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Questão Cisplatina

Sala de aula

Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 18h11 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 14h16

Carta do Barão de Laguna ao Visconde de Lages

Carta do barão de Lages na qual relata a situação do Exército e do recrutamento na região do Rio Grande do Sul. Nessa carta, também descreve o desespero dos habitantes da região com os constantes fracassos do exército e avisa que se isso não fosse feito "em lugar de uma província, haveria de pacificar duas". 

 

Conjunto documental: Coleção Cisplatina
Notação: caixa 978
Data-limite: 1824-1828
Título do fundo: Coleção Cisplatina
Código do fundo: 1A
Argumento de pesquisa: Questão Cisplatina
Data: 10 de outubro de 1826
Local: Quartel General de São Francisco de Paula
Folha: pct. 27 doc. 2

 

Ilmo. Exmo. Senhor

 Tendo oficiado a V. Exa em data de 13 de setembro próximo passado, participando a minha chegada a esta província, e o estado em que achei o recrutamento; cumpre-me agora, para o conhecimento de sua majestade o imperador[1], fazer a V. Exa. uma narração mais extensa sobre diferentes objetos, para que o mesmo augusto senhor fique inteirado das circunstâncias desta província. Logo que cheguei à vila do Rio Grande[2] encontrei uma grande satisfação em seus habitantes, por se persuadirem que a minha presença poderia fazer terminar os males que oprimiam a todos em geral, e prestando atenção às autoridades e pessoas ao fato de tudo, conheci que o recrutamento se torna muito dificultoso por vários motivos. 1º Por que os capitães mores apenas agora principiam a formar listas de habitantes dos seus distritos e ignoram por consequência o número de recrutas que podem dar. 2º Por que os filhos de famílias sujeitas ao recrutamento andam refugiados pelos bosques e é impossível descobri-los. 3º Por que uma parte destes está alistada na 2ª linha. 4ª e última por que há uma geral repugnância a entrar no serviço. Os desertores são inumeráveis e decididos a continuar neste crime; pois tendo feito publicar a ordem do dia, que tenho a honra de remeter inclusa a V. Exa, ainda não me consta ter-se apresentado um só individuo. As cavalhadas estão bastante arruinadas de sorte que o Exército[3] muito mal a este respeito só em grandes esforços pode melhorar. Não apareciam carretas para conduzir víveres ao Exército. ...; porém a antiga má organização de todos os ramos desta província não pode mudar de figura de repente; e com particularidade nas atuais circunstâncias, em que tornando-se como único ponto de vista formar tropas para debelar os rebeldes da província Cisplatina[4], e destruir um inimigo numeroso, não é possível remover com a celeridade precisa os obstáculos que se opõem a esta medida quando em tempo de paz é que se devia ter dado uma ordem tal a marcha das coisas que na guerra não houvessem mais atenções que cuidar do seu termo. Além disso, os habitantes escarmentados[5] dos passados vexames, e de outros bem recentes quase tem chegado a desesperação, vendo arruinar, e perder suas carretas, bois e cavalos, que eles prestariam de boa vontade, sempre que tivessem certeza de que os seus interesses eram olhados com consideração, e que as autoridades militares puniam os agressores, porém infelizmente tem experimentado o contrário, e por isso primeiro que tudo é preciso infundir-lhes confiança, e fazer-lhes ver, que sua majestade imperial, só exige sacrifícios, quando se tornam indispensáveis, no que tenho empregado os meus desvelos, e posso assegurar a V. Exa. que a não ser assim, talvez que em lugar de uma província, haveria que pacificar duas.

...

Em quanto à 2ª linha, devo participar a V. Exa., que em tendo-se me apresentado algumas praças, que por suas circunstâncias nenhuma utilidade podem causar ao serviço, oferecendo em seu lugar pardos para a 1ª linha, eu os tenho aceitado e já fiz organizar uma companhia de cavalaria, depois a agregar a um regimento de cavalaria, de empregá-la como foi mais conveniente do serviço; o que desejareis seja da soberana aprovação de sua majestade imperial; pois aproveitando-se estes indivíduos que não estão sujeitos ao recrutamento, se segue uma conhecida vantagem, ficando não obstante obrigados ao serviço das ordenanças os indivíduos que ofereceram.

...

Deus Guarde a V. Exa. = Quartel General de São Francisco de Paula 10 de outubro de 1826.

Ilmo. Exmo. Senhor Barão de Lages[6]

Visconde de Laguna[7]

 

[1]PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[2] RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período

[3]EXÉRCITO: A presença militar na colônia mostrou-se, desde o início, crucial para a administração dos domínios ultramarinos de Portugal, já que estes territórios careciam de estrutura governativa e ordem político-jurídica bem estabelecidas. Sua trajetória data da criação do governo-geral ainda no século XVI, visando efetivar diferentes planos de defesa e de expansão territorial. As forças militares buscavam enquadrar a população em uma ordem que permitiria o “bom funcionamento” da sociedade colonial. A estrutura militar lusitana, que se transferiu para o Brasil, se dividia em três tipos específicos de força: 1a linha – corpos regulares, conhecidos também por tropa paga ou de linha; 2a linha – as milícias ou corpo de auxiliares e a 3a linha – as ordenanças ou corpos irregulares. Os corpos regulares, criados em 1640 em Portugal, constituíam-se no exército “profissional” português, sendo a única força paga pela Fazenda Real, e seus comandantes eram fidalgos nomeados pelo rei. Essa força organizava-se em terços e companhias, cujo comando também pertencia a fidalgos nomeados pelo rei. Teoricamente, dedicar-se-iam exclusivamente às atividades militares, estando em constante treinamento. Todavia, na colônia, foram comumente empregadas em ações policiais de manutenção da ordem pública, ajudando na prisão de foragidos e na captura de escravos fugidos. As tropas de linha enviadas de Portugal, muitas vezes, careciam de efetivos, momento este em que a coroa lançava mão do recrutamento compulsório, terror da população branca colonial. As milícias, criadas em 1641, eram tropas não-remuneradas, compostas por civis e de alistamento obrigatório entre a população da colônia. Organizaram-se primeiramente por terços (antiga unidade portuguesa que vigorou até a segunda metade do século XVIII) e, depois, em regimentos. Funcionavam como forças de apoio às tropas pagas, e em geral, eram treinadas e disciplinadas para substituí-las caso necessário. Na segunda metade do século XVIII, as milícias no Rio de Janeiro estavam organizadas por regimentos alistados por três freguesias: da Candelária, de São José e de Santa Rita. Em Pernambuco, foi criado o “terço dos Henriques” para lutar nas guerras holandesas de 1648 e 1649. Neste “terço” predominou o alistamento de homens pretos forros e escravos recrutados por empréstimo, mas havia também mestiços, mulatos e mamelucos. O negro forro Henrique Dias (início século XVII-1662) comandou essas tropas auxiliares, daí chamarem-se "dos henriques". Nas demais capitanias se formaram "terços" com as mesmas características também denominados "henriques". Sob a denominação de tropas urbanas, as milícias na Bahia eram compostas pelos regimentos dos úteis (comerciantes e caixeiros) e de infantaria (artífices, vendeiros, taberneiros) todos formados por homens brancos. O medo dos proprietários de terras e escravos de que a experiência de Palmares se alastrasse por toda a colônia levou à criação de uma força de repressão nas capitanias, organizada na forma de milícia especializada na caça de escravos fugidos e na destruição de quilombos, em que se destacou a figura do capitão do mato ou "capitão de assalto" ou "capitão de entrada e assalto" entre outras variações que o posto recebeu de região para região. Já os corpos de ordenanças foram criados em 1549 por d. João III, e seu sistema de recrutamento abrangia toda a população masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas primeiras forças, excetuando-se os privilegiados e os padres. Somente em caso de as autoridades considerarem haver uma grave perturbação da ordem pública, abandonavam suas atividades costumeiras. Recebiam treinamento de forma esporádica. Buscava-se, escapar ao alistamento de todas as maneiras, devido às péssimas condições da vida do soldado. A população civil temia o recrutamento militar obrigatório que era realizado pelos agentes recrutadores. Os possíveis recrutas, isto é, os homens brancos e não militares considerados aptos a engrossarem os efetivos das tropas de linha eram detidos a qualquer hora e local (dentro de suas casas e nas salas de aula) e conduzidos à cadeia para uma triagem. Diante de tais arbitrariedades, só restava aos homens a fuga para longe do local em que habitavam uma vez que o recrutamento acarretava o afastamento de suas atividades por tempo indeterminado. Os postos militares mais elevados eram, em geral, preenchidos por homens que já haviam provado ao rei sua qualidade, ou seja, serviços relevantes prestados, o que costumava ser mais importante do que experiência ou saber de guerra. Em 1648, ao sul do Recife, ocorre uma batalha que pode ser considerada marco na organização de forças locais: sob o comando de André Vidal Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias, tropas formadas por brancos locais, indígenas e negros (organizados em destacamentos diferentes) lutaram contra tropas holandesas, formadas igualmente por brancos, negros e índios e lideradas por Domingos Fernandes Calabar e Johan van Dorth. A data da batalha de Guararapes, 19 de abril de 1648, é comemorada como o aniversário do Exército Brasileiro. Com a instalação da corte no Rio de Janeiro, a estrutura militar sofreu nova organização, modernizando-se e ampliando seus estabelecimentos. Foram criadas Academias Militares, indústrias de armas, fábricas de pólvoras, arsenais de guerras e hospitais militares.

