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Irmandades

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 26 de Janeiro de 2018, 13h06 | Última atualização em Quinta, 25 de Março de 2021, 17h38

Carta de Joaquim Guilherme da Costa Sosser, representante da irmandade de Nossa Senhora do Rosário, sobre o compromisso apresentado na Secretaria de Estado de Negócios do Reino.  Por essa carta,  os membros da irmandade solicitaram à Família Real  sua adesão à instituição como irmãos e juízes perpétuos, de forma a  aumentar o culto à santa.  O documento traz informações importantes sobre essa irmandade,  permitindo conhecer um pouco dos mecanismos utilizados por esse tipo de instituição.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: Caixa 638
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Irmandades
Data do documento:  28 de junho de 1820
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): Pacotilha 1, 104; documento 3

 

 

“Il.mo e Ex.mo Senhor

Tendo sido apresentado nesta secretaria de Estado dos Negócios do Reino, o compromisso[1] da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário[2] ereta do Colégio dos Padres Dominicanos[3] Irlandeses desta cidade, confirmado pela provisão de 4 de maio de 1781, expedido pela real resolução de 22 de março do mesmo ano tomada em consulta da Mesa do Desembargo do Paço[4], se acha o capítulo do teor seguinte:

“Como a Rainha fidelíssima Nossa Senhora[5], que Deus guarde, se dignou por efeitos da sua real piedade e devoção não só assentar por irmã  da nossa irmandade, e a sua imitação o Senhor Rei Dom José Primeiro[6], que Santa Glória haja, e toda a Família Real, mas também o ser Juíza Perpétua, terão muito cuidado os irmãos que pelo tempo adiante servirem em Mesa solicitar, que os Senhores Reis que foram destes reinos sejam sempre  Juízes Perpétuos da Nossa Irmandade, e as Senhoras Rainhas Juízas Perpétuas, pois de assim o conseguirem resultar honra para nossa irmandade, e um estímulo mui forte para o aumento do culto de Nossa Senhora do Rosário.”

Igualmente foi apresentado outro livro de assentos dos irmãos e irmãs da dita irmandade, e nele estão o assento do Senhor Rei Dom José, que Santa Glória haja, assinado pela Sua Real Mão em 20 de abril de 1764 como irmão da irmandade, assim o da Senhora Rainha Dona Mariana Victória em 28 do mesmo mês e ano.

O assento lavrado em 3 de outubro de 1777, assinado pela Real Mão da Augusta Rainha a Senhora Dona Maria[7] que está no céu, é do teor seguinte:

“A augustíssima Senhora Rainha Nossa Senhora Dona Maria Primeira que Deus Guarde tendo sido irmã desta nossa irmandade por suceder no Reino a seu pai o Senhor Rei Dom José o Primeiro, que era Juiz Perpétuo também se dignou de ser perpétuo juiz sic da mesma irmandade, em testemunho do que abaixo assinou aos 3 de outubro de 1777; E na mesma data outro assinado pelo Senhor Rei Dom Pedro Terceiro[8], como Perpétuo Juiz da irmandade.

El Rei Nosso Senhor sendo infante[9], e os mais senhores da Família Real, estão assinados como irmãos da irmandade.

A Augustíssima Rainha a Senhora Dona Maria, que está no céu mandava pagar a sua joia de vinte mil réis[10] por ano como Juíza Perpétua, pelo comprador da Casa Real Francisco José de Almeida, e deve-se desde 1805 em diante.

El Rei Nosso Senhor mandava como irmão, pagar pelo cofre do Sereníssimo Estado, e Casas de Infantado[11] a Joia de 6.400 réis cada ano, e recebeu a irmandade até 1816.

As Sereníssimas Senhoras devem as suas respectivas joias de irmãs desde 1806 em diante.” Secretaria de Estado dos Negócios do Reino em 28 de junho de 1820. Joaquim Guilherme da Costa Sosser.

 

[1] COMPROMISSO: estatuto que regia as irmandades católicas. Os compromissos eram documentos juridicamente reconhecidos, nos quais vinham prescritas as normas, os deveres e as obrigações que implicavam a associação a essas instituições. Cada irmandade possuía um compromisso próprio, com suas especificidades.

