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Ensino e diplomacia

Publicado: Sexta, 03 de Agosto de 2018, 14h58 | Última atualização em Sexta, 28 de Mai de 2021, 16h42

Carta régia de instrução destinada aos governadores do Reino de Portugal e Algarves através da qual o príncipe regente d. João agradeceu a lealdade das juntas governativas,  que haviam contribuído para a salvação e restauração do Reino de Portugal. Da mesma forma, manifestou a sua confiança nos governadores e informou algumas medidas que visavam à reconstrução do Reino, tais como o investimento na instrução do povo,  tendo em vista serem “as luzes e estudos” o melhor remédio  para combater os princípios franceses. No campo da política externa, as instruções enviadas buscavam promover relações de proximidade e harmonia com os governos da Inglaterra e da Espanha diante de um inimigo comum.  Nesse sentido, entre outras temas, este documento revela a estratégia diplomática na manutenção da segurança de Portugal.

 

Conjunto documental: Livros de consulta da Mesa do Desembargo do Paço.
Notação: Códice 252, volume 01
Datas – limite: 1809-1812
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa:  Invasões napoleônicas
Data: 2 de janeiro de 1809
Local: Palácio do Rio de Janeiro
Folha (s): 1v a 11

 

 

“Carta régia de instrução para os governadores do Reino de Portugal e Algarves

Governadores do Reino de Portugal e Algarves. Amigos, eu, o Príncipe Regente[1], vos envio muito saudar como aqueles que amo e prezo. Havendo por decreto da data desta confirmada e ratificado a vossa nomeação, é justo que vos mostre toda a confiança que lhe mereceis ....

... Depois  da ereção e restauração do vosso governo, tendo cessado todas as juntas, que se levantaram no reino e que tão meritoriamente se distinguiram à profia na salvação e restauração do mesmo, particularmente as do Porto[2] e Algarves[3], será vosso cuidado e primeiro dever, não só dirigir aos presidentes que foram das mesmas juntas as minhas cartas régias que ora lhes remeto, mas ainda agradecerdes no meu Real Nome e individualmente cada um dos membros, os serviços e lealdades que me mostraram e à minha Real  Coroa. E segurar-lhes que não só me proponho fazer-lhes mercê, mas que jamais me esquecerei dos gloriosos serviços que me fizeram e resultou a feliz restauração do meu governo e do reino ....

... Sendo muito necessário que depois da terrível convulsão que acabam de experimentar todos os meus estados, se procure reparar com os cabedais[4] e indústrias das nações estrangeiras não só tudo o que se perdeu em tão essenciais objetos, mas que ainda se aumente se possível for. ... sendo o melhor antídoto contra os falsos princípios que o governo francês tem espalhado, as luzes e estudos, o que até serviu agora bem pelo puro patriotismo que se manifestou entre os estudantes da célebre Universidade de Coimbra[5] e sendo igualmente este o melhor meio de aumentar a felicidade da nação, o que muito interessa o meu paternal coração.  Ordeno-vos que procureis quanto for possível adiantar o número de escolas de ler, escrever e contar, a fim que as classes inferiores reconheçam o muito que me ocupo de sua felicidade, e que igualmente promoveis os estudos maiores da Universidade de Coimbra ... Em negócios políticos exteriores, ... manter a melhor correspondência  e boa harmonia com sua Majestade Britânica[6], concorrendo em todas as suas vistas contra o inimigo em comum, fazendo tratar os seus vassalos[7] com o particular afeto e amizade, que é conseqüente à antiga e fiel aliança que une as duas Coroas ...  A melhor inteligência e boa união com o governo central de Espanha[8], a quem fornecereis todos os auxílios que conceberem na possibilidade do reino para a sua defesa, tendo sempre em vista que a independência dos meus estados na Europa depende  essencialmente  da dos estados espanhóis  na península, e que se eles vierem a sucumbir na gloriosa luta que mantém contra a França[9], também o reino  seria uma necessária vítima.  De baixo destes princípios autorizo todas as reclamações que por via de meu enviado fizestes a sua Majestade britânica a respeito de socorros em dinheiro e em petrechos de guerra ... mandei abrir em Londres, com a garantia de sua majestade britânica, um empréstimo de cinco a seis milhões de cruzados[10].