[4] CISPLATINA: os interesses da Coroa portuguesa na Banda Oriental, atual República do Uruguai, eram antigos e foram reforçados com a vinda da Corte para o Brasil em 1808 e pela conjuntura política europeia após a derrota de Napoleão Bonaparte. A conquista da região platina era vista como uma forma de compensação das perdas que Portugal sofreu no Congresso de Viena (1814-15): a restituição de Caiena à França e a recusa por parte da Espanha em restituir a vila de Olivença aos portugueses. Por outro lado, o processo de emancipação das colônias hispano-americanas deu lugar a uma série de novas composições políticas e rupturas, como a do governador de Montevidéu, Francisco Javier de Elío que em 1808 rompe com o vice-rei, se alia a Madri e forma uma junta de governo autônoma. Pressionado pela reação de Buenos Aires, que se aliara ao estancieiro José Artigas, da elite local, Elío aceitou a força “pacificadora” enviada pelo príncipe regente, em 1811. O mesmo Artigas se voltaria contra Buenos Aires, controlando Montevidéu e outras províncias. Mais uma vez as tropas de d. João, sob os protestos da Inglaterra e da Espanha, invadem a Banda Oriental em nome do risco representado pelo projeto de Artigas, de formar uma confederação e que poderia contaminar o sul da América portuguesa, área sensível dessa fronteira. A conquista de Montevidéu pelas tropas luso-brasileiras comandadas pelo general Carlos Frederico Lecor ocorreu em 1817. O território se tornaria província do Brasil com o nome de Província Cisplatina (província de Montevidéu) após a realização do Congresso Cisplatino que votou a favor da sua anexação ao Reino Unido de Portugal e Algarves em 1821. Com a independência do Brasil, a Província Cisplatina continuou a integrar o Império e seria ainda objeto de outros conflitos na região do Prata. Em 1828 a Banda Oriental ou Província Cisplatina se tornou a República Oriental do Uruguai.

[5]HABITANTES ESCARMENTADOS: A‌ ‌província‌ ‌do‌ ‌‌Rio‌ ‌Grande‌ ‌de‌ ‌São‌ ‌Pedro‌ ‌serviu‌ ‌como‌ ‌base‌ ‌para‌ ‌operações‌ ‌militares‌ ‌durante‌ ‌as‌ ‌tentativas‌ ‌de‌ ‌ocupação‌ ‌da‌ ‌Banda‌ ‌Oriental‌ ‌do‌ ‌‌Rio‌ ‌da‌ ‌Prata‌ ‌–‌ ‌atual‌ ‌Uruguai.‌ ‌No início do século XIX, foi ‌também,‌ ‌o‌ ‌ambiente‌ ‌de‌ ‌convocações‌ ‌compulsórias‌ ‌e‌ ‌contratação‌ ‌de‌ ‌mercenários‌ ‌para‌ ‌a‌ ‌manutenção‌ ‌da‌ ‌campanha‌ ‌militar‌ ‌depois‌ ‌de‌ ‌derrotas‌ ‌das‌ ‌forças‌ ‌luso-brasileiras.‌ ‌A‌ ‌expressão‌ ‌“habitantes‌ ‌escarmentados”‌ ‌refere-se‌ ‌às‌ ‌experiências‌ ‌de‌ ‌danos‌ ‌sofridos‌ ‌pela‌ ‌população‌ ‌rio‌ ‌grandense,‌ ‌castigada‌ ‌pelos‌ ‌conflitos‌ ‌impostos‌ ‌na‌ ‌região;‌ ‌denotava‌ ‌desesperança‌ ‌e‌ ‌desilusão.‌ ‌Embora,‌ ‌em‌ ‌1826,‌ ‌tanto‌ ‌a‌ ‌‌Cisplatina‌ ‌quanto‌ ‌o‌ ‌Rio‌ ‌Grande‌ ‌fossem‌ ‌províncias‌ brasileiras,‌ ‌os‌ ‌conflitos‌ ‌de‌ ‌interesses‌ ‌nessa‌ ‌região‌ ‌atravessavam‌ ‌a‌ ‌emergência‌ ‌de‌ ‌projetos‌ ‌nacionais‌ ‌para‌ ‌a província de Buenos Aires e demais províncias adjacentes e para Banda do Uruguai.‌ ‌À‌ ‌ocupação‌ ‌luso-brasileira‌ ‌em‌ ‌Montevidéu‌ ‌iniciada‌ ‌em‌ ‌1817‌ pelas tropas de d. João, ‌seguiu-se‌ ‌a‌ ‌anexação‌ ‌da‌ ‌Província‌ ‌Cisplatina‌ ‌em‌ ‌1821‌ ‌e‌ ‌a‌ ‌subordinação‌ ‌ao‌ ‌governo‌ ‌do‌ ‌‌Rio‌ ‌de‌ ‌Janeiro‌ ‌a‌ ‌partir‌ ‌de‌ ‌1822.‌ ‌As‌ ‌repercussões‌ ‌do‌ ‌envolvimento‌ ‌do‌ ‌Rio‌ ‌Grande‌ ‌com‌ ‌os‌ ‌conflitos‌ ‌na‌ ‌região‌ ‌do‌ ‌Prata‌ ‌se‌ ‌evidenciaram‌ ‌na‌ ‌presença‌ ‌significativa‌ ‌de‌ ‌desertores,‌ ‌tanto‌ ‌das‌ ‌forças‌ ‌de‌ ‌ocupação,‌ ‌como‌ ‌também‌ ‌da‌ ‌resistência‌ ‌organizada,‌ ‌que‌ ‌se‌ ‌abrigaram‌ ‌na‌ ‌província.‌ ‌Na‌ ‌prática,‌ ‌os‌ ‌enfrentamentos‌ ‌e‌ ‌a‌ ‌instabilidade‌ ‌na‌ ‌ordem‌ ‌pública‌ ‌na‌ ‌Banda‌ ‌Oriental‌ ‌transbordaram‌ para‌ ‌as‌ ‌províncias‌ ‌meridionais,‌ ‌como‌ ‌Rio‌ ‌Grande‌ ‌e‌ ‌‌Santa‌ ‌Catarina‌,‌ ‌onde‌ ‌a‌ ‌desordem‌ ‌social‌ proveniente‌ ‌do‌ ‌afluxo‌ ‌de‌ ‌refugiados‌ ‌e‌ ‌desertores‌ ‌da‌ ‌campanha‌ ‌militar‌ ‌na‌ ‌Cisplatina‌ ‌se‌ ‌fazia‌ ‌presente.‌ ‌Ao‌ ‌longo‌ ‌das‌ ‌primeiras‌ ‌décadas‌ ‌do‌ ‌século‌ ‌XIX,‌ ‌verifica-se‌ ‌a‌ ‌difusão‌ ‌das‌ ‌ideias‌ ‌liberais‌ ‌deste‌ ‌lado‌ ‌do‌ ‌Atlântico‌ ‌e,‌ ‌no‌ ‌território‌ ‌onde‌ ‌atualmente‌ ‌é‌ ‌o‌ ‌Uruguai.‌ ‌As‌ ‌disputas‌ ‌se‌ ‌travaram‌ entre:‌ ‌soluções‌ ‌de‌ ‌subordinação‌ ‌a‌ ‌Espanha;‌ ‌autonomia‌ ‌local;‌ ‌incorporação‌ ‌a‌ ‌Buenos‌ ‌Aires;‌ ‌anexação‌ ‌luso-brasileira;‌ ‌união‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌governo‌ ‌independente‌ ‌do‌ ‌Rio‌ ‌de‌ ‌Janeiro‌ ‌e‌ ‌vinculação‌ ‌a‌ ‌Lisboa.‌ ‌Nesse‌ ‌contexto,‌ ‌a‌ ‌proximidade‌ ‌geográfica,‌ ‌somada‌ ‌às‌ ‌movimentações‌ ‌guerrilheiras,‌ e aos interesses pecuários do Brasil, ‌expressa‌ ‌um‌ ‌contágio‌ ‌da‌ ‌província‌ ‌de‌ ‌Rio‌ ‌Grande‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌ambiente‌ ‌de‌ ‌ocupação‌ ‌e‌ ‌resistência‌ ‌local‌ ‌em‌ ‌Montevidéu, com implicações futuras para a região ao longo de todo o Oitocentos.‌ ‌

[6] CARVALHO, JOÃO VIEIRA DE (1781-1847): nascido em Portugal, o barão de Lages destacou-se como militar e político na América portuguesa. Estudou em Lisboa e formou-se em engenharia. Recebeu os títulos de barão, conde e marquês de Lages. Foi ministro da Guerra em diferentes ocasiões entre 1822 e 1840; ocupou o cargo de senador a partir de 1829, sendo o presidente do Senado no período de 1844-1847. Publicou cartas topográficas sobre a fronteira do sul do Brasil, além de participar das campanhas militares na região Cisplatina em 1811. Em 1826, Carvalho era brigadeiro e ministro da Guerra do Império do Brasil.

