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Império luso-brasileiro

Repressão ao Tráfico de Escravos

Publicado: Quarta, 23 de Mai de 2018, 13h54 | Última atualização em Quarta, 01 de Agosto de 2018, 14h17

  • A repressão ao comércio ilegal de escravos no século XIX

    Viviane Gouvea
    Mestre em Ciência Política - UFRJ

    Uma das atividades econômicas mais lucrativas da época moderna, o tráfico de escravos oriundos da África conheceu a sua expansão inicial entre os séculos XV e XVI, alimentando-se de prisioneiros das guerras que assolavam os reinos africanos. A procura por escravos aumentou com a expansão colonial baseada no sistema de plantation, dominante nas Américas — embora não exclusivo —, em especial central e do sul, resultando no chamado comércio triangular em que África, Europa e América integravam-se em um sistema de comercialização de diferentes tipos de riqueza. Os escravos africanos, normalmente empregados nas grandes plantações de café, açúcar e algodão eram trocados por tabaco, tecido, rum ou armas na costa africana, ao longo da qual várias nações europeias acabaram estabelecendo feitorias para viabilizar o comércio. Os primeiros escravos negros chegaram ao Brasil com a expedição de Martim Afonso de Souza em 1530, vindos da Guiné. Foi tornado oficial ainda em 1568 pelo governador geral Salvador de Sá, após o fracasso da tentativa de escravizar a mão de obra nativa para utilização nas plantações.

    Se o trabalho escravo se encontrava na base de toda a estrutura econômica colonial, já desde o desenvolvimento de uma das primeiras atividades a realmente produzir lucros — produção de açúcar a partir da cana — esta dependência ficou muito mais patente a partir do início do século XIX. Prova disso é o número de escravos que entraram no país, que aumentou de forma vertiginosa a partir das primeiras décadas do século XIX.[1] Com uma economia sustentada por núcleos de atividades econômicas variadas espalhados país fora, mas em geral baseada no trabalho escravo, o Brasil se encontrava profundamente dependente desta mão de obra, o que tornava a defesa a todo custo da sua existência uma necessidade. E foi precisamente no momento de maior ascensão da produção agrícola brasileira, impulsionada especialmente pelo café do Vale do Paraíba e depois, de São Paulo, e portanto de maior dependência em relação ao escravo, que tem lugar a mais dura campanha contra o tráfico internacional de escravos, que paulatinamente limitaria o direito de comercializar seres humanos e contra a qual a classe senhorial brasileira lutou por décadas, driblando leis, corrompendo o sistema jurídico e policial — embora muitas vezes nem precisasse fazê-lo — e negociando exceções nos tratados internacionais.

    Campanhas pelo fim da escravidão ou, ao menos, pelo fim do “vergonhoso comércio” têm origem desde o século XVIII, com ideais humanitários que se chocavam com o tratamento cruel e muitas vezes letal dispensado aos africanos. Embora a igualdade racial em geral não estivesse na agenda, a questão do tratamento a que eram submetidos os escravos apenas acirrou a defesa dos direitos daqueles que estavam desprovidos de qualquer proteção à própria vida. A discussão em torno de igualdade de direitos abria caminho para o debate em torno do direito inerente à liberdade, e a pressão de abolicionistas britânicos sobre o parlamento era constante.

    Outras questões de cunho econômico pesavam na discussão, e há uma grande controvérsia em torno de possíveis motivações econômicas para a defesa da erradicação do tráfico. Alguns defendem que havia uma pressão de plantadores das Antilhas britânicas que, temendo uma crise de superprodução de açúcar, percebiam na repressão ao tráfico uma forma de coibir a produção no Brasil que alcançava preços menores no mercado internacional [2]. Outros apresentam dados que mostram que tal motivação não faz sentido, já que a produção das colônias britânicas baseadas em trabalho escravo não estava em decadência quando a Grã-Bretanha aboliu seus escravos e tornou o comércio ilegal, perdendo espaço vertiginosamente apenas a partir do momento em que isto ocorreu.[3]
    A questão do fim do tráfico e a repressão a sua forma ilegal envolveu vários países em, no mínimo, três continentes. Tendo a Inglaterra como ponta de lança do movimento abolicionista e antitráfico, percebe-se ao longo do século XIX que vários tratados entre variadas nações buscavam em maior ou menor medida, limitar este comércio, medidas estas que na maior parte dos casos mostrar-se-ia pouco eficazes, já que a decadência do comércio de escravos ocorreria apenas na segunda metade do século, e por um conjunto de razões além da repressão ao tráfico. No Brasil, a maior pressão exercida partia da Inglaterra.

    As origens desta pressão britânica encontram-se na transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. Portanto, em uma época em que o Brasil ainda era território sob domínio português, e que as negociações eram realizadas entre Portugal e Inglaterra. Um empréstimo de 600 mil libras, concedido ao governo luso, em 1809, foi seguido, em 1810, pelo Tratado de Aliança e Amizade, que estabelecia alguns compromissos que abriam caminho para uma futura abolição do tráfico, em especial o seu artigo X. As primeiras apreensões de navios negreiros ocorreram em consequência deste tratado, que estabelecia que Portugal só poderia realizar o comércio de escravos em suas próprias possessões. Ambiguidades na redação e questionamentos em relação à existência mesma do próprio tratado originaram algumas reações, como a ameaça aos navios ingleses aportados em Salvador.

    No âmbito do Congresso de Viena em 1815, Portugal e Inglaterra tentaram resolver as divergências em relação aos termos do tratado anterior, o tráfico de escravos, ou antes, sua limitação, esteve na pauta de todo o Congresso. O governo inglês comprometia-se a indenizar o governo português pelos apresamentos, além de renunciar ao recebimento do referido empréstimo de 600 mil libras, feito em 1809. Em troca, estabelecia-se em um tratado firmado no mesmo Congresso, que o tráfico fosse abolido ao norte do Equador. A proibição do tráfico com a região, que incluía tradicionais fontes abastecedoras, longe de resolver antigas pendências, provocou novos e acirrados atritos entre os envolvidos no tráfico internacional e o governo inglês e seus representantes e súditos residentes nos territórios em que o tráfico era realizado. A continuidade do tráfico nas regiões ao norte do Equador, a despeito da proibição, seria por muitos anos, motivo de conflitos e negociações entre os governos inglês, português e, posteriormente, brasileiro.

    Em 1817 uma convenção adicional complementou os termos firmados em 1815. O novo acordo previa o direito recíproco de visita aos navios de ambos os países (Portugal e Inglaterra); o apresamento das embarcações que navegassem ao norte do Equador carregadas de africanos; a indenização por apresamentos indevidos; a proibição de capturas em águas territoriais de ambas as nações; e a criação de comissões mistas anglo-portuguesas no Rio de Janeiro, Serra Leoa e Londres.
    A cada nova regulamentação, reações à limitação do comércio que tornava possível a utilização de um tipo de mão de obra que se encontrava na base da economia brasileira originavam novos conflitos. A situação passaria por um período extremamente delicado, quando da formalização da independência do Brasil em relação a Portugal. A política exterior britânica era bastante clara: “nenhum estado do Novo Mundo poderá ser reconhecido pela Grã-Bretanha, senão tiver franca e completamente abolido o comércio dos escravos.” [4]

    O Estado brasileiro foi reconhecido pela Grã-Bretanha em 1825; não à toa em 1826 foi assinado um tratado entre os dois países, que determinava uma data para o fim do tráfico legal: 1830. No entanto, observando as taxas de importação anual de africanos que entraram no Brasil, nota-se que houve um crescimento durante os anos posteriores a 1808, que só viria a cair a partir de 1831, para logo voltar a crescer substancialmente e de forma inédita, até 1850, ano a partir do qual ocorre uma queda vertiginosa.

    Parece estranho, à primeira vista, que a extinção do tráfico negreiro tenha enfrentado tanta resistência e que Portugal, e posteriormente o Brasil, tenha logrado evitar o definitivo golpe ao comércio de humanos, em especial se considerarmos as relações extremamente desiguais entre Grã-Bretanha, por um lado, e Portugal ou Brasil, no outro. Contudo, se levarmos em conta a rede de interesses que o tráfico envolvia, e que ia muito além de traficantes luso-brasileiros, tornam-se mais claras as razões para o sucesso das estratégias que buscavam driblar as leis que paulatinamente fechavam o cerco até a extinção completa.

    A rede envolvia não apenas os traficantes e seus navios, mas os bancos que financiavam a empreitada (inclusive na própria Inglaterra e também nos Estados Unidos e Holanda) e indústrias que produziam mercadorias utilizadas para o comércio de escravos africanos. Embora o tráfico tenha sido proibido para os súditos britânicos em 1807, os traficantes britânicos — na época, os mais bem-sucedidos do mercado, em consequência especialmente da facilidade de crédito — passaram a integrar a cadeia do comércio de escravos de outras maneiras, em especial o fornecimento de crédito e de mercadorias. Como disse Versiani ,[5] “a queda de preços, a partir de cerca de 1780, das manufaturas inglesas mais usadas como moeda de troca na compra de escravos na África, como tecidos ou ferro em lingotes, favoreceu em muito o aumento dessa participação inglesa no comércio escravista.” Bancos de Boston e Amsterdã também financiavam o esquema, e se a ponta de lança da resistência à proibição definitiva residia principalmente nos traficantes luso-brasileiros, essa resistência dificilmente teria, por si só, obtido sucesso ao driblar as leis internacionais antitráfico.

    Como já mencionado, em julho de 1817 Portugal e Grã-Bretanha assinam uma convenção adicional ao tratado de 1815 que incluía, entre outras cláusulas, a permissão de busca de navios portugueses suspeitos de tráfico ilegal, por parte da marinha britânica, e vice-versa, e a criação de comissões mistas para julgamento dos casos de apresamento em alto mar. Uma, em Londres, trataria de indenizações por apreensões injustas de navios do tráfico pela marinha britânica. As outras duas funcionariam no Rio de Janeiro e na colônia britânica de Serra Leoa; os navios seriam levados para um ou outro lugar, dependendo do local do apresamento. Se as comissões na África e em Londres funcionaram a contento, aquela que foi instituída na corte portuguesa nas Américas não só teve o seu início deliberadamente atrasado como seu funcionamento foi também sistematicamente sabotado pelos traficantes do Rio de Janeiro, grupo dos mais influentes do comércio de escravos, reunindo comerciantes portugueses chegados com a corte em associação com os poderosos traficantes ingleses, agora em seu papel de fornecedores de crédito. Existem casos conhecidos de navios apreendidos pela marinha britânica, leiloados, arrematados por investidores ingleses ou americanos, e arrendados para traficantes portugueses, voltando ao comércio ilegal pouco tempo depois do seu aprisionamento. [6]

    As formas de driblar a vigilância e as leis eram várias, desde uma interpretação um tanto mais maleável de certos termos e definições, passando por editais que abriam exceções à regra que no final das contas acabavam permitindo a perpetuação do comércio como antes transcorria, e chegando à conivência aberta de autoridades portuguesas e depois, brasileiras, no acobertamento de importação ilegal de escravos.

    No Brasil, em vários momentos a questão da repressão ao tráfico ganhou contornos de defesa da soberania nacional. De fato, a estratégia belicosa do governo britânico mostrou-se pouco eficiente para resolver uma questão fundamental para ambos os países. Era obviamente impossível vigiar estreitamente o Oceano Atlântico para impedir que fosse cruzado por navios negreiros, e a opção por ameaçar e reprimir o comércio onde era mais fácil (próximo dos portos) de forma muitas vezes ilegal, invadindo território soberano alheio, acabou por criar um clima de animosidade contra súditos britânicos em terras brasileiras e deteriorar as relações entre os dois países.

    A menção ao tráfico de escravos ou a traficantes de escravos pode evocar a equivocada imagem de um trabalho realizado por quase criminosos, à margem da sociedade. Na realidade, em especial no auge da repressão britânica ao comércio, os homens envolvidos com o tráfico eram muitas vezes vistos antes como heróis, a combater o que se considerava no Brasil uma afronta e uma ingerência nos assuntos internos (no caso, a pressão britânica no sentido de erradicar de vez o comércio), e não como criminosos, dedicados a uma atividade ilegal, contrabandistas. Em geral eram considerados “homens de bem,” de posição social destacada. Até porque, este comércio apresentou-se como ainda mais lucrativo no período em que teoricamente tornou-se ilegal, e não foram poucos aqueles (não apenas traficantes, mas banqueiros, industriais, etc) que amealharam fortunas, direta ou indiretamente, com o tráfico negreiro.

    Herdada pelo Brasil após 1822, a questão da extinção do tráfico de escravos e o controle do cumprimento da legislação levaria a momentos de tensão diplomática entre Brasil e Grã-Bretanha, e apesar da enorme dominância econômica desta última sobre o primeiro, a importação de escravos no Brasil começou a cair apenas a partir dos anos 1850.

    No Arquivo Nacional, as Séries Guerra e Relações Exteriores, e principalmente o fundo Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, apresentam vasto material para pesquisa relacionada às atividades de repressão ao tráfico negreiro, mormente aos conflitos e mediações envolvendo apresamentos de navios negreiros. Há muitos relatos de processos para julgar se uma nau era ou não “boa presa,” de perseguições ilegais por navios ingleses em águas brasileiras, de condenação e leilão de embarcações que traficavam fora dos limites do tratado, além de correspondência oficial que expõe as dúvidas e orientações comuns aos agentes da coroa portuguesa em relação ao tema. Além da documentação, também disponível para consulta encontra-se a publicação comentada das listas de escravos emancipados vindos a bordo de navios negreiros [7]

    `1] Rodrigues, Jaime. O tráfico de escravos e a experiência diplomática afro-lusobrasileira: transformações ante a presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro. In Anos 90: Revista do programa de pós-graduação em história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008.
    [2] Santos, Guilherme de Paula Costa. Convenção de 1817: debate político e diplomático sobre o tráfico de escravos durante o governo de d. João no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
    [3] “Out of economic self-interest the UK, instead of abolishing the slave trade and later slavery, ought to have encouraged its expansion. In this way, it would have served the economic goals of parliamentarians and the material desires both of British manufacturers and wage earners.” Por interesses econômicos particulares, em vez de abolir o comércio de escravos e depois, a escravatura, a Grã-Bretanha teria encorajado a sua expansão. Desta forma, ela teria servido aos objetivos econômicos de parlamentares e os desejos materiais dos fabricantes e também dos assalariados britânicos. Gwyn, Julian. The Economies ofthe Transatlantic Slave Trade: Review. In Histoire sociale – Social History, n. 49. Ottawa, 1992.
    [4] Rodrigues, Jaime. O tráfico de escravos e a experiência diplomática afro-lusobrasileira: transformações ante a presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro. In Anos 90: Revista do programa de pós-graduação em história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008
    [5] Versiani, Flávio Rabelo. D. João VI e a (não) abolição do tráfico de escravos para o Brasil. Trabalho apresentado na seção “Políticas Joaninas” do IX Congresso da BRASA – Brazilian Studies Association. New Orleans, 27-29 de março, 2008.
    [6] Para maiores detalhes do envolvimento de investidores britânicos e da própria economia britânica de uma forma geral não apenas no tráfico negreiro mas nas economias escravistas, ver Gwyn, Julian. The Economies ofthe Transatlantic Slave Trade: Review. In Histoire sociale – Social History, n. 49. Ottawa, 1992.
    [7] RAPOSO, Luciano. Marcas de escravos: listas de escravos emancipados vindos a bordo de navios negreiros (1839-1841). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1989. (Publicações históricas, 90). 

  • Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro

    Notação: IG1 112
    Datas – limite: 1809-1814
    Título do fundo: Série Guerra
    Código de fundo: DA
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: ofício do conde de Galvêas solicitando esclarecimentos sobre o artigo X do tratado de Aliança de amizade, comércio e navegação, estabelecido entre Portugal e Inglaterra em 19 de fevereiro de 1810. O artigo em questão estabelecia áreas em que o tráfico de escravos seria permitido, e áreas em que passaria a ser proibido. As informações eram necessárias para que o conde dos Arcos, governador da Bahia, pudesse dar prosseguimento às negociações com os embaixadores de Ardra e Agomé, no antigo Daomé.
    Data do documento: 10 de julho de 1811
    Local: s.l
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Junta do Comércio e Navegação
    Notação: caixa 376, pct. 01
    Datas-limite: 1806 - 1827
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: relato do capitão Antônio Machado de Carvalho em que alega que, navegando em direção ao porto de Montevidéu no ano de 1806, foi perseguido pela armada inglesa, o que o abrigou a desviar seu percurso para Buenos Aires.
    Data do documento: 6 de agosto de 1808
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): doc. nº 01

    Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
    Notação: IG1 112
    Datas – limite: 1809-1814
    Título do fundo: Série Guerra
    Código de fundo: DA
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: carta endereçada ao conde das Galvêas e ao conde de Linhares em resposta às suas indagações sobre o artigo X do tratado de aliança, no tocante às limitações do comércio de escravos. Afirma que, segundo o artigo, o comércio de escravos fica reservado aos súditos portugueses, livremente na Costa do Marfim. Admite, contudo que o ministério britânico encontrava-se em posição difícil, já que uma parte considerável do parlamento daquele país defendia o fim de tal comércio.
    Data do documento: 13 de julho de 1811
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 268

    Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
    Notação: IG1 112
    Datas – limite: 1809-1814
    Título do fundo: Série Guerra
    Código de fundo: DA
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: requerimento do conde de Linhares para que a carta que descreve a apreensão de um navio que traficava escravos em Serra Leoa seja encaminhada ao príncipe regente, para que sejam feitas as devidas queixas ante o ministério britânico.
    Data do documento: 5 de fevereiro de 1811
    Local: Rio de Janeiro

    Conjunto documental: Junta do Comércio e Navegação. Navios negreiros aprisionados.
    Notação: Caixa 445 pct 03
    Datas-limite: 1811-1822
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura,Fábricas e Navegação
    Código do fundo: 7x
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: carta na qual José Gomes Pereira, proprietário do bergantim Feliz Americano, compromete-se a pagar a quantia de 500 mil réis a João de Souza dos Santos Ferreira Villar, pela ajuda de custo na viagem para a Costa de Mina com fins de comércio negreiro. Na ajuda estão inclusos os riscos “de mar, fogo, corsário, e inimigos”, e não de outra qualquer avaria, mortandade de escravos ou apresamento por corsários ingleses.
    Data do documento: 5 de Junho de 1811
    Local: Bahia
    Folha(s): -     

    Conjunto documental: Junta do Comércio e Navegação. Navios negreiros aprisionados.
    Notação: Caixa 445 pct 03
    Datas-limite: 1811-1822
    Título do fundo:Junta do Comércio,Agricultura,Fábricas e Navegação
    Código do fundo:7x
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: inquirição na qual o desembargador presidente e os deputados da Mesa de Inspeção do Comércio e Agricultura da Bahia detalham os artigos do apresamento do bergantim Feliz Americano, de propriedade de José Gomes Pereira. Relata-se que o apresamento pelos navios ingleses foi injusto, que escravos marinheiros foram capturados equivocadamente e que o bergantim e sua tripulação foram conduzidos de forma violenta e hostil, entre outros. Foram também explicitados os danos que a embarcação sofreu: havia “6.370 onças de fazenda” para o comércio negreiro que deveria render aproximadamente 579 cativos e que resultou em apenas 17 devido ao apresamento. Por fim é pedida a devida indenização pelos prejuízos sofridos “da Marinha, ou do Governo, ou da Nação Inglesa, ou de quem direito for”.
    Data do documento: 28 de abril de 1812        
    Local: Bahia         
    Folha(s): -      

    Conjunto documental: Junta do Comércio, Navegação. Navios negreiros aprisionados
    Notação: caixa 445, pct 01.
    Datas-limite: 1811-1839
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: requerimento contra a ação do comandante da fragata britânica que decretou a apreensão do bergantim Flor da América, no dia 29 de agosto de 1812 em Loango, sob a alegação de “não ser este porto, o dos concedidos para os portugueses fazerem resgate de escravos”. A embarcação abrigava cerca de trezentos e sessenta e nove cativos. Em sua solicitação, Antônio Pientzenamer protesta diante do prejuízo e exige ressarcimento.
    Data do documento: 30 de agosto de 1812
    Local: s.l
    Folha(s): doc. no 40

    Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
    Notação: IG1 112
    Datas – limite: 1809-1814
    Título do fundo: Série Guerra
    Código de fundo: DA
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: carta em que o conde de Galvêas envia requerimento recebido dos traficantes de escravos em protesto contra a atuação da coroa inglesa na repressão do referido comércio. Ao mencionar os prejuízos do comércio baiano em função da intervenção militar inglesa no comércio de escravos, revela sua admiração quanto à clara posição do rei português, que não acatava o fim definitivo do tráfico.
    Data do documento: 30 de março de 1812
    Local: Bahia
    Folha(s): 240 a 243 e 257 a 258

    Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
    Notação: IG1 112
    Datas – limite: 1809-1814
    Título do fundo: Série Guerra
    Código de fundo: DA
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: carta em que Joaquim José de Oliveira denuncia a ação intensa dos ingleses na costa da África. Inicialmente lhe fora informado que seria paga uma recompensa por cada negro recuperado. Posteriormente lhe informaram que os cruzadores ingleses poupavam apenas os portos que abrigavam fortificações portuguesas. Foi apenas por meio das notícias que recolheu que conseguiu regressar em segurança.
    Data do documento: 15 de junho de 1812
    Local: Bahia
    Folha(s): 255

    Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
    Notação: IG1 112
    Datas – limite: 1809-1814
    Título do fundo: Série Guerra
    Código de fundo: DA
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: carta endereçada à coroa inglesa, em que Frederico Linderman descreve o êxito das medidas contra o tráfico de escravos praticado pelos comerciantes portugueses na costa da África.
    Data do documento: 8 de junho de 1812
    Local: Bahia
    Folha(s): 245

    Conjunto documental: Junta do Comércio, Navegação. Navios negreiros aprisionados
    Notação: caixa 445, pct 01.
    Datas-limite: 1811-1839
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação.
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: carta de José Francisco endereçada ao seu tio Manoel de Almeida, em que narra suas desventuras ao transportar treze escravos adquiridos em Moçambique. Durante a viagem enfrentaram um terrível mau tempo que provocou a quebra do leme. Ficaram à deriva por quatorze dias e milagrosamente chegaram ao porto da “Bahia falsa”, onde os ingleses confiscaram a embarcação.
    Data do documento: 8 de março de 1813
    Local: Cabo da Boa Esperança
    Folha(s): doc. no 93

    Conjunto documental: Missões Diplomáticas
    Notação: IR3 – 17
    Datas-limite: 1807-1849
    Fundo/Coleção: Série Relações Exteriores
    Código fundo: BA
    Ementa: registro de recebimento de aviso recebido por conde de Galveas e enviado pelo marquês de Aguiar, no qual era encaminhado ofício do conde dos Arcos relatando a situação de navios negreiros apresados na África por súditos britânicos. No referido ofício o conde dos Arcos, governador da Bahia, também exigia uma explicação sobre a forma com que eram emitidos passaportes aos navios que traficavam escravos.
    Data do documento: 29 de dezembro de 1813
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -

    Conjunto documental: Junta do Comércio e Navegação
    Notação: caixa 376, pct. 01
    Datas-limite: 1806 - 1827
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: requerimento de Constantino Alves da Silva, que após longos anos de dedicação ao serviço militar, tem sua primeira experiência comercial frustrada pela interferência da armada inglesa. Constantino teve a embarcação detida no Cabo da Boa Esperança, transportando cerca de quatrocentos negros em direção ao Brasil. O requerente alega que a mercadoria é proveniente de Moçambique, e que aportou no Cabo da Boa Esperança unicamente pela necessidade de um leme. Constantino se diz traído pelas formalidades do comércio ultramarino e aponta a impossibilidade de se garantir os direitos determinados pelas leis do seu país.
    Data do documento: 6 de maio de 1814
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): doc. no 04

    Conjunto documental: Junta do Comércio. Supressão do tráfico da escravatura
    Título do fundo: Junta do Comércio
    Código do fundo: 7x
    Notação: códice 184, vol. 02
    Datas-limite: 1819-1821
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: convenção adicional do tratado de 22 de janeiro de 1815, entre o rei da Inglaterra e o rei de Portugal para impedir qualquer comércio ilícito de escravos por parte dos seus respectivos vassalos. A convenção, assinada por seus plenipotenciários Castlerreagil e Conde de Palmella, possui 13 artigos com o objetivo de que os dois governos, Portugal e Inglaterra, vigiassem seus vassalos. Os artigos mencionam as regiões onde o tráfico seria lícito, principalmente na África, as penas para tais atos, estabelece a documentação a ser levada nos navios, bem como as saídas e os portos. Diante do mútuo compromisso em defesa do tratado, enquanto não chega a época em que o tráfico de escravos deverá cessar inteiramente e ser proibido nos seus domínios, o rei britânico sente-se obrigado a impedir que os navios portugueses tenham perdas e estorvos ilegítimos frente aos cruzados britânicos.
    Data do documento: 28 de julho de 1817
    Local: Londres
    Folhas: 17-21

    Conjunto documental: Junta do Comércio. Supressão do tráfico da escravatura
    Título do fundo: Junta do Comércio
    Código do fundo: 7x
    Notação: códice 184, vol. 02
    Datas-limite: 1819-1821
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: instruções aos navios de guerra portugueses e ingleses, a fim de impedir o tráfico ilícito de escravos. Com nove artigos, as instruções dão poderes a Portugal e Inglaterra de inspecionar navios que se achem sob suspeita de comércio e detenção de escravos, dependendo da localização, bem como normas de acusação e defesa em caso de apreensão de navios.
    Data do documento: 28 de julho de 1817
    Local: Londres
    Folhas: 23-26

    Conjunto documental: Junta do Comércio. Supressão do tráfico da escravatura
    Título do fundo: Junta do Comércio
    Código do fundo: 7x
    Notação: códice 184, vol. 02
    Datas-limite: 1819-1821
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: regulamento sobre comissões formadas por Portugal e Inglaterra, as chamadas comissões mistas, que eram sediadas na costa da África, Brasil e Londres. Os quatorze artigos do regulamento especificavam a formação das comissões, o tempo e normas jurídicas dos processos, a legalidade das detenções, possíveis indenizações, separação burocrática de cargos e qual o idioma utilizado.  
    Data do documento: 28 de julho de 1817
    Local: Londres
    Folhas: 27-28

    Conjunto documental: Junta do Comércio, Navegação. Navios negreiros aprisionados
    Notação: caixa 445, pct 01.
    Datas-limite: 1811-1839
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação.
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: requerimento de Manuel José da Rosa, que deseja ser indenizado pela perda de seu escravo transportado no navio Isabel. Na tentativa de contabilizar o prejuízo, cita o preço do escravo, assim como o gasto na preservação da vida útil deste com a finalidade de ratificar a justa natureza de sua petição.
    Data do documento: 21 de janeiro de 1818
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): doc. nº 96

    Conjunto documental: Generalidades -  gabinete do ministro
    Notação: IG1 34
    Datas-limite: 1813-1829
    Título do fundo: Série Guerra
    Código do fundo: DA
    Ementa: ofício a João Paulo Bezerra, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra encaminhando o mapa de entrada de escravos no porto de Recife, que demonstra a ausência de escravos vindos diretamente da África. O governador Manoel Ignácio de Sampaio, autor do ofício, salienta que esta seria uma das causas da decadência da agricultura na província.
    Data do documento: 10 de fevereiro de 1818
    Local: Vila de Fortaleza, Ceará
    Folha (s): -

    Conjunto documental: Junta do Comércio e Navegação. Navios negreiros aprisionados.
    Notação: Caixa 445 pct 03
    Datas-limite: 1811-1822
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura,Fábricas e Navegação
    Código do fundo: 7x
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: ofício da Contadoria da Real Junta do Comércio do Reino do Brasil em que são discriminados os principais prejudicados com o apresamento da embarcação de José Gomes Pereira na Costa da Mina. São citados donos de escravos, negociantes, padres, capelães, entre outros, todos envolvidos, ou com o comércio negreiro, ou com alguma função no navio.
    Data do documento: 5 de setembro de 1818
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -     

    Conjunto documental: Junta do Comércio e Navegação
    Notação: caixa 376, pct. 01
    Datas-limite: 1806 - 1827
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: requerimento de Tomaz José da Cunha em que solicita o pagamento pelo período que prestou serviço como escrivão na galera Urbano. A embarcação fora detida em Serra Leoa no dia 24 de março de 1811, pela guarda britânica.
    Data do documento: 6 de março de 1819
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): doc. nº 12

