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Cidades

Policiamento da sociedade

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 26 de Janeiro de 2018, 14h53 | Última atualização em Quinta, 25 de Março de 2021, 19h02

Plano de melhoramento geral da Polícia do Reino do Brasil, apresentado pelo intendente geral da Polícia Paulo Fernandes Viana. Através deste documento, Paulo Fernandes Viana tentou demonstrar a necessidade de uma Polícia mais ampliada e detentora de maiores recursos. O plano também revelou a insegurança das autoridades com relação aos franceses, mostrando que o trauma da invasão sofrida ainda estava presente. Outro fator importante, destacado no documento, foi o receio de que revoltas com um impacto maior acontecessem, em função da presença de grande número de escravos existentes no Brasil.

Conjunto Documental: Ministério dos Negócios do Brasil, Ministério dos Negócios do Reino, Ministério dos Negócios do Reino e Estrangeiros, Ministério dos Negócios do Império e Estrangeiros, Instituições Policiais.
Notação: 6J-83
Datas-Limite: 1816-1817
Título do Fundo: Diversos GIFI
Código do Fundo: OI
Argumento de Pesquisa: Cidades, ordem pública
Data do documento: 24 de novembro de 1816
Local: Rio de Janeiro
Folhas: -

Leia esse documento na íntegra

 

“Senhor,

Tenho a honra de representar a Vossa Majestade[1] mui submissamente a necessidade de novas providências, que importam ao melhor Serviço de Vossa Majestade pela Repartição da Intendência Geral da Polícia[2] desta Corte, e de todo o Reino do Brasil, para ele se fazer com mais utilidade, segurança e expedição na parte que interessa, principalmente a Polícia alta pelo que já tem mostrado a experiência dos anos, que decorrem desde abril de mil oitocentos e oito em que ela se criou até o presente. Naquela época não era grande a ocorrência de estrangeiros aos portos do Brasil; fazia-se o registro de nomes e ocupações dos que vinham; vigiava-se a sua conduta, e felizmente conseguia-se que nada acontecesse desagradável apesar de inumeráveis espiãs que saíram da França[3] e que poucos ou nenhumas se animaram a atacar o Brasil, pelas idéias que se espalhou de sua vigilância, como soube depois por viajantes que aqui vieram. ... Até agora eu por mim só promovi, quanto bem podia ser, por minhas próprias forças, e com poucos meios públicos que tem havido para as despesas, toda a espionagem que me pareceu necessária, todo o conhecimento de pessoas que entraram nos portos do Brasil, o modo de vida, e destino que tomaram, o melhoramento de pontes, e de muitas estradas interiores, que se tem aberto, e de outras que se tem melhorado; mas seguindo-se um destes objetos por algum tempo, perdiam-se de vista depois, sem se acabar seu aperfeiçoamento ... Portos e enseadas da longa costa, apresenta perigos maiores a proporção da maior facilidade que há para nelas se introduzirem e muito mais atendíveis quando se refletir que a nossa população é de pretos escravos talvez dez vezes maior que o número de brancos e por isso mesmo mais fácil e mais propensa a ser seduzida e que exige mais Polícia.

Outro exemplo darei em Polícia inferior. Pela correspondência ativa com os Magistrados[4] de todo o Brasil, tenho procurado o melhoramento de estradas interiores que facilitaram o comércio, comunicam  e civilizam os povos ... e porque a falta de Magistrados civis nas grandes distâncias ... e comarcas é tão reconhecidamente extensa de modo que os Comandantes de Distritos sempre serviram no Brasil com uma certa autoridade de Ministros Criminais para acudirem as mal-feitorias acontecidas nos seus territórios, perseguirem ladrões, e prenderem malfeitores, negros fugidos o que no país se chamam calhambolas, dar nos Quilombos[5] (...)

A força da escravatura reside nas grandes fazendas dos distritos rurais e é preciso que para elas se dêem providências para se poder logo abafar qualquer incêndio de sediação e motim que se levante como aconteceu na Bahia, em Barbadas, Ilha de São Domingos[6].

(...) E como Polícia interna não pode existir sem Casa de Correção, o estabelecimento delas, visto que entre nós nenhuma há, nem edifício que para isso se me possa dar, é preciso contar com renda com que se possa fazer para desde já principiar (...)

Deus Guarde a Sagrada Pessoa de Vossa Majestade como todos os seus Vassalos, eu contínua e mui humildemente rogo a Deus para bem de todos nós. Rio de Janeiro[7], 24 de Novembro de 1816.