[7] LECOR, CARLOS FREDERICO (1764-1836): nascido na cidade de Lisboa, era considerado um cidadão luso-brasileiro por sua destacada atuação militar a serviço de Portugal e, após 1822, em favor do Brasil. Recebeu os títulos de único barão de Laguna por Portugal e primeiro barão com grandeza e visconde com grandeza de Laguna pelo Brasil. Iniciou sua carreira militar na última década do século XVIII e defendeu Portugal na Guerra Peninsular (1808-1814), onde obteve brilhante atuação, alçando ao posto de comandante da Divisão de Voluntários Reais em 1815.No ano seguinte, a divisão parte para Santa Catarina com a missão de conquistar e manter Montevidéu e todo território a leste do rio Uruguai. A conquista da cidade ocorreu em 20 de janeiro de 1817, mas, só em 1821, a região passou a chamar-se Província Cisplatina, ligada diretamente ao governo português, com sede no Rio de Janeiro. Após a independência do país, em 1822, comandou as forças brasileiras contra o exército português até 1824, quando este capitulou. Em 1825, inicia-se o movimento de independência da Cisplatina e a reunião desta com as Províncias Unidas.  Desencadearam-se as lutas com os insurgentes, culminando na declaração de guerra do Brasil às Províncias Unidas do Rio da Prata, em dezembro de 1825. Lecor fica no comando do Exército do Sul, mas é logo exonerado pelo Imperador, substituindo-o o marquês de Barbacena. Voltou ao cargo em janeiro de 1828, onde ficaria até o final da guerra, em agosto do mesmo ano, quando retornou ao Rio de Janeiro.

 

Sugestões de uso em sala de aula
- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- Guerra da Cisplatina (1825-1828)
- Estados Modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

A província do Uruguai

Carta do barão de Laguna a João Vieira de Carvalho sobre a província do Uruguai. O barão reclama a demora do Rio Grande do Sul no envio de tropas para a região, pois seus esforços são inúteis sem os mesmos e informa que tem procurado empregar todos os meios possíveis para manter a região pacífica e sob o poder do Brasil, pois as tropas européias, aliadas aos revolucionários da Praça de Montevidéu, buscavam todas os formas possíveis para pôr a província em "completa anarquia".

Conjunto documental: Coleção Cisplatina
Notação: caixa 977
Data-limite: 1819-1823
Título do fundo: Coleção Cisplatina
Código do fundo: 1A
Argumento de pesquisa: Cisplatina
Data do documento: 11 de abril de 1823
Local: Canelones
Folha(s): -

 

Apesar de ir nesta ocasião o Conselheiro dom Lucas José Obes[1] que de viva voz informará a Sua Majestade O Imperador[2], qual é o estado atual desta província, e quais as medidas que tenho tomado, com as pequenas forças que tenho, para destruir os planos das tropas europeias, que de mãos dadas com os revolucionários da Praça de Montevidéu[3], tem buscado todos os expedientes para pôr esta província em completa anarquia, e para malograr as minhas intenções; devo declarar a Vossa Excelência para conhecimento do Máximo Augusto Imperador, que as coisas tem tomado uma face bem agradável, quando ao princípio se anunciavam funestas conseqüências. As tropas do meu comando cada vez mostram mais entusiasmo, e mais desejo de se baterem com o inimigo, porém este já escarmentado só cuida em defender-se nas fortificações que tem formado apoiadas pela esquerda de um arroio cujos passos tem guarnecidos com infantaria e artilharia, e pela direita em uma vala ou fosso defendida da mesma maneira, além de ter no centro uma fortaleza que domina toda a circunferência das posições; apesar de tudo isto tenho os meus postos avançados a tal distância que não é possível sair um homem sem ser visto, ou pressentido, e as reservas em ponto que possam logo socorrer qualquer lugar atacado; porém não posso obrigar o inimigo a entrar na praça pela falta que tenho de infantaria, sendo me do mesmo tempo necessário derrotar completamente as partidas do insurgentes que tem aparecido em alguns pontos desta campanha, parte das quais já não existe pela atividade com que o coronel Dom Frutuoso Rivera[4] tem ido em seu alcance a testa de 300 homens com que o fiz logo marchar, e várias outras partidas que mandei para o departamento de Maldonado. A frente destes insurgentes se achava o coronel que foi do departamento de São José, Dom Manoel Duran[5], único homem de apresentação que havia entre eles, cuja gente já se achava dispersa, e outros oficiais mandados de Montevidéu, que brevemente terão a mesma sorte; contudo sendo necessário não os desprezar, e perseguí-los continuamente, reiterei as minhas requisições de tropa do Rio Grande, fazendo-lhe ver as urgentes circunstâncias em que me achava, o risco que corria esta província se não me auxiliasse, e quanto era necessário atacar a divisão antes do inverno; oficiando ao mesmo tempo ao marechal de campo José de Abreu / como já tinha feito / para que se aproximasse quanto antes com a força de seu comando e com efeito já me participou que marchavas dos potreiros do Arapay, para o Uruguai  donde mandei vir 500 homens, deixando 200 dos menos capazes de marchar para que unidos a força do dito marechal que consta de 900 homens, guarneçam todas aquelas posições, que presentemente devem estar em segurança, pois que a intriga de Montevidéu tão bem se acha introduzida nas províncias de Santa Fé e Entre Rios, ainda que esta última está de prevenção contra tais maquinações todas tendentes à expelir desta província as tropas de Sua Majestade Imperial. Igualmente devo declarar a Vossa Excelência que a atual comoção desta província não teria existido, se o governo do Rio Grande[6] me tivesse enviado as tropas que tantas vezes lhe pedi, resultando caírem em poder do inimigo um capitão e três soldados, de sete que vieram para o povo da Rocha, em lugar dos 200 que requisitei e que ali estivessem, de certo não haveria naquele departamento, nem ao menos a lembrança de pegar em armas, porém a falta de auxílios tem feito com que se verificassem as minhas bem fundadas desconfianças, de que a campanha devia tomar uma atitude hostil logo que fosse instigada pela capital, e protegida pela Divisão de Voluntários Reais[7], e de que quando eu me aproximasse ao sítio havia de ter que atender a outros pontos, porém em breve tempo espero ver tudo tranqüilo, e empregar as minhas forças somente contra a divisão e nos sequazes. Vossa Excelência pode assegurar a Sua Majestade Imperial que emprego, e empregarei todos os esforços para pacificar esta província, porém que estes na parte que toca a introduzir a divisão na Praça de Montevidéu, se não inúteis, se a província do Rio Grande continuar na apatia em que tem estado, relativamente à remessa de tropas. A força inimiga entre divisão e insurgentes que se acham na praça, e nas fortificações a légua e meia de distância, passa de 38 homens e a do meu comando que presentemente faço frente consta de 1340 de todas as armas, sendo a infantaria somente 190 homens. Nesta ocasião não posso remeter a Vossa Excelência um mapa circunstanciado de toda a força que tenho ao meu comando, o que farei logo que as circunstancias permitirem.

Deus Guarde a Vossa Excelência = Quartel General de Canelones, 11 de abril de 1823

Ilustríssimo e Excelentíssimo João Vieira de Carvalho[8]

Barão de Laguna[9].

