Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página
Jardins Botânicos

Ervas nacionais

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 26 de Janeiro de 2018, 13h55 | Última atualização em Quinta, 25 de Março de 2021, 18h15

Carta do conde de Resende, d. José Luiz de Castro a Luiz Pinto de Souza, onde propõe o estabelecimento de um Jardim Botânico no Rio de Janeiro. A proposta tem por objetivo estimular a agricultura e o comércio com o fim de aumentar o patrimônio Real, de modo que corresponda às despesas que a coroa absorve para a conservação e defesa de seus domínios. Consta ainda a indicação feita pelo conde de Resende para que o médico Manoel Joaquim de Souza Ferraz, correspondente da Academia Real de Ciências de Lisboa e de Montpellier, seja aprovado para estabelecer a construção desse Jardim Botânico, uma vez que era necessário o envio de profissionais experientes para explorar as riquezas naturais desta capitania. A argumentação expressa no documento representa uma valorização do estabelecimento desse gênero de instituições científicas na colônia.


Conjunto documental: Registro da correspondência do vice reinado para a Corte.
Notação: Códice 69, vol. 5
Datas-limite: 1790-1795
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Jardim botânico
Data do documento: 11 de dezembro de 1795
Local: Rio de Janeiro
Folhas: 260 a 262

 

“Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor. Procurando eu por todos os meios possíveis e proporcionados as forças deste Governo sujeitas a minha disposição promover os diferentes ramos de Agricultura e Comércio assim para despertar e animar a frouxidão destes povos lisonjeando a sua ambição com a esperança dos avultados lucros do seu trabalho, que ao mesmo tempo os preserva da corrupção dos costumes que é consequência infalível das ociosidades; como principalmente para fomentar o aumento do Patrimônio Real, afim de se tirarem deste rico e vastíssimo continente interesses correspondentes às prodigiosas despesas que S. Magestade[1] é obrigada a fazer para a conservação e defesa destes seus Domínios; tenho há muito tempo conhecido a grande vantagem que deverá resultar do descobrimento, cultura e comércio dos infinitos óleos, bálsamos, gomas e vegetais de que abunda este país, como é notório pela notícia dos habitantes, e uso que fazem as pessoas curiosas e experimentadas no curativo de todo o gênero de moléstias já nos sertões e nos diferentes Distritos desta cidade[2], e já nos lugares em que se acham alguns professores; e pela narração dos naturalistas[3] e viajantes[4] que descrevem grande parte daquelas drogas e vegetais, e juntamente as suas virtudes e propriedades. Do que se pode coligir com toda a probalidade que não só estas Províncias e todo esse Reino, receberam em considerável proveito da cultura de coisas tão estimáveis e esquisitas na parte que diz respeito aos ganhos provenientes do seu comércio; mas também todos estes povos conseguiram um real e inexplicável benefício do perfeito conhecimento e uso dos mesmos vegetais nas muitas e várias enfermidades assim epidêmicas, como endêmicas que cada vez mais se multiplicam, talvez por se desprezarem as ervas e raízes próprias do país, frescas e cheias de suco para se substituírem outras alienígenas que por velhas e faltas de substância não acreditam a quem as aplica nem aproveitam aos enfermos ou talvez por fazerem misteriosa a sua Arte não tanto os professores de medicina e cirurgia, como principalmente os boticários[5] que terão grandes avanços da importação das drogas pouco vulgares apesar do prejuízo dos povos, e do conhecimento que eles têm da virtude de algumas ervas que desprezam, atribuindo melhor efeito as que mandam vir de fora a fim de não se diminuírem os seus interesses.

Negando porém a mesma atenção a esses respeitos e prejuízos, tenho aplicado todo o esforço preciso para que em uma horta chamada do Colégio, que é de S.M. e está contigua ao Hospital Militar [6]se cuide na plantação de muitas ervas para uso da Botica do mesmo hospital, as quais tem-se descoberto serem conhecidamente profícuas, e ao mesmo tempo concorrerem para a diminuição da despesa que a Fazenda Real[7] é obrigada a fazer na compra de outras ervas, e raízes estrangeiras.