    Conjunto documental: Junta do Comércio e Navegação
    Notação: caixa 376, pct. 01
    Datas-limite: 1806 - 1827
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: requerimento em que o padre Bartolomeu Ferrão exige o pagamento pelos cinco meses que prestou serviços como capelão na galera Urbano, utilizada como transporte no tráfico ultramarino e apreendida na costa da África no dia 24 de março de 1811.
    Data do documento: 25 de maio de 1819
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): doc. nº 07

    Conjunto documental: Junta do Comércio e Navegação
    Notação: caixa 376, pct. 01
    Datas-limite: 1806 - 1827
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: requerimento de João Crisóstomo Lopes por meio de seu procurador, ao conselho fiscal alegando ter sido prejudicado com a apreensão do paquete Volante e da galera Urbano, dado haver estabelecido vínculos de trabalho com ambas as embarcações. Por meio da comprovação da legalidade de sua matrícula e de que a intervenção da marinha inglesa se deu antes de junho de 1814, exige a restituição da quantia que receberia durante os nove meses que a embarcação esteve detida injustamente, somado à quantia equivalente aos noventa e três cativos que transportava.
    Data do documento: 20 de fevereiro de 1819
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): doc. nº 04

    Conjunto documental: Junta do Comércio, Navegação. Navios negreiros aprisionados
    Notação: caixa 445, pct 01.
    Datas-limite: 1811-1839
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: abaixo-assinado para que Teotônio Ribeiro de Paiva, Bernardo Pinto de Almeida, Francisco da Silva e Joaquim José da Rocha representem juridicamente os negociantes da cidade do Rio de Janeiro. Muito prejudicados com a intervenção da armada inglesa, agravada pela ausência de leis que os protegessem, os referidos negociantes sentem-se desamparados pelo próprio governo, pois quando um navio era apreendido não havia o que fazer, ou a quem recorrer. Por isso legitimam esses quatro homens para que advoguem suas causas, requisitem seus direitos e protejam seus interesses.
    Data do documento: 8 de fevereiro de 1819
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): doc. no 40

    Conjunto documental: Junta do Comércio, Navegação. Navios negreiros aprisionados
    Notação: caixa 445, pct 01.
    Datas-limite: 1811-1839
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação.
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: procuração redigida por Vasconcellos Silva, em que consta o caso de Torcato José Pinto, que perdeu a posse de seus quatro escravos transportados no navio Elizabeth, aprisionado pela guarda inglesa enquanto ancorado no Cabo da Boa Esperança. Alegando que sua mercadoria é proveniente de Moçambique, Torcato vem requerer a indenização de “trezentas mil libras que o governo britânico concedeu para este fim”.
    Data do documento: 1819
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): doc. no 91

    Conjunto documental: Junta do Comércio, Navegação. Navios negreiros aprisionados
    Notação: caixa 445, pct 01.
    Datas-limite: 1811-1839
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
    Código de fundo: 7X
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: procuração de Antônio da Silva Caldeira endereçada ao Tribunal da Real Junta do Comércio, solicitando a indenização de seus clientes Francisco Carlos da Costa Lace e Antônio Rabelo Palhares, lesados com a apreensão do navio Elizabeth no Cabo da Boa Esperança. A mercadoria a eles pertencente correspondia à dezenove escravos e oitenta arrobas de linho.
    Data do documento: 16 de junho de 1819
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): doc. no 97

    Conjunto documental: Real Junta do Comércio,Agricultura, Fábricas e Navegação
    Notação: códice 46 volume 3
    Datas-limite: 1815-1819
    Título do fundo: Junta do comércio ,Agricultura,Fábricas e Navegação
    Código do fundo: 7x
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: registro de uma discussão sobre a melhor forma de se proteger o comércio marítimo português, inclusive de escravos africanos, contra a marinha de guerra e corsários de alguma nação adversária. Discutiam os deputados sobre o estabelecimento, ou não, de comboios e o modo como iriam estruturá-lo, tendo em vista a liberdade de comércio garantida pelas leis. Segundo a Junta constava que os corsários tinham refúgio e armamento nas “Ilhas da Índia Ocidental, nos Estados Unidos da América Setentrional, e naqueles portos da América Espanhola” dominados por insurgentes. Face ao diminuto número de embarcações e a decadência da marinha de guerra, segundo os deputados o Brasil deveria espelhar-se no modelo adotado pelos Estados Unidos da América, com a implantação dos comboios.  
    Data do documento: 4 de maio de 1819        
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -     

    Conjunto documental: Junta do Comércio. Supressão do Tráfico da escravatura
    Notação: códice 184, vol. 02
    Datas-limite: 1819-1821
    Título do fundo: Junta do Comércio
    Código do fundo:7x
    Ementa: documento referente a captura da escuna Emília pelo comandante britânico William Finlaison, que pede os papéis da dita escuna comprovando o desembarque de dezoito escravos no porto de Cabo-Corso e, posteriormente a publicação de editais para que os interessados procurassem os escravos.  
    Data do documento: 10 de julho de 1821
    Local: Rio de janeiro
    Folhas: 16

    Conjunto documental: Junta do Comércio. Supressão do Tráfico da escravatura
    Notação: códice 184, vol. 02
    Datas-limite: 1819-1821
    Título do fundo: Junta do Comércio
    Código do fundo:7x
    Ementa: conferência de comissários juízes sobre a ordem do governo britânico para captura de embarcações portuguesas e britânicas que fossem encontradas fazendo comércio ilícito de escravos. Tal medida ocorrendo com a escuna Emília e apresentando-se como testemunha o contra-mestre português da dita escuna, Manoel Gonçalves.
    Data do documento: 12 de julho de 1821
    Local: Rio de Janeiro
    Folhas: 16

    Conjunto documental: Junta do Comércio. Supressão do Tráfico da escravatura
    Notação: códice 184, vol. 02
    Datas-limite: 1819-1821
    Título do fundo: Junta do Comércio
    Código do fundo:7X
    Ementa: registro de reunião da comissão mista em que se analisa o caso do bergantim Desengano, vindo da Bahia com mais de 300 escravos embarcados em Onim, portanto em área ilegal de trafico. Segundo o suplicante (ou, denunciador) João Felipe Amorim, sua primeira denúncia havia sido mal compreendida e tomada por sonegação de impostos, e por isso ele reiterava a denúncia de apreensão ilegal. A comissão decidiu adiar a decisão até que investigações fossem feitas.
    Data do Documento: 16 de abril de 1822
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): 32

    Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
    Notação: IG1 112
    Datas– limite: 1809-1814
    Título do fundo: Série Guerra
    Código de fundo: DA
    Argumento de pesquisa: tráfico, repressão
    Ementa: requerimento em nome dos comerciantes que exportaram grandes quantias de tabaco e água-ardente, para comercializar na África, em troca de escravos perdidos por conta da agressão de uma “nação amiga”, a Inglaterra. A apreensão era considerada injusta, uma vez que no Brasil o comércio de escravos era ainda legalmente aceito, e por isso os comerciantes esperavam algum ressarcimento da perda avaliada em 800 cruzados.
    Data do documento: s.d
    Local: s.l
    Folha(s): 244

  • Recompensas

    Carta em que Joaquim José de Oliveira denuncia a ação intensa dos ingleses na costa da África. A primeira explicação fornecida a Joaquim, foi que havia uma recompensa paga por cada negro que era recuperado. Posteriormente lhe informaram que os cruzadores ingleses poupavam apenas os portos que abrigavam fortificações portuguesas. Foi apenas por meio das notícias que recolheu que conseguiu regressar em segurança.

     

    Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
    Notação: IG1 112
    Datas-limite: 1809-1814
    Título do fundo: Série Guerra
    Código do fundo: DA
    Argumento de pesquisa: repressão o tráfico de escravos
    Data do documento: 15 de junho de 1812
    Local: Bahia
    Folha(s): 255


    Excelentíssimo Senhor,

    O abaixo assinado, Mestre do Bergantim[1] Triunfo Africano, de que é Senhoria Joaquim de Oliveira, obedecendo a Ordem de Vossa Excelência, com o mais profundo respeito dá parte seguinte.

    Saí deste porto no dia 15 de Fevereiro em direitura para Costa da Mina[2]: Levei de viagem 54 dias a montar em Cabo de Palmas , aonde tive por notícia, pelos Nacionais da terra, que estavam resgatando escravos[3] no dito porto, cuja Escuna[4] pensei ser da Ilha do Príncipe, ou São Tomé[5]. Corri toda a Costa até dar fundo na Comenda (Porto Inglês), e mandando à terra meu piloto ajustar canoa e canoeiros, veio este participar-me que o Governador da fortaleza (Inglês) lhe dissera que tinha ordem para não vender uma só canoa a Navios Portugueses, e nem fazer negócio de qualidade algum com eles. Que só poderia comprá-la as nacionais da terra, e por isso por faculdade sua, pois, que mesmo para isso não tinha ordem, e sim somente para suprir aos Portugueses com água, e mantimentos. Passando a ajustar com os ditos Nacionais a canoa, por intriga do Governador com aqueles, depois de lhes remeter o pagamento, em que mos contratamos, mo rejeitaram dizendo, que nos não vendiam mais, por não dar faculdade o Governador, inda que pagasse por exorbitante preço, ordenando-me este ao mesmo tempo, me fizesse eu a Vela sem perda de tempo. No seguinte dia achando-me inda fundeado e vindo ao meu bordo várias canoas do Castelo das Minas, fez-lhes fogo a Fortaleza, mas sem dano, e sempre se chegaram as ditas. Neste mesmo porto noticiou-me o Governador, que tinham sido apresados, em Cabo Corso por uma Fragata Inglesa o Bergantim São João, e ignorava a causa, e por uma Escuna Letramarca (de Londres) o Bergantim Vrânia, por ter comprado na Fortaleza de Diques Kovi Canoa. Disse que tivera notícia, que nos portos debaixo se tinham tomado as Embarcações seguintes. Em Porto Novo os Bergantins Destino, e Desengano, e o Brigue[6] Feliz Americano. Em Onim a Lindeza Cavalinho, e os Prazeres, cujos foram tomados por estarem fundeados fora do porto de Ajudá[7]. Que os apresadores faziam estas presas, porque de cada cativo que se achava dentro de qualquer Embarcação lhes percebiam 60.000 de prêmio, mas que ele Governador ignorava de quem.

    Esta mesma notícia me deram os nacionais da Mina, e me confirmou o Niza, habitante naquele castelo, o qual mandou a meu bordo a ver se eu queria conchavar algum gênero de negócio com ele. Dali dirigi-me a Acará, onde saltei em terra: O Governador da Fortaleza Inglesa que ali há me avisou a não me dirigir a outro porto, que o Ajudá, porque a outro qualquer que fosse, se alguma Embarcação de Guerra me encontrasse, irreversivelmente me faria prisioneiro; pois que eles Ingleses só concediam, ou consideravam livres os portos onde houvessem Fortificações Portuguesas, e que ali me não demorasse tempo algum naquele porto, e o mesmo me certificaram todos os mais Ingleses, Holandeses, e Dinamarqueses que ali residem.

    Dirigi-me a Popó, e ali me participaram, que outra Fragata Inglesa tomara no porto de Ajudá ao Bergantim São Miguel Triunfante, e novamente retornara o Bergantim Vrânia, o qual havendo ali chegado em companhia da Escuna sua apresadora, e querendo esta apresar os mais Navios surtos naquele porto, o São Lourenço, e o Conde Amarante lhe fizeram fogo, e de Velas e remos, deixando a dita Vrânia, mas depois vindo a Fragata novamente a represar com o São Miguel Triunfante, ordenando aos demais que saíssem com toda a presteza daquele Porto. Parti para Onim[8], onde sem novidade fiz minha negociação, sem que me encontrasse, desde que dali saí para esta, com Embarcação alguma Inglesa, pois se me encontrasse certamente viria a ter a mesma sorte dos demais. Recolhi-me a esta contudo corrente, com 28 dias de próspera viagem. Esta participação que tenho a honra dirigir à Presença de Vossa Excelência. Bahia 15 de Junho de 1812.

    Vicente de Paulo Silva.

     

    [1] BERGANTIM: os bergantins eram navios de remos de traça, muito rápidos e de fácil manobra. Eram equipados com dez a dezenove bancos corridos de bordo a bordo. Envergavam tanto vela redonda quanto latina com um ou dois mastros. Nos primeiros tempos da presença portuguesa no Oriente realizavam as missões de contato, reconhecimento e transporte. Prestavam-se ainda a servir as fortalezas mais importantes, particularmente nas zonas onde a presença naval não era permanente. O bergantim era também uma embarcação de ostentação, favorito de monarcas e grandes senhores.

    [2] COSTA DA MINA: os termos Costa da Mina e Guiné por vezes se confundem, tendo não raro o mesmo significado em um único documento. Define uma região da África Ocidental localizada no golfo da Guiné, onde atualmente se encontra o Benim (antigo Daomé), Togo e parte de Gana. A sociedade que ali floresceu a partir do século IV encontrou seu auge em torno dos séculos IX e X da era cristã, com a exploração do ouro, que existia em abundância. Com o tempo, a região ficaria conhecida pelos portugueses como Costa do Ouro. Em 1470, navegadores lusos alcançam a região, estabelecendo o comércio de ouro. Em 1482, a coroa portuguesa consegue construir o Castelo de São Jorge, através de uma concessão do líder local, para garantir o tráfico de escravos da região e impedir quaisquer avanços dos reinos espanhóis. O termo "mina" era largamente usado como denominação genérica para designar a etnia dos escravos africanos ou descendentes no continente americano que vinham da região, muito embora muitos dos embarcados nesta região viessem de outras áreas mais ao interior do continente africano, portanto, de origem diversa. Em 1637, os holandeses invadiram o Castelo de São Jorge da Mina determinando que os navios sob bandeira portuguesa comprassem escravos apenas em quatro portos: Grande Popó, Ajudá, Janquim e Apá (mais tarde conhecido como Badagri) na região denominada Costa dos Escravos mais ao leste, onde hoje se encontra o Benim. Dessa forma, o termo Costa da Mina passou a se referir aos portos tanto da Costa do Ouro, quanto da Costa dos Escravos. A demanda por escravos na América conheceria significativo aumento no século XVII, mas apenas no século XVIII ocorreria o chamado ciclo da Mina, durante o qual cerca de 350 mil indivíduos foram escravizados e enviados para outras colônias portuguesas, sobretudo a Bahia. Eram trocados por fumo refugado em Portugal, mas ainda apreciado na África, em um esquema de escambo que, muitas vezes, passava por cima do comércio triangular (intermediado pela metrópole). Outras nações europeias também se estabeleceram na região (holandeses, ingleses, franceses), cada uma iniciando acordos com populações locais para o suprimento de escravos. No final do século XVIII e início do XIX, percebe-se um grande aumento na oferta de cativos na região, em decorrência de guerras locais, em especial a guerra religiosa (jihad) liderada por Dan Fodio que deu origem um grande império islâmico na África. As diversas etnias africanas (nagô, jeje, hauça), traficadas a partir da Costa da Mina para a Bahia promoveram o maior ciclo de revoltas escravas no Brasil colonial. O cabo de Palmas, marco inicial da região, foi utilizado como limite de apresamento legal, após os tratados de limitação do tráfico negreiro no século XIX [ver Abolição gradual do tráfico de escravos]. Com a extinção do tráfico humano, a região foi tomada pelos ingleses e tornou-se colônia britânica.