 

[1] OBES, CONSELHEIRO D. LUCAS JOSÉ (1782 – 1836): advogado e político, nasceu na Argentina e atuou também no setor mercantil. Participou da administração do general Carlos Frederico Lecor na Banda Oriental como membro do Consulado de Comércio e do Corpo Cível. Em 1821, após a incorporação ao Reino de Portugal, Brasil e Algarves, a província Cisplatina, passou a dispor de representação nas Cortes Gerais, reunidas em Lisboa, para elaborar uma Constituição, que decretaria o fim ao Antigo Regime. Os brasileiros que viajaram a Lisboa para se reunir às Cortes representavam uma tendência dentro do movimento constitucionalista denominado “regenerador”, isto significava que as províncias do Brasil deveriam acatar as decisões das Cortes de Lisboa obtidas por maioria dos votos. Em fevereiro de 1822, o então representante da Cisplatina, José Obes, chega ao Rio de Janeiro, mas não prossegue a viagem até Lisboa. Recebeu instruções do general Lecor para representar os interesses de Montevidéu nas Cortes e se informar a respeito do futuro da província Cisplatina. Mas, em primeiro lugar, devia ir ao Rio de Janeiro para receber as ordens do príncipe regente do Reino do Brasil do qual a província Cisplatina era parte integrante. Ainda no mês de fevereiro, d. Pedro instituiu procuradores-gerais em diversas províncias do Brasil e nomeou Lucas José Obes procurador-geral do Estado Cisplatino. Na reunião do Conselho de Estado de 3 de junho de 1822, o representante da Cisplatina proferiu um discurso de adesão ao príncipe regente. Este discurso foi duramente criticado pelos militares portugueses, que ocupavam a província e concordavam com o retorno de d. Pedro para Portugal, conforme decisão tomada anteriormente pelas Cortes de Lisboa. Com o fim da Guerra da Cisplatina (1825-1828), obtido por meio do apoio da Grã-Bretanha, Lucas José Obes participou do governo oriental. Integrou a missão que foi ao Rio de Janeiro para discutir a questão das fronteiras entre Brasil e Uruguai, e foi ministro das pastas da Fazenda e das Relações Exteriores, vindo a morrer em Niterói, Rio de Janeiro.

[2]PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[3]PRAÇAS DE MONTEVIDÉU: a independência do Brasil trouxe à tona as diferenças existentes entre portugueses e brasileiros no interior das tropas de ocupação da província Cisplatina: de um lado, a Divisão dos Voluntários Reais sob o comando do Brigadeiro D. Álvaro da Costa, permaneceu fiel a dom João VI, do outro, o general Carlos Frederico Lecor (barão de Laguna) e as forças brasileiras que ficaram a favor de dom Pedro I e do novo império. Em meio à guerra civil entre as forças portuguesas e brasileiras, que se inicia no mês de setembro de 1822, alguns membros do cabildo (governo local) de Montevidéu descontentes com a administração do general Lecor passam a defender propostas alternativas à ocupação portuguesa: a independência da província Cisplatina ou a sua união às Províncias Unidas do Reino da Prata (Argentina). Os membros do cabildo, ou os "revolucionários da Praça de Montevidéu" conforme expressão utilizada pelo barão de Laguna na sua carta, procuram então apoio nos antigos e atuais opositores de Lecor, estabelecendo alianças com d. Álvaro da Costa e Manuel Durán, aliado de José Gervásio Artigas. Apoiado pelo cabildo d. Álvaro da Costa permanece em Montevidéu, tornando esta capital o único ponto da resistência portuguesa. Ainda em setembro, Lecor e seus aliados orientais seguem para os departamentos de Canelones, e depois para o de San Jose que já haviam declarado o seu apoio ao governo do Rio de Janeiro e a dom Pedro I. A guerra civil na província prolonga-se até 1824 quando então D. Álvaro da Costa é sitiado por Lecor em Montevidéu. Com a derrota dos Voluntários Reais, e o seu retorno para Portugal, a província fica sob a autoridade do império brasileiro até o final da Guerra da Cisplatina, em 1828, obtido graças às pressões britânicas.

[4] RIVERA, FRUTUOSO (1784-1854): José Frutuoso Rivera nasceu em Montevidéu em 1784 e foi importante militar e político uruguaio. No início do século XIX, já se destacava ao lado de José Artigas, na luta contra o domínio espanhol na Banda Oriental, atual Uruguai, apoiados pela Junta Revolucionária de Buenos Aires de 1810 – governo provisório do Vice-reino do rio da Prata durante o processo de independência. Após a derrota definitiva dos espanhóis de Montevidéu em 1814, Artigas e Frutuoso Rivera lutaram contra os antigos aliados portenhos e suas pretensões de manter a unidade dos territórios que integravam o Vice-reinado do Rio da Prata sob o controle de Buenos Aires. Em 1815, Rivera venceu os portenhos em Guaybo e as tropas artiguistas derrubaram o governo que representava Buenos Aires em Montevidéu. Com a invasão da Banda Oriental pelas tropas luso-brasileiras sob o comando do general Lecor e a tomada de Montevidéu no início de 1817, Artigas e Rivera se refugiaram na campanha, onde reorganizaram as suas forças e lutaram contra os invasores até 1820. A derrota definitiva de Artigas ocorreria em 22 de janeiro de 1820. Após a derrota, Rivera incorporou-se ao exército português, levando com ele uma força de 400 homens. Em 1821, a Banda Oriental foi anexada à Coroa portuguesa com o nome de província da Cisplatina. A repercussão da independência do Brasil acarretou uma cisão dentro das tropas luso-brasileiras, Rivera logo apoiou a independência e, acompanhado de Lecor, tomou Montevidéu, que se encontrava em poder de d. Álvaro Costa, fiel a d. João e a Portugal. Frutuoso Rivera serviu como oficial no exército brasileiro e, posteriormente, foi promovido de coronel a brigadeiro. Buenos Aires continuaria, contudo, contestando a incorporação da Cisplatina ao Brasil e lutaria para integrar Montevidéu e sua campanha às Províncias Unidas do Reino da Prata. Com o apoio dos estancieiros portenhos, Juan Lavalleja e os “Trinta e três orientais” ocupariam a Cisplatina. Rivera lutaria ao lado de Lavalleja pela emancipação da Cisplatina. Com a independência do Uruguai em 1828, apoiada pelo governo britânico, seria o primeiro presidente e governaria até 1834. Em 1838, reassumiu a presidência do Uruguai. Fundou o Partido Colorado (simpatizante das posições brasileiras) em oposição ao Partido Blanco (mais próximo das posições argentinas). Mesmo assim, a atuação de Rivera foi bastante controversa durante a Farroupilha: ora apoiava as forças imperiais, ora as forças republicanas que se rebelaram contra o governo central. Exilado no Brasil algumas vezes durante a Guerra civil do Uruguai (1843-1851), faleceu antes de retornar ao Uruguai, onde participaria de uma Junta Governativa ao lado de Juan Lavalleja.

[5] DURÁN, MANUEL: foi um dos comissionados por José Artigas – militar e político uruguaio – para tornar efetivo o Reglamento de Tierras – regulamento que visava distribuir as terras da Banda Oriental e ocupá-las produtivamente – promulgado pelo governo revolucionário de Montevidéu em 10 de setembro de 1815, após a expulsão das tropas de Buenos Aires. A maioria das terras confiscadas e distribuídas naquele período encontrava-se nos limites da jurisdição que coube a Manuel Durán, incluindo aquelas que deram origem à cidade de Carmelo. Localizada no departamento de Colônia, às margens do Rio da Prata, Carmelo foi a única cidade fundada por José Artigas em 1816. A reforma agrária prevista no Reglamento confiscou as terras dos emigrados, com objetivo de distribuí-las entre negros livres, índios e criollos (descendentes de europeus que nasceram na América) pobres. Esta medida alarmou os proprietários de terras e gado da campanha oriental que receavam o “independentismo artiguista” e seu “republicanismo populista”. Neste contexto, se deu a invasão portuguesa na Banda Oriental em 1816, tendo à frente o general Lecor, que logo foi apoiado pelo grupo favorável à incorporação da província da Cisplatina ao Reino Unido, notadamente a elite política e proprietária de Montevidéu. Manuel Durán colaboraria, posteriormente, com a administração portuguesa na Banda Oriental. Mas, em abril de 1823, Durán combateu as forças do general Lecor, apoiado por efetivos recrutados na campanha oriental (tradicional reduto artiguista), ao lado do cabildo de Montevidéu, que pretendia tornar a província Cisplatina independente.

[6] RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.

[7] DIVISÃO DE VOLUNTÁRIOS REAIS: corpo do exército português criado em 1815 e enviado ao Brasil com o pretexto de pacificar a região do rio da Prata, em auxílio ao vice-rei espanhol Francisco Javier Elío. Contando com duas brigadas e mais dois batalhões de infantaria cada uma, um de cavalaria, um de artilharia e mais dois batalhões de caçadores, desembarcaram no Rio de Janeiro, em 30 de março de 1816, seguindo depois para a região platina. Entre os oficiais que fizeram carreira neste exército estavam: o tenente-general Carlos Frederico Lécor, Francisco Homem de Magalhães Pizarro, Francisco de Paula Massena Rosado, Jorge de Avilez Zuzarte de Sousa Tavares, Manuel Jorge Rodrigues, todos veteranos da Guerra Peninsular. Ocupou a Banda Oriental, como era chamada a região em 1816 e tomou o controle da cidade de Montevidéu a 20 de janeiro de 1817, no conflito conhecido por Guerra contra Artigas, levando à incorporação da região denominada de Província Cisplatina e incorporada aos domínios portugueses em 1821. Inicialmente, este grupamento foi chamado de Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, em honra ao príncipe-regente, mas em consequência da morte da rainha d. Maria I e a posse de d. João VI como rei de Portugal, Brasil e Algarves em 1816, passou a se chamar Divisão de Voluntários Reais do Rei.