 

ANEXO

Plano de melhoramento geral do estabelecimento da Polícia do Reino do Brasil, que apresenta o Intendente Geral Paulo Fernandes Viana[8], e a que serve de demonstração a representação que o acompanha na data de 24 de Novembro de 1816.

* Dois ajudantes tirados dos Extravagantes da Casa da Suplicação[9], e pelo menos dado Porto, ou Bahia na forma que se pratica em Portugal.

* O aumento de mais seis oficiais da Secretaria da Intendência[10] que foi criada só com dois, e com o mesmo ordenado de trezentos mil réis por ano, preferindo sempre nesta entrada os que já servem como praticantes sem ordenados, e que se tiverem mostrado mais hábeis.

* A liberdade de admitir sempre quatro praticantes gratuitos sem ordenados, e apenas esperançados de subirem para Oficiais, e terem alguma remuneração quando a merecerem.

* Doze Oficiais de Vara além de doze que só tem para se empregaram no chamamento, e Ordens na Corte, e por toda a Província, sem ordenado, e só na esperança de remuneração das diligências que fizerem.

* O aumento das licenças na forma, e segundo o espírito que vai expressado na representação.

* A renovação de circulares para todos os coronéis dos Distritos e comandantes de Ordenança cumprirem exatamente as ordens da Intendência, e qualquer pessoa que pelo Intendente for nomeado se o comissário com instruções para certas notícias e comunicações não serem escusas por motivo algum.

* Aumento de gente e consideração a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia[11] que serve com tão reconhecido préstimo e atividade.

 

                                                                                      Rio de Janeiro 24 de Novembro de 1816.

                                                            

 

[1] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] INTENDENTE DE POLÍCIA: a Intendência de Polícia foi uma instituição criada pelo príncipe regente d. João, através do alvará de 10 de maio de 1808, nos moldes da Intendência Geral da Polícia de Lisboa. A competência jurisdicional da colônia foi delegada a este órgão, concentrando suas atividades no Rio de Janeiro, sendo responsável pela manutenção da ordem, o cumprimento das leis, pela punição das infrações, além de administrar as obras públicas e organizar um aparato policial eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Na prática, entretanto, a Polícia da Corte esteve também ligada a outras funções cotidianas da municipalidade, atuando na limpeza, pavimentação e conservação de ruas e caminhos; na dragagem de pântanos; na poda de árvores; aterros; na construção de chafarizes, entre outros. Teve uma atuação muito ampla, abrangendo desde a segurança pública até as questões sanitárias, incluindo a resolução de problemas pessoais, relacionados a conflitos conjugais e familiares como mediadora de brigas de família e de vizinhos, entre outras atribuições. O aumento drástico da população na cidade do Rio de Janeiro, e consequentemente, da população africana circulando nas ruas da cidade a partir de 1808, esteve no centro das preocupações das autoridades portuguesas, e nela reside uma das principais motivações para a estruturação da Intendência de Polícia que, ao contrário do que vinha ocorrendo no Velho Mundo, deu continuidade aos castigos corporais junto a uma parcela específica da população. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil na primeira metade do século XIX, e apresentava um caráter também político, uma vez que vigiava de perto as classes populares e seu comportamento, com ou sem conotação ostensiva de criminalidade. Um dos traços mais marcantes da manutenção desta ordem política, sobreposta ao combate ao crime, se expressa em sua atuação junto à população negra – especialmente a cativa – responsabilizando-se inclusive pela aplicação de castigos físicos por solicitação dos senhores, mediante pagamento. O primeiro Intendente de Polícia da Corte foi Paulo Fernandes Vianna, que ocupou o cargo de 1808 até 1821, período em que organizou a instituição. Subordinava-se diretamente a d. João VI, e a ele prestava contas através dos ministros. Durante o período em que esteve no cargo, percebe-se que muitas funções exercidas pela Intendência ultrapassavam sua alçada, em especial àquelas relacionadas à ordem na cidade e às despesas públicas, por vezes ocasionando conflitos com o Senado da Câmara. Desde a sua criação, a Intendência manteve uma correspondência regular com as capitanias, criando ainda o registro de estrangeiros.