    [3] ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

    [4] ESCUNA: embarcação de dois mastros, em que as velas principais são latinas, e que normalmente dispõe de vergas apenas no mastro de vante. Se possuir vergas também no mastro grande de ré, diz-se escuna de duas gáveas. A escuna daria origem a outros tipos de embarcação similares, como, por exemplo, o brigue. Foi muito utilizado pelos holandeses durante os séculos XVI e XVII.

    [5] SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE: arquipélago situado no golfo da Guiné, na costa oeste da África, cuja capital é São Tomé. Abrange, além das duas ilhas que lhe dão o nome, alguns ilhéus adjacentes que foram descobertos pelos navegadores portugueses João de Santarém e Pedro Escobar em 1471. Dedicando-se inicialmente à cultura da cana-de-açúcar, cuja produção entrou em declínio com o crescimento da atividade açucareira no Brasil, o arquipélago tornou-se um importante entreposto de escravos no período colonial. Essa atividade somente foi encerrada em 1876, quando foi decretada a abolição da escravidão nas ilhas.

    [6] BRIGUE: embarcação à vela semelhante ao bergantim, utilizada em guerras por sua velocidade de deslocamento e ataque. Sua versão militar apresentava em média seis a dez canhões navais. São classificados, segundo suas características de combate, em “brigues do tipo fragata”, as maiores; e “brigues do tipo corvetas”, as menores. Possuíam grande velocidade de ataque, pelo seu desenho aerodinâmico. Eram utilizados tanto isolados como em conjunto de cerco para o ataque de bases e afundamento de navios inimigos. Popularizaram-se após sua utilização durante a guerra de independência dos Estados Unidos.

    [7] AJUDÁ: a cidade de Ajudá (denominação portuguesa para Glehue) teve origem como capital do reino dos huedas, onde se concentravam comerciantes de escravos desde o século XVII. Situada na baía de Benim, na África, o pequeno reino estabeleceria, em fins do século XVII, uma nova forma de comércio de escravos, que não concedia monopólio: esta forma acabou sendo mais adequada a interesses de ingleses e franceses, e oposta à prática tradicional dos portugueses. A partir de 1671, o foco do comércio de cativos na Costa dos Escravos deixou de ser Aladá e passou a ser o reino de Ajudá, localizado mais ao sul. Nesta época, o rei de Ajudá conseguiu expandir seu domínio com a ajuda militar de mercadores ingleses e franceses. Em 1703, um novo rei assumiu o trono de Ajudá e tornou-se aliado dos franceses, uma vez que este soberano havia sido educado por missionários franceses. Entretanto, em 1721, os luso-brasileiros aproximaram-se deste mesmo rei e conseguiram a permissão para construir uma fortaleza em terras desse reino. Assim como ocorria em Aladá, a maior parte dos cativos embarcada no porto de Ajudá continuava a ser fornecida por representantes da cidade-estado de Oió, como ocorria no reino de Aladá. Na década de 1720, os daomeanos conseguem o controle do porto de Ajudá.

    [8] ONIM: Onim ou Eko, cidade-estado que originou a atual capital da Nigéria, Lagos, viu a quantidade de escravos embarcar em seu porto quadruplicar na virada do século XIX. Acabou se tornando ponto preponderante de exportação de escravos [tráfico de escravos], especialmente para a Bahia. O sistema de lagoas existente na região fazia com que os escravos pudessem ser levados rapidamente a pontos de embarque desconhecidos de embarcações patrulheiras. Esta peculiaridade contribuiu para que o tráfico de escravos perdurasse em Onim. Foram necessários dois ataques britânicos antes que Lagos fosse ocupado, mas o porto caiu em 1851, forçando sua retirada da rota do tráfico.

    Correspondência entre conde de Galvêas e conde dos Arcos

    Carta em que o conde de Galvêas envia ao conde dos Arcos requerimento recebido dos comerciantes traficantes de escravos em protesto contra a atuação da coroa inglesa na repressão do referido comércio. Ao mencionar os prejuízos do comércio baiano em função da intervenção militar inglesa no comércio de escravos, revela sua admiração quanto à clara posição do rei português, que não acatava o fim definitivo do tráfico.

     

    Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
    Notação: IG1 112
    Datas-limite: 1809-1814
    Título do fundo: Série Guerra
    Código do fundo: DA
    Argumento de pesquisa: repressão ao tráfico de escravos
    Data do documento: 30 de março de 1812
    Local: Bahia
    Folha(s): 240 a 243; 257 a 258

    Tenho a honra de pôr na Presença da Vossa Excelência o requerimento que me apresentaram os Comerciantes desta Praça queixando-se contra o procedimento dos Ingleses na Costa da Mina[1] negócio este que confesso a Vossa Excelência ser o que me tem dado maior cuidado desde que tive a honra de empregar-me no serviço de nosso Augusto Amo. Hesitei e agora vejo que com alguma razão sobre a inteligência do artigo X do Tratado de 19 de Fevereiro de mil oitocentos e dez[2] em data de 7 de Maio do ano passado pedi a V.Exa as elucidações necessárias,

    Fez-me Vossa Excelência a mercê de responder-me em 02 de agosto do mesmo ano da maneira mais conspícua, e com a claridade acostumada acrescentando, por Ordem de Sua Alteza Real[3] a declaração de que longe de ser da Sua Real Intenção restringir de qualquer modo semelhante Comércio de Escravatura[4]. O Mesmo Senhor se propõe a promovê-lo, e facilitá-lo quanto ser possa bem convencido da necessidade que há deste único recurso que temos de aumentar a população deste Vasto Continente. Tendo obtido esta explicação nada mais me restava a desejar para que com toda seguridade permitisse a continuação deste Comércio que, na minha opinião, é da mais vital importância para o Brasil.

    Continuei pois a dar competentes passaportes, e continuaram ainda que por outras razões com menos atividade, as Negociações da Costa. Senão quando entra neste Porto no dia 12 do corrente o Bergantim[5] Piedade e anuncia que os Ingleses atacaram, fizeram presos os Navios desta praça da relação inclusa e trazendo já a seu bordo Mestres, e mais gente pertencente a algumas das embarcações apresadas. A comoção que este inaudito procedimento tem causado na Bahia[6] excede em muito a força das minhas palavras.

    É necessário declarar que o comércio da Costa gera dinheiro de toda a gente da Bahia, o empregado público, o militar, o mais pequeno proprietário, todos, regularmente para aquele giro a porção que podem para o seu pecúlio. É também de outra parte necessário lembrar que o povo da Bahia é o menos civilizado que encontramos sobre a superfície do Brasil e que é o único que viu Franceses, e que tratou como bons amigos ficando da Esquadra de Jerônimo Bonaparte[7] muitos neste país, não devendo nunca esquecer a quem Governa, que os terríveis acontecimentos de Buenos Aires são aqui muito conhecidos. É portanto o atual procedimento dos Ingleses sem dúvida uma hostilidade praticada contra uma Nação amiga em tempo de paz, e que se torna individual contra os habitantes pode-se dizer que todos da Bahia, os quis achando-se nas circunstâncias que acima noto a Vossa Excelência que me tem posto no mais súbito grau de cuidado para evitar qualquer demonstração pública e criminosa de seu ressentimento.

    Um dos meios que pus em prática para serenar os ânimos de alguns dos comerciantes mais ávidos, e que me pareceram mais alterados foi persuadir-lhes que fizessem um requerimento a Sua Alteza Real recomendando muito humildemente a Suprema Beneficência daquele Augusto Senhor neste negócio, medida esta que tomei forçado de ver em desesperação um povo inteiro cujas as queixas não tenho dúvida de confessar que não sei responder.

    Da letra do Tratado de 19 de Fevereiro de 1810, e muito mais ainda da explicação acima referida que Vossa Excelência me fez mercê de dirigir-me, segue-se inquestionavelmente que o presente caso é justamente o em que tem lugar represálias quando o Governo Inglês não efetue em tempo competente a reparação que lhe deve ser reclamada, que é de esperar de sua boa fé que seja concedida: entretanto como me não compita dirigir as precedentes reclamações nem depois expedir cartas de represálias empreguei todos os meios termos que pude para evitar que se me fizesse um requerimento pedindo-me surtos neste porto, o que ponho na presença de Vossa Excelência por me constar que sobem à Real presença queixas de eu ter dificultado aquele extraordinário recurso fora das formas escritas em Direito das Gentes.

    E junto um dos panfletos que apareceram na madrugada do dia seguinte ao da chegada da notícia podendo acrescentar que eles foram lidos por isso que se havia tomado precauções para serem arrancados cedo se fossem postos de noite como era fácil de esperar a quem já conhece o gênio destes Povos.

    O presente caso que na verdade é novo na história das Nações tem feito nascer ódio tão geral, e tão pronunciado contra os Vassalos de S.M.B residentes na Bahia que não devo esconder V.Exa que  cada passo é para recear algum insulto de tristes consequências contra algum deles; tenho contudo tomado as medidas de prevenção que me parecem prudentes.

    Igualmente tenho espiado com a possível alerta os homens da Praça, assim se chama aqui o Corpo dos Comerciantes, que não falam uns com os outros de outra matéria desde que aqui chegou aquela notícia.

    Entre suas conversações sempre de notável veemência e ressentimento tem ressaltado de vez em quando ideias bastante perigosas, mas que passam logo, e não tomam consistência pela maravilhosa estupidez de que felizmente são dotados: Tem todavia tomado certo vulto uma opinião terrível que trabalho quanto posso por desvanecer que é a seguinte: Bem sabe V. Exa que a inteligência do Artigo X do Tratado de 19 de Fevereiro de 1810 não me pareceu tão óbvia como V. Exa me disse que ela era no Régio Aviso acima mencionado, e por isso enquanto no recebi aquela explicação, alguma tal e qual dificuldade fazia sentir na emissão dos Passaportes para a  Costa da Mina, e vendo os Negociantes desta Praça desaparecer de repente aquela dificuldade, e antes ser ela transformada na mais ilimitada prontidão, e facilidade, trazem agora à memória aquela época, souberam eles depois que eu tinha tido dúvida, e resultando desta Determinação uma tanto considerável perda, parece claro que o atual procedimento dos Ingleses é mais depressa um ajuste com o Ministério, do que uma atrocidade até agora desconhecida entre os homens qual a de fazer e guardar como boas presas os Navios que pertencem aos Vassalos da Nação amiga, e aliada em temo de paz, e que comerciam nos termos expressos do Tratado. Parece-me contudo que esta terrível opinião felizmente a sofrer algum descrédito desde que tenho feito, sempre indiretamente, lembrar a antipatia que ela envolve com a conhecida religiosidade de Sua Alteza Real, e com o Paternal amor que todos adoramos em tão Querido Soberano.

    Noto a V. Exa que o que fica dito é resultado de notícias secretíssimas do que se passa no íntimo de conversações familiares, e entre amigos sem que por ora, graças à Providência, tenham tomado qualquer vulto.

    No entanto a Bahia está em tal grau de desgraça, e seus habitantes em tal estado de aflição que não é fácil representá-lo à V.Exa em toda a sua altura. Estou aqui a 18 meses, e vi esfumar o comércio! O importantíssimo ramo do açúcar[8] secou de todo a ponto de não ter extração senão quando é necessário para o consumo interior do País: O tabaco[9] já não tem preço nenhum porque não há um comprador nesta Cidade: Murchou de todo com a guerra o outro riquíssimo ramo do Rio da Prata: O Trato dos Escravos acaba agora de um modo tão doloroso!! Em conseqüência todos os lavradores andam estupefatos sem saber resolver em que cultura devem empregar seus Escravos! De outra parte os Comerciantes que lhes tinham adiantado fundos o na passado de que se haviam embolsar no presente gêneros de sua respectiva lavouras, não tendo estes saída, nem lhos recebem e não só os verão por seus pagamentos, mas não lhes adiantam, como até agora, novos fundos sem os quais o Lavrador pobre fica impossibilitado de continuar seus trabalhos. Entretanto um tal procedimento de esperança que resulta do estado das coisas aumentando demais, e mais com a probabilidade da guerra com os Estados Unidos, tudo faz que o desgraçado Baiano tenha o mais Sagrado dos Direitos Suprema Beneficência de Sua Alteza Real à qual humildemente imploro em sua consolação e Benefício, e também como mais poderoso calmante no estado de ansiedade, e aflição em que a Bahia fica gemendo.

    Deus Guarde a Vossa Excelência

    Bahia 30 de março de 1812.

