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Insurreição na Paraíba do Norte

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 15h15 | Última atualização em Quarta, 23 de Dezembro de 2020, 17h45

Comunicado de Matias da Gama Cabral Vasconcelos, coronel da cavalaria miliciana, ao ministro do Reino Antônio de Araújo e Azevedo, conde da Barca, no qual relata o levante em detalhes e descreve os acontecimentos, os preparativos e as traições à Coroa da insurreição que se alastrou desde Recife.

Conjunto documental: Ministério do Reino. Paraíba. Correspondência do presidente da província
Notação: IJJ9 569
Data-limite: 1801-1830
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo: AA
Argumento de pesquisa: revolução, pernambucana
Data do documento: 12 de maio de 1817
Local: Paraíba do Norte
Folha(s): 84 a 89v

Espalhando-se nesta cidade em a tarde do dia sete de março do corrente o rumor de ter havido um grande tumulto na praça do Recife no dia seis antecedente, no dia oito constou com certeza, que esse tumulto não fora menos de que uma insurreição contra os incontestáveis e sagrados direitos do melhor, e mais benfazejo dos príncipes sua majestade fidelíssima, o rei[1] nosso senhor.
A tal notícia o governo interino desta capitania pretendeu entrar em meios de defesa contra os ataques que lhe poderiam fazer os insurgentes de Pernambuco[2] o que todavia não passava de pretensões, pois que o membro militar do dito governo, o tenente coronel da cavalaria de linha Francisco José da Silveira[3] paliava e iludia o efeito das mesmas ordens que se passavam ser ele aferrado ao partido dos rebeldes, como logo se vem a conhecer.
Teve ordem para aprontar o regimento da cavalaria miliciano do meu comando que logo se destacaram duas companhias por todas as entradas por onde pudessem vir os malvados: pus debaixo das minhas vistas outra companhia, e fez aviso às demais para se ajuntarem, o que se desgraçadamente se inutilizou, por quanto, desaparecendo desta cidade em à noite do dia doze do referido março o ouvidor André Alves Pereira Ribeiro Cirne[4] e fazendo-se pública a sua deserção logo nessa manhã do dia treze, efetuavam a revolução de que se apresentavam chefes, Estevão José Carneiro da Cunha[5] tenente coronel do batalhão de linha desta mesma cidade, e seu cunhado Amaro Gomes Coutinho[6], coronel do regimento miliciano de brancos, fazendo-se entre eles o referido Silveira membro do governo, uma capitulação, cuja simulação foi logo por todos conhecida, vendo-se entrar o mesmo Silveira no dia dezesseis em o governo dos pérfidos, que eles o intitularam provisório, e que só foi eleito por meia dúzia de alistados na infernal maçonaria[7] os quais haviam preparado pelos campos alguma força que foi apresentada na manhã do dia quinze.
Desnecessário é dizer a vossa excelência quanto foi sensível a maior parte do povo uma tal catástrofe nunca ouvida em portugueses, em brasileiros, que sempre se mostraram tão devotos de seus soberanos, e mesmo por certo me faltaria expressões para a significar. Afirmo contudo a vossa excelência, que a consternação transluzia no rosto dos desgraçados, a quem surpreendera uma força armada, a qual não puderam resistir por lhe faltarem todos os meios, estando os rebeldes apavorados de todas as munições de guerra, e por maior desgraça desolado este país de uma forma destruidora.
Prevendo logo os informes que eu não me aliaria ao partido depois de me demitirem do serviço, o que eu lhes requeri, passaram a abolir o meu regimento de que eles justamente se revelavam o que todavia não me desanimou para o outro projeto que se havia formado, pois que eu contava com a fidelidade e amor dos meus soldados cujos direitos sempre respeitei, além disto procuravam esses monstros, que o inferno vomitara que eu fosse assassinado, o que eu soube iludir desaparecendo por dias, a minha casa, e entranhando-me nas trilhas.
Apenas rebentara a mina da negrura quando todos ainda tremiam, tratei de animar algumas pessoas que comigo entrassem na defesa da causa de sua majestade, sem respeitar ao perigo, que se me atirava por que em verdade me era mais doce morrer nos campos da honra, do que em consternação. Encontrei com efeito vassalos fiéis que se apresentaram a unir-se a mim a custa de alguns discursos acompanhados de apropriadas liberalidades reduzi ao meu partido os habitantes do presídio do Cabedelo onde está assentada a fortaleza que defende a barra porque se entra para esta cidade. O mesmo foi quanto aos habitantes das praças de Santo Antônio Lucena, Fagundes, Tambaú, Forte Velho, Mumbabas, e parte da Ribeira do Paraíba, e não me esqueci desta mesma cidade onde os rebeldes tinham posto sua maior fortificação.