[3] FRANÇA: localizada na Europa Ocidental, a França entrou tardiamente na disputa por territórios coloniais à época das grandes navegações, sobretudo devido a Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra, praticamente travada em território francês o que exauriu financeiramente e militarmente o país. Com sua conhecida contestação do Tratado de Tordesilhas (1494), que dividia o ultramar entre lusos e hispânicos, a França investiu na atividade corsária. No litoral brasileiro, a presença de embarcações francesas realizando escambo do pau-brasil com a população nativa era uma constante. Na segunda metade do século XVI, o rei francês Henrique II, apoiou a tentativa do Villegagnon em fundar a França Antártica na Baia de Guanabara e outras tentativas de colonização no território luso-americano. No quadro político moderno, a França passaria pelo processo de centralização do poder político, tornando-se exemplo máximo do absolutismo de direito divino, personificado na figura de Luís XIV, o rei-sol. Em fins do século XVIII, foi palco da principal revolução política do período, a Revolução Francesa: assinalou o fim do Antigo Regime no país e fez da França centro irradiador  do ideário das Luzes, ameaçando as estruturas de antigo regime europeu, influenciando movimentos de influência no continente americano e endossando importantes movimentos sociais ao redor do mundo. Seu alcance universal foi também atemporal, perpetuando-se, como modelo e em seus princípios, na história contemporânea.

[4] MINISTROS: Membros de um governo nacional com importantes funções executivas, administram grandes repartições governamentais. Até o século XVI o termo era usado de forma genérica para designar os variados funcionários submetidos ao monarca, desde magistrados, administradores, diplomatas até coletores de impostos. A partir desse momento começa a haver uma especialização no termo, passando a designar os funcionários que também se chamavam secretários de Estado, que passaram a ocupar os poderes executivos estatais e aconselhar diretamente os reis. No século XVIII os secretários de Estado costumavam dividir-se em: dos Negócios Interiores, dos Negócios Estrangeiros, da Guerra, da Marinha e Ultramar, dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

[5] QUILOMBO: o termo quilombo, derivado do banto kilombo, (acampamento ou fortaleza) foi usado pelos portugueses para designar as comunidades e povoações de escravos fugidos construídas em áreas rurais e urbanas ao longo do território da colônia. O mocambo (derivado do quimbundo mukambu), como também era conhecido aqui no Brasil, possuía uma estrutura social, política e cultural original, que procurava recompor as relações sociais e as identidades dos aquilombados, que haviam sofrido todo tipo de violência no seu cotidiano nas senzalas. O mais antigo mocambo que se tem registro no Brasil data de 1575, no interior da Bahia. A primeira legislação colonial que procura definir o que é o quilombo e estabelecer formas de repressão surge em 1740, quando o Conselho Ultramarino determina que os mocambos eram qualquer habitação de escravos fugidos que passassem de cinco pessoas. Principal foco de resistência dos negros fugidos de seus cativeiros, os quilombos foram duramente reprimidos pelas autoridades coloniais e depois imperiais, o que levou grande parte dos estudos em torno do tema a se basearem em informações retiradas de fontes militares, dificultando, em parte, as análises de aspectos não registrados por estes documentos. É o caso de alguns movimentos e formas de resistência de grupos, que pelas suas características e pelas circunstâncias, deixaram poucos registros escritos ou que se perderam. Apesar disto, pesquisas revelaram que estes espaços possibilitaram aos seus agentes a redefinição das diásporas africanas através de continuidades e rupturas com experiências trazidas não apenas da África, mas também das vivenciadas nos próprios cativeiros. Diferentemente do que muitos imaginam, as comunidades de quilombolas não eram apenas uma “reação” – via isolamento radical – ao regime escravocrata. Elas se integravam às suas regiões estabelecendo comércio com escravos e livres, entre esses negociantes locais, lavradores, mascates, taverneiros, sendo assim, quase reconhecidas, por partes destes, como comunidades de camponeses autônomos, que produziam principalmente mandioca (e derivados), legumes, cana, peixe e caça, entre outros produtos. Além disso, os aquilombados construíram uma rede de alianças com outros grupos sociais e até movimentos políticos, o que dificultou as tentativas de reescravização promovidas pelas autoridades locais, forçando-as à negociação. O maior e mais longevo quilombo foi o de Palmares, organizado em meio às densas florestas de palmeiras na Serra da Barriga em Pernambuco desde finais do século XVI. Palmares resistiu às incursões portuguesas e holandesas, sobrevivendo com o conhecimento de agricultura, pecuária, metalurgia, entre outras atividades, trazidas pelos seus integrantes. Apesar dos esforços do governo, a fuga e formação de quilombos continuaram a ocorrer, alcançando o século XIX como uma contínua ameaça ao sistema escravista.