[2] IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO: o culto a N. S. do Rosário foi introduzido por São Domingos de Gusmão e foi difundido pelos dominicanos a partir do século XIII. As irmandades criadas em devoção a Nossa Senhora do Rosário apareceram em Lisboa em meados do século XV e rapidamente se disseminaram pelo império português, África e América. A irmandade chegou ao Brasil em meados do XVI tendo sido a primeira a Irmandade dos Homens Pretos de Olinda e o culto foi difundido principalmente pelos jesuítas e franciscanos, representando uma forma poderosa de evangelização e controle da população, sobretudo a mais pobre, pela Igreja católica. As irmandades do Rosário costumavam ser compostas por brancos e negros e algumas vezes por ambos, sendo que neste caso cabiam aos brancos as posições administrativas e de liderança. Com o passar dos séculos os negros, cativos ou livres, africanos ou brasileiros passaram a ser maioria nas irmandades do Rosário. No caso desses, a irmandade tinha especial importância, para além do culto ao orago, das liturgias e festividades, pela importante assistência prestada a escravos e libertos em situação de dificuldades e doenças, além de assegurar os enterros em locais santos e garantir as missas e orações póstumas que encomendassem as almas. Não custa lembrar que os escravos eram enterrados em covas rasas e coletivas sem os ritos fúnebres, nesse caso católicos, ou de suas religiões pregressas. Para além das questões devocionais e de ordem prática, as irmandades do Rosário de homens pretos tinham um importante calendário festivo que promovia interação, integração e reconstrução na América de vínculos familiares perdidos na diáspora, sociabilização e formação de redes de apoio e auxílio. Eram importantes no sincretismo de elementos das culturas africanas com a religião católica, resultando numa religiosidade particularmente brasileira, o que se refletia principalmente nas festas, sendo comum a sagração de reis e rainhas, tal como acontecia em alguns reinos no continente de origem, além da mistura das danças, músicas, congadas, além obviamente das missas e procissões. As irmandades em geral, mas sobretudo as do Rosário e de santos negros, ajudaram a promover um importante elo entre os irmãos que ajudavam na reconstrução das identidades na nova terra e significavam também formas de existir e resistir na sociedade e suportar os suplícios da escravidão, a miséria e o abandono dos governos.

[3] ORDEM DOMINICANA: originalmente conhecida por Ordem dos frades pregadores, foi fundada por São Domingos de Gusmão no século XIII. Tratava-se de uma ordem regular da Igreja Católica que exigia de seus membros uma dedicação especial à oração, ao estudo e ao ensino. O objetivo principal desta ordem era a pregação do evangelho e a conversão ao cristianismo. Em seus votos estavam incluídos a pobreza e a castidade. Possuía aspectos essencialmente urbanos, como a vida em comunidade e a itinerância, ao contrário de outras ordens dedicadas ao isolamento, ao trabalho manual e agrícola. Constituía uma congregação bastante influente no meio religioso, sendo utilizada em algumas missões diplomáticas eclesiásticas. A ordem dominicana chegou ao Brasil somente em fins do século XIX. A primeira fundação foi obra de dominicanos franceses da Província de Tolosa, na cidade de Uberaba, no sul de Minas Gerais. Tinham como propósito atender à população do interior de Minas e Goiás e fundar uma missão junto aos índios do Araguaia.

