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Frei Caneca

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 15h14 | Última atualização em Quarta, 03 de Março de 2021, 15h21

Auto de perguntas feitas ao padre Joaquim do Amor Divino Rabelo, o Frei Caneca, acerca de sua participação na Insurreição Pernambucana de 1817. Quando questionado, negou sua atuação como combatente na batalha de Utinga, e afirmou ter-se limitado a confessar os feridos; declarou ainda que, a pedido de seu prior, e não por vontade própria, participou da expedição de Francisco de Paula ao Sul, desmentindo, igualmente, sua amizade com o padre João Ribeiro.

Conjunto documental: Processo original dos réus da rebelião de Pernambuco
Notação: códice 7, vol. 09
Data-limite: 1819 - 1819
Título do fundo: Diversos códices - SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: revolução, pernambucana
Data do documento: 5 de fevereiro de 1819
Local: Bahia
Folha(s): 47 a 50

Perguntas ao Padre Joaquim do Amor Divino, o Caneca[1]

Ano do nascimento do nosso senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e dezenove aos cinco dias do mês de fevereiro do dito mês nesta cidade da Bahia e cadeia da Relação[2] da mesma, aonde foi vindo o desembargador juiz interino da Alçada, digo desembargador e escrivão interino, e o desembargador escrivão assistente e instando ali por mandato vir o réu frei Joaquim do Amor Divino, o qual estando ... e com sua inteira liberdade, respondeu as perguntas que, pelo dito ministro, foram feitas do modo seguinte:
Perguntado pelo nome, idade, naturalidade, estado e ocupação?
Respondeu se chama frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, natural de Recife de Pernambuco[3], de idade de quarenta anos, religioso da ordem do Carmo Calçado[4] e lente de geometria.
Perguntado quando, e em que lugar foi preso, e qual foi o motivo de sua prisão?
Respondeu que foi preso a vinte e cinco de maio de mil oitocentos e dezessete no convento da Goiana, e que ignora o motivo de sua prisão.
Perguntado a que tempo ele estava naquele convento da Goiana a que fim ali foi?
Respondeu que há quatro dias que tinha chegado a Goiana, e que no dia dezenove de maio, estando em casa de sua mãe, o seu provincial o mandou chamar, e que chegando ao convento ele disse que o governo provisório o tinha mandado chamar, e em consequência do que foi ele respondente ao quartel rebelde da Soledade aonde chegou depois de três horas que ali o padre João Ribeiro[5]e Domingos Teotônio[6] lhe disseram que havia de acompanhar e cometeram no meio, e tendo dado um terço de léguas para Olinda chegou o capitão José de Barros Lima[7], e conversando com os ditos em segredo, se aproveitou desta distração, e se adiantou para Olinda a meter-se em casa de seu irmão Pedro Alexandrino da Siqueira, e na madrugada seguinte partiu para Goiana, mas chegando ao Paulista achou o capitão de pardos José de Oliveira uma guarda avançada, proibindo toda a passagem, por isso se demorou aí todo esse dia, em que foi chegando o exército dispersamente, e na madrugada seguinte se escapou e partiu para Goiana, e quando chegou ao dito sítio do Paulista já aí achou o padre João Ribeiro, e Domingos Teotônio chegou pelas dez horas da manhã pouco mais ou menos, e na manhã em que ele respondente foi para Goiana se foi meter no Convento de São Francisco de Igarassu, porque encontrando os outros que iam também fugidos, lhe disseram que os rebeldes vinham fugindo debandados, e com eles se não queria encontrar, que ali se demorara todo esse dia, e noite, e na madrugada do dia vinte e dois partiu para Goiana, onde chegou nesse mesmo dia.
Instado que dissesse a verdade, por que tinha dito ser preso no dia vinte e cinco, e tendo dito que ali chegara havia quatro dias deveria ter chegado a Goiana no dia vinte e um a noite, e dos outros consta que ele muito voluntariamente acompanhou os rebeldes, e que somente fugira quando todos os demais fugiram do lugar dos Fontainhas, em que se debandou todo o exército.