    Ilustríssimo Excelentíssimo Conde Galvêas[10]

    Conde dos Arcos[11]

     

    [1] COSTA DA MINA: os termos Costa da Mina e Guiné por vezes se confundem, tendo não raro o mesmo significado em um único documento. Define uma região da África Ocidental localizada no golfo da Guiné, onde atualmente se encontra o Benim (antigo Daomé), Togo e parte de Gana. A sociedade que ali floresceu a partir do século IV encontrou seu auge em torno dos séculos IX e X da era cristã, com a exploração do ouro, que existia em abundância. Com o tempo, a região ficaria conhecida pelos portugueses como Costa do Ouro. Em 1470, navegadores lusos alcançam a região, estabelecendo o comércio de ouro. Em 1482, a coroa portuguesa consegue construir o Castelo de São Jorge, através de uma concessão do líder local, para garantir o tráfico de escravos da região e impedir quaisquer avanços dos reinos espanhóis. O termo "mina" era largamente usado como denominação genérica para designar a etnia dos escravos africanos ou descendentes no continente americano que vinham da região, muito embora muitos dos embarcados nesta região viessem de outras áreas mais ao interior do continente africano, portanto, de origem diversa. Em 1637, os holandeses invadiram o Castelo de São Jorge da Mina determinando que os navios sob bandeira portuguesa comprassem escravos apenas em quatro portos: Grande Popó, Ajudá, Janquim e Apá (mais tarde conhecido como Badagri) na região denominada Costa dos Escravos mais ao leste, onde hoje se encontra o Benim. Dessa forma, o termo Costa da Mina passou a se referir aos portos tanto da Costa do Ouro, quanto da Costa dos Escravos. A demanda por escravos na América conheceria significativo aumento no século XVII, mas apenas no século XVIII ocorreria o chamado ciclo da Mina, durante o qual cerca de 350 mil indivíduos foram escravizados e enviados para outras colônias portuguesas, sobretudo a Bahia. Eram trocados por fumo refugado em Portugal, mas ainda apreciado na África, em um esquema de escambo que, muitas vezes, passava por cima do comércio triangular (intermediado pela metrópole). Outras nações europeias também se estabeleceram na região (holandeses, ingleses, franceses), cada uma iniciando acordos com populações locais para o suprimento de escravos. No final do século XVIII e início do XIX, percebe-se um grande aumento na oferta de cativos na região, em decorrência de guerras locais, em especial a guerra religiosa (jihad) liderada por Dan Fodio que deu origem um grande império islâmico na África. As diversas etnias africanas (nagô, jeje, hauça), traficadas a partir da Costa da Mina para a Bahia promoveram o maior ciclo de revoltas escravas no Brasil colonial. O cabo de Palmas, marco inicial da região, foi utilizado como limite de apresamento legal, após os tratados de limitação do tráfico negreiro no século XIX [ver Abolição gradual do tráfico de escravos]. Com a extinção do tráfico humano, a região foi tomada pelos ingleses e tornou-se colônia britânica.

    [2] TRATADOS DE 1810: o controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie as falhas e brechas no sistema.  Considerado um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Durante a chamada Viradeira – período que se iniciou em 1777 com a nomeação de novos Secretários de Estado, em substituição do marquês de Pombal, por d. Maria I – empreendeu-se uma tentativa de controlar o contrabando e estreitar os laços comerciais intercoloniais, reservando à colônia seu papel de produtora de gêneros agrícolas e de consumidora de manufaturados, visando a controlar a erosão do sistema colonial, que já apresentava sinais de crise. Essa estrutura seria invertida com a chegada da corte joanina em 1808 e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, na prática, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura dos Tratados de 1810. Em 19 de fevereiro desse ano, dois importantes tratados foram firmados entre Portugal e Inglaterra: o Tratado de Comércio e Navegação e o Tratado de Aliança e Amizade, que regulamentavam as relações comerciais entre as duas nações, como consequência da nova situação política e econômica resultante abertura dos portos brasileiros. A justificativa dos tratados expressava principalmente o desejo das nações em estreitar os laços de amizade e ampliar os benefícios de seus vassalos por meio de um novo sistema de livre comércio entre os envolvidos, incluindo seus domínios, e no caso português, a nova sede do Império português, o Brasil. Foram acertados, entre outros pontos, assuntos relativos ao comércio entre os países envolvidos, como no artigo VIII, que abolia monopólios que pudessem restringir o comércio entre Portugal e Inglaterra (e seus respectivos domínios), embora fossem mantidos os estancos a certos produtos, como os tecidos de lã ingleses, os vinhos portugueses e o pau-brasil. O artigo principal (XV), que regulava as novas tarifas alfandegárias, estabelecia que todos os gêneros ingleses – à exceção dos estancados – deveriam ser admitidos sem limitações nos domínios portugueses, pagando direitos de 15%. O acordo firmado revela o precário equilíbrio de forças e as dependentes relações de Portugal em relação à Inglaterra, resultando em uma concessão que favorecia diretamente os produtos ingleses em detrimento dos próprios gêneros portugueses, que pagariam 16% de impostos, desigualdade corrigida quase um ano depois, e dos estrangeiros de outras nações amigas, taxados em 24%. Este tratado resultou, praticamente, em um domínio inglês no mercado do Brasil, uma vez que se tornava bastante difícil para as outras nações competir com os preços, a variedade e a qualidade dos produtos oriundos da Inglaterra e suas colônias. Provocou profundo mal-estar e insatisfação entre os produtores e negociantes portugueses, uma vez que se sentiam lesados no comércio colonial, anteriormente, controlado com exclusividade. Também desagradou aos ingleses, desejosos de mais benefícios e privilégios em troca de terem ajudado na transmigração da Corte e na manutenção da integridade do Império português. Os acordos referiam-se, ainda, as concessões previstas no Tratado de 1654 como a liberdade de culto aos súditos ingleses e o direito de julgamento por juízes ingleses segundo leis inglesas, caso algum súdito britânico cometesse delito nos domínios da Coroa portuguesa. O artigo X do Tratado tratava, ainda, sobre a gradual extinção do tráfico de escravos africanos e sua limitação às possessões portuguesas. Tal resolução suscitou inúmeras acusações de arbitrariedade, pois, segundo comerciantes portugueses, se foi elevado o número de embarcações apreendidas sob alegação de tráfico ilegal, também foi grande o número de traficantes que alegavam comerciar apenas nas possessões portuguesas, onde o governo britânico não deveria atuar. Em termos práticos, a medida mostrou-se ineficaz, a abolição do comércio de escravos só seria efetivada quatro décadas mais tarde.

    [3]JOÃO VI, D. (1767-1826):  segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

    [4]TRÁFICO DE ESCRAVOS: uma das atividades econômicas mais lucrativas do período colonial, o tráfico de escravos oriundos da África foi responsável pela entrada de mais de 4 milhões de africanos no Brasil durante cerca de três séculos (Hebert Klein. A demografia do tráfico atlântico de para o Brasil. Estudos econômicos. Maio/ agosto, 1987). Alimentando-se de prisioneiros das guerras étnicas e, posteriormente, tribais que assolavam os reinos africanos, a procura por cativos foi fomentada pela expansão colonial baseada no sistema de plantation, dominante nas Américas, que se apoiava na mão-de-obra escrava. A pressão europeia pelo fornecimento de mercadoria humana levou à um crescimento exponencial da escravidão no continente. O tráfico negreiro resultou no chamado comércio triangular que envolvia África, Europa e América, integrados em um sistema de comercialização de diferentes tipos de riqueza: os escravos africanos, normalmente empregados nas grandes plantações de café, açúcar e algodão da América, eram trocados por tabaco, tecido, cachaça, rum ou armas na costa africana, ao longo da qual várias nações europeias acabaram estabelecendo feitorias para viabilizar o comércio. Transportados em navios tumbeiros ou negreiros, os escravos provinham principalmente do Senegal, da Gâmbia, da Costa do Ouro e da Costa dos Escravos, durante os séculos XVII e XVIII e do delta do Níger, do Congo e de Angola nos séculos XVIII e XIX. De acordo com os dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database – portal internacional de catalogação de dados sobre o tráfico atlântico –, navios portugueses ou brasileiros embarcaram escravos em quase 90 portos africanos, fazendo mais de 11,4 mil viagens negreiras. Dessas, 9,2 mil tiveram como destino o Brasil. A atividade mercantil teve sua expansão inicial entre os séculos XV e XVI – os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil com a expedição de Martim Afonso de Souza em 1530, vindos da Guiné e, em 1568, o governador-geral Salvador de Sá tornou-a oficial. Mas, foi entre os anos de 1750 e 1850, que o tráfico negreiro conheceu seu auge e teve como principal porto importador a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo em função da necessidade de abastecimento da região das minas. O comércio de homens mulheres e crianças, tornava-se objeto de dupla exploração: a “mercadorização”, através do tráfico atlântico e a expropriação de sua força de trabalho dentro do sistema escravagista colonial nas Américas, gerando lucros extraordinários, apesar do custo elevado, das “perdas em trânsito”, como diria Manolo Fiorentino, referindo-se aos diversos riscos que envolviam a travessia atlântica (pirataria, epidemias, naufrágios) e das dificuldades para administrar tal atividade, sobretudo pela resistência africana a esse processo de coisificação (Maria Jorge dos Santos Leite. Tráfico Atlântico, Escravidão e Resistência no Brasil. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana. Agosto de 2017). Os traficantes de escravos, conhecidos como homens de negócios, foram os grandes beneficiários da atividade, tornando-se a elite econômica colonial, mas que precisavam recorrer a relações sociais mais amplas, tanto na metrópole quanto na América e na África, indispensáveis para o funcionamento do comércio atlântico de escravos. Segundo Jaime Rodrigues, o tráfico de escravos envolveu não apenas os africanos escravizados, mas toda uma rede formada por negociantes, feirantes, oficiais e marinheiros comuns, autoridades administrativas e colonos. (De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro. Rio de Janeiro/ São Paulo: Companhia das letras, 2005). Esse comércio de almas, foi, durante séculos tido como algo natural e justificado tanto economicamente quanto pela religião, que enxergava o processo de escravização como uma forma de levar a fé católica à povos infiéis. No entanto, no alvorecer do século XIX, filósofos liberais colocariam em debate a escravidão, iniciando uma intensa campanha abolicionista, liderada pela Inglaterra. Apesar das pressões britânicas pelo fim do comércio atlântico de escravos, que resultou na assinatura de diversos tratados abolindo a importação de africanos, como a lei Feijó de 1831, mas que seriam apenas “para inglês ver”, o tráfico negreiro, atividade econômica basilar no Brasil colonial, resistiria ainda meio século, mantendo-se, durante alguns anos, na clandestinidade após a proibição do tráfico de escravos em 1850.

    [5] BERGANTIM: os bergantins eram navios de remos de traça, muito rápidos e de fácil manobra. Eram equipados com dez a dezenove bancos corridos de bordo a bordo. Envergavam tanto vela redonda quanto latina com um ou dois mastros. Nos primeiros tempos da presença portuguesa no Oriente realizavam as missões de contato, reconhecimento e transporte. Prestavam-se ainda a servir as fortalezas mais importantes, particularmente nas zonas onde a presença naval não era permanente. O bergantim era também uma embarcação de ostentação, favorito de monarcas e grandes senhores.

    [6] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

    [7] BONAPARTE, JERÔNIMO NAPOLEÃO (1784-1860): príncipe francês e rei da Vestfália (1807-1813), irmão mais jovem de Napoleão Bonaparte. Em 1806, aporta com sua esquadra na cidade da Bahia (Salvador), onde foi bem recebido pela população local e pelo governo da capitania, então liderada por d. João de Saldanha da Gama. Além de realizar operações de reparos nas embarcações e providenciar cuidados com doentes, Bonaparte ainda negociou víveres com comerciantes locais, já que necessitava de reabastecimento para viagem de volta à Europa. Esta boa recepção, em um momento em que as pressões da coroa britânica sobre Portugal no sentido de rompimento com a França se intensificavam, é vista como uma pálida tentativa de demonstrar a toda poderosa Inglaterra que Portugal não se curvaria totalmente às vontades do seu aliado maior.

    [8] AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

    [9]TABACO: planta nativa da América, era usada pelos indígenas com finalidades terapêuticas, religiosas e de lazer. Logo no início da colonização do Brasil, o plantio do tabaco foi estabelecido pelos colonos portugueses e seus descendentes. Mas, foi somente a partir de meados do século XVII, que sua produção deixou de ser um cultivo caseiro para espalhar-se por amplas regiões da colônia lusitana, sobretudo norte e nordeste. Ao contrário do açúcar, o cultivo do tabaco não necessitava de grande capital, e qualquer um podia cultivá-lo com certa facilidade (ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007). Popularmente chamado de fumo, era apreciado também na Europa, a princípio baseado em sua fama medicinal. A variedade do tabaco em pó – o rapé – era exportado, ainda, para a Índia e China. Foi o segundo maior produto de exportação da América portuguesa até o século XVIII e uma das principais mercadorias de troca utilizada no comércio de escravos na costa africana. O tabaco comercializado na África era chamado refugo – fumo de qualidade inferior, rejeitado para os mercados europeu e asiático, mas que tinha grande aceitação no escambo por escravos africanos. Devido a sua crescente importância, ainda em 1674, foi criada a Junta da Administração do Tabaco, responsável por administrar o monopólio real e coibir o contrabando. Posteriormente, em 1702, criaram-se superintendências nos portos mais importantes da colônia, com vistas a controlar a qualidade e o mercado. Ao superintendente cabia: assistir aos despachos e à boa arrecadação do tabaco; conceder licenças e fiscalizar a pesagem antes de enrolado e beneficiado; ter conhecimento sobre denúncias de descaminhos do tabaco; castigar os transgressores na forma da lei, entre outras atribuições. A partir de 1751, estas atribuições passaram às Mesas de Inspeção. Foram regiões produtoras de tabaco: Pará, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco e, sobretudo, Bahia.

    [10] CASTRO, JOÃO DE ALMEIDA DE MELO E (1756-1914): 5º conde de Galvêas, foi um nobre e político português. Seguiu a carreira diplomática, tendo sido ministro de Portugal em Londres, Haia, Roma e embaixador em Viena de Áustria. Foi secretário para os Negócios Estrangeiros entre 1801 e 1803 e Ministro dos Negócios da Marinha e do Ultramar a partir de 1811, acumulou, posteriormente, as pastas da Fazenda (Real Erário) e da Guerra. Fundador do primeiro laboratório brasileiro, o Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro (1812-1819), cujo propósito era o desenvolvimento de pesquisas químicas com finalidade comercial.