[4] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (LISBOA): também chamada de Tribunal do Desembargo do Paço, foi o mais alto órgão da administração central portuguesa até o século XIX, que regia o Reino, e não o Ultramar. Este tribunal, estabelecido no reinado de d. João II (1481-1495) mas somente efetivado no período de d. Manuel I (1495-1521), era o tribunal supremo da monarquia, responsável por questões relativas à justiça e à administração civil do reino no âmbito da Graça. Tornou-se autônomo em relação à Casa de Suplicação em 1521, recebendo novo regimento. Até o reinado de d. Sebastião I, suspenso em 1578, quem presidia o Tribunal era o próprio rei, o que passou a não ser mais obrigatório com uma mudança instituída durante os reinados Filipinos (1580-1640). Constituído por um corpo de magistrados, já então denominados desembargadores do Paço, recrutados principalmente entre os eclesiásticos, teólogos e juristas experientes, este órgão da administração central da coroa, possuía uma grande variedade de incumbências, tendo suas funções revistas e ampliadas por sucessivas alterações de regimento, dentre as quais compreendiam: a concessão de cartas de perdão e cartas de privilégio; concessão de perdões reais, suspensão de degredos; a dispensa de idade e de nobreza para servir nos cargos de governo; comutação de pena aos criminosos; restituição de fama e outras mercês semelhantes; a legitimação e emancipação de filhos; a concessão de licença para impressão de livros; deliberando, ainda, sobre o recrutamento e provimento de juízes e arbitrando conflitos entre os demais tribunais da Coroa; entre outras questões. A vinda da corte para o Brasil em 1808 acarretou a criação da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, por meio do alvará de 22 de abril daquele ano, que incorporou parte dos encargos da Mesa da Consciência e Ordens de Lisboa. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço do Reino continuou a existir, sendo extinta apenas em 1833, no âmbito da guerra civil entre liberais e absolutistas, suas atribuições passando para as Secretarias de Estado do Reino e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

[5] MARIANA VITÓRIA, D. (1718-1781): a princesa espanhola d. Mariana Vitória era filha de Filipe V e da sua segunda esposa, a rainha d. Isabel Farnésio. Com o propósito de selar uma aliança entre as Coroas ibéricas, como era de costume no período colonial, foram acertados dois casamentos: o de d. Mariana Vitória com o herdeiro do trono lusitano, d. José, e do herdeiro do trono de Espanha, d. Fernando, com a infanta portuguesa d. Maria Bárbara. Os acordos nupciais se concretizaram em 1729, ficando a troca das princesas conhecida por “troca de Caia” (já que as princesas foram entregues aos seus respectivos pretendentes às margens do rio Caia). A cerimônia nupcial de d. Mariana Vitória e d. José foi celebrada em 19 de janeiro daquele ano. Como rainha, d. Mariana contribuiu para o desenvolvimento das artes em Portugal, assumindo a regência do reino em 1776, diante do agravamento da doença de d. José I. Durante o ano em que esteve à frente do poder (1776-1777), manteve o marquês de Pombal em suas funções. Foi sucedida por sua filha d. Maria I.

[6] JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[7] MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[8] PEDRO III, D. (1717-1786): Pedro Clemente Francisco José era filho de d. João V e d. Maria Ana da Áustria. Tornou-se príncipe do Brasil e rei consorte de Portugal em 1777, em razão do seu casamento com sua sobrinha d. Maria I (1760), herdeira de d. José I, quando esta ascendeu ao trono. Figura sem expressão na política portuguesa, credita-se a d. Pedro III a iniciativa para construção do Palácio de Queluz.

[9] INFANTE: título de nobreza concedido aos filhos legítimos dos reis da Espanha e Portugal que não eram herdeiros da Coroa, bem como aos filhos do herdeiro presuntivo – o príncipe – do trono português.

JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[10] RÉIS: moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

[11] CASA DO INFANTADO: foi criada em 1654 em Portugal por ordem do rei d. João IV, com o objetivo de assegurar o futuro econômico aos filhos segundos dos monarcas. Buscava-se, assim, evitar conflitos entre os primogênitos com direito ao trono e os segundos filhos, assegurando o mantimento dos últimos que teriam sua casa própria, além de outras propriedades e os rendimentos a elas relacionados. Era formada pela estrutura da “casa”, propriamente dita e toda corte do Infante, bem como uma estrutura administrativa para seu funcionamento e arrecadação. Ao longo do tempo, a casa foi recebendo novas doações e mercês da Coroa portuguesa e rapidamente se transformou na segunda maior casa senhorial portuguesa.


Sugestões de uso em sala de aula:

Utilizações possíveis:
- Ao trabalhar o tema transversal “Pluralidade cultural” 
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”


Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- O Homem e a cultura
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais 
- As relações sociais de dominação na América
- Brasil colonial: organizações religiosas

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