Respondeu que quando disse quatro dias não falou com precisão de quatro dias completos, e que se ele voluntariamente acompanhou os rebeldes, não praticariam os fatos, nem daria os devidos passos já referidos, que mostrado contrário, pois saindo de Olinda, sabendo que eles iam chegar pelo caminho da Santa tomou pelo oposto para o Paulista, onde não esperava encontrá-los.
Instado que dissesse a verdade, porque sabendo na sua saída de Olinda que os rebeldes marchavam para o Norte, e necessariamente haviam de seguir o caminho de Goiana, se ele quisesse evitá-los não se dirigiria para o mesmo ponto, ainda que por diverso caminho, mas ou ficaria em Olinda, que ele já via quase avançado, e se ocultara na casa do dito seu irmão, seguindo o exemplo de outros muitos, ou voltaria para o Recife, onde sabia não ficaram forças algumas dos rebeldes, e não havia de recear se não os realistas[8]?
Além de que ninguém foge para o lugar para onde fogem aqueles que se querem evitar, e podia muito bem fugir para qualquer um dos lados, como fugiram outros muitos antes de chegar a Olinda?
Respondeu que ainda que soubesse que os rebeldes marchassem para o norte, e ele respondente marchasse também, contudo nunca se persuadira que eles fossem para Goiana porque soube no Paulista que ali se havia levantado a real bandeira[9] e que não tinha ficado em Olinda, ou voltado para o Recife, por que antes dois pontos ainda estavam no poder deles.
Perguntado se ele andou aprendendo o serviço de soldado no pátio da Ordem Terceira.
Respondeu negativamente.
Perguntado se ele por obras, ou por palavras se mostrou influído na Rebelião, louvando-a, e falando contra a real pessoa de sua majestade[10], e seu governo?
Respondeu negativamente, e se mostra, porque os rebeldes nunca o empregaram em coisa alguma.
Perguntado se fizeram capitão de guerrilhas, e se ele exercitou este posto?
Respondeu negativamente.
Perguntado se ele acompanhou a Francisco de Paula[11] na sua expedição ao sul, encarregado de missionar a favor da Rebelião, se para isso se ofereceu?
Respondeu que acompanhou o dito Francisco de Paula por ser mandado por seu Prior[12] em consequência de um ofício de Governo dizendo-lhe somente que era para o acompanhar-lhe ao engenho Velho do Cabo, e que fora e nada fizera mais que confessar os realistas, insurgentes na hora da morte, e dizer missa aos insurgentes e que desta mesma marcha se quis, e ouviram, mas que o Prior não consentiu dizendo ser necessário obedecer a ordem do dito Governo.
Perguntado, e instado que declarasse a verdade, porque consta dos autos que ele fora um dos combatentes na batalha de Utinga, e que derrotados os rebeldes este fugira para o Recife?
Respondeu que na ocasião da batalha não fizera mais que confessar feridos no hospital, donde saiu já acabada a ação, e dali sem voltar ao Recife acompanhou ao mesmo Francisco de Paula à batalha do Ipojuca, aonde também nada fez, nem mesmo foi necessário confessar, e debandada a gente, ele só se escapou para o Recife.
Perguntado se ele denunciou os? Realistas ao Prior, e sob? Prior do convento da Piedade.
Respondeu negativamente, ... era amigo dos ditos padres.
Perguntado, se ele pela amizade que tinha com o padre João Ribeiro dava ordens bocais do mesmo à comunidade, trazendo-a sempre em terror?
Respondeu que era falso, e que com o dito padre não tinha relações de amizade mais que as de mera civilidade.
Perguntado se tinha alguma coisa mais a dizer em sua defesa?
Respondeu nada mais.
E deste modo ouve ele ministro estas perguntas por findas, que sendo lidas a ele respondente e disse que estava conforme, de que damos nossa fé, e deferindo-lhe o juramento pelo que disse de terceiras pessoas, de baixo do mesmo o notificou, de que tudo damos nossa fé, e as assinou com os sobreditos, eu José Gonçalves Marques, escrivão interino que escrevi, e assinei.
José Gonçalves Marques
Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo
José Caetano de Paiva Pereira.