    [11]BRITO, D. MARCOS DE NORONHA (1771-1817): oitavo conde dos Arcos, nasceu em Lisboa e foi o último vice-rei do Brasil. Destacou-se, ainda em Portugal, na carreira militar, e chegou a atingir a patente de tenente-general em 1818. Chegou à América portuguesa em 1803 para ocupar o cargo de governador da capitania do Pará e Rio Negro, onde permaneceu até 1806, quando foi promovido para o cargo de vice-rei, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Ficou sob sua responsabilidade a preparação da cidade para ser a nova sede do Império português e receber a família real e a Corte. Em 1808, com a chegada do príncipe regente, findaram-se as funções de vice-rei, tendo sido nomeado, no ano seguinte, governador da Bahia, cargo que assumiu somente em 1810 e nele permaneceu até 1818. Neste período, ajudou a estabelecer a primeira tipografia e o jornal A Idade de Ouro na Bahia, fundou a Biblioteca Pública de Salvador e teve importante papel no combate a rebeliões e desordens causadas por escravos. Entrou em conflito algumas vezes com a classe senhorial local, que o considerava demasiadamente indulgente no trato com os escravos. O conde, por sua vez, acusava a elite baiana de ser selvagem, mesquinha e cruel com seus cativos, gerando sofrimento desnecessário e alimentando sentimentos de ódio e revolta. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, destacou-se na repressão ao movimento, impedindo-o de penetrar na capitania da Bahia. No ano seguinte, retornou ao Rio de Janeiro como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, cargo que ocupou até o retorno da Corte para Portugal. O conde, entretanto, permaneceu ainda no Brasil até depois de declarada a independência e, só então, retornou à Europa.

    Ataque ao Feliz Americano

    Inquirição na qual o desembargador presidente e os deputados da Mesa de Inspeção do Comércio e Agricultura da Bahia detalharam os artigos do apresamento do bergantim Feliz Americano, de propriedade de José Gomes Pereira. Relatou-se que o apresamento fora feito injustamente pelos navios ingleses, que escravos marinheiros foram capturados equivocadamente e que o bergantim e sua tripulação foram conduzidos de forma violenta e hostil, entre outros. Foram também explicitados os danos que a embarcação sofreu: havia “6.370 onças de fazenda” para o comércio negreiro que deveria render aproximadamente 579 cativos e que resultou em apenas 17 devido ao apresamento. Por fim era pedida a devida indenização pelos prejuízos sofridos “da Marinha, ou do Governo, ou da Nação Ingleza, ou de quem direito for”.

    Conjunto documental: Junta do Comércio, Navegação. Navios negreiros aprisionados.
    Notação: caixa 445, pct. 03
    Datas-limite: 1811-1822
    Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
    Código do fundo: 7x
    Argumento de pesquisa: repressão ao tráfico
    Data do documento: 28 de abril de 1812        
    Local: Bahia         
    Folha(s): -      


    Senhor desembargador presidente, e deputados da Mesa de Inspeção, e Agricultura[1] da Bahia

    Justifique citado o cônsul da nação britânica[2]

    Bahia, 28 de abril de 1812.

    Diz Jozé Gomes Pereira negociante[3] nesta praça, que tendo sido apresado em seis de janeiro do corrente ano de 1812 na franquia do Porto Novo sobre a Costa da Mina[4] o bergantim de que ele era o único, e legítimo proprietário denominado = o Feliz Americano = Mestre, e caixa Manoel Izidoro Cardozo, apresamento que foi injustamente perpetrado pela fragata inglesa de guerra = a Amélia = Comandante Frederico Paulo Irby , que violenta, e hostilmente conduziu para a colônia de Serra Leoa[5] onde por iníqua sentença proferida pelo juízo do alto almirantado daquela estação, foi condenado por boa presa[6], fatos estes que em concorrência de outros de igual natureza já foram demonstrados e plenamente justificados perante este tribunal; pretende o suplicante provar agora que pelo dito apresamento, e sentença condenatória veio a perder, e se julga prejudicado em 97:332.00 réis[7] que quer haver do apresador, ou de quem direito for; e para o que requer a vossa senhoria de ser admitido a justificar os autos seguidos:

    1º Que o dito bergantim[8] = o Feliz Americano = era um casco ainda novo e de boa viagem; foi construído nos estaleiros desta cidade por conta do suplicante, e fabricado inteiramente de madeiras do Brasil; que estava forrado de cobre, e bem preparado de todos os aparelhos necessários para a sua velejação, com panos, e amarras, aguadas, e dos demais utensílios, assim para a sua mareação, como para tráfico de escravatura[9], de que podia carregar 600 cabeças; por tudo o que valia na geral, e comum estimação deste continente, ao tempo em que se fez de vela desta Bahia para os portos da Costa de Mina em 11 de setembro de 1811, quando menos, 20:000//000// réis.

    3º Que a bordo do dito bergantim se achavam embarcados ao tempo de sua partida, os doze escravos mencionados na carta junta em documento nº 1, e especificados na certidão da matrícula de nº 3, os quais escravos pertenciam a diversos senhores, tinha sido engajados por marinheiros, e faziam parte da tripulação; e não tendo sido restituídos pelo apresador mas antes tendo envolvido nos objetos apresados, há o suplicante direito de exigir o seu valor, como bens realmente perdidos, valor que não pode ser menor, atenta a sua idade, serviço, e disposição, que o de 200//000 réis cada um o que `ilegível] dar 2:400//000 réis.   

    5º Que a dita fatura importando todas as suas despesas, e prêmio do seguro em 20:644//921 réis podia produzir na Costa da Mina, pela redução feita na conta nº 1 6370 onças[10] de fazenda, padrão este do valor, ou do termo de comparação a que todos os gêneros, segundo o antigo costume, e modo de traficar introduzido pelos Negros Potentados[11], que são os tratantes dos cativos, e que ao tempo em que o bergantim fazia sua negociação, estava bem prosperada porque o preço corrente, e mais geral dos escravos era então quando muito 11 onças por cabeça, incluindo neste número de onças as que se despendem com os gastos do navio, de sorte que as ditas 6.370 onças redução total de carga, como dito é, permutadas em escravos a 11 onças por cabeça dariam quando menos 579 cativos.

    6º Que por princípio de negociação das 579 cabeças, que pelo menos deveria render a carga total, segundo a conta desenvolvida, e que não pode padecer dúvida, já se haviam permutado 17 cativos, que estando em terra na dita franquia de Porto Novo na ocasião em que se apresou o bergantim se puderam tirar da presa, e confisco, e foram recebidos a bordo do bergantim Conde de Amarante, que aí surgiu depois e os conduziu para esta cidade, e o suplicante se dá por entregue deles, cabeças, que deviam sair da negociação.

    Para vossa senhoria, que sendo servidos de admitirem o suplicante a justificar os artigos deduzidos, jurando as testemunhas em separado, e depois conjunto, e corporalmente como é necessário no foro inglês sejam julgados neste tribunal por sentença, dando ao suplicante os autos originais, ou o translado, ou os instrumentos, conforme pedir; precedendo a inquirição a devida citação ao cônsul da nação britânica, para vir em juízo impugnar a conta, se quiser, visto que ele como representante da sua nação nesta cidade, é a parte autorizada e competente para responder nas ações que contra ela se propõe, intimando-se-lhe que nesta conformidade se há de passar sentença.

    E receberá mercê[12]

     

    [1] MESA DE INSPEÇÃO: as Mesas de Inspeção da Agricultura e do Comércio, ou Mesas de Inspeção do Açúcar e do Tabaco, começaram a ser implementadas no Brasil a partir de 1751 como parte da política iniciada pelo primeiro ministro do Império português, o marquês de Pombal, visando ao controle e revitalização do comércio entre colônia e metrópole, constituindo um instrumento importante da política mercantilista da Coroa. Foram criadas nas capitanias da Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Maranhão, inicialmente como um órgão independente do sistema fazendário e, depois de 1756, sob a jurisdição da Junta de Comércio de Lisboa, posteriormente Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. A Mesa da Bahia contava com a maior estrutura interna e era responsável pela inspeção de um volume maior da produção colonial de açúcar e tabaco. As principais funções das Mesas consistiam no controle e fiscalização da produção e qualidade do açúcar e tabaco, pela taxação dos produtos (incluindo valores de frete e armazenamento nos portos) e pelo combate ao contrabando. Aos fiscais, cabia: examinar os produtos; classificá-los conforme o tipo e qualidade; estabelecer o preço a ser cobrado, que deveria ser fixo para a praça de comércio; determinar os valores dos impostos e direitos a serem pagos; fiscalizar os pagamentos e confiscar os gêneros que não estivessem de acordo com o estabelecido pela Mesa. Competia ainda embalar as mercadorias, distribuir o carregamento entre os negociantes e gerir outras atividades ligadas ao comércio. Em decorrência dessas atividades, a Mesa vivia em constante conflito com os senhores de engenho e agricultores das capitanias, que reclamavam dos valores que eram obrigados a pagar por transporte e armazenamento, e dos preços fixados para o açúcar e o tabaco, sempre considerado baixo e deficitário para os produtores. No tocante ao progresso da agricultura, as Mesas se encarregariam de promover um estímulo à modernização da lavoura, propondo a introdução de novas técnicas e instrumentos, e implementando novas culturas. Eram compostas, salvo algumas variações, por um desembargador no cargo de presidente; dois inspetores – deputados da Junta – um do açúcar e outro do tabaco; dois deputados, negociantes da praça de comércio; além de um oficial régio, como secretário. A partir do final do século XVIII, com o crescimento da cultura de algodão, este produto também passou a estar sob fiscalização da Mesa, que também exercia fiscalização sobre o movimento portuário. Um dos desembargadores que assumiu a Mesa da Inspeção da Bahia foi José da Silva Lisboa, visconde de Cairu, indicado para o cargo por d. Rodrigo de Souza Coutinho em 1797. À frente da Mesa, o ilustrado procurou adequá-la aos novos preceitos da economia política, em acordo com o iluminismo português, e chegou a escrever uma memória sobre a situação da Mesa propondo melhoramentos na organização do comércio na capitania e uma reforma na estrutura do órgão.

    [2]CÔNSUL DA NAÇÃO BRITÂNICA: representante da coroa britânica em território estrangeiro. Em solo brasileiro, com a transferência da família rela para o Rio de Janeiro e a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarve, a presença de cônsules ingleses foi de fundamental importância para a manutenção e desenvolvimento das relações comerciais, bem como garantir o cumprimento das negociações entre os dois países, sobretudo, no que diz respeito ao cumprimento do acordo assinado em 1817 que proibia o tráfico de escravos acima da linha do Equador.

    [3] NEGOCIANTE/ TRAFICANTE [DE ESCRAVOS]: a menção ao tráfico de escravos ou à traficantes de escravos, em especial no século XIX, quando medidas que colocariam fim a esse comércio começavam a ser implementadas, poderia evocar a equivocada imagem de um trabalho realizado à margem da lei, de um criminoso. Mas, na realidade, mesmo na época em que embarcações dedicadas a reprimir tal comércio cruzavam intensamente o Atlântico, os homens envolvidos com o tráfico negreiro eram, muitas vezes, vistos antes como um combatente ao que se considerava, no Brasil, uma afronta e uma ingerência nos assuntos internos – no caso, a pressão britânica no sentido de erradicar de vez o comércio de escravos –, e não como contrabandistas dedicados a uma atividade ilegal. Em geral, gozavam de boa reputação e uma posição de destaque na sociedade colonial, muitos eram membros da Real Junta do Comércio e Navegação, receberam títulos de nobreza e/ou hábito de ordens militares. Em sua maioria, eram de origem portuguesa que, dedicando-se à transações atlânticas, conseguiram se estabelecer e enriquecer em território colonial. Conhecidos como “homens de negócio” ou “negociantes de grosso trato”, concentravam em suas mãos a liquidez necessária para investir no comércio de escravos intercontinental, atividade que exigia grande investimento de capital e para cobrir os elevados custos da travessia atlântica e envolvia uma série de risco como a pirataria, os frequentes naufrágios e o alto índice de mortalidade entre os cativos. Mas, que também era altamente lucrativa, não apenas pela crescente demanda na América lusa, majorando o preço dos escravos, como por seus mecanismos de apropriação da mão-de-obra africana fundamentados sobretudo na violência e não em bases econômicas (RIBEIRO, Alexandre Vieira. O comércio das almas e a obtenção de prestígio social: traficantes de escravo na Bahia ao longo do século XVIII. Locus revista de história, v.12, n.2. Juiz de Fora, julho de 2006). Via de regra, o capital obtido no tráfico negreiro era superior a investimentos produtivos como engenhos e fazendas, logo esse pequeno grupo de agentes comerciais capazes de pôr em funcionamento a gama de mecanismos econômicos e de relações sociais indispensáveis para o comércio atlântico, iriam despontar como elite econômica colonial. O tráfico de africanos mostrou-se como atividade de acumulação mercantil endógena e os traficantes, possuidores de grandes fortunas, vão diversificar seus negócios, investindo no setor financeiro, de abastecimento interno e na compra de terras. Esta última medida se estabelece como esforço para garantir maior status social, creditado aos grandes proprietários rurais e de escravos. Ao poder econômico acumulado pelo setor mercantil, juntar-se-ia o poder político, segundo Manolo Florentino (Tráfico atlântico, mercado colonial e famílias escravas no Rio de Janeiro, Brasil, 1790-1830. História: Questões & Debates. Curitiba, jul./dez. 2009), influenciando decisivamente os destinos do Estado. Vão ocupar órgãos da governança colonial, como os cargos da Câmara, visando o prestígio e o reconhecimento social. A partir de 1831, com a proibição do tráfico, os negociantes de escravos precisaram se adaptar, mas os navios negreiros continuariam suprindo a demanda por escravos na América até sua abolição final em 1850. É importante ressaltar a poderosa rede de financiamento e proteção que havia por trás destes comerciantes, sem a qual manter um comércio proscrito funcionando intensamente teria sido impossível. Bancos em Liverpool e Nova York, apenas para citar exemplos, financiavam resgate de navios tumbeiros apreendidos e leiloados, bem como o que mais fosse necessário para a empreitada.