... E porque o que se tem descoberto nesta matéria, mais se deve ao acaso, e às tradições ou notícias comunicadas pelos índios, do que as regulares diligências de naturalistas, e homens peritos, que se tenham encarregado de indagação tão útil a humanidade, fica-me lugar de concluir que destinando-se uma ou mais pessoas dotadas de gênio, estudo, e experiência para discorrerem pelos Distritos desta Capitania não só descobrirão maior número de vegetais, e ainda minerais além dos conhecidos, mas também autenticando as singularidades e efeitos daqueles, de que se tem notícia farão desaparecer a razão que alegam os professores e boticários de não usarem desses inventos antes de se manifestar a sua analogia como os outros remédios, que comumente se aplicam.

Quando premeditava em propor a V. Excelência a execução deste projeto que julgo não ser indiferente pelas razões que tenho exposto, casualmente chegou a esta cidade Manoel Joaquim de Souza Ferrás, Doutor em Medicina e correspondente do Número da Academia Real das Ciências de Lisboa[8] e de Montpellier, munido de documentos que atestam da sua habilidade ... O Plano que propõem o sobredito médico, e que eu tenho a honra de enviar a V. Excelência, consta de três artigos todos de fácil execução, e de insignificante despesa em comparação das vantagens que se prometem pois ainda a respeito do Jardim Botânico[9] que se deve estabelecer, pode destinar-se para esse ministério a horta acima referida, sem outro despendio que de uma casa para aula de botânica.

Eu fico também esperançado na aprovação de S. M. por não deixar de anuir as representações de V. Excelência em objeto de tanta ponderação que entro a conceber um particular gosto de ter procurado o estabelecimento de uma Arte e de um Comércio útil a todo o Reino e a estes povos (...) Deus Guarde  a V. Excelência. Rio 11 de dezembro de 1795. Conde de Rezende[10]. Senhor Luiz Pinto de Souza[11].”

 

[1]JOÃO VI, D. (1767-1826):  segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[3] NATURALISTAS: bacharéis em Filosofia Natural, formados pela Universidade de Coimbra, ou ainda magistrados, matemáticos e/ou médicos que cursavam a cadeira de História Natural, os naturalistas estavam habilitados para o recolhimento e preparação dos produtos naturais e para observações zoológicas, botânicas e mineralógicas. Dedicavam-se, portanto, à investigação da natureza. Também se encontram religiosos e professores (lentes) de geometria ou filosofia, além de militares e práticos na que eram engajados na coleta, preparação e conservação de plantas, animais, sementes e outros itens entre os chamados “produtos” da História Natural. Como parte de um amplo movimento na história moderna, e reflexo da política lusa de conhecimento dos territórios ultramarinos e investigação dos recursos naturais, a partir de segunda metade do XVIII, são promovidas as viagens científicas e filosóficas comandadas por naturalistas. O perfil ideal do naturalista viajante era o de um indivíduo com uma formação ampla que, além de história natural, conhecesse áreas como geografia, química, física, direito, economia, matemática (em especial trigonometria plana) e desenho. Sendo difícil congregar em uma só pessoa saberes tão diversos, as equipes das viagens científicas, muitas vezes, contavam com indivíduos de formações diferentes. Muitos naturalistas atuavam apenas nos Gabinetes de História Natural europeus, o que também se verificou em Portugal, planejando as viagens e sistematizando o material recebido.