 

[1] DIVINO, JOAQUIM DO AMOR (1779-1825): Frei Caneca nasceu no bairro de Fora de Portas, na freguesia de São Frei Pedro Gonçalves, no Recife, filho do torneiro Domingos da Silva Rabelo – profissão que inspirara seu apelido, caneca – e de Francisca Maria Alexandrina da Siqueira. Tornou-se religioso do convento de Nossa Senhora do Carmo, sendo ordenado com 22 anos. Frequentou o curso de filosofia no Seminário de Olinda, logo após a sua inauguração em 1800, e foi promovido prematuramente às cátedras da ordem, na qual lecionou retórica, geometria e filosofia. Em 1981 passou a integrar a Academia do Paraíso, centro de instrução e difusão das ideias liberais, constituída pelos padres Arruda Câmara e João Ribeiro Pessoa. Produziu o Tratado de Eloquência e, entre 1817 e 1823, traduziu do francês O Espelho das Mulheres ou a Arte de Realizar, por meio das Graças, os Encantos da Formosura e o texto da Enciclopédia Inglesa, História da Franco-Maçonaria. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, participou como voluntário das tropas revoltosas contra o exército realista da Bahia. Permaneceu preso na cadeia de Salvador até 1821, quando foi solto em virtude da Revolução do Porto, que anistiou todos que haviam participado da revolta. No campo jurídico, a defesa de frei Caneca mostrou-se bastante difícil: sua estratégia de defesa teve como argumentação que sua adesão ao movimento ocorrera por coerção, e não por vontade própria. Sua participação durante o curso da rebelião não teria sido pelo uso de armas, mas pela persuasão das palavras. Em 1824, Caneca participou da Confederação do Equador, como um dos líderes do movimento republicano e separatista. Foi fundador e editor do jornal “Typhis Pernambucano”, onde faria severas críticas ao governo autoritário de d. Pedro e a defesa da liberdade constitucional. Foi preso pelas tropas imperiais em novembro, acusado de crime de sedição e rebelião contra Sua Majestade imperial, condenado à morte e fuzilado a 13 de janeiro de 1825 na fortaleza das Cinco Pontas, no Recife.

[2] CADEIA DA RELAÇÃO: cadeia onde ficavam os presos indiciados pelo Tribunal das Relações da Bahia durante o processo de julgamento dos participantes da Revolução Pernambucana de 1817. Este Tribunal estabeleceu-se na Bahia definitivamente em 1654, após duas tentativas - em 1588 e entre 1609 e 1626. Acabou por se tornar a segunda mais importante instância da justiça portuguesa e a maior na colônia brasileira, até 1808. A sua jurisdição no território brasileiro foi dividida com a criação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, em 1752, passando a atuar nas capitanias do atual Nordeste até a região demarcada pelo rio Negro. Em 1808, com a transferência da família real portuguesa para o Brasil, o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro foi elevado à categoria de Casa de Suplicação, a mais elevada instância de justiça, anteriormente localizada em Lisboa. Neste Tribunal foram julgados os indiciados do movimento insurgente de Pernambuco por dois desembargadores do Paço e dois da Casa de Suplicação, tendo Bernardo Teixeira Alvares de Carvalho como o presidente dessa alçada.