Escrito no Palácio do Rio de Janeiro[11] em dois de janeiro de 1809. Príncipe = Para os governadores do Reino de Portugal e Algarves. ”

 

 

[1] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] PORTO, CIDADE DO: localizada à margem direita do rio Douro, é atualmente a segunda maior cidade de Portugal, sendo considerada a capital do norte do país. Inicialmente batizada de Cale e, posteriormente, de Portucale (nome que deu origem à denominação Portugal), a cidade passou a chamar-se Porto no século XIII, como forma de distingui-la do reino recém-fundado. Entre os séculos XIII e XV, a região desenvolveu fortemente a atividade marítima e comercial, reforçando as relações com portos importantes do Velho Mundo (Barcelona, Valência, Londres, entre outros). A cidade também se tornou conhecida pela produção e comércio de vinho de alta qualidade, que contribuiu para o aumento populacional da região no século XVII. No Porto foi instalada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro com o objetivo de sustentar a reputação dos vinhos dessa região, a cultura das vinhas, beneficiar o seu comércio. A cidade foi palco e centro irradiador da Revolução Liberal do Porto em 1820. De caráter liberal e antiabsolutista, tinha como principal objetivo a formulação da primeira constituição de Portugal.

[3] ALGARVE: província situada ao sul de Portugal. Com o fim do Império Romano, foi invadida por diversos povos bárbaros, como vândalos e suevos, mas primordialmente pelos visigodos. Estes disputaram a região com o Império Bizantino ao longo do século VI, mas foi a partir do VIII que a região esteve sob domínio mouro até 1249, quando foram expulsos por d. Afonso III (1210-1279), dando início ao processo de formação do Estado português. O Tratado de Badajoz, de 1267, estabeleceu definitivamente o pertencimento do Algarve a Portugal, apesar das pretensões do reino de Castela. Entre os séculos XV e XVI, constituiu uma das seis comarcas que dividiam Portugal, até que, após o censo efetuado entre 1527 e 1532, se desse início à criação de novas comarcas por meio da subdivisão das antigas, denominadas a partir de então províncias ou regiões. O Algarve faz parte da história dos Descobrimentos, tendo do porto de Lagos partido as primeiras expedições portuguesas em direção ao Marrocos e à costa oeste africana. Outro elo com a história da expansão marítima europeia estaria no papel desempenhado pela região de Sagres, embora a historiografia contemporânea tenha desfeito o mito da Escola de Sagres, uma aula de navegação criada pelo infante d. Henrique (1394-1460). No final do século XVI, durante a União Ibérica, a região foi atacada por corsários e piratas ingleses, que chegaram a saquear e afundar naus da Carreira da Índia portuguesa. Também nesta época surgiram as ameaças de uma invasão britânica, em decorrência do ataque e da tomada de Cádiz, que obrigaram o Reino a proteger suas fronteiras marítimas, fazendo surgir na região do Algarve fortes e outras construções voltadas para defesa dos portos e cidades, destacando-se Vila Nova de Portimão, Lagos e Tavira. Apesar de referido como Reino Unido a Portugal, essa divisão oficialmente nunca chegou a existir. Provavelmente resultou do fato de a província ter tido uma identidade própria, diferente do restante de Portugal, desde a época da Reconquista devido à variedade de povos que habitaram a região em diferentes momentos.

[4] CABEDAL: durante o período colonial, cabedal designava toda estrutura necessária para realização de uma determinada tarefa ou obtenção de algo, o que podia consistir em recursos financeiros, mão de obra necessária, terras, entre outros. Era muito comum a utilização da expressão homens de cabedal para se referir a homens brancos, com bens e posses. André João Antonil, em Cultura e opulência do Brasil, intitula o primeiro capítulo “Do cabedal que há de ter o senhor de um engenho real”, no qual discorre sobre as necessidades materiais e obrigações desses negociantes do setor açucareiro. Antonil registra ainda que cabedal não se limita aos recursos materiais, mas também a um patrimônio imaterial indispensável a um senhor de engenho real, a saber: “do que depende a conservação do seu crédito, que é o melhor cabedal dos que se prezam de honrados”.