    [4]COSTA DA MINA: os termos Costa da Mina e Guiné por vezes se confundem, tendo não raro o mesmo significado em um único documento. Define uma região da África Ocidental localizada no golfo da Guiné, onde atualmente se encontra o Benim (antigo Daomé), Togo e parte de Gana. A sociedade que ali floresceu a partir do século IV encontrou seu auge em torno dos séculos IX e X da era cristã, com a exploração do ouro, que existia em abundância. Com o tempo, a região ficaria conhecida pelos portugueses como Costa do Ouro. Em 1470, navegadores lusos alcançam a região, estabelecendo o comércio de ouro. Em 1482, a coroa portuguesa consegue construir o Castelo de São Jorge, através de uma concessão do líder local, para garantir o tráfico de escravos da região e impedir quaisquer avanços dos reinos espanhóis. O termo "mina" era largamente usado como denominação genérica para designar a etnia dos escravos africanos ou descendentes no continente americano que vinham da região, muito embora muitos dos embarcados nesta região viessem de outras áreas mais ao interior do continente africano, portanto, de origem diversa. Em 1637, os holandeses invadiram o Castelo de São Jorge da Mina determinando que os navios sob bandeira portuguesa comprassem escravos apenas em quatro portos: Grande Popó, Ajudá, Janquim e Apá (mais tarde conhecido como Badagri) na região denominada Costa dos Escravos mais ao leste, onde hoje se encontra o Benim. Dessa forma, o termo Costa da Mina passou a se referir aos portos tanto da Costa do Ouro, quanto da Costa dos Escravos. A demanda por escravos na América conheceria significativo aumento no século XVII, mas apenas no século XVIII ocorreria o chamado ciclo da Mina, durante o qual cerca de 350 mil indivíduos foram escravizados e enviados para outras colônias portuguesas, sobretudo a Bahia. Eram trocados por fumo refugado em Portugal, mas ainda apreciado na África, em um esquema de escambo que, muitas vezes, passava por cima do comércio triangular (intermediado pela metrópole). Outras nações europeias também se estabeleceram na região (holandeses, ingleses, franceses), cada uma iniciando acordos com populações locais para o suprimento de escravos. No final do século XVIII e início do XIX, percebe-se um grande aumento na oferta de cativos na região, em decorrência de guerras locais, em especial a guerra religiosa (jihad) liderada por Dan Fodio que deu origem um grande império islâmico na África. As diversas etnias africanas (nagô, jeje, hauça), traficadas a partir da Costa da Mina para a Bahia promoveram o maior ciclo de revoltas escravas no Brasil colonial. O cabo de Palmas, marco inicial da região, foi utilizado como limite de apresamento legal, após os tratados de limitação do tráfico negreiro no século XIX [ver Abolição gradual do tráfico de escravos]. Com a extinção do tráfico humano, a região foi tomada pelos ingleses e tornou-se colônia britânica.

    [5]SERRA LEOA: em meados do século XV, os portugueses chegam à região da África ocidental, então habitada pelos temnes, etnia islâmica local, com os quais passaram a comerciar escravos. O território foi ocupado pela Inglaterra no século XVII e, em 1786, uma companhia comercial britânica fundou a cidade de Freetown (cidade livre), que recebia ex-escravos refugiados do Canadá e do Reino Unido. No início do século XIX, a Coroa Britânica adquiriu parte do território, transformando-o em colônia. Após a proibição do tráfico de escravos [comércio da escravatura], em 1807, mais de 90 mil africanos interceptados em navios negreiros foram levados a Serra Leoa, onde passaram a enfrentar os temnes, numa luta que se prolongou até fins do século XIX. Apoiados pelos ingleses na luta contra os nativos, os ex-escravos acabaram por compor a elite do país.

    [6]BOA PRESA: se um navio fosse capturado e, após o julgamento pela comissão mista, fosse considerado em atividade ilícita (ou seja, comércio de escravos fora dos limites impostos pelos tratados vigentes), seria considerado boa presa. O casco e a carga (exceto os escravos) seriam leiloados, e os escravos receberiam uma carta de alforria e colocados sob a responsabilidade do governo onde funcionava a referida comissão. {Ver também ABOLIÇÃO GRADUAL DO TRÁFICO DE ESCRAVOS].

    [7]RÉIS: Moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

    [8]BERGANTIM: os bergantins eram navios de remos de traça, muito rápidos e de fácil manobra. Eram equipados com dez a dezenove bancos corridos de bordo a bordo. Envergavam tanto vela redonda quanto latina com um ou dois mastros. Nos primeiros tempos da presença portuguesa no Oriente realizavam as missões de contato, reconhecimento e transporte. Prestavam-se ainda a servir as fortalezas mais importantes, particularmente nas zonas onde a presença naval não era permanente. O bergantim era também uma embarcação de ostentação, favorito de monarcas e grandes senhores.

    [9]TRÁFICO DE ESCRAVOS: uma das atividades econômicas mais lucrativas do período colonial, o tráfico de escravos oriundos da África foi responsável pela entrada de mais de 4 milhões de africanos no Brasil durante cerca de três séculos (Hebert Klein. A demografia do tráfico atlântico de para o Brasil. Estudos econômicos. Maio/ agosto, 1987). Alimentando-se de prisioneiros das guerras étnicas e, posteriormente, tribais que assolavam os reinos africanos, a procura por cativos foi fomentada pela expansão colonial baseada no sistema de plantation, dominante nas Américas, que se apoiava na mão-de-obra escrava. A pressão europeia pelo fornecimento de mercadoria humana levou à um crescimento exponencial da escravidão no continente. O tráfico negreiro resultou no chamado comércio triangular que envolvia África, Europa e América, integrados em um sistema de comercialização de diferentes tipos de riqueza: os escravos africanos, normalmente empregados nas grandes plantações de café, açúcar e algodão da América, eram trocados por tabaco, tecido, cachaça, rum ou armas na costa africana, ao longo da qual várias nações europeias acabaram estabelecendo feitorias para viabilizar o comércio. Transportados em navios tumbeiros ou negreiros, os escravos provinham principalmente do Senegal, da Gâmbia, da Costa do Ouro e da Costa dos Escravos, durante os séculos XVII e XVIII e do delta do Níger, do Congo e de Angola nos séculos XVIII e XIX. De acordo com os dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database – portal internacional de catalogação de dados sobre o tráfico atlântico –, navios portugueses ou brasileiros embarcaram escravos em quase 90 portos africanos, fazendo mais de 11,4 mil viagens negreiras. Dessas, 9,2 mil tiveram como destino o Brasil. A atividade mercantil teve sua expansão inicial entre os séculos XV e XVI – os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil com a expedição de Martim Afonso de Souza em 1530, vindos da Guiné e, em 1568, o governador-geral Salvador de Sá tornou-a oficial. Mas, foi entre os anos de 1750 e 1850, que o tráfico negreiro conheceu seu auge e teve como principal porto importador a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo em função da necessidade de abastecimento da região das minas. O comércio de homens mulheres e crianças, tornava-se objeto de dupla exploração: a “mercadorização”, através do tráfico atlântico e a expropriação de sua força de trabalho dentro do sistema escravagista colonial nas Américas, gerando lucros extraordinários, apesar do custo elevado, das “perdas em trânsito”, como diria Manolo Fiorentino, referindo-se aos diversos riscos que envolviam a travessia atlântica (pirataria, epidemias, naufrágios) e das dificuldades para administrar tal atividade, sobretudo pela resistência africana a esse processo de coisificação (Maria Jorge dos Santos Leite. Tráfico Atlântico, Escravidão e Resistência no Brasil. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana. Agosto de 2017). Os traficantes de escravos, conhecidos como homens de negócios, foram os grandes beneficiários da atividade, tornando-se a elite econômica colonial, mas que precisavam recorrer a relações sociais mais amplas, tanto na metrópole quanto na América e na África, indispensáveis para o funcionamento do comércio atlântico de escravos. Segundo Jaime Rodrigues, o tráfico de escravos envolveu não apenas os africanos escravizados, mas toda uma rede formada por negociantes, feirantes, oficiais e marinheiros comuns, autoridades administrativas e colonos. (De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro. Rio de Janeiro/ São Paulo: Companhia das letras, 2005). Esse comércio de almas foi, durante séculos, tido como algo natural e justificado tanto economicamente quanto pela religião, que enxergava o processo de escravização como uma forma de levar a fé católica à povos infiéis. No entanto, no alvorecer do século XIX, filósofos liberais colocariam em debate a escravidão, iniciando uma intensa campanha abolicionista, liderada pela Inglaterra. Apesar das pressões britânicas pelo fim do comércio atlântico de escravos, que resultou na assinatura de diversos tratados abolindo a importação de africanos, como a lei Feijó de 1831, mas que seriam apenas “para inglês ver”, o tráfico negreiro, atividade econômica basilar no Brasil colonial, resistiria ainda meio século, mantendo-se, durante alguns anos, na clandestinidade após a proibição do tráfico de escravos em 1850.

    [10] REFORMA DOS PESOS E MEDIDAS: com a unificação do território português surge a necessidade de padronização dos pesos e medidas no reino. Posteriormente, com a incorporação de novos territórios decorrente da expansão marítima e comercial, dos séculos XV e XVI, a preocupação com a uniformização dos pesos e medidas se estende a todo império ultramarino. A imprecisão das unidades de medidas usuais, que permitia fraudes, opunha-se à crescente importância de um sistema unificado e científico de pesos e medidas que facilitasse as transações comerciais, tanto no interior do império como entre as diferentes nações europeias. Apontando para uma tendência de uniformização dos pesos e medidas a nível mundial, em função do comércio e das trocas científicas, é adotado o “marco” em Portugal, medida de peso de uso corrente na Europa, por provisão, em outubro de 1488. Assim, observam-se diversas reformas e regramentos no sentido de estabelecer uma uniformização, e a partir do século XIX, a Academia Real das Ciências de Lisboa toma parte em algumas das comissões encarregadas das reformas. Ainda em 1812, é criada uma Comissão para o exame dos forais e melhoramentos da agricultura que, em conjunto com a Academia Real, propõe uma reforma baseada no modelo francês, mas que mantinha a terminologia portuguesa, de forma a atenuar a mudança. Finalmente, através de decreto de d. Maria II, em meados do século XIX, é implantado o sistema métrico decimal adotando a nomenclatura francesa. Até então, as unidades de medidas mais usadas em Portugal e, por conseguinte, no Brasil, eram: para comprimento, a légua (6.600 m), a braça (2,2 m), a vara (1,1 m) e o palmo (0,22 m); para peso, a arroba (≈15 kg), o marco (≈230 g), o arratel (≈460 g), a onça (28,691 g), o grão (50g) e a oitava (3,586 g). Já na pesagem do açúcar, utilizava-se o pão (63,4 Kg); o saco (75 Kg); o barril, a barrica e o tonel (120Kg); a caixa (300 Kg) e a tonelada (1000 Kg). Por fim, como medidas de volume, temos a cuia (1,1 l), a canada (2,662 l), o quartilho (0,665 l), o almude (31,944 l), o alqueire (36,4 l) e a pipa (485 l).

    [11] NEGROS POTENTADOS: grandes líderes locais, que atuavam no fornecimento de escravos africanos para o mercado atlântico. Eles eram os responsáveis pelo aprisionamento de indivíduos no interior do continente africano e o seu transporte até o litoral, onde seriam negociados internacionalmente por comerciantes europeus. A captura de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento do tráfico de escravos pelos europeus, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos ou por dívida. Os negros potentados, ao entrarem em contato com os traficantes, passaram a trocar estes prisioneiros por mercadorias do seu interesse e/ou apoio militar nos conflitos locais, onde conseguiriam mais cativos. Como o comercio internacional de escravos era uma atividade altamente lucrativa, os mercadores europeus dedicaram-se a transformar o cativo africano na principal mercadoria para o comércio no continente, mesmo que para isso fosse necessário instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos.

    [12]MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

     

    Passaportes

    Registro de recebimento de aviso recebido por conde de Galveas e enviado pelo marquês de Aguiar, no qual era encaminhado ofício do conde dos Arcos relatando a situação de navios negreiros apresados na África por súditos britânicos. No referido ofício o conde dos Arcos, governador da Bahia, também exigia uma explicação sobre a forma com que eram emitidos passaportes aos navios que traficavam escravos.

    Conjunto documental: Missões Diplomáticas
    Notação: IR3 17
    Datas-limite: 1807-1849
    Título do fundo: Série Relações Exteriores
    Código do fundo: BA
    Argumento de pesquisa: repressão ao tráfico
    Data: 29 de dezembro de 1813
    Local: Rio de Janeiro
    Folha(s): -

    Recebi o aviso que V.Exa. me dirigiu na data de 23 do corrente mês, remetendo-me os dois ofícios que tinha recebido do Conde dos Arcos[1], governador e capitão general da capitania da Bahia, no primeiro dos quais participava a tomada que tinha feito das embarcações daquela praça os comandantes ingleses na Costa da Mina[2], e expondo a viva sensação que este sucesso tinha ali causado, pedia uma explicação categórica sobre o modo, porque se devia regular na concessão dos passaportes[3] para as embarcações do comércio da escravatura, os quais tinha facilitado em virtude do aviso régio expedido pela secretaria de estado dos negócios da marinha e domínios ultramarinos em 2 de agosto de 1811. Ainda pela resposta que dei a V.Exa. em 11 do corrente mês, julgo ter respondido ao contendo dos mencionados ofícios, contudo, visto que V.Exa. novamente pede o meu parecer a este respeito devo acrescentar que, tendo-se feito por esta secretaria de estado as mais fortes e enérgicas representações à Corte de Londres contra o procedimento verdadeiramente hostil dos comandantes ingleses para com as nossas embarcações que pacificamente comerciavam na África, como a V.Exa. já é constante pelos documentos que lhe transmiti com a minha precitada carta , representações as quais a mesma corte por ora não tem dado senão a simples e pouco satisfatória resposta, constante da cópia junta que torno a enviar a V.Exa., e que de nenhum modo afiança poder se continuar tranqüilamente naquele tráfico[4], parece-me muito acertado, e até mesmo útil, que, sem primeiro se ajustarem e concluírem estas reclamações satisfatoriamente, não seria prudente por ora conceder passaportes às embarcações para o resgate de escravos[5] na Costa da Mina, pois que seria este o meio de entregar nas mãos daqueles piratas[6] as mesmas embarcações que inocentemente fossem ali comerciar, salvo porém se os respectivos donos das ditas embarcações quiserem, de seu próprio arbítrio sujeitarem-se aos perigos que possam suceder, sem a menor responsabilidade do governador da mencionada capitania. Quanto aquela parte do ofício do mesmo Conde dos Arcos sobre a concessão dos passaportes que facilitará em consequência do aviso régio expedido pela secretaria da marinha, tenho a dizer a V.Exa. que parece laborar em equivocação, não somente porque combinando-se tanto a data do ofício o Conde dos Arcos, relativo aos embaixadores dos reis de Arda[7], e Abomé[8] como do referido aviso régio em resposta à este ofício, datados aquele em 7 de maio, e este 11 de agosto de 1811, se conhece que ainda nessa época não tinha sucedido a fatal captura das embarcações da dita praça da Bahia, que teve lugar do ano de 1812, e portanto não podia o mesmo Conde antes deste sucessor ter receio de conceder passaportes para as embarcações que fossem comerciar ali, como também porque o referido aviso régio não tratava deste assunto absolutamente, e só falava das nossas relações políticas com aqueles potentados. O que participo à V.Exa. de sua inteligência, restituindo-lhe a carta e os dois ofícios do Conde dos Arcos, como V.Exa. me pediu no seu supracitado aviso. Deus guarde a V.Exa. Paço em 29de dezembro de 1813. Conde das Galveas[9]. Ao Marques de Aguiar[10]