[3] PERNAMBUCO: a capitania de Pernambuco foi uma das subdivisões do território brasileiro no período colonial. Em 9 de março de 1534, essas terras foram doadas ao fidalgo português Duarte Coelho Pereira, que fundou Recife e Olinda (primeira capital do estado) e iniciou a cultura da cana-de-açúcar e do algodão, que teriam importante papel na história econômica do país. A capitania, originalmente, estendia-se por 60 léguas entre os rios Igaraçu e São Francisco, e era chamada de Nova Lusitânia. Nos primeiros anos da colonização, junto com São Vicente, a capitania teve grande destaque, pois sua exploração foi bem-sucedida, principalmente devido ao cultivo e produção do açúcar, responsável por mais da metade das exportações brasileiras. O sucesso da lavoura açucareira atraiu investimentos de outros colonos portugueses. O povoado de Olinda prosperou, tanto que, em 1537, o povoado foi elevado à categoria de vila, tornando-se um dos mais importantes centros comerciais da colônia. Em 1630, no entanto, os holandeses invadem Olinda e conquistam Pernambuco. A vila foi incendiada em 1631, como resultado dos contra-ataques portugueses, e Recife torna-se, então, o centro administrativo da capitania, crescendo sob a administração dos holandeses. O domínio holandês, sob a administração do conde Maurício de Nassau, provocou mudanças econômicas, sociais e culturais: tolerância religiosa; melhoramento urbano em Recife; incentivo a atividades artísticas e estudos científicos, além de acordos com os senhores de engenho no sentido de minorar suas dívidas e incentivar a produção de açúcar. Os holandeses foram expulsos em 1654 e foi iniciada a lenta reconstrução da vila de Olinda. Os anos de guerra e os conflitos internos abalaram a economia da capitania e, com o crescimento de outras regiões da colônia, Pernambuco perdeu sua supremacia econômica. Foi, também, no século XVII, que se formou o quilombo dos Palmares, o maior centro de resistência negra à escravidão do período colonial. Parte dele localizava-se em terras da capitania de Pernambuco e era formado por escravos fugitivos. Foi destruído em 1690, por Domingos Jorge Velho, após quase um século de existência. Pernambuco foi palco de diversos conflitos e revoltas. A guerra dos mascates, em 1710 e 1711, apresentou-se como um embate entre interesses imediatos de comerciantes portugueses – concentrados em Recife, pejorativamente chamados de mascates – e senhores de engenho, assentes em Olinda. A já existente rivalidade entre as duas cidades, que expressava uma disputa de poder político entre os dois grupos mencionados, acentuou-se em 1710, com a elevação do povoado de Recife à categoria de vila, independente de Olinda que, a partir de então, entraria em declínio, perdendo o status de capital para a rival logo em 1711. Em 1817, outro conflito eclodiria na capitania, a Revolução Pernambucana, que marcou o período de governo de d. João VI como um dos principais movimentos de contestação ao domínio português. Em meio a esse clima, a dissolução da Assembleia Constituinte, em 1823, e a outorga da Constituição de 1824 por d. Pedro I geraram violenta reação de Pernambuco. Após a tentativa de destituição de Manuel Paes de Andrade da presidência da província, para a nomeação de Francisco Pais Barreto pelo Imperador, acirraram-se as tensões, abrindo caminho para um movimento contestador: a Confederação do Equador – grande movimento revolucionário de caráter separatista e republicano que se estendeu por grande parte do nordeste brasileiro e teve Pernambuco como centro irradiador.

[4] ORDEM DO CARMO: a ordem dos Carmelitas surgiu no século XII, por volta de 1177, na região de Monte Carmelo, na Palestina, região onde o profeta Elias teria se estabelecido, seguindo uma vida eremítica de oração e silêncio. Sua migração para o Ocidente ocorreu no século XIII, quando foi elevada à categoria de ordem mendicante pelo papa Inocêncio IV. Além de tomar como exemplo o ideal de vida simples representado pelo profeta, adota a Virgem Maria com símbolo. A Ordem é dividida em quatro segmentos: a dos Frades, Ordem Primeira; a das Monjas, Ordem Segunda; e a dos Terceiros, os quais são divididos em seculares, sendo compostos também por leigos, e por fim os regulares. Os Carmelitas passaram, na Espanha, por um movimento de renovação com Santa Tereza de Prea e São João da Cruz no século XVI, o que ocasionou a divisão da Ordem em Carmelitas Calçados, que seguiam a norma antiga, e os Carmelitas Descalços, seguidores do novo movimento. A Ordem Terceira do Carmo, ramo composto pelo grupo de membros leigos dos carmelitas da Antiga Observância ou Carmelitas Calçados, tem como finalidade ajudar os seus membros em âmbito universal, ou seja, independe da localidade da filial, esteja ela na América portuguesa ou em Portugal. Entretanto, para serem recebidos nas diferentes localidades, os seus membros deveriam pagar uma taxa. A ajuda da Ordem não se limitava apenas ao aspecto espiritual, mas também ao material, devendo os membros contribuírem com tais obrigações. A Ordem veio para o Brasil com a aprovação do cardeal d. Henrique, rei de Portugal, em 1580. O objetivo inicial era fortalecer a colonização da Paraíba, como forma de evitar possíveis invasões de franceses e outros estrangeiros através da Baía da Traição. Apesar do fracasso dos cinco primeiros freis, a Ordem Carmelita se manteve na província, fundando, em 1583, o primeiro convento em Olinda, seguido pelas fundações da Bahia (1586), Santos (1589), Rio de Janeiro (1590) e São Paulo (1596). Por sua vez, a instalação das Ordens Terceiras, durante o período colonial, estava relacionada à fundação dos conventos da Ordem Primeira do Carmo. Para entrar na Ordem Terceira era necessário entregar um formulário contendo informações da sua vida e costumes ao secretário da congregação. Além disso, eram excluídos da Ordem pessoas de baixa condição e que possuíssem ascendência negra, escrava, forra ou mulata. Excluíam-se também adeptos à religião judaica. O processo seletivo para o ingresso nessas ordens eram aqueles colocados pelo estatuto de “limpeza de sangue”. No caso das mulheres, era necessário que apresentassem uma licença de seus maridos para ingressarem à ordem, caso fossem solteiras a aprovação era de seu pai. Após a aprovação era preciso que o futuro membro passasse por um período denominado noviciado, no qual eram ensinadas as regras da associação e educação religiosa.