[6] SÃO DOMINGOS: se em 1791 a França passava por um turbulento processo de transformação política que, a despeito de intensas contradições, teria por norte ideias como liberdade civil, cidadania, igualdade de direitos, em sua colônia americana, servida por escravos de origem africana, uma convulsão social igualmente turbulenta tinha lugar. A colônia de São Domingos era a mais próspera possessão francesa, com suas extensas plantações de café e açúcar. A proporção de escravos alcançava cerca de 90%, uma população regida pelo chamado Código Negro, promulgado por Luís XIV em 1685 e que estabelecia em seus 60 artigos normas segundo as quais os escravizados deviam ser tratados e administrados pelos seus senhores. Havia uma fração da sociedade que era não-branca e livre, numericamente muito inferior aos escravos, mas ainda superior aos europeus. Estes não-brancos livres, embora desprovidos de existência no sistema político, podiam alcançar sucesso financeiro relativo, e muitos contavam com escravos a seu serviço. Em maio de 1791, a Assembleia Nacional em Paris aprova o direito de voto a homens de cor livres, causando grande alvoroço na colônia. Os fazendeiros da ilha pretendem emancipar-se da metrópole, em uma tentativa de manter-se a salvo das influências do movimento que varria a França. Em consequência, não apenas os homens não-brancos e livres se posicionam contra a elite rural, mas também os comerciantes de uma forma geral, prejudicados por uma possível retirada de privilégios aduaneiros. A partir daí, os negros escravizados, incluindo a população foragida, assumem um combate aberto pela alforria e pela determinação de direitos iguais entre todos os indivíduos. Em agosto de 1791, teve lugar um impressionante massacre de brancos, seguido da destruição das plantações, levado a cabo pela população negra, que rompera com a escravidão e se refugiara nas florestas sob a liderança de Bukman, Romaine, Hyacinthe, Georges Biassou, François Toussaint. A revolução escrava tem a adesão dos que já eram livres, mas cujas demandas por igualdade política haviam sido esmagadas com violência. A guerra se estende por anos e quando a própria metrópole capitula e determina o fim da escravidão em suas colônias, em uma tentativa de manter a coerência com as suas concepções de liberdade e igualdade, os fazendeiros locais não hesitam e recorrem aos ingleses, que enviam reforço da sua colônia vizinha, Jamaica. O líder dos revolucionários, Toussaint, recebe a rendição das tropas em 1798. Depois do fim da guerra, as plantações serão reerguidas, e os ex-escravos passarão a trabalhar como assalariados. Em 1801, Toussaint proclama a independência da ilha e, a despeito da reação de Napoleão, determinado a dar um fim aos "negros dourados", a colônia passa a ser uma nação independente em 1804, denominada Haiti. A revolução nas Antilhas tornou-se um fantasma para os colonos portugueses no Brasil, e para quaisquer fazendeiros aqui instalados. O medo de um massacre perpetrado por escravos revoltados orientou muitas ações de repressão diante de situações pouco ameaçadoras. Por vezes, os administradores e homens de estado avaliavam as reações dos fazendeiros como desproporcionais, irracionais e contraproducentes, buscando alternativas que, mantendo a população escrava sob certo controle, cuidava para que eventuais exageros não acirrassem de vez os ânimos entre pessoas que já viviam constantemente em situação desesperadora. Por vezes, percebendo a ameaça local como concreta, medidas ainda mais repressivas eram tomadas, para se evitar o "desastre de São Domingos".

[7]RIO DE JANEIRO: A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[8] VIANA, PAULO FERNANDES (1757-1821): nascido no Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana era filho de Lourenço Fernandes Viana, comerciante de grosso trato, e de Maria do Loreto Nascente. Casou-se com Luiza Rosa Carneiro da Costa, da eminente família Carneiro Leão, proprietária de terras e escravos que teve grande importância na política do país já independente. Formou-se em Leis em Coimbra em 1778, onde exerceu primeiro a magistratura, e no final do Setecentos foi intendente do ouro em Sabará. Desembargador da Relação do Rio de Janeiro (1800) e depois do Porto (1804), e ouvidor-geral do crime da Corte foi nomeado intendente geral da Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808. De acordo com o alvará, o intendente da Polícia da Corte do Brasil possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetidos os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da ordem e segurança pública. Durante as guerras napoleônicas, dispensou atenção especial à censura de livros e impressos, com o intuito de impedir a circulação dos textos de conteúdo revolucionário. Tinha sob seu controle todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Foi durante a sua gestão que ocorreu a organização da Guarda Real da Polícia da Corte em 1809, destinada à vigilância policial da cidade do Rio de Janeiro. Passado o período de maior preocupação com a influência dos estrangeiros e suas ideias, Fernandes Viana passou a se ocupar intensamente com policiamento das ruas do Rio de Janeiro, intensificando as rondas nos bairros, em conjunto com os juízes do crime, buscando controlar a ação de assaltantes. Além disso, obrigava moradores que apresentavam comportamento desordeiro ou conflituoso a assinarem termos de bem viver – mecanismo legal, produzido pelo Estado brasileiro como forma de controle social, esses termos poderiam ser por embriaguez, prostituição, irregularidade de conduta, vadiagem, entre outros. Perseguiu intensamente os desordeiros de uma forma geral, e os negros e os pardos em particular, pelas práticas de jogos de casquinha a capoeiragem, pelos ajuntamentos em tavernas e pelas brigas nas quais estavam envolvidos. Fernandes Viana foi destituído do cargo em fevereiro de 1821, por ocasião do movimento constitucional no Rio de Janeiro que via no intendente um representante do despotismo e do servilismo colonial contra o qual lutavam. Quando a Corte partiu de volta para Portugal, Viana ficou no país e morreu em maio desse mesmo ano. Foi comendador da Ordem de Cristo e da Ordem da Conceição de Vila Viçosa, seu filho, de mesmo nome, foi agraciado com o título de barão de São Simão.

