o falso pretexto de aplicá-lo para obras da Real Fazenda" (AN- cód. 204, vol. 3 - fl. 62).
Alguns planos da colonização portuguesa preocuparam bastante os administradores coloniais, sendo um dos principais o povoamento. Ocupar as terras significava aumentar a produção de gêneros para o comércio, na concepção mercantilista da exploração dos territórios coloniais; a arrecadação de impostos e a garantia da defesa dos domínios portugueses contra a usurpação estrangeira. Nos projetos de ocupação não estavam incluídos apenas os brancos, mas também os índios. Um regimento de 7 de janeiro de 1669 determinava que o governador do Rio de Janeiro cuidasse da segurança da capitania e da distribuição de terras "aos convertidos ao cristianismo", tão logo assumisse o governo (AN-caixa 746, pct. 1-s/n). Quase cem anos depois, em carta de 14 de junho de 1776, o vice-rei marquês do Lavradio recomendava que fossem enviados casais ociosos do Rio de Janeiro para povoar a ilha de Santa Catarina, ameaçada constantemente pelos castelhanos (AN-cód. 68, vol. 1-fl. 3), além de ter manifestado ao morgado de Mateus, opiniões e planos para a educação dos índios e o seu emprego na lavoura (AN - cód. 70, vol. 6). No final do século XVIII, a preocupação com a inserção dos índios na sociedade ainda se fazia presente. Em uma carta de 12 de maio de 1798, d. João reforçou ao governador do Pará, Francisco Maurício de Sousa Coutinho, que os nativos da capitania deviam ser conduzidos ao convívio com a sociedade local observando-se os preceitos da religião católica (AN-cód. 807, vol. 11-fls. 23-34).
Outra grande preocupação da Coroa e das autoridades coloniais durante o século XVIII, foi a demarcação dos limites, em especial no Sul. O Tratado de Madri (1750); de El Pardo (1761); de Santo Ildefonso (1777), até o de Badajóz (1801) representaram as tentativas diplomáticas de estabelecer as fronteiras dos domínios das Coroas portuguesa e espanhola. As demarcações foram organizadas no Norte e no Sul, mas estas ganharam destaque na documentação, que evidencia o trabalho infrutífero e conturbado das comissões demarcatórias. Nas décadas de 1760 e 1770, as capitanias do Rio Grande de São Pedro do Sul, de Santa Catarina e da Colônia do Sacramento sofreram agressões e invasões castelhanas, fazendo com que muitos recursos da Real Fazenda, além de efetivos militares, fossem desviados para as áreas de conflito, diminuindo o ritmo dos projetos de fomento da economia colonial. Em 26 de outubro de 1803, o vice-rei conde de Aguiar ainda se queixava da demora na demarcação dos limites meridionais, alertando para os vários ofícios expedidos para Portugal, desde 1784, expondo os problemas e conflitos surgidos da inobservância do Tratado Preliminar firmado entre Portugal e Espanha, em 1º de outubro de 1777 (AN-caixa 494, pct. 1-s/n).
Para os trabalhos de história da administração colonial, pode-se recorrer aos seguintes fundos do Arquivo Nacional: Secretaria de Estado do Brasil; Vice-Reinado; Diversos Códices-SDH; Relação da Bahia; Relação do Rio de Janeiro; Alfândega da Bahia e Negócios de Portugal. Há outros de menor extensão, contudo não menos importantes, como: Câmara de Salvador; Câmara de Fortaleza; Câmara de Aquiráz; Câmara de Macaé e Câmara de São Luís. Acerca dos administradores coloniais, há o fundo Marquês do Lavradio, contendo as Cartas da Bahia, as Cartas do Rio de Janeiro e um inventário de documentos microfilmados, além do conhecido relatório do vice-rei (AN - cód. 71) e do seu sucessor, Luís de Vasconcelos e Sousa (AN - cód. 72).

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