[4] VIAGENS E EXPEDIÇÕES FILOSÓFICAS: A América portuguesa recebeu, ao longo do setecentos, diversas expedições promovidas pela Coroa lusa que, até o último quartel do século, tinham como objetivo a demarcação de limites com a Espanha. Tais expedições, decorrentes de acertos dos tratados de Madri e de Santo Ildefonso, contavam com a presença de astrônomos, geógrafos, matemáticos e engenheiros, que promoveram minuciosa descrição geográfica das regiões fronteiriças. A partir da segunda metade do século XVIII, em compasso com o movimento característico da época moderna, o das viagens de exploração e conhecimento do território a história natural passa a figurar entre as principais preocupações das expedições, ao mesmo tempo em que, se configurava como disciplina na reformada Universidade de Coimbra. Concomitante ao mapeamento do espaço, impunha-se inventariar suas “produções naturais”, conhecer as potencialidades do território, seus recursos naturais e possíveis aplicações na medicina, na alimentação e na indústria, privilegiando, sobretudo, áreas como a botânica, a zoologia e a geografia, além de verificar os terrenos mais propícios a cada cultura. Idealizadas pelo naturalista italiano Domenico Vandelli, professor da Universidade de Coimbra, as chamadas Viagens filosóficas foram expedições enviadas às possessões portuguesas na América e na Ásia, comandadas por seus alunos, a partir da década de 1780. No ano de 1783, os naturalistas Joaquim José da Silva, Manoel Galvão da Silva, João da Silva Feijó e Alexandre Rodrigues Ferreira foram enviados para Angola, Índia e Moçambique, Cabo Verde e Brasil, respectivamente. As equipes contavam ainda com “riscadores” encarregados de desenhar as espécies da flora e fauna, além dos nativos. Cabia aos naturalistas, o recolhimento de espécies dos “reinos vegetal, mineral e animal” dos territórios coloniais que seriam encaminhadas a instituições científicas portuguesas. Uma vez recolhidas as espécies seriam analisadas e classificadas conforme o sistema de Carl Von Lineu. Durante as expedições, os viajantes, como ficaram conhecidos os naturalistas, deviam seguir os procedimentos estabelecidos nas Instruções para viagens, elaboradas pela Universidade de Coimbra ou pela Academia Real das Ciências de Lisboa, que determinavam o método a ser empregado na coleta, acondicionamento, classificação e remessa dos produtos, além de orientar sobre a produção de um diário de viagem. No âmbito da administração lusa, a Secretaria de Estado Dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, na figura do secretário Martinho de Melo e Castro esteve à frente desses empreendimentos. Embora o projeto inicial de Vandelli de produzir uma História Natural das Colônias não tenha sido levado a cabo, as viagens filosóficas produziram farta documentação, entre correspondências, diários, memórias, gravuras e ilustrações, e outras publicações, a respeito da natureza e geografia desses territórios, bem como serviram de fonte de informação sobre o cotidiano, cultura, hábitos e costumes dos povos indígenas no ultramar. A partir de 1808, as viagens científicas no Brasil passaram a ser promovidas também por iniciativa e coordenação de outros países europeus, como França e o Império Austro-Húngaro.

[5]BOTÂNICO: a botânica como campo do conhecimento mereceu os primeiros esforços registrados de sistematização a partir de Teofrasto (371-287 a.C). Discípulo de Aristóteles (384-322 a.C), ele estabeleceu um vocabulário técnico próprio à descrição das diferentes partes das plantas. Por muito tempo o exercício da botânica foi um domínio dos médicos, os únicos que recebiam educação formal nessa matéria e que não iriam, necessariamente, praticar a medicina quando diplomados. É no século XVIII que a botânica passa a se desvincular da farmácia, da produção de medicamentos, interesse primeiro que, desde o Renascimento, regeu também a constituição dos jardins botânicos, de que é exemplo o Jardim Real de Plantas Medicinais, fundado em 1635 na França. Médicos ou naturalistas ocuparam-se do mundo vegetal em atividades de herborização, voltadas para o cultivo e observação das plantas, vivas ou conservadas secas em herbários, tarefa que competia com a construção de um sistema de classificação e de uma nomenclatura que viabilizasse o ordenamento e o inventário da natureza. Esse projeto não se restringiria ao mundo ou reino vegetal, sendo mais amplamente desenvolvido no campo da história natural. Em 1735 a obra Sistema Natural, do médico sueco Carl Von Linné (1707-1778), divide os chamados três reinos da natureza em classe, ordem, gênero e espécie, proposta que, na botânica, estabelece um sistema sexual segundo características dos pistilos e estames, adotados como princípio único a ser obedecido. Na América portuguesa os naturalistas envolvidos com as coleções botânicas e a organização de jardins tinham diferentes formações: entre os práticos foram improvisados muitos militares, enquanto o médico Inácio da Câmara Bittencourt, formado em medicina pela Universidade de Montpellier, foi convidado a criar um jardim botânico na Bahia em 1796. Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), egresso do curso de medicina, formado em filosofia natural pela Universidade de Coimbra, liderou a Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá entre 1783 e 1792, e o frei franciscano José Mariano da Conceição Veloso (1742-1811) destacou-se como naturalista na segunda metade do século XVIII, empreendendo a obra Flora Fluminensis, publicada entre 1825 e 1831 e na qual se encontra a descrição, pelo método de Lineu, de quatrocentas novas espécies de plantas da flora local.