[9] CASA DA SUPLICAÇÃO: era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância ganhou estatuto das mãos de Filipe I em fins do século XVI, embora a sua constituição tivesse ocorrido ao longo das décadas anteriores. Era a corte suprema diante da qual respondiam os tribunais de relação. Compunha-se de diversos órgãos, com funções distintas. Os cargos mais altos da Casa eram o de regedor e o de chanceler. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com exceção da América portuguesa e da Índia. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. Considerada como Supremo Tribunal de Justiça, nela eram resolvidos todos os juízos e apelações em última instância, como as sentenças de morte. Suas atribuições eram similares às da Casa da Suplicação de Lisboa. Nesse sentido, compunha-se de vários órgãos com funções distintas de caráter jurídico-administrativo, destacando-se o Juízo dos Agravos e Apelações; a Ouvidoria do Crime; o Juízo dos Feitos da Coroa e da Fazenda; o Juízo do Crime da Corte; o Juízo do Cível da Corte e o Juízo da Chancelaria. O distrito de atuação compreendia as áreas do centro-sul da América, além da superposição dos agravos provenientes do Pará, Maranhão, Ilha dos Açores e Madeira e Relação da Bahia. Era composta por um regedor, um chanceler da Casa, oito desembargadores dos Agravos, um corregedor do Crime da Corte e da Casa, um juiz dos Feitos da Coroa e da Fazenda, um procurador, um corregedor do Cível da Corte, um juiz da Chancelaria, um ouvidor do Crime, um promotor de Justiça e seis extravagantes.

[10] INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA DO REINO: órgão criado em 1760 pelo marquês de Pombal, tinha entre suas atribuições a segurança pública e a manutenção da ordem, inclusive fazendo uso de espiões e informantes. Seu intendente mais conhecido foi Diogo Inácio de Pina Manique, nomeado em 1780 por d. Maria I, e esteve à frente da instituição por 25 anos, até sua morte. Durante o período das invasões francesas o papel da Intendência foi se desvalorizando gradualmente, principalmente face ao crescimento de importância da Guarda Real da Polícia, que atuava como instrumento repressivo e militar, sob a orientação inglesa. Esse processo culminou com a extinção do órgão em 1833. A Intendência funcionou fortemente na repressão aos crimes, comuns ou políticos, e inovou ao propor uma estratégia de prevenção à criminalidade, promovendo a educação de meninos órfãos e pobres, com a criação da Casa Pia de Lisboa. Respondeu ainda pela censura de livros e ideias “perigosas” e revolucionárias, pela circulação, em oposição, de panfletos difundindo os “bons costumes” e também ordenando e controlando o espaço urbano. O órgão era responsável pela iluminação da cidade, pela inspeção dos portos, para impedir a entrada de epidemias e febres pelos navios, pelo combate ao contrabando, pelas reformas de melhoramento de ruas, calçadas e chafarizes e até mesmo pela arborização de ruas e praças.

[11] GUARDA REAL DA POLÍCIA: A Guarda Real da Polícia foi criada em 1809. Tratava-se de uma força policial permanente, recrutada entre os soldados da cavalaria e da infantaria, destinada a auxiliar o intendente geral de Polícia e, ao mesmo tempo, poupar o exército das ações policiais que sobre ele recaíam. Seu primeiro comandante foi o coronel José Maria Rabelo de Andrade Vasconcelos e Sousa, auxiliado pelo major Miguel Vidigal, que realizou um amplo trabalho de repressão à marginalidade da época. Em 1831, a Guarda Real de Polícia foi abolida, sendo criado em seu lugar o Corpo de Guardas Municipais.

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
- Ao trabalhar o tema transversal “Pluralidade cultural”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A organização administrativa  do Brasil Colonial
- Sociedade colonial: práticas e costumes
- A manutenção  do sistema colonial

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