[8] CARVALHO, JOÃO VIEIRA DE (1781-1847): nascido em Portugal, o barão de Lages destacou-se como militar e político na América portuguesa. Estudou em Lisboa e formou-se em engenharia. Recebeu os títulos de barão, conde e marquês de Lages. Foi ministro da Guerra em diferentes ocasiões entre 1822 e 1840; ocupou o cargo de senador a partir de 1829, sendo o presidente do Senado no período de 1844-1847. Publicou cartas topográficas sobre a fronteira do sul do Brasil, além de participar das campanhas militares na região Cisplatina em 1811. Em 1826, Carvalho era brigadeiro e ministro da Guerra do Império do Brasil.

[9] LECOR, CARLOS FREDERICO (1764-1836): nascido na cidade de Lisboa, era considerado um cidadão luso-brasileiro por sua destacada atuação militar a serviço de Portugal e, após 1822, em favor do Brasil. Recebeu os títulos de único barão de Laguna por Portugal e primeiro barão com grandeza e visconde com grandeza de Laguna pelo Brasil. Iniciou sua carreira militar na última década do século XVIII e defendeu Portugal na Guerra Peninsular (1808-1814), onde obteve brilhante atuação, alçando ao posto de comandante da Divisão de Voluntários Reais em 1815.No ano seguinte, a divisão parte para Santa Catarina com a missão de conquistar e manter Montevidéu e todo território a leste do rio Uruguai. A conquista da cidade ocorreu em 20 de janeiro de 1817, mas, só em 1821, a região passou a chamar-se Província Cisplatina, ligada diretamente ao governo português, com sede no Rio de Janeiro. Após a independência do país, em 1822, comandou as forças brasileiras contra o exército português até 1824, quando este capitulou. Em 1825, inicia-se o movimento de independência da Cisplatina e a reunião desta com as Províncias Unidas.  Desencadearam-se as lutas com os insurgentes, culminando na declaração de guerra do Brasil às Províncias Unidas do Rio da Prata, em dezembro de 1825. Lecor fica no comando do Exército do Sul, mas é logo exonerado pelo Imperador, substituindo-o o marquês de Barbacena. Voltou ao cargo em janeiro de 1828, onde ficaria até o final da guerra, em agosto do mesmo ano, quando retornou ao Rio de Janeiro.

 

Sugestões de uso em sala de aula

- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- Guerra da Cisplatina (1825-1828)
- Estados Modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

 

Deserção das tropas

Ofício do barão de Laguna a Tomás de Vila Nova Portugal em que mostra o seu desagrado com o estado do batalhão dos negros, que estavam com uma aparência miserável, e faz reclamações sobre o resto das tropas onde as deserções se fazem cada vez mais constantes, e estes desertores ainda freqüentemente levavam consigo os seus armamentos. Reclama também o envio de ao menos 3 mil cavalos ao Rio Grande para remontar a cavalaria, e de pessoal, posto que os 1400 homens que vieram com o general Pinto estavam tão maltratados que era impossível contar com eles.

 

Conjunto documental: Coleção Cisplatina
Notação: caixa 975 A
Data-limite: 1818-1818
Título do fundo: Coleção Cisplatina
Código do fundo: 1A
Argumento de pesquisa: Questão Cisplatina
Data do documento: 12 de abril de 1818
Local: Montevidéu
Folha(s): -

 

Em consequência da mudança acidental, que só pelas informações, e motivos de prudência, que informei a V. Exª no meu ofício de 28 de fevereiro, n° 27, julguei conveniente, e muito melhor julgaria se pudesse saber, como sei agora, a indispensável necessidade, que haveria de tal medida, chegou os dias passados a esta praça de divisão ligeira comandada pelo General Pinto, o muito sinto de ver a V. Exª que pela sua chegada fiquei mais embaraçado. E débil do que estava antes.

Eu nada tenho visto, que seja tão uniformemente mal na realidade, e na aparência, e para que V. Exª conceba de uma vez, tudo o que eu poderia explicar a este respeito, bastará dizer, que o batalhão dos negros[1], e a gente de Santa Catarina[2], que o acham dentro dessa praça servindo só de peso ao comissariado, aos aquartelamentos, e a polícia, nem a guarnição podem ajudar pela sua miserável aparência, e pelo seu nenhum préstimo, (os negros precisam ilegível vestido, eles, e os de Santa Catarina necessitam, ser disciplinados) e que o resto das tropas daquela divisão, colocadas no campo, tem o espírito de deserção de tal modo arraigado, que desaparecem em turmas, levando consigo os seus armamentos, sem que tenham sido bastantes para obviar esses caudaloso procedimento, e que tão mau efeito poderá vir a fazer nessa divisão, os cuidados de rondas, guardas, e sentinelas, porque elas também desertam ao mesmo tempo; resultando-me daqui a ser necessário encarregar outras tropas a fim de as vigiar, e cortar uma tão numerosa deserção: com esta oportunidade não ocultarei por mais tempo a dizer a V. Exª, que este mal há de continuar, e este aumenta-se enquanto os soldados souberem, que ele é apoiado pelas autoridades na capitania do Rio Grande[3], que dela escrevem pessoas de conceito animado a deserção, e pintando lisonjeiramente o benigno acolhimento, que os desertores hão de receber; e finalmente, que eles com efeito ali são bem recebidos, e festejados.

Além disto esperando eu, que viessem da capitania do Rio Grande ao menos 3 mil cavalos para remontar a cavalaria desta divisão, e da quem houvesse de operar com ela, sucede que vieram unicamente com o general pinto 1400 tão maltratados, que foi necessário trazê-los a mão, vindos os soldados a pé, e sendo impraticável contar com eles este inverno para nada.

Sem embargo posso assegurar a V. Exª que estes inconvenientes, não prejudicam essencialmente a ocupação desta banda oriental[4]; obrigam só a tolerar as partidas de campanha, porém este é um mal irremediável, e que melhor há de ceder as insinuações da política do que ao efeito das armas: partidas soltas há de havê-las sempre que os povos não queiram impedi-los, e só isto há de chegar quando os povos conheçam que deste passo lhes resulta atitude os meios de política hão de mostrar-lhe sua conveniência, e então caem por si as nenhumas forças do Frutuoso[5], que não passando de 300 homens, são as maiores da campanha[6].

Deus Guarde a V. Exª. m. a. Quartel General de Montevidéu, 12 de abril de 1818.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Tomás de Vila Nova Portugal

Barão de Laguna

 

[1] BATALHÃO DOS NEGROS: o “Batalhão de caçadores de pretos libertos” foi criado pelo decreto de 10 de maio de 1817 para servir na Banda Oriental, atual Uruguai, alguns meses após a conquista de Montevidéu pelas tropas luso-brasileiras comandadas pelo general Carlos Frederico Lecor em 20 de janeiro daquele ano. O “batalhão dos negros” foi constituído de escravos adquiridos por compra e doação de senhores aliados de Lecor. Outra parte desses efetivos foi recrutada entre os escravos que integravam as tropas comandadas por José Artigas, que lutava pela independência da Cisplatina. Os escravos engajados nas tropas artiguistas, que quisessem desertar, receberiam em troca a alforria, condicionada ao alistamento no exército luso-brasileiro. Entre os anos 1817 e 1821, 237 escravos desertores das tropas de Artigas foram recrutados e alforriados. Com essa medida, o general Lecor constituiu parte do contingente do “batalhão dos negros”, uma força considerável nos anos subsequentes à derrota de Artigas que continuaria lutando contra a ocupação portuguesa, reorganizando as suas forças a partir da campanha (o interior do país). A estratégia de conceder a liberdade para os escravos fugidos foi um recurso utilizado por Lecor, que visava não só manter os seus efetivos durante a ocupação, mas também infligir algumas baixas às tropas inimigas. O alistamento de escravos nos exércitos que lutaram nas guerras cisplatinas de 1811 a 1828 foi uma entre tantas estratégias utilizadas pelos cativos que buscavam a liberdade.