[5]UNIVERSIDADE DE COIMBRA: fundada em 1290 por d. Dinis, foi a principal instituição responsável pela formação acadêmica da elite do Império português, proveniente da metrópole ou da colônia. Desde 1565, esteve sob a direção dos padres jesuítas e, em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, ministro de d. José I, sofreu sua principal e mais significativa reforma. A renovação da Universidade resultou na elaboração de novos estatutos e fazia parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus domínios, iniciada em 1759. A reforma educacional pombalina teve como principal diretriz a expulsão dos jesuítas de todo Império lusitano e, conforme os estatutos, “abolir e desterrar não somente da Universidade, mas de todas as Escolas públicas (...) a Filosofia Escolástica” que era atribuída aos árabes e aos comentadores de Aristóteles, aos quais eram associados os jesuítas. O processo educativo pedagógico, governado, anteriormente, pelos inacianos, seria substituído por um sistema público de ensino. Num primeiro momento, apenas os Estudos Menores (ensino elementar e médio) sofreram grandes mudanças, deixando-se os Estudos Maiores (superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse organizada. Em 1771 d. José formou a Junta da Providência Literária, cuja principal missão seria a avaliação do estado da universidade durante o período em que esteve sob administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino, conforme sua orientação. Os resultados dessa avaliação foram reunidos no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra. Tratava-se do primeiro documento originário da Junta de Providência Literária, apresentado ao rei pela Real Mesa Censória e que daria sustentação, no ano seguinte, aos Novos Estatutos da Universidade de Coimbra, publicados em 1772. Segundo Nívia Pombo, “seu conteúdo reiterava a primeira lição a ser aprendida: a ideia de que o Estado deveria se aproveitar das novidades das ciências e das artes e colocá-las a serviço da sociedade. Tal aspecto aparece bem marcado com a recorrência das expressões “necessidade pública” e “nações civilizadas”, associadas à noção de que o “exame da Natureza” promovia “imensas utilidades em benefício das Famílias, e dos Estados” (Nívia Pombo. A cidade, a universidade e o Império: Coimbra e a formação das elites dirigentes (séculos XVII-XVIII). Intellèctus, ano XIV, n. 2, 2015. Acesso: https://www.e-publicacoes.uerj.br). A diretriz geral da reforma seria, por conseguinte, a secularização e a modernização do ensino superior, na busca por um conhecimento mais técnico, crítico e pragmático, orientado pelos princípios das luzes e da ciência [iluminismo], para a formação de cidadãos “úteis” ao Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as faculdades de Filosofia e de Matemática; introduzidos os laboratórios para aulas práticas; a organização dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método; toda a metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e substituídos e a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção pública. Evidenciando o viés do ensino prático, foram criados, em paralelo, o Teatro Anatômico, o Observatório Astronômico, o Horto Botânico, o Museu de História Natural, o Laboratório de Física e o Dispensatório Farmacêutico. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Rio de Janeiro, que ficou à frente da sua administração entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e 1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos. A partir de então, a reformada Universidade de Coimbra passou a ser referência e modelo para as instituições de ensino existentes na época e as posteriormente criadas.

[6] JORGE III (1738-1820): Jorge Guilherme Frederico, da dinastia de Hanôver, tornou-se conhecido na história por ter governado a Inglaterra no período da independência das Treze Colônias (1776), das guerras napoleônicas (1805-1815) e por ter adotado o inglês como língua oficial. Jorge III sofria de uma doença crônica que o levou a ter problemas mentais e lhe rendeu o cognome de “louco”. Em 1811, seu filho assumiu a regência com o título de Jorge IV, após a constatação da total impossibilidade de o pai continuar a reinar. Faleceu cego e louco, tendo governado por 51 anos.