[6] HOSPITAL‌ ‌MILITAR‌ ‌DO‌ ‌RIO‌ ‌DE‌ ‌JANEIRO: ‌‌a‌ ‌inexistência‌ ‌de‌ ‌um‌ ‌hospital‌ ‌próprio‌ ‌para‌ ‌os‌ ‌militares‌ ‌na‌ ‌América‌ ‌portuguesa,‌ ‌levou‌ ‌ao‌ ‌rei‌ ‌de‌ ‌Portugal‌ ‌Pedro‌ ‌II‌ ‌a‌ ‌decretar,‌ ‌através‌ ‌de‌ ‌carta‌ ‌régia‌ ‌de‌ 21‌ de‌ ‌março‌ ‌de‌ ‌1702,‌ ‌a‌ ‌criação‌ ‌de‌ ‌um‌ ‌hospital‌ ‌militar‌ ‌no‌ ‌Rio‌ ‌de‌ ‌Janeiro.‌ ‌Mas‌ ‌o‌ ‌funcionamento‌ ‌do‌ Hospital‌ ‌Real‌ ‌Militar‌ ‌e‌ ‌Ultramar‌ ‌só‌ ‌se‌ ‌iniciou‌ ‌na‌ ‌segunda‌ ‌metade‌ ‌do‌ ‌século‌ ‌XVIII,‌ ‌no‌ ‌antigo‌ Colégio‌ ‌dos‌ ‌Jesuítas,‌ ‌no‌ ‌morro‌ ‌do‌ ‌Castelo.‌ ‌Até‌ ‌a‌ ‌sua‌ ‌criação,‌ ‌a‌ ‌responsabilidade‌ ‌dos‌ ‌cuidados‌ com‌ ‌os‌ ‌enfermos‌ ‌militares‌ ‌ficava‌ ‌a‌ ‌cargo,‌ ‌sobretudo,‌ ‌dos‌ ‌hospitais‌ ‌da‌ ‌misericórdia,‌ ‌que‌ recebiam‌ ‌para‌ ‌isso‌ ‌um‌ ‌pagamento‌ ‌da‌ ‌‌Fazenda‌ ‌Real‌.‌ ‌No‌ ‌entanto,‌ ‌ao‌ ‌longo‌ ‌dos‌ ‌anos,‌ ‌as‌ ‌santas‌ casas,‌ ‌como‌ ‌eram‌ ‌conhecidos‌ ‌os‌ ‌hospitais‌ ‌da‌ ‌misericórdia‌ ‌estabelecidas‌ ‌nas‌ ‌principais‌ ‌vilas‌ ‌coloniais,‌ ‌tornaram-se‌ insuficientes‌ ‌e‌ ‌passaram‌ ‌a‌ ‌exigir‌ ‌um‌ ‌aumento‌ ‌do‌ ‌subsídio‌ ‌anual‌ ‌pago‌ ‌pelo‌ ‌Estado.‌ ‌Assim,‌ ‌logo‌ ‌após‌ ‌a‌ ‌expulsão‌ ‌dos‌ ‌jesuítas‌ ‌em‌ ‌1759,‌ ‌foram‌ ‌transferidas,‌ ‌para‌ ‌o‌ ‌então‌ ‌desocupado‌ ‌Colégio‌ ‌dos‌ Jesuítas,‌ ‌enfermarias‌ ‌militares,‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌objetivo‌ ‌de‌ ‌centralizar‌ ‌o‌ atendimento‌ ‌a‌ ‌esses‌ ‌pacientes‌ ‌em‌ ‌um‌ ‌único‌ ‌edifício,‌ ‌cuja‌ ‌direção‌ ‌foi‌ ‌entregue‌ ‌‌ao‌ ‌cirurgião-mor‌ ‌Teotonio‌ ‌dos‌ ‌Santos‌ ‌de‌ ‌Almeida‌.‌ ‌Com‌ ‌a‌ ‌transferência‌ ‌da‌ ‌corte‌ ‌em‌ ‌1808,‌ ‌o‌ ‌hospital‌ ‌passou‌ ‌a‌ ‌ser‌ chamado‌ ‌de‌ ‌Hospital‌ ‌Militar‌ ‌da‌ ‌Corte‌ ‌do‌ ‌Rio‌ ‌de‌ ‌Janeiro,‌ ‌e‌ sofreu‌ ‌por‌ ‌diversas‌ ‌mudanças‌ ‌na‌ ‌sua‌ organização,‌ ‌entre‌ ‌as‌ ‌quais‌ ‌pode-se‌ ‌citar‌ ‌a‌ ‌nomeação‌ ‌de‌ ‌um‌ ‌boticário‌ ‌e‌ ‌ajudantes‌ ‌para‌ ‌o‌ preparo‌ ‌de‌ ‌remédios‌ ‌na‌ ‌própria‌ ‌instituição.‌ ‌Anexa‌ ‌ao‌ ‌hospital,‌ ‌foi‌ ‌criada‌ ‌a‌ ‌Botica‌ ‌Real‌ ‌Militar,‌ onde‌ ‌os‌ ‌remédios‌ ‌seriam‌ ‌manipulados.‌ ‌Em‌ ‌1820,‌ ‌o‌ ‌decreto‌ ‌de‌ ‌regulamentação‌ ‌dos‌ ‌hospitais‌ regimentais‌ ‌levou‌ ‌a‌ ‌descentralização‌ ‌do‌ ‌atendimento‌ ‌exclusivo‌ ‌aos‌ ‌soldados.‌ ‌