[2]SANTA CATARINA, CAPITANIA DE: o núcleo de povoamento original chamou-se Nossa Senhora do Desterro, fundado na década de 1670, com a chegada do bandeirante Francisco Dias Velho, acompanhado de outras famílias e mais de 500 nativos. A capitania de Santa Catarina foi pela Provisão Régia em 1738, com base na desvinculação da ilha de Santa Catarina – originalmente chamada de ilha dos Patos –, e sua fronteira continental, até então sob jurisdição de São Paulo. No ano seguinte, José da Silva Paes é nomeado governador da nova capitania, com a incumbência de fortificar a ilha e organizar a ocupação sistemática da região. Batizada pelo navegante veneziano Sebastião Caboto, que chegou à ilha em 1526 à frente de uma expedição espanhola, foi um dos pontos mais utilizados para desembarque de contrabandistas, corsários e estrangeiros na costa do Brasil devido a sua proximidade com continente, às boas baías para atracar embarcações e aos ventos brandos. Seu povoamento estaria relacionado à importância desse litoral para as navegações que se dirigiam à região do rio da Prata, que ficava em um ponto geográfico estratégico a meio caminho entre a cidade do Rio de Janeiro e o sul do continente. Era, assim, parada quase obrigatória dos navios que passavam pelo litoral. A ilha oferecia madeira abundante e de qualidade para reparos de embarcações, além de gêneros alimentícios e água para abastecimento das tripulações em viagem. Essa privilegiada posição geográfica despertou o interesse, principalmente, de espanhóis, que chegaram a ocupar a ilha em alguns momentos, mas também de ingleses e franceses. Em 1777, a ilha foi ocupada por espanhóis, liderados por d. Pedro de Cevallos, governador de Buenos Aires. A invasão foi resultado dos conflitos entre as nações ibéricas, decorrentes da anulação do Tratado de Madri e da Guerra dos Sete Anos, travada na Europa entre diversos reinos, entre eles França e Inglaterra, nos anos 1756-1763. O domínio português na região só foi reestabelecido com a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, face ao pequeno interesse demonstrado pelos portugueses de ocupar o território no início da colonização, quando ocorreram algumas tentativas de tomar a ilha, levando a Coroa portuguesa a iniciar a ocupação efetiva de Santa Catarina por imigrantes açorianos ainda no século XVII. Nesse mesmo período, os povoados de São Francisco, Desterro e Laguna foram fundados. As atividades produtivas estavam em torno do cultivo de subsistência e da tradição pesqueira. Em meados do século XVIII Portugal autorizou a pesca de baleias no litoral catarinense. A produção de óleo ("azeite", como então chamado) encontrava uso local ou era enviada a Portugal. Não demorou muito e os animais passaram e evitar a costa o que, junto à substituição de óleo por querosene, no início do século XIX, ocasionou o declínio da atividade. No início do século XIX, os tratados da Coroa portuguesa com a Inglaterra incluíram a entrega de portos catarinenses para facilitar a rota de comércio inglês na região do Prata.

[3]RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.

[4] OCUPAÇÃO DA BANDA ORIENTAL: Uma das primeiras ações da Corte portuguesa no Rio de Janeiro foi oferecer a proteção real aos povos do Rio da Prata, uma vez que a Espanha sofria invasões francesas lideradas por Napoleão. A proposta foi rejeitada por Buenos Aires, optando pela independência. D. Carlota Joaquina, filha do destronado rei espanhol, insistiu na sua legitimidade sobre esses domínios na América, mas a solução monárquica não prevaleceu. Os conflitos envolviam, por um lado, a fragmentação do império, por muitas vias, como uma confederação leal ao trono espanhol mas não ao vice-rei local, até a efetiva emancipação da metrópole sob um poder centralizado. A movimentação revolucionária preocupava os portugueses que temiam a contaminação de tais ideias na fronteira. Esse perigo, somado aos interesses estratégicos e econômicos na região, serviram para justificar invasões portuguesas na Banda Oriental, atual Uruguai. A primeira invasão do território de Montevidéu ocorreu em 1811, o que impediu sua incorporação por Buenos Aires. A segunda invasão foi em 20 de janeiro de 1817, quando houve a conquista de Montevidéu pelo então tenente-general Carlos Frederico Lecor, inaugurando uma ocupação que se estendeu até 1828, quando foi reconhecida a independência do Estado Cisplatino Oriental. Entre 1817 e 1820, a luta pela autonomia da Banda Oriental foi dirigida por José Gervásio Artigas, restabelecendo a resistência depois de cada derrota. Em 1821, o congresso cisplatino instituiu uma anexação daquela região ao governo português. Essa dominação foi politicamente administrada por Lecor. Em 1823, os adeptos à causa brasileira da Independência derrotaram tropas fiéis a Portugal em Montevidéu, o que reproduziu os conflitos entre Lisboa e Rio de Janeiro naquele momento. Entre dezembro de 1825 e 27 de agosto de 1828, a região cisplatina foi motivo de guerra declarada entre os Estados sediados no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. A intervenção na Banda Oriental, sob consentimento inglês, buscou evitar que as Províncias Unidas (atual Argentina) anexassem o território que se tornou o Uruguai e garantir a rota comercial – e de defesa – pelo rio da Prata. Essas invasões faziam parte do projeto de império português nos trópicos, ainda que a política externa da dinastia portuguesa na América estivesse em sintonia com a Europa.

[5] RIVERA, FRUTUOSO (1784-1854): José Frutuoso Rivera nasceu em Montevidéu em 1784 e foi importante militar e político uruguaio. No início do século XIX, já se destacava ao lado de José Artigas, na luta contra o domínio espanhol na Banda Oriental, atual Uruguai, apoiados pela Junta Revolucionária de Buenos Aires de 1810 – governo provisório do Vice-reino do rio da Prata durante o processo de independência. Após a derrota definitiva dos espanhóis de Montevidéu em 1814, Artigas e Frutuoso Rivera lutaram contra os antigos aliados portenhos e suas pretensões de manter a unidade dos territórios que integravam o Vice-reinado do Rio da Prata sob o controle de Buenos Aires. Em 1815, Rivera venceu os portenhos em Guaybo e as tropas artiguistas derrubaram o governo que representava Buenos Aires em Montevidéu. Com a invasão da Banda Oriental pelas tropas luso-brasileiras sob o comando do general Lecor e a tomada de Montevidéu no início de 1817, Artigas e Rivera se refugiaram na campanha, onde reorganizaram as suas forças e lutaram contra os invasores até 1820. A derrota definitiva de Artigas ocorreria em 22 de janeiro de 1820. Após a derrota, Rivera incorporou-se ao exército português, levando com ele uma força de 400 homens. Em 1821, a Banda Oriental foi anexada à Coroa portuguesa com o nome de província da Cisplatina. A repercussão da independência do Brasil acarretou uma cisão dentro das tropas luso-brasileiras, Rivera logo apoiou a independência e, acompanhado de Lecor, tomou Montevidéu, que se encontrava em poder de d. Álvaro Costa, fiel a d. João e a Portugal. Frutuoso Rivera serviu como oficial no exército brasileiro e, posteriormente, foi promovido de coronel a brigadeiro. Buenos Aires continuaria, contudo, contestando a incorporação da Cisplatina ao Brasil e lutaria para integrar Montevidéu e sua campanha às Províncias Unidas do Reino da Prata. Com o apoio dos estancieiros portenhos, Juan Lavalleja e os “Trinta e três orientais” ocupariam a Cisplatina. Rivera lutaria ao lado de Lavalleja pela emancipação da Cisplatina. Com a independência do Uruguai em 1828, apoiada pelo governo britânico, seria o primeiro presidente e governaria até 1834. Em 1838, reassumiu a presidência do Uruguai. Fundou o Partido Colorado (simpatizante das posições brasileiras) em oposição ao Partido Blanco (mais próximo das posições argentinas). Mesmo assim, a atuação de Rivera foi bastante controversa durante a Farroupilha: ora apoiava as forças imperiais, ora as forças republicanas que se rebelaram contra o governo central. Exilado no Brasil algumas vezes durante a Guerra civil do Uruguai (1843-1851), faleceu antes de retornar ao Uruguai, onde participaria de uma Junta Governativa ao lado de Juan Lavalleja.

[6] CAMPANHA: termo usado para designar o interior do país, isto é, o interior da Banda Oriental (atual Uruguai). Em 1817, quando o comandante Lecor tomou a cidade de Montevidéu, Artigas se refugiou na campanha e reorganizou suas tropas para resistir à invasão luso-brasileira até 1820, quando foi definitivamente derrotado, se exilando no Paraguai. Artigas conhecia bem a região da campanha, onde passou parte de sua juventude vivendo entre gaúchos, índios e tropeiros. Devido a sua atividade no comércio de couro e gado Artigas percorreu o interior do país convivendo com a população rural que mais tarde lhe daria apoio. As vitórias obtidas em 1815 sobre o governo representante de Buenos Aires contribuíram para sua popularidade notadamente nas províncias de Santa Fé, Entre Rios e Corrientes, situadas na margem oriental do rio Uruguai. Estas províncias lhe outorgariam o título de “Chefe dos Orientais e Protetor dos Povos Livres”.

