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Tratado de abolição do tráfico de escravos

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 17h18 | Última atualização em Quarta, 26 de Mai de 2021, 20h29

Consulta realizada pelo marquês de Aguiar ao príncipe regente d. João a respeito do requerimento do mestre da escuna flor do mar, Luiz Antônio Lessa, que estava solicitando um passe daquele porto até o Pará. De acordo com o documento, a escuna estava transportando negros de Bissau, apesar da publicação do tratado de Abolição dos escravos da Equinocial para o Norte que proibia o tráfico  nessa região.  Abordando a questão da legislação proibitiva do comércio de escravos, o documento enfoca uma das primeiras ações tomadas pela Inglaterra no sentido de extinguir o tráfico de escravos.


Conjunto documental: Ministério do reino. Maranhão. Correspondência do presidente da província
Notação: IJJ9-129
Datas - limite: 1788-1816
Título do fundo ou coleção: Série interior
Código do fundo: AA
Argumento de pesquisa: escravos, repressão ao tráfico
Data do documento: 8 de outubro de 1816
Local: São Luiz do Maranhão
Folha(s): -

“Illmo, Exmo, Snr.

No dia 28 do mês passado, deu fundo fora da Barra deste porto a Escuna Flor do Mar, que é mestre Luiz Antônio Lessa, e como lhe arrebentasse a amarra que entrou na Barra, dando fundo junto a fortaleza da mesma. Constando-me, pois que vinha de Bissau[1] com pretos lhe mandei logo por guardas de saúde[2], e ordem ao governador daquele forte para vigiar, a que não tivesse comunicação com a terra; visto que os seis meses da publicação do Tratado d’ Abolição dos escravos da Equinocial para o Norte[3], estavam findos neste capitania; e portanto já este tráfico, navegação proibida.

Passados dois dias, me requereu o mestre passe para seguir a sua viagem para o Pará, como consta da sua petição ...

Para instruções e fundamento do que devia resolver, lhe fiz exibir os despachos e documentos necessários que legalizassem o que dizia no seu requerimento observando que o passaporte era de Lisboa para Canárias[4], e de há voltar para aquela capital; mostrando ao mesmo tempo pelo termo de arribada, que juntou ter entrado em Bissau abrigado dos sinistros, e temporais; de cujo porto recebera a frete, cento e trinta e quatro pretos, pertencentes a diversos proprietários ali existentes, para conduzir a este Porto, como mostrava pela guia daquela Alfândega; alegando também de os ter recebido de baixo da condição, que sendo-lhe neste porto já desejo(?) de dever continuar o seu destino até o Pará ....

Assim sendo portanto este caso inteiramente novo e desejando eu buscar todos os meios possíveis para resolver o que melhor conviesse ao serviço de Sua Majestade, convoquei no dia 3 do corrente mês, neste Palácio do Governo os Desembargadores da rasgado Relação para a vista do sobredito requerimento e documentos juntos, ouvir seus pareceres.

Depois de ouvirem ler, e examinarem os referidos documentos, a vista do Tratado, e dos dois termos anteriormente aqui feitos sobre este concernente objeto, e de que já tive a honra de remeter as cópias a V.Exa., farão vocalmente de votos unânimes, os quatro desembargadores ... que eu definisse ao dito requerimento consentindo-lhe o passe para o Pará: porque julgaram boa fé, e legitimidade no seu pedido, e documentos; pois lhes parecia estar este caso compreendido no artigo adicional do Tratado, ainda que não expressamente. Portanto não havendo proibição absoluta da venda no Brasil, sendo esta a favor da Agricultura, e correndo ainda o prazo de seis meses a seu benefício naquela capitania, seria muito mais favorável ao bem do Estado excertada (?) esta resolução, uma vez que eram levados antes da proibição, possuídos por isso debaixo da legitimidade e boa fé, podendo-se igualmente entender supridos o passaporte e despacho, com aquela guia, principalmente não se havendo ainda designada a norma pelos dois governos, com que nos cumpria regular nesta, e semelhantes matérias a cerca da qual ainda não houve por bem Sua Majestade[5], declarar e determinar o que se devia praticar não sendo servido ata ao presente ... ou mandato ... pela sua existente, ou nova Legislação.

...

Deus guarde a V.Exa. S. Luís do Maranhão 8 de Outubro de 1816.

Illmo, Exmo, Snr. Marquês de Aguiar[6].”

 

[1] GUINÉ-BISSAU: possessão portuguesa desde 1479, sua ocupação se efetivou com a fundação da vila de Cacheu, em 1588, e o estabelecimento da capitania geral da Guiné portuguesa, em 1630. Em finais do século XVII edificou-se a fortaleza de Bissau, período em que os franceses começavam a afirmar a sua presença na região, e foi restabelecida a capitania de Bissau (1753). A região da Guiné foi uma das principais áreas de abastecimento de mão de obra escrava para as colônias ultramarinas. A designação Guiné acompanhou a expansão marítima portuguesa, englobando diversos pontos da costa ocidental, como Congo, Costa da Mina, Angola e Benguela, nomeando as primeiras conquistas da África.

[2] GUARDA DE SAÚDE: na América portuguesa, a insalubridade das cidades coloniais e a precariedade das condições de higiene da população eram uma constante. A chegada da Corte, em 1808, marcou o início de uma série de medidas na área da saúde pública, no intuito de deter o avanço de epidemias. Entre as medidas adotadas estava a inspeção sanitária dos navios, executada pelo Provedor da Saúde. As autoridades demonstraram uma atenção especial com o embarque e desembarque nos portos, instituindo a obrigatoriedade de visitas de oficiais de saúde, os guardas de saúde, aos navios, sobretudo os negreiros, em uma ação de prevenção sanitária. Esta medida também revelava a preocupação com a saúde dos escravos, visto sua importância comercial.