[5] RIBEIRO, PADRE JOÃO (1766-1817): o padre João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro nasceu em Tracunhaém, Pernambuco, filho de família humilde. Seguiu carreira religiosa, tornando-se discípulo e grande amigo do padre Manuel Arruda Câmara – médico e naturalista, fundador da primeira loja maçônica do Brasil, o Areópago de Itambé. Desenvolveu intensa atividade intelectual, entrando em contato com as ideias liberais e revolucionárias, principalmente durante o período em que estudou na Europa – para aperfeiçoar seus estudos e sagrar-se sacerdote, estudou no Colégio dos Nobres em Lisboa. Voltando ao Brasil, foi indicado ao Seminário de Olinda, no qual ocupou a cadeira de professor de desenho, além de administrar o hospital em Paraíso. Participava ativamente da difusão dos ideais revolucionários, integrando o Areópago de Itambé e, posteriormente, as sociedades secretas que o sucederam. Foi preso em 6 de março de 1817, a mando do governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, acusado de tramar a rebelião. Solto no mesmo dia em consequência da deflagração da insurreição, atuou como representante eclesiástico na junta de governo, durante o governo provisório, sendo uma das figuras mais emblemáticas da revolução pernambucana de 1817. Com a derrota das tropas rebeldes, entre a fuga e a prisão, optou pelo suicídio. Seu corpo foi desenterrado três dias após o sepultamento sob ordens do Marechal de Melo, e teve sua cabeça cortada e fincada em um poste em Recife junto ao pelourinho para servir de exemplo aos simpatizantes das revoltas liberais.

[6] JORGE, DOMINGOS TEOTÔNIO (?-1817): membro de uma família rica, tornou-se militar, ocupando o posto de capitão do regimento de artilharia em Pernambuco. Por possuir inclinações políticas e religiosas, integrou as academias do Cabo e do Paraíso, onde teve contato com as ideias revolucionárias. Preso no dia 6 de março por ordem do governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro por conspirar pelo movimento conhecido como revolução pernambucana, acabou libertado quando da deflagração da insurreição e, no dia seguinte, comandou o exército contra a resistência do governador. Com a vitória da rebelião, tornou-se membro do governo provisório e general das armas. Teve importante papel durante a deflagração da insurreição, sendo o responsável pela tentativa de um acordo de rendição e ocupando amplos poderes de comando após a dissolução da junta governamental. Na iminência da derrota perante as forças reais, fugiu de Olinda no dia 20 de maio, junto com todos os membros do governo, para o engenho do Paulista onde, após o suicídio do Padre João Ribeiro, o exército rebelde encontrou abrigo. Refugiou-se nos arredores do engenho Inhamã com José de Barros Lima e o padre Pedro de Souza Tenório, onde foi encontrado pelas forças realistas e preso. Julgado pela comissão militar por crime de alta traição, foi sentenciado à morte e executado a 10 de Junho de 1817. Após o enforcamento, sua cabeça e mãos foram cortados e fincados em diferentes locais de Pernambuco, seguindo as normas da legislação portuguesa.

[7] LIMA, JOSÉ DE BARROS (c.a.1764-1817): morador de Recife, capitão de artilharia e adepto aos ideais da Revolução Pernambucana. Foi o responsável pela insurreição do dia 6 de março de 1817 quando, depois de receber ordem de prisão do brigadeiro, sob suspeita de participação na conspiração que visava instaurar uma república, reagiu e matou o seu superior militar. Depois de conseguir o apoio das tropas, soltou os presos participantes da rebelião, forçou a capitulação do erário e, em seguida, tomou parte no cerco e rendição do governador na fortaleza de Brum. Durante o período do governo revolucionário, participou ativamente das batalhas. Em 26 de março de 1817, recebeu a promoção a coronel de artilharia. Deixou o Recife no fim da revolta, dirigindo-se para o engenho do Paulista, onde presenciou a dispersão das tropas. Acabou por se refugiar no engenho de Inhamã com Domingos Teotônio Jorge. Descoberto, foi preso e condenado à morte pela junta militar responsável pela punição dos envolvidos. De acordo com as determinações da legislação portuguesa para os crimes de alta traição, foi enforcado, decapitado, as suas mãos foram cortadas e colocadas em postes de diferentes localidades.