 

Sugestões de uso em sala de aula

- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes conteúdos

- Guerra da Cisplatina (1825-1828)
- Estados Modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

Militares contra a Independência

Proclamação do barão de Laguna, de d. Álvaro da Costa de Souza de Macedo e outros, em que manifestam seu descontentamento com as atitudes do governo do Rio de Janeiro que propunha a Independência. Ressaltavam que o silêncio dos portugueses nesta guerra deveria acabar e que deveriam jurar ao mundo o seu amor por Portugal e pelo rei, pois a província de Montevidéu só se encontrava pacificada graças a luta das tropas portuguesas e que se o governo do Rio de Janeiro pretendia separar o Brasil de Portugal, esta proclamação expressava que os portugueses não tinham parte em tais planos. 

Conjunto documental: Coleção Cisplatina
Notação: caixa 977
Data-limite: 1819-1823
Título do fundo: Coleção Cisplatina
Código do fundo: 1A
Argumento de pesquisa: Questão Cisplatina
Data do documento: 28 de junho de 1822
Local: Montevidéu
Folha(s): -

 

Proclamação

Oficiais de todos os corpos e repartições, empregados civis com graduação militar, oficiais inferiores, e soldados da divisão de voluntários reais d'el rei: o Conselho Militar[1]: magoado no fundo d'alma pela nova deliberação tomada por quatro províncias do Brasil, e aprovada por sua alteza o príncipe real[2] do Reino Unido, se vê na penosa, mas devida obrigação de vos informar do estado em que nos achamos e ainda vós podeis estar pelos papeis públicos do Rio de Janeiro, isto não o absolve do seu dever para convosco.

Companheiros d'armas a província que vós, com as tropas do Reino do Brasil, pacificastes, e que vós guardais, a província de Montevidéu[3]!!! Se diz coligada com as outras quatro para o novo sistema[4] a que propõe o Brasil. Este reino que não lhe poderia chamar sua, se vossas fadigas, se vossos serviços a não tivessem posto no estado de escolha; se vosso sangue derramado, e se vossa conduta nobre e digna de portugueses lhe não tivesse restituído seus direitos, este reino, ou para melhor dizer o governo do Rio de Janeiro[5], aceitou formar causa separada[6] do nosso Portugal, a ligação de uma província que vós guarneceis, e que vós ocupais, e sem atender nossa firme adesão, e respeito devido ao soberano congresso da nação, a el Rei, e à nossa honra, conta, que esses que outorgaram poderes ao doutor Obes[7], possam do mesmo modo nomear representantes para prosseguir o plano de separar o Brasil de Portugal; e que nós tranqüilos expectadores, mudos guardas e pusilânimes portugueses nos deixemos arrastar e confundir no tropel de inovações!!! Companheiros d'armas, nosso silêncio deve acabar; muito embora nossos irmãos brasileiros se julguem com direito de escolher novo governo; à nação pertence decidi-lo; mas o Reino Unido, a Europa, o mundo inteiro deve conhecer que não temos parte em tão ruinosos planos; que nosso pensar é o mesmo que no meio de transportes de alegria manifestamos, e juramos no sempre memorável dia 20 de março do ano pretérito; que respeitamos a nação, que amamos o Rei, e sabemos ser o que devemos.

Voluntários Reais[8]! Eis para o que vos convida o Conselho Militar; ele está convencido de que todos vos achais possuídos dos mesmos sentimentos, e que afoitamente, e com solenidade o pode manifestar; mas ele deseja consultar as corporações, ele quer ser auxiliado pelas luzes de todos, e de todos ouvir o meio que devemos adotar.

Conselho Militar em Montevidéu, 28 de junho de 1822 - Barão de Laguna[9], Presidente - D. Álvaro da Costa de Souza de Macedo, Brigadeiro, Vice-presidente - João Nepomuceno de Macedo, major, vogal - José de Barros Abreu, major, vogal - Manoel Jeremias Pinto, capitão, vogal - Vicente José D'Almeida, capitão, vogal - Cláudio Caldeira Pedroso, tenente ajudante, vogal - Antônio José Peixoto, 1º tenente, vogal - José Maria de Sá Camelo, secretário vogal.

Montevidéu - Imprensa de Perez

 

[1] CONSELHO MILITAR: a criação de um Conselho Militar na região do Prata foi exigência das tropas lusas que se sublevaram em 20 de março de 1821. Regimentos que se encontravam fora de Montevidéu entraram pelo portão da cidade ocupando a sua praça. As tropas lusas que estavam nos quartéis aderiram ao movimento, controlando a cidade. O pagamento dos soldos, atrasados há mais de vinte meses, e a substituição de oficiais após cinco anos de serviço na Banda Oriental constavam entre as exigências dos revoltosos. Revindicavam também, que o general Carlos Frederico Lecor jurasse a Constituição em elaboração nas Cortes de Lisboa. A presidência daquele Conselho de oficiais caberia ao general Lecor e a vice-presidência ao líder do movimento coronel Antonio Claudio Pimentel. Os quadros do Conselho seriam formados pelos oficiais de cada corpo da divisão eleitos pelos votos da oficialidade. Tais condições impostas revelavam a dimensão política daquela insubordinação, aproximando-a do movimento que eclodiu no Porto em 1820. Nesta cidade, os militares saíram às ruas e iniciaram uma revolta que poria fim ao Antigo Regime em Portugal. Criaram um Conselho Militar e eram favoráveis à convocação das Cortes e a elaboração de uma constituição. No Reino do Brasil, movimentos liberais liderados por militares portugueses ocorreram em janeiro de 1821 no Grão-Pará e em fevereiro na Bahia e no Rio de Janeiro. Na conjuntura política que se seguiu ao Dia do Fico em janeiro de 1822, este Conselho de oficiais se tornará foco de tensão entre os Voluntários Reais e o governo do Rio de Janeiro. Em 8 de agosto de 1822, a Gazeta do Rio de Janeiro publica uma “Proclamação dos militares de não adesão à independência” em que o referido Conselho se opõe ao governo do príncipe regente e à ruptura com Portugal. A partir daí, os acontecimentos se sucedem rapidamente, resultando na guerra civil entre os Voluntários Reais de um lado e o general Lecor e o Imperador do outro, o que ocorre logo após a independência. A 20 de julho de 1822, d. Pedro decreta a extinção dos Voluntários Reais. Três dias depois, o 2º Regimento de Infantaria da Divisão dos Voluntários se subleva e exige o retorno do príncipe a Portugal. Em agosto, o governo do Rio de Janeiro ordena que o general Lecor reúna todas as tropas disponíveis no Estado Cisplatino para reforçar os seus efetivos contra os Voluntários Reais. Ainda em agosto de 1822, um ofício de d. Pedro declarava a ilegalidade do Conselho Militar, acusando-o de insubordinação às autoridades legalmente instituídas. O fim do conflito ocorreu em 1824, com a vitória de Lecor e o retorno dos Voluntários Reais para Portugal.

[2] PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[3]CISPLATINA: os interesses da Coroa portuguesa na Banda Oriental, atual República do Uruguai, eram antigos e foram reforçados com a vinda da Corte para o Brasil em 1808 e pela conjuntura política europeia após a derrota de Napoleão Bonaparte. A conquista da região platina era vista como uma forma de compensação das perdas que Portugal sofreu no Congresso de Viena (1814-15): a restituição de Caiena à França e a recusa por parte da Espanha em restituir a vila de Olivença aos portugueses. Por outro lado, o processo de emancipação das colônias hispano-americanas deu lugar a uma série de novas composições políticas e rupturas, como a do governador de Montevidéu, Francisco Javier de Elío que em 1808 rompe com o vice-rei, se alia a Madri e forma uma junta de governo autônoma. Pressionado pela reação de Buenos Aires, que se aliara ao estancieiro José Artigas, da elite local, Elío aceitou a força “pacificadora” enviada pelo príncipe regente, em 1811. O mesmo Artigas se voltaria contra Buenos Aires, controlando Montevidéu e outras províncias. Mais uma vez as tropas de d. João, sob os protestos da Inglaterra e da Espanha, invadem a Banda Oriental em nome do risco representado pelo projeto de Artigas, de formar uma confederação e que poderia contaminar o sul da América portuguesa, área sensível dessa fronteira. A conquista de Montevidéu pelas tropas luso-brasileiras comandadas pelo general Carlos Frederico Lecor ocorreu em 1817. O território se tornaria província do Brasil com o nome de Província Cisplatina (província de Montevidéu) após a realização do Congresso Cisplatino que votou a favor da sua anexação ao Reino Unido de Portugal e Algarves em 1821. Com a independência do Brasil, a Província Cisplatina continuou a integrar o Império e seria ainda objeto de outros conflitos na região do Prata. Em 1828 a Banda Oriental ou Província Cisplatina se tornou a República Oriental do Uruguai.

