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Festa do Rosário

Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 14h28 | Última atualização em Segunda, 23 de Agosto de 2021, 15h30

Ofício expedido pelo intendente geral da polícia do Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana, ao comandante da Guarda Real da Polícia, coronel José Maria Rebelo de Andrade Vasconcelos e Souza, proibindo qualquer tipo de dança na festividade do Rosário, como também a “guerra e brinquedos”, costume comum nesta ocasião aos “pretos das nações”, em  função do luto pela morte da rainha d. Maria I.  Temos aqui um pouco mais do Brasil colonial através de suas festas e costumes.

 

Conjunto documental: Registro de ofícios da polícia ao comandante da Real e depois Imperial Guarda da Polícia
Notação: Códice 327, volume 01
Datas-limite: 1815-1824
Título do Fundo ou Coleção: Polícia da Corte
Código do fundo: ÆE
Data do documento: 04 de Outubro de 1816
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 69 e 69v

 

“Registro do ofício expedido ao dito Comandante da Guarda Real da Polícia.

Il.mo Senhor. Julgo necessário participar a Vossa Senhoria que não tenho concedido nenhuma licença para danças de nenhuma qualidade na presente festividade do Rosário[1], nem mesmo para as guerras, e brinquedos, que por esta ocasião costumam fazer os pretos das nações, e por isso se alguns aparecerem, as suas patrulhas, que devem continuamente girar tanto de dia, como de noite nestes três domingos, com prudência os façam recolher, e se houver reincidência, ou teima sejam presos, pois o luto, em que ainda tão justamente estamos, pede que se evitem divertimentos pelas ruas.

Tendo somente permitido ao Rei do Rosário, que costuma a assistir a festa, que possa somente ajuntar a sua Corte, e Estado no adro da Igreja para assistir aos ofícios divinos, retirando-se depois para suas casas, sem andarem pelas ruas; e se houver a procissão do terço, possam nela incorporarem-se os moçambiques[2], como até aqui, visto que formam alas na mesma procissão, e se dirigem nisso só ao culto daquela devoção. Ficando Vossa Senhoria nesta inteligência para assim fazer executar, recomende às suas patrulhas toda a prudência, e bom modo, porque desta falta é que muitas vezes principiam as desordens. Deus guarde a Vossa Senhoria. Rio[3] 4 de Outubro de 1816. Paulo Fernandes Viana[4]. Il.mo Sr. Coronel José Maria Rebelo de Andrade[5].”

 

[1] FESTIVIDADES DO ROSÁRIO: festa em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, que tem origem na devoção de Chico Rei – personagem lendário da tradição oral de Minas Gerais – rei do Congo, vendido como escravo no Brasil a um proprietário de minas. Após comprar sua alforria e de outros cativos, este grupo, segundo a tradição, teria sido fundador da primeira Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos em Minas Gerais. Em 7 de outubro, dia de Nossa Senhora do Rosário, solenidades da irmandade percorriam nas ruas de Minas, onde Chico era coroado como rei, seguido por músicos e dançarinos. A festa era acompanhada pelos reinados de congo, as chamadas congadas, fruto da diáspora negra, que mistura elementos da cultura africana e da religião católica, exemplo clássico do grande sincretismo religioso que existia na América portuguesa. No reinado, os escravos restauravam simbolicamente a realeza africana, reforçando suas memórias e cultura, ao mesmo tempo em que prestavam homenagem a Nossa Senhora do Rosário.