[7] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[8] ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE LISBOA: fundada em 24 de dezembro de 1779, no início do reinado de d. Maria I, pelo duque de Lafões e pelo abade Correia da Serra. Embora consagrado como “viradeira” em razão de um suposto revisionismo em relação ao reformismo pombalino, o reinado mariano ainda é marcado pela aliança entre as ideias iluministas, os princípios da fisiocracia e o mercantilismo que caracterizou o período anterior. A Academia Real configura-se como espaço privilegiado para a elaboração de projetos e memórias vinculados a um pensamento econômico no qual a ênfase nas “Artes e na Agricultura” como saída para a crise parece levar a uma adesão incondicional à fisiocracia. No entanto, como adverte o historiador Fernando Novais no estudo Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, trata-se de um ecletismo no qual "o pragmatismo cientificista lastreava o mercantilismo". Essa formulação se manifestou em uma prática científica a serviço do Estado na qual se identifica o primado da experiência sobre os sistemas, a defesa de um saber utilitário, a aplicação do conhecimento na solução de problemas práticos relacionados à economia, à cultura e à sociedade portuguesas. Tais premissas apontam para o papel que a instituição cumpriria como instrumento do Estado português no redirecionamento de sua política colonial e na recuperação da economia lusa no último quartel do século XVIII. Congregando homens da ciência, naturalistas, literatos e outros intelectuais portugueses e estrangeiros, a Academia articulava o Reino aos círculos europeus, desempenhando papel fundamental na ciência, na medicina, na economia e na literatura em Portugal. Esteve à frente dos grandes debates nacionais como as reformas na educação pública, na padronização dos pesos e medidas, culminando na adoção do sistema métrico francês e na institucionalização da vacinação através da Instituição Vacínica. Espaço de diálogo entre os ilustrados luso-brasileiros a Academia privilegiava o conhecimento científico voltado para a utilização racional da natureza a fim de atingir o progresso material, principalmente através das colônias, o que a levou a patrocinar viagens e expedições filosóficas às possessões portuguesas com a finalidade de conhecer o território, demarcar limites e realizar um “inventário” da natureza do Novo Mundo, enviando remessas da fauna e flora local para catalogação nos museus de história natural da Europa.