     

    [1]BRITO, D. MARCOS DE NORONHA (1771-1817): oitavo conde dos Arcos, nasceu em Lisboa e foi o último vice-rei do Brasil. Destacou-se, ainda em Portugal, na carreira militar, e chegou a atingir a patente de tenente-general em 1818. Chegou à América portuguesa em 1803 para ocupar o cargo de governador da capitania do Pará e Rio Negro, onde permaneceu até 1806, quando foi promovido para o cargo de vice-rei, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Ficou sob sua responsabilidade a preparação da cidade para ser a nova sede do Império português e receber a família real e a Corte. Em 1808, com a chegada do príncipe regente, findaram-se as funções de vice-rei, tendo sido nomeado, no ano seguinte, governador da Bahia, cargo que assumiu somente em 1810 e nele permaneceu até 1818. Neste período, ajudou a estabelecer a primeira tipografia e o jornal A Idade de Ouro na Bahia, fundou a Biblioteca Pública de Salvador e teve importante papel no combate a rebeliões e desordens causadas por escravos. Entrou em conflito algumas vezes com a classe senhorial local, que o considerava demasiadamente indulgente no trato com os escravos. O conde, por sua vez, acusava a elite baiana de ser selvagem, mesquinha e cruel com seus cativos, gerando sofrimento desnecessário e alimentando sentimentos de ódio e revolta. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, destacou-se na repressão ao movimento, impedindo-o de penetrar na capitania da Bahia. No ano seguinte, retornou ao Rio de Janeiro como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, cargo que ocupou até o retorno da Corte para Portugal. O conde, entretanto, permaneceu ainda no Brasil até depois de declarada a independência e, só então, retornou à Europa.

    [2]COSTA DA MINA: os termos Costa da Mina e Guiné por vezes se confundem, tendo não raro o mesmo significado em um único documento. Define uma região da África Ocidental localizada no golfo da Guiné, onde atualmente se encontra o Benim (antigo Daomé), Togo e parte de Gana. A sociedade que ali floresceu a partir do século IV encontrou seu auge em torno dos séculos IX e X da era cristã, com a exploração do ouro, que existia em abundância. Com o tempo, a região ficaria conhecida pelos portugueses como Costa do Ouro. Em 1470, navegadores lusos alcançam a região, estabelecendo o comércio de ouro. Em 1482, a coroa portuguesa consegue construir o Castelo de São Jorge, através de uma concessão do líder local, para garantir o tráfico de escravos da região e impedir quaisquer avanços dos reinos espanhóis. O termo "mina" era largamente usado como denominação genérica para designar a etnia dos escravos africanos ou descendentes no continente americano que vinham da região, muito embora muitos dos embarcados nesta região viessem de outras áreas mais ao interior do continente africano, portanto, de origem diversa. Em 1637, os holandeses invadiram o Castelo de São Jorge da Mina determinando que os navios sob bandeira portuguesa comprassem escravos apenas em quatro portos: Grande Popó, Ajudá, Janquim e Apá (mais tarde conhecido como Badagri) na região denominada Costa dos Escravos mais ao leste, onde hoje se encontra o Benim. Dessa forma, o termo Costa da Mina passou a se referir aos portos tanto da Costa do Ouro, quanto da Costa dos Escravos. A demanda por escravos na América conheceria significativo aumento no século XVII, mas apenas no século XVIII ocorreria o chamado ciclo da Mina, durante o qual cerca de 350 mil indivíduos foram escravizados e enviados para outras colônias portuguesas, sobretudo a Bahia. Eram trocados por fumo refugado em Portugal, mas ainda apreciado na África, em um esquema de escambo que, muitas vezes, passava por cima do comércio triangular (intermediado pela metrópole). Outras nações europeias também se estabeleceram na região (holandeses, ingleses, franceses), cada uma iniciando acordos com populações locais para o suprimento de escravos. No final do século XVIII e início do XIX, percebe-se um grande aumento na oferta de cativos na região, em decorrência de guerras locais, em especial a guerra religiosa (jihad) liderada por Dan Fodio que deu origem um grande império islâmico na África. As diversas etnias africanas (nagô, jeje, hauça), traficadas a partir da Costa da Mina para a Bahia promoveram o maior ciclo de revoltas escravas no Brasil colonial. O cabo de Palmas, marco inicial da região, foi utilizado como limite de apresamento legal, após os tratados de limitação do tráfico negreiro no século XIX [ver Abolição gradual do tráfico de escravos]. Com a extinção do tráfico humano, a região foi tomada pelos ingleses e tornou-se colônia britânica.

    [3]PASSAPORTE: o documento emitido pela intendência de polícia, imprescindível não apenas às embarcações em viagem marítima, mas também aos grupos que viajavam por terra para comerciar com outras províncias. Os navios envolvidos no comércio marítimo deveriam portar passaportes específicos para a função a que se destinavam, incluindo aqueles envolvidos com o comércio de escravos. Tais passaportes eram numerados e assinados por autoridades competentes, válidos apenas por uma viagem, onde deveria constar o porto de saída e de destino, o número de escravos que deveriam ser levados a bordo equivalentes ao permitido pela tonelagem do navio, o número da tripulação, entre outros dados. No entanto, era prática comum a emissão de passaportes falsos para se conseguir embarcar escravos ao sul do Equador, onde o tráfico negreiro continuou legal para os nacionais portugueses até 1836. Registre-se ainda a atuação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro que tinha, desde 1762, poderes para emitir atestados para aqueles que pretendiam obter passaportes para o Brasil. Em trabalho intitulado A Companhia do Alto Douro e a emissão de passaportes para o Brasil, os autores Fernando Sousa e Teresa Cirne chamam a atenção para os portugueses do norte de Portugal que, entre 1805 e 1832, saíram para o Brasil, até 1822 como “passageiros”, no quadro do império colonial, e a partir de então, como emigrantes. Todos eles eram obrigados a levantar passaporte, para a obtenção do qual tinham de “justificar-se”, de forma a poderem demonstrar que obedeciam às condições legais exigidas para abandonarem Portugal Continental rumo ao Brasil.

    [4]TRÁFICO DE ESCRAVOS: uma das atividades econômicas mais lucrativas do período colonial, o tráfico de escravos oriundos da África foi responsável pela entrada de mais de 4 milhões de africanos no Brasil durante cerca de três séculos (Hebert Klein. A demografia do tráfico atlântico de para o Brasil. Estudos econômicos. Maio/ agosto, 1987). Alimentando-se de prisioneiros das guerras étnicas e, posteriormente, tribais que assolavam os reinos africanos, a procura por cativos foi fomentada pela expansão colonial baseada no sistema de plantation, dominante nas Américas, que se apoiava na mão-de-obra escrava. A pressão europeia pelo fornecimento de mercadoria humana levou à um crescimento exponencial da escravidão no continente. O tráfico negreiro resultou no chamado comércio triangular que envolvia África, Europa e América, integrados em um sistema de comercialização de diferentes tipos de riqueza: os escravos africanos, normalmente empregados nas grandes plantações de café, açúcar e algodão da América, eram trocados por tabaco, tecido, cachaça, rum ou armas na costa africana, ao longo da qual várias nações europeias acabaram estabelecendo feitorias para viabilizar o comércio. Transportados em navios tumbeiros ou negreiros, os escravos provinham principalmente do Senegal, da Gâmbia, da Costa do Ouro e da Costa dos Escravos, durante os séculos XVII e XVIII e do delta do Níger, do Congo e de Angola nos séculos XVIII e XIX. De acordo com os dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database – portal internacional de catalogação de dados sobre o tráfico atlântico –, navios portugueses ou brasileiros embarcaram escravos em quase 90 portos africanos, fazendo mais de 11,4 mil viagens negreiras. Dessas, 9,2 mil tiveram como destino o Brasil. A atividade mercantil teve sua expansão inicial entre os séculos XV e XVI – os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil com a expedição de Martim Afonso de Souza em 1530, vindos da Guiné e, em 1568, o governador-geral Salvador de Sá tornou-a oficial. Mas, foi entre os anos de 1750 e 1850, que o tráfico negreiro conheceu seu auge e teve como principal porto importador a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo em função da necessidade de abastecimento da região das minas. O comércio de homens mulheres e crianças, tornava-se objeto de dupla exploração: a “mercadorização”, através do tráfico atlântico e a expropriação de sua força de trabalho dentro do sistema escravagista colonial nas Américas, gerando lucros extraordinários, apesar do custo elevado, das “perdas em trânsito”, como diria Manolo Fiorentino, referindo-se aos diversos riscos que envolviam a travessia atlântica (pirataria, epidemias, naufrágios) e das dificuldades para administrar tal atividade, sobretudo pela resistência africana a esse processo de coisificação (Maria Jorge dos Santos Leite. Tráfico Atlântico, Escravidão e Resistência no Brasil. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana. Agosto de 2017). Os traficantes de escravos, conhecidos como homens de negócios, foram os grandes beneficiários da atividade, tornando-se a elite econômica colonial, mas que precisavam recorrer a relações sociais mais amplas, tanto na metrópole quanto na América e na África, indispensáveis para o funcionamento do comércio atlântico de escravos. Segundo Jaime Rodrigues, o tráfico de escravos envolveu não apenas os africanos escravizados, mas toda uma rede formada por negociantes, feirantes, oficiais e marinheiros comuns, autoridades administrativas e colonos. (De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro. Rio de Janeiro/ São Paulo: Companhia das letras, 2005). Esse comércio de almas, foi, durante séculos tido como algo natural e justificado tanto economicamente quanto pela religião, que enxergava o processo de escravização como uma forma de levar a fé católica à povos infiéis. No entanto, no alvorecer do século XIX, filósofos liberais colocariam em debate a escravidão, iniciando uma intensa campanha abolicionista, liderada pela Inglaterra. Apesar das pressões britânicas pelo fim do comércio atlântico de escravos, que resultou na assinatura de diversos tratados abolindo a importação de africanos, como a lei Feijó de 1831, mas que seriam apenas “para inglês ver”, o tráfico negreiro, atividade econômica basilar no Brasil colonial, resistiria ainda meio século, mantendo-se, durante alguns anos, na clandestinidade após a proibição do tráfico de escravos em 1850.

    [5]ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

    [6] PIRATAS: o saque, a pilhagem e o apresamento de embarcações e povoados vulneráveis foram, durante séculos, realizados por grupos organizados, que atuavam sob as ordens de um soberano ou de forma independente. O termo pirataria define uma atividade autônoma, sem qualquer consideração política ou razões de Estado (comerciais ou estratégicas). Sem nacionalidade juridicamente reconhecida, os piratas lançavam-se ao mar pilhando embarcações ou atacando regiões costeiras para angariar riquezas. Há registro de ataques piratas à costa brasileira, no período colonial, motivados pelo contrabando de produtos como o pau-brasil, bem como pela captura de escravos indígenas. Tornaram-se célebres os piratas franceses Jean Florin, Laudinière, Montbars, os irmãos Lafitte e Jean Davis, conhecido como o Olonês, que atuaram na região das Antilhas. Em um universo majoritariamente masculino, algumas mulheres disfarçadas também fizeram história, como Mary Head e Anne Bonney. O último reduto da pirataria ocidental foi o Mediterrâneo, onde piratas gregos e berberes eram atuantes desde a Idade Média. Não se deve confundir piratas com corsários. O corsário tem sua origem na Idade Média, mas se tornou especialmente importante durante os tempos modernos. Ao contrário do pirata, do ponto de vista do direito internacional, o corsário é um combatente regular, ligado a um Estado, a quem o governo dava uma carta de corso. Poderia ser mantido diretamente pelo governo ou por um particular. Não há grande diferença dos piratas quanto aos métodos. Porém, o corso reservava de 1/3 a 1/5 do butim para o tesouro real e executava ataques encomendados pelos Estados a que serviam, tal como DuGuay-Trouin, que invadiu o Rio de Janeiro em 1711 a serviço da Coroa francesa no âmbito da guerra de sucessão espanhola, colocando em lados opostos França e Portugal, aliados, respectivamente, à Espanha e à Inglaterra.

    [7]ARDA: também Ardres ou Alladá, possuía sede ou capital em Porto Novo na África. Era um reino vizinho à cidade-estado de Oió e compunha o antigo reino do Daomé. Localizava-se na chamada Costa dos Escravos, e até meados do século XVII foi o foco de comércio da escravatura. Posteriormente, viria a ser conhecida como centro de irradiação de cultos tipicamente africanos, apesar da existência de religiosos que atuaram na propagação da fé cristã.

    [8] ABOMÉ: por vezes refere-se à capital do reino do Daomé (atual Benim, África), outras ao próprio reino, com o qual a cidade se confunde. O reino do Daomé sucedeu ao reino litorâneo de Alladá, que se estabeleceu no planalto de Abomé por volta de 1620. Posteriormente conquistaram as aldeias portuárias, iniciando o período de expansão do Daomé. Os reis do Daomé, que lucravam, principalmente, com o comércio, se envolveram então em guerras para expandir seu território utilizando rifles e outras armas de fogo compradas aos europeus em troca dos prisioneiros, que foram vendidos como escravos nas Américas.

    [9]CASTRO, JOÃO DE ALMEIDA DE MELO E (1756-1914): 5º conde de Galvêas, foi um nobre e político português. Seguiu a carreira diplomática, tendo sido ministro de Portugal em Londres, Haia, Roma e embaixador em Viena de Áustria. Foi secretário para os Negócios Estrangeiros entre 1801 e 1803 e Ministro dos Negócios da Marinha e do Ultramar a partir de 1811, acumulou, posteriormente, as pastas da Fazenda (Real Erário) e da Guerra. Fundador do primeiro laboratório brasileiro, o Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro (1812-1819), cujo propósito era o desenvolvimento de pesquisas químicas com finalidade comercial.

    [10]CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

     

     

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