[3] CONGRESSO DE VIENA (1814-1815): em setembro de 1812, Napoleão Bonaparte ocupa a capital russa, Moscou, certo de que seria o primeiro passo para uma dominação sobre o Império czarista. No entanto, o czar Alexandre recusa a rendição, e os invasores franceses logo se viram em uma cidade abandonada por seus habitantes e deliberadamente queimada por eles. Com sérios problemas de abastecimento e escassez crônica de víveres, encurralado pela chegada iminente do inverno, ao exército francês não resta outro meio a não ser a retirada em uma situação cada vez pior: a saída deu-se com as armas inimigas em seu encalço. A perseguição se estendeu por meses a fio e, enquanto o exército russo atravessava a Europa Oriental e Central a caminho da França, uma aliança de apoio começou a se formar, liderada pela Áustria e Prússia e com o apoio da Grã-Bretanha. Assolados pelo frio e pela fome, perseguidos pelos inimigos russos, os soldados chegam de volta à pátria em reduzido número, esfomeados e maltrapilhos. Em março de 1814, o exército de Alexandre entra em Paris e sela o desastre bonapartista. Apesar do seu breve retorno durante alguns meses no ano seguinte, a era de guerras e política imperialista promovidas pelo monarca francês chegava ao fim. Napoleão parte para o exílio na ilha de Elba, de onde sairia no ano seguinte para tentar retomar seu império. O período de ilusão durou cem dias, interrompido pela derrota em Waterloo diante dos britânicos, depois da qual partiria para seu último exílio na ilha de Santa Helena. A aliança formada em torno da Rússia atuou no Congresso de Viena, iniciado em setembro de 1814, tomando para si a tarefa de “reconstruir a Europa”, muito nos moldes do que havia sido antes da ascensão de Napoleão. O objetivo do congresso era, além de reorganizar o mapa político europeu, reestruturar as relações entre seus diversos estados, incluindo aí suas colônias e políticas comerciais. Determinava, então, que as antigas monarquias europeias depostas por Napoleão reassumissem seus tronos, no entanto a monarquia portuguesa estava estabelecida no Rio de Janeiro desde 1808, uma situação considerada ilegítima, sendo Lisboa a sede do governo reconhecida pelo congresso. Para contornar tal objeção, foi necessária a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarve. Além disso, encerrou a chamada “Questão Caiena”, marcada pela discussão entre Portugal e França acerca da delimitação de suas possessões na América pelo rio Oiapoque. Como resultado das discussões em Viena, a França concordou em recuar os limites de sua colônia até a divisa proposta pelo governo português. Entretanto, somente em 1817, Caiena foi realmente devolvida à França, após a assinatura de um convênio entre este país e o novo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. A questão do tráfico de escravos africanos, também foi abordada pelo congresso. A pressão inglesa contra o comércio da escravatura, iniciada em inícios do século XIX, resultou na interrupção do tráfico ao norte da linha do Equador. Esse acordo comprometia áreas importantes de abastecimento de mão de obra escrava na América portuguesa. Em 1817, d. João VI ratificou a decisão e, por um novo acordo, concedeu à Inglaterra o direito de visita e busca nos navios suspeitos de tráfico em alto-mar, sob pena de terem sua carga jogada no oceano. O tom do congresso, como não podia deixar de ser, era abertamente conservador. As nações mais apegadas às fórmulas do Antigo Regime (Portugal, então metrópole do Brasil, entre elas) apostaram em um recuo das ideias liberais e no fortalecimento do colonialismo. Contudo, se uma onda conservadora varreria a Europa, ela não foi capaz de impedir o desenvolvimento e avanço do liberalismo político por muito tempo e muito menos o de conter o movimento de libertação das antigas colônias, em especial, nas Américas. O colonialismo ganharia outras feições, teria outros senhores a comandar de forma diferente antigos territórios, mas o modelo ibérico encontrava-se esgotado.

[4] CANÁRIAS, ILHAS: conhecidas na Antiguidade como “Ilhas Afortunadas”, localizam-se no oceano Atlântico, ao norte da costa da África. Habitado originalmente pelo povo guanche, a partir do século XIV, o arquipélago, formado por sete ilhas, mostrou-se estratégico para as frotas navais que competiam pelo domínio do Oceano Atlântico e das terras até então descobertas na costa africana. Foi sucessivamente visitado por navegantes vindos de Portugal (que o ocuparam em 1335), italianos, franceses e espanhóis, até que o papa Clemente VI reconheceu a soberania espanhola sobre as ilhas em 1344, em prejuízo dos portugueses, que também as reivindicavam. Pelo Tratado de Alcáçovas, celebrado entre os dois reinos ibéricos, em 1749, e ratificado no ano seguinte, Portugal obtinha o reconhecimento do seu domínio sobre a ilha da Madeira, o arquipélago dos Açores, o de Cabo Verde e a costa da Guiné, enquanto que Castela recebia as ilhas Canárias, entre outras resoluções.

[5]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[6] CASTRO, D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL E (1752-1817): 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
A escravidão no Brasil colonial
A montagem do sistema colonial
A sociedade colonial: práticas e costumes
O tráfico de escravos da África para a América

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