[2] MOÇAMBIQUE: país localizado na costa sudeste da África, banhado pelo oceano Índico. Os primeiros povos a habitarem a região, entre os séculos I e V, eram grupos de língua banta que vieram em ondas migratórias pelo vale do rio Zambeze e fundaram comunidades basicamente agrícolas. Ao longo da Idade Média as cidades pouco se desenvolveram e pouco delas restou. O comércio costeiro foi dominado inicialmente por persas e árabes que tinham assentamentos pelo litoral e mantinham negócios com o Oriente. A viagem de Vasco da Gama levou os primeiros portugueses a região, em 1498; desde então a hegemonia comercial árabe e persa começa a decair e cede lugar às novas rotas marítimas dos portugueses, vindo da Europa até o Oriente, com passagem pelos entrepostos ao longo da costa africana. Os mercadores portugueses se estabeleceram mantendo boas relações com os reinos que dominavam a região, por meio de acordos ou ocasionalmente por meio da força. A primeira povoação fundada na região de Moçambique foi Sena, em 1530, e depois outras ainda no século XVI, tomando conta da rota entre as minas de ouro e o oceano Índico. Entre os séculos XVII e XVIII os portugueses negligenciaram a ocupação dos territórios, mais envolvidos com a colonização da América, mas chegaram a mandar colonos para Moçambique, que se misturaram com os habitantes da região, estreitando os laços de comércio e agricultura. Portugal controlava as ocupações e os negócios da região a partir da capital do Estado da Índia, Goa, mas a administração não era bem-sucedida. Em 1752, o governo pombalino decidiu nomear um governador-geral para o território de Moçambique, visando a melhorar as atividades comerciais, coletar os impostos e manter a colônia. Os principais produtos de interesse da metrópole eram o ouro (principalmente nos séculos XVI e XVII), depois o marfim, produto de alto valor na Europa, mas sobretudo escravos, milhares enviados para o trabalho nas Américas até o ano de 1842, quando o tráfico foi oficialmente proibido – sem considerar o comércio clandestino que seguiu ainda alguns anos. Até meados do século XIX, a presença portuguesa limitava-se a algumas capitanias (os chamados prazos), ao longo do litoral, Moçambique só chegou a ser administrada como uma colônia unificada em finais do Oitocentos. Foi a última colônia portuguesa a conseguir a independência, em 1975.

[3] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[4] VIANA, PAULO FERNANDES (1757-1821): nascido no Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana era filho de Lourenço Fernandes Viana, comerciante de grosso trato, e de Maria do Loreto Nascente. Casou-se com Luiza Rosa Carneiro da Costa, da eminente família Carneiro Leão, proprietária de terras e escravos que teve grande importância na política do país já independente. Formou-se em Leis em Coimbra em 1778, onde exerceu primeiro a magistratura, e no final do Setecentos foi intendente do ouro em Sabará. Desembargador da Relação do Rio de Janeiro (1800) e depois do Porto (1804), e ouvidor-geral do crime da Corte foi nomeado intendente geral da Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808. De acordo com o alvará, o intendente da Polícia da Corte do Brasil possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetidos os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da ordem e segurança pública. Durante as guerras napoleônicas, dispensou atenção especial à censura de livros e impressos, com o intuito de impedir a circulação dos textos de conteúdo revolucionário. Tinha sob seu controle todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Foi durante a sua gestão que ocorreu a organização da Guarda Real da Polícia da Corte em 1809, destinada à vigilância policial da cidade do Rio de Janeiro. Passado o período de maior preocupação com a influência dos estrangeiros e suas ideias, Fernandes Viana passou a se ocupar intensamente com policiamento das ruas do Rio de Janeiro, intensificando as rondas nos bairros, em conjunto com os juízes do crime, buscando controlar a ação de assaltantes. Além disso, obrigava moradores que apresentavam comportamento desordeiro ou conflituoso a assinarem termos de bem viver – mecanismo legal, produzido pelo Estado brasileiro como forma de controle social, esses termos poderiam ser por embriaguez, prostituição, irregularidade de conduta, vadiagem, entre outros. Perseguiu intensamente os desordeiros de uma forma geral, e os negros e os pardos em particular, pelas práticas de jogos de casquinha a capoeiragem, pelos ajuntamentos em tavernas e pelas brigas nas quais estavam envolvidos. Fernandes Viana foi destituído do cargo em fevereiro de 1821, por ocasião do movimento constitucional no Rio de Janeiro que via no intendente um representante do despotismo e do servilismo colonial contra o qual lutavam. Quando a Corte partiu de volta para Portugal, Viana ficou no país e morreu em maio desse mesmo ano. Foi comendador da Ordem de Cristo e da Ordem da Conceição de Vila Viçosa, seu filho, de mesmo nome, foi agraciado com o título de barão de São Simão.

[5]ANDRADE, JOSÉ MARIA REBELO DE:  Foi o primeiro comandante da Guarda Real da Polícia da Corte (1809).

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
No Eixo Temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
No eixo temático sobre as “relações de poder”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais 
Práticas e costumes coloniais
Práticas culturais do século XIX
A manutenção  do sistema colonial

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