[7] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[8] ESPANHA: a formação do Estado moderno espanhol se deu com o casamento de Isabel, do reino de Castela, com Fernando II, então herdeiro do trono de Aragão, permitindo a união de três reinos – Castela, Leão e Aragão – em 1479. Desta maneira, a região, fortalecida com a queda do reino mouro de Granada em 1492 e a incorporação de novos territórios, pôde lançar-se nas viagens marítimas, disputando com seu vizinho, Portugal, o protagonismo nas conquistas ultramarinas. A relação entre os dois reinos ibéricos vem de longa data, pioneiros das grandes navegações, em 1493 assinariam o Tratado de Tordesilhas, que dividia os territórios recém-descobertos e a descobrir entre lusos e hispânicos. Mas, as disputas territoriais foram uma constante entre os dois países, sobretudo o traçado das fronteiras no continente americano. Com o estabelecimento da União Ibérica em 1580, quando Felipe II, rei espanhol, assumiria a coroa portuguesa após a morte de d. Sebastião, que não havia deixado herdeiros, os limites fronteiriços foram ignorados, possibilitando a interiorização da colonização do Brasil. Com a restauração do trono português em 1640, acirraram-se as disputas territoriais entre os dois reinos, inúmeros tratados foram assinados na tentativa de solucionar os conflitos, como o Tratado de Madri de 1750, que pretendia dissipar completamente quaisquer dúvidas que, porventura, ainda persistissem na definição dos limites entre as possessões ibéricas na América. No entanto, a não aderência ao pacto de família levaria a novos conflitos na América. A ascensão de Napoleão Bonaparte ao trono francês em 1799 e a aliança com Espanha, através da assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, ratificariam as animosidades entre os países ibéricos. Malograda em conseguir uma aliança com Portugal para fechar os portos europeus aos produtos ingleses, em 1801 foi deflagrada a Guerra das Laranjas: a Espanha invadiria territórios portugueses na Europa e na América; o conflito terminou com a assinatura do Tratado de Badajoz. Apesar da aliança, em 1807, o exército francês invadiria a Espanha, com a justificativa de aumentar a fileiras do exército franco-espanhol para a ocupação de Portugal (que não havia aderido ao Bloqueio Continental). Após ser destronado por Napoleão, o rei Fernando VII foi sucedido por José Bonaparte. A instabilidade política provocada pela ocupação francesa favoreceu os movimentos de independência das colônias espanholas na América, pois sem um monarca, a possibilidade de desligar-se completamente da Espanha ganhava cada vez mais terreno. Quando o trono espanhol foi restituído, em 1814, as lutas de secessão não puderam mais ser contidas. Era o fim do império espanhol.

[9] FRANÇA: localizada na Europa Ocidental, a França entrou tardiamente na disputa por territórios coloniais à época das grandes navegações, sobretudo devido a Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra, praticamente travada em território francês o que exauriu financeiramente e militarmente o país. Com sua conhecida contestação do Tratado de Tordesilhas (1494), que dividia o ultramar entre lusos e hispânicos, a França investiu na atividade corsária. No litoral brasileiro, a presença de embarcações francesas realizando escambo do pau-brasil com a população nativa era uma constante. Na segunda metade do século XVI, o rei francês Henrique II, apoiou a tentativa do Villegagnon em fundar a França Antártica na Baia de Guanabara e outras tentativas de colonização no território luso-americano. No quadro político moderno, a França passaria pelo processo de centralização do poder político, tornando-se exemplo máximo do absolutismo de direito divino, personificado na figura de Luís XIV, o rei-sol. Em fins do século XVIII, foi palco da principal revolução política do período, a Revolução Francesa: assinalou o fim do Antigo Regime no país e fez da França centro irradiador  do ideário das Luzes, ameaçando as estruturas de antigo regime europeu, influenciando movimentos de influência no continente americano e endossando importantes movimentos sociais ao redor do mundo. Seu alcance universal foi também atemporal, perpetuando-se, como modelo e em seus princípios, na história contemporânea.

[10]  CRUZADO: moeda portuguesa introduzida por d. Afonso V em 1457 durante uma expedição contra o Império Otomano. No início, era cunhada apenas em ouro e apresentava uma cruz em seu reverso. Na época, o sistema monetário português tinha por base o real. A introdução do cruzado, que em seu lançamento valia 253 reais, marcou o período de estabilização da moeda portuguesa. Lastreada no ouro extraído das minas africanas de Portugal, a moeda teve boa aceitação tanto no mundo cristão quanto muçulmano. Em 1555 foi suspensa a sua cunhagem e, no reinado de Afonso VI, em 1663, o cruzado voltou a ser produzido, desta vez feita em prata.

[11] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
•No eixo temático sobre a “história das representações e das relações de poder”
•No sub-tema “Nações, povos, lutas, guerras e revoluções”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
•As “guerras napoleônicas”
•A invasão francesa em Portugal
• A transferência da Corte portuguesa para o Brasil
•O período joanino: política e sociedade

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