[9]  JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO: o Real Horto, posteriormente denominado Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a exemplo de outros congêneres estabelecidos no país, foi criado com o objetivo de desenvolver experiências de aclimatação com espécies vegetais de interesse agrícola e comercial, cujas primeiras mudas para o jardim botânico foram provenientes das Ilhas Maurício, do Jardim La Pamplemousse, oferecidas ao príncipe regente pelo comerciante português Luiz de Abreu Vieira e Silva. A origem do horto relaciona-se com o estabelecimento da fábrica de pólvora, criada por decreto de 13 de maio de 1808 nas terras do antigo engenho de cana-de-açúcar, de propriedade de Rodrigo de Freitas. Um mês após, no dia 13 de junho, um novo decreto do então príncipe regente d. João determinou a instalação de um jardim para aclimatação de espécies vegetais originárias de outras partes do mundo, em especial aquelas provenientes do Oriente, como a baunilha, a canela, a pimenta e outras. O jardim botânico estava subordinado ao Ministério dos Negócios da Guerra e seus diretores eram os vice-diretores da fábrica de pólvora até 1824, quando foi nomeado para diretor do jardim frei Leandro do Sacramento, doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Coimbra e professor de botânica da Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro. Sua gestão (1824-1829) é apontada como um importante marco com a realização de obras, pesquisas, experimentações, catalogação, classificação e introdução de novas espécies, a exemplo da aclimatação e plantio de chá. Simultaneamente às pesquisas científicas, a área do arboreto foi ampliada e ornamentada com lagos e cascatas, servindo também como espaço de lazer de especial interesse de d. João VI. O jardim botânico foi aberto à visitação após a proclamação da independência, sendo objeto de descrição de diversos visitantes como a inglesa Maria Graham, os botânicos Spix e Martius, o naturalista Hermann Burmeister, Charles de Ribeyrolles. Somente nos primeiros anos da República, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro retomou suas funções e atividades de caráter científico, sob a gestão de João Barbosa Rodrigues.

[10] CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.

[11] COUTINHO, LUIZ PINTO DE SOUSA (? - 1804): 1º visconde de Balsemão, era filho de Alexandre Luis Pinto de Souza Coutinho (10º senhor do morgado de Balsemão) e de d. Josefa Mariana Madalena Pereira Coutinho de Vilhena. Casou-se, em 1767, com d. Catharina Michaela de Souza César de Lencastre. Fidalgo da Casa Real, militar e diplomata, foi governador da capitania de Mato Grosso (1769- 1772), embaixador em Londres (1774-1788), secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e dos Negócios Interiores do Reino (1788-1801). Foi plenipotenciário português durante as negociações do Tratado de Badajóz, assinado em 1801 e pôs termo à guerra da Espanha e França contra Portugal. Simultaneamente, resolvia-se, em definitivo, a questão das fronteiras dos territórios portugueses e espanhóis, na América do Sul.

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No sub-tema “as relações sociais, a natureza e a terra”
- Ao trabalhar o tema transversal “Meio ambiente” 

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Brasil colonial: riquezas naturais
- A economia colonial
- A sociedade colonial: culturas naturais 
- Viagens científicas

Fim do conteúdo da página