[8] REALISTAS: termo utilizado para designar os partidários do rei e defensores dos princípios monárquicos.

[9] BANDEIRA REAL: O primeiro pavilhão elaborado especialmente para o Brasil foi a bandeira do principado do Brasil. A signa elaborada em 1645, decorrente da criação do título de príncipe do Brasil a favor de D. Teodósio de Bragança, herdeiro de D. João IV, era formada por uma esfera armilar de ouro em fundo branco. Essa bandeira foi utilizada junto a outros pavilhões portugueses até 1816, quando, em consequência da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, foi instituída a bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, pela carta de lei de 13 de março de 1816. O Brasil teria por armas uma esfera armilar de ouro, em campo azul no centro da flâmula; sobreposta a esta, o escudo real português, representando Portugal e Algarve, e na parte superior da esfera, uma coroa real sobreposta. Ainda segundo a carta, essas novas armas deveriam ser empregadas em todos os estandartes, bandeiras, selos reais e moedas, “assim como em tudo mais em que até agora se tenha feito uso das armas precedentes” (AGUIAR, Marquez de. Carta de Lei pela qual Vossa Magestade ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brazil, e incorporar um só Escudo Real as Armas de Portugal, Brazil e Algarves, para symbolo na forma acima declarada. Rio de Janeiro, 13 de maio de 1816). A bandeira do Reino Unido de Portugal, do Algarve e do Brasil prevaleceu por pouco tempo, já que em 1822, com a Independência, o Brasil passou a ter uma nova bandeira. O novo pavilhão era composto por um retângulo verde, representando a Casa dos Bragança, o losango amarelo, representando a Casa dos Habsburgo, à qual pertencia a imperatriz Maria Leopoldina, com o brasão real no centro, composto pela cruz da Ordem de Cristo, a esfera armilar (insígnia de d. Manuel I), o círculo azul com as estrelas representando as províncias, o ramo de fumo e de café que representavam as riquezas do país, além da coroa real, no primeiro reinado (1822-1831), e a coroa imperial, no segundo (1840-1889).

 

[10] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[11] ALBUQUERQUE, FRANCISCO DE PAULO CAVALCANTI (1793-1880): nascido em Pernambuco, foi proprietário do engenho Suassuna, além de ocupar o posto de capitão-mor de Olinda. Integrou o Areópago de Itambé, a primeira sociedade secreta de adeptos da maçonaria, criada pelo padre Arruda Câmara, que difundiu as ideias liberais da Revolução Pernambucana de 1817. Em 1801, foi denunciado por participar de uma conspiração (chamada de Suassuna em referência ao seu engenho ou de Conjuração dos Cavalcanti) que visava conseguir o apoio de Napoleão Bonaparte para a formação de uma república no Brasil sob seu protetorado. Foi acusado, junto a seus dois irmãos, Luís Francisco de Paula e José Francisco de Paula, e preso. Posteriormente foi inocentado na sentença por falta de provas: o escrivão desembargador José Francisco Maciel Monteiro teria sido subornado por uma quantia de quatro mil réis para sonegar um documento incriminatório do processo. Após o fim do Areópago, continuou engajado no movimento, criando a Academia dos Suassunas no engenho homônimo, que retomava a difusão de ideias revolucionárias. Com a tomada do poder pelo movimento de 1817, foi nomeado pelo governo provisório general de divisão, tornando-se um dos líderes da tropa rebelde, ao lado de Domingos Teotônio Jorge, com o qual entrou em conflito por conta de diferentes concepções acerca dos propósitos da revolução. Em virtude da derrota da rebelião, foi preso nos cárceres da Bahia, permanecendo ali até 1821, quando foi anistiado. Morreu em junho do mesmo ano, oito dias depois de voltar a Pernambuco.

[12] PRIOR: o termo refere-se ao religioso superior de um convento ou de certas ordens monásticas.

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