Assim dispostas as causas tratei com os de Cabedelo assaltarem eles a fortaleza em a noite do dia três do corrente, e tendo que a tiverem ganhado dispararem dois tiros de peça de grande calibre, que me servirem de sinal no meu quartel do Engenho dos Reis onde eu estava com as tropas que pudesse ajuntar, além de meu regimento, e servissem da mesma sorte se sinal dos habitantes das referidas praças para que ali rompessem a contra revolução e comuniquei isto mesmo ao capitão João Alves Sanches Massa que se havia encarregado de fazer atacar junto com seu filho e sargento mor das ordenanças Antônio Gualdino Alves da Silva a Vila do Pilar - povoação de Itabaiana onde os insurgentes tinham alguns partido reservando-me a vir logo atacar esta cidade.
Por mercê do céu que nunca abandonou a causa da justiça, não se perderam as minhas medidas. Às nove horas da noite do predito dia três rompeu o sinal nos dois tiros de peça estando em alerta com a minha gente, e dispondo-me logo a marchar para esta cidade, fui interrompido pela notícia de estarem em perigo as tropas que haviam marchado para o Pilar e Itabaiana por cuja razão tomei a resolução de ir em seu socorro como foi mimdo-me a elas com as minhas forças no engenho de Santa Ana, donde marchamos para esta cidade no dia cinco, parando na povoação de Santa Rita pouco mais de três léguas desta mesma cidade, e na mesma povoação se nos uniram os índios das vilas do Conde, e Aleandra cujos capitães mores eu atraíra para o meu partido.
No fim da tarde do mesmo dia cinco apareceram em dita povoação da Santa Rota o padre vigário desta cidade, e guardião de São Francisco digo dos franciscanos, acompanhando de um oficial e miliciano pedindo-nos capitulação para bem da humanidade, a qual foi concedida na manhã do dia seis, estando as novas tropas já na estrada desta mesma cidade, e isto por nos parecer  horroroso, envolver a tantos inocentes na perda de meia dúzia de malvados. Entramos logo para essa cidade de que tomamos conta em nome de sua majestade, nomes sagrados, que com lágrimas de prazer retumbava de todas as partes, e foi então um espetáculo interessante ver-se as mesmas crianças gritando em som entrecortado de expressão de alegria: viva o nome do rei.
Estabelecido pois assim a causa de sua majestade, depois de sossegado o tumulto das armas, logo no dia sete fizemos restabelecer o governo interino na conformidade do alvará de doze de dezembro de mil setecentos e setenta, e como que o povo ficou satisfeito, e temos lido a consolação de recebermos todos os dias notícias oficiais de se restituírem à vassalagem de sua majestade às dependências desta capitania que só estavam sujeitas aos rebeldes por falta de apoio que as protegesse.
Para melhor servir a causa de sua majestade, empregar-me sem alguma interrupção no arranjo e disciplina das tropas, me escusei de entrar no dito governo interino, o qual por esse motivo me deu a nomeação que levo a presença de vossa excelência, e este meu procedimento me parece tanto mais necessário ao real serviço, por termos ainda contra nós os insurgentes e por ora não julgamos conveniente e o esperamos fazer tanto que melhores circunstâncias se aproximarem, pois que a temeridade seria sem desculpa arriscar antes do tempo da grande causa de sua majestade.
O governo interino até agora tem feito por proceder bem. Porém o zelo à causa de sua majestade[8] me obriga a declarar a vossa excelência que o fim da mesma causa requer que sua majestade sem demora faça vir o governador que o mesmo senhor tiver nomeado, ou agora houver por bem nomear. Se aqui tivesse um governador ativo que soubesse em tempo punir insolentes, e cortar intrigas, talvez não estendesse a esta infeliz capitania o mesmo de Pernambuco que só se infectou um punhado de orgulhosos entre os quais foram as famílias dos Albuquerque Maranhões[9].
Também será conveniente ao real serviço que sua majestade da mesma sorte sem demora faça vir para esta capitania o ouvidor geral for servido nomear, na véspera da revolução desapareceu, como disse, o que aqui servia. Até agora não há notícia dele, e sendo possível que ele se restitua, tanto que souber da restauração, pois que aqui deixou mulher e filha, é certo, ou ao menos de muita probabilidade, que esse ministro já não poderá servir bem nem merecer a confiança do povo que para qualquer procedimento se persuadirá de quem em lugar de servir a justiça, serve a sua vingança particular.
Eis pois o estado, em que até hoje se acha aqui a causa de sua majestade, a qual sempre zombará de tentativas da perfídia. Esta conduta que eu, pequeno, porém muito leal vassalo de sua majestade até hoje tenho guardado, e afirmo a vossa excelência que ela não há de ter degeneração. Suplico portanto a vossa excelência se designe de elevar a minha tosca exposição à augusta presença de sua majestade, e protesto a vossa excelência que eu julgarei bem logradas todas as minhas fadigas se tiver alguma fortuna de merecer do meu adorável rei e senhor o conceito de fiel, e mais leal vassalo.
Deus guarde por muitos anos a preciosa vida de vossa excelência para o bem do serviço da monarquia portuguesa. Cidade da Paraíba do Norte[10], 12 de maio de 1817.
Ilustríssimo e excelentíssimo senhor Conde da Barca[11].
Mathias da Gama Cabral Vasconcelos[12]
Coronel da cavalaria miliciana.