[4] NOVO SISTEMA [CONSTITUCIONAL]: a revolução liberal de 1820, no Porto, tinha como um dos seus objetivos criar uma constituição para Portugal, indispensável para limitar os poderes reais. Para tanto, os revolucionários instituíram a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino que, um ano depois, convocou as Cortes responsáveis pela elaboração da nova Carta que poria fim ao absolutismo e estabeleceria uma monarquia constitucional em Portugal. Mesmo com o clima de tensão, d. Pedro, enquanto regente, no lugar de seu pai no Rio de Janeiro, conseguiu atender às exigências das Cortes, concordando com as bases da nova constituição, porém, sob a condição de que não fosse implantado o modelo espanhol, nem juntas governativas populares. Além disso, foi assegurado ao monarca o direito de aprovar ou não as decisões das Cortes e estabelecida a religião católica como oficial. Porém, um outro grande problema era a falta de unidade territorial na América portuguesa, que permitia a algumas províncias não estabelecer relações com o governo geral, na capital, e se dirigirem diretamente a Lisboa. Algumas províncias se entusiasmaram pela momentânea autonomia interna, como Pernambuco; outras mantiveram-se alheias aos acontecimentos por causa da distância, como Goiás, Mato Grosso e Rio Grande do Sul e outras, ainda, apoiaram o Rio de Janeiro, mas não aceitavam a submissão à capital, como São Paulo e Minas Gerais. Mesmo antes da independência, Pará e Bahia manifestaram sua adesão ao movimento constitucionalista de Portugal e após o sete de setembro, outras províncias como, Maranhão, Piauí e Cisplatina, não aceitaram se subordinar ao recém-criado Império do Brasil e mantiveram-se fiéis às Cortes de Lisboa e seu sistema constitucional.

[5]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[6] CAUSA SEPARADA: o movimento constitucionalista liderado pelas tropas lusas no Rio de Janeiro em fevereiro de 1821 terminou vitorioso com o juramento de d. Pedro, d. João VI, dos oficiais e do povo à constituição elaborada pelas Cortes reunidas em Lisboa desde janeiro daquele ano. Não havia mais dúvidas quanto ao retorno de d. João para Portugal, o que ocorreria em 26 de abril de 1821. Aqui ficaria o príncipe d. Pedro na condição de regente, conforme o decreto de 7 de março de 1821. Aqueles que não retornaram com o monarca formariam o “partido português”, que contava entre seus quadros com os comerciantes e as tropas lusas, ambos favoráveis ao movimento revolucionário constitucionalista e às medidas tomadas pelas Cortes. Desde setembro, as Cortes criaram, por meio de decretos, instituições nas províncias tais como juntas provisórias de governo e o cargo de governador de armas ligadas diretamente a Lisboa. Com isso, a permanência de d. Pedro e a manutenção da regência no Brasil tornavam-se supérfluas. Um mês depois, as Cortes ordenariam que o príncipe regressasse a Portugal. Após muito hesitar, d. Pedro, apoiado pelas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, que, por meio de representações, solicitavam a sua permanência, decide desobedecer as Cortes e permanecer no Brasil. Tal decisão ficou conhecida como o Dia do Fico (9 de janeiro de 1822). A expressão “causa separada” expressa o descontentamento dos militares portugueses da província Cisplatina com a decisão de d. Pedro em permanecer no Brasil, desobedecendo assim às Cortes de Lisboa. A partir daí a relação de tensão entre os militares portugueses e o governo do Rio de Janeiro cresceria até o início da guerra civil entre os Voluntários Reais, sob o comando do general Álvaro Costa, fiéis a d. João VI, e as forças do general Lecor, que apoiavam d. Pedro I, obedecendo às ordens do governo do Rio de Janeiro.

[7] OBES, CONSELHEIRO D. LUCAS JOSÉ (1782 – 1836): advogado e político, nasceu na Argentina e atuou também no setor mercantil. Participou da administração do general Carlos Frederico Lecor na Banda Oriental como membro do Consulado de Comércio e do Corpo Cível. Em 1821, após a incorporação ao Reino de Portugal, Brasil e Algarves, a província Cisplatina, passou a dispor de representação nas Cortes Gerais, reunidas em Lisboa, para elaborar uma Constituição, que decretaria o fim ao Antigo Regime. Os brasileiros que viajaram a Lisboa para se reunir às Cortes representavam uma tendência dentro do movimento constitucionalista denominado “regenerador”, isto significava que as províncias do Brasil deveriam acatar as decisões das Cortes de Lisboa obtidas por maioria dos votos. Em fevereiro de 1822, o então representante da Cisplatina, José Obes, chega ao Rio de Janeiro, mas não prossegue a viagem até Lisboa. Recebeu instruções do general Lecor para representar os interesses de Montevidéu nas Cortes e se informar a respeito do futuro da província Cisplatina. Mas, em primeiro lugar, devia ir ao Rio de Janeiro para receber as ordens do príncipe regente do Reino do Brasil do qual a província Cisplatina era parte integrante. Ainda no mês de fevereiro, d. Pedro instituiu procuradores-gerais em diversas províncias do Brasil e nomeou Lucas José Obes procurador-geral do Estado Cisplatino. Na reunião do Conselho de Estado de 3 de junho de 1822, o representante da Cisplatina proferiu um discurso de adesão ao príncipe regente. Este discurso foi duramente criticado pelos militares portugueses, que ocupavam a província e concordavam com o retorno de d. Pedro para Portugal, conforme decisão tomada anteriormente pelas Cortes de Lisboa. Com o fim da Guerra da Cisplatina (1825-1828), obtido por meio do apoio da Grã-Bretanha, Lucas José Obes participou do governo oriental. Integrou a missão que foi ao Rio de Janeiro para discutir a questão das fronteiras entre Brasil e Uruguai, e foi ministro das pastas da Fazenda e das Relações Exteriores, vindo a morrer em Niterói, Rio de Janeiro.

[8] DIVISÃO DE VOLUNTÁRIOS REAIS: corpo do exército português criado em 1815 e enviado ao Brasil com o pretexto de pacificar a região do rio da Prata, em auxílio ao vice-rei espanhol Francisco Javier Elío. Contando com duas brigadas e mais dois batalhões de infantaria cada uma, um de cavalaria, um de artilharia e mais dois batalhões de caçadores, desembarcaram no Rio de Janeiro, em 30 de março de 1816, seguindo depois para a região platina. Entre os oficiais que fizeram carreira neste exército estavam: o tenente-general Carlos Frederico Lécor, Francisco Homem de Magalhães Pizarro, Francisco de Paula Massena Rosado, Jorge de Avilez Zuzarte de Sousa Tavares, Manuel Jorge Rodrigues, todos veteranos da Guerra Peninsular. Ocupou a Banda Oriental, como era chamada a região em 1816 e tomou o controle da cidade de Montevidéu a 20 de janeiro de 1817, no conflito conhecido por Guerra contra Artigas, levando à incorporação da região denominada de Província Cisplatina e incorporada aos domínios portugueses em 1821. Inicialmente, este grupamento foi chamado de Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, em honra ao príncipe-regente, mas em consequência da morte da rainha d. Maria I e a posse de d. João VI como rei de Portugal, Brasil e Algarves em 1816, passou a se chamar Divisão de Voluntários Reais do Rei.

[9] LECOR, CARLOS FREDERICO (1764-1836): nascido na cidade de Lisboa, era considerado um cidadão luso-brasileiro por sua destacada atuação militar a serviço de Portugal e, após 1822, em favor do Brasil. Recebeu os títulos de único barão de Laguna por Portugal e primeiro barão com grandeza e visconde com grandeza de Laguna pelo Brasil. Iniciou sua carreira militar na última década do século XVIII e defendeu Portugal na Guerra Peninsular (1808-1814), onde obteve brilhante atuação, alçando ao posto de comandante da Divisão de Voluntários Reais em 1815.No ano seguinte, a divisão parte para Santa Catarina com a missão de conquistar e manter Montevidéu e todo território a leste do rio Uruguai. A conquista da cidade ocorreu em 20 de janeiro de 1817, mas, só em 1821, a região passou a chamar-se Província Cisplatina, ligada diretamente ao governo português, com sede no Rio de Janeiro. Após a independência do país, em 1822, comandou as forças brasileiras contra o exército português até 1824, quando este capitulou. Em 1825, inicia-se o movimento de independência da Cisplatina e a reunião desta com as Províncias Unidas.  Desencadearam-se as lutas com os insurgentes, culminando na declaração de guerra do Brasil às Províncias Unidas do Rio da Prata, em dezembro de 1825. Lecor fica no comando do Exército do Sul, mas é logo exonerado pelo Imperador, substituindo-o o marquês de Barbacena. Voltou ao cargo em janeiro de 1828, onde ficaria até o final da guerra, em agosto do mesmo ano, quando retornou ao Rio de Janeiro.

 

Sugestões de uso em sala de aula

- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes conteúdos

- Guerra da Cisplatina (1825-1828)
- Estados Modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

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