 

 

[1] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] PERNAMBUCO: a capitania de Pernambuco foi uma das subdivisões do território brasileiro no período colonial. Em 9 de março de 1534, essas terras foram doadas ao fidalgo português Duarte Coelho Pereira, que fundou Recife e Olinda (primeira capital do estado) e iniciou a cultura da cana-de-açúcar e do algodão, que teriam importante papel na história econômica do país. A capitania, originalmente, estendia-se por 60 léguas entre os rios Igaraçu e São Francisco, e era chamada de Nova Lusitânia. Nos primeiros anos da colonização, junto com São Vicente, a capitania teve grande destaque, pois sua exploração foi bem-sucedida, principalmente devido ao cultivo e produção do açúcar, responsável por mais da metade das exportações brasileiras. O sucesso da lavoura açucareira atraiu investimentos de outros colonos portugueses. O povoado de Olinda prosperou, tanto que, em 1537, o povoado foi elevado à categoria de vila, tornando-se um dos mais importantes centros comerciais da colônia. Em 1630, no entanto, os holandeses invadem Olinda e conquistam Pernambuco. A vila foi incendiada em 1631, como resultado dos contra-ataques portugueses, e Recife torna-se, então, o centro administrativo da capitania, crescendo sob a administração dos holandeses. O domínio holandês, sob a administração do conde Maurício de Nassau, provocou mudanças econômicas, sociais e culturais: tolerância religiosa; melhoramento urbano em Recife; incentivo a atividades artísticas e estudos científicos, além de acordos com os senhores de engenho no sentido de minorar suas dívidas e incentivar a produção de açúcar. Os holandeses foram expulsos em 1654 e foi iniciada a lenta reconstrução da vila de Olinda. Os anos de guerra e os conflitos internos abalaram a economia da capitania e, com o crescimento de outras regiões da colônia, Pernambuco perdeu sua supremacia econômica. Foi, também, no século XVII, que se formou o quilombo dos Palmares, o maior centro de resistência negra à escravidão do período colonial. Parte dele localizava-se em terras da capitania de Pernambuco e era formado por escravos fugitivos. Foi destruído em 1690, por Domingos Jorge Velho, após quase um século de existência. Pernambuco foi palco de diversos conflitos e revoltas. A guerra dos mascates, em 1710 e 1711, apresentou-se como um embate entre interesses imediatos de comerciantes portugueses – concentrados em Recife, pejorativamente chamados de mascates – e senhores de engenho, assentes em Olinda. A já existente rivalidade entre as duas cidades, que expressava uma disputa de poder político entre os dois grupos mencionados, acentuou-se em 1710, com a elevação do povoado de Recife à categoria de vila, independente de Olinda que, a partir de então, entraria em declínio, perdendo o status de capital para a rival logo em 1711. Em 1817, outro conflito eclodiria na capitania, a Revolução Pernambucana, que marcou o período de governo de d. João VI como um dos principais movimentos de contestação ao domínio português. Em meio a esse clima, a dissolução da Assembleia Constituinte, em 1823, e a outorga da Constituição de 1824 por d. Pedro I geraram violenta reação de Pernambuco. Após a tentativa de destituição de Manuel Paes de Andrade da presidência da província, para a nomeação de Francisco Pais Barreto pelo Imperador, acirraram-se as tensões, abrindo caminho para um movimento contestador: a Confederação do Equador – grande movimento revolucionário de caráter separatista e republicano que se estendeu por grande parte do nordeste brasileiro e teve Pernambuco como centro irradiador.

[3] SILVEIRA, FRANCISCO JOSÉ DA (1779-1817): Nascido na Fazendo do Córrego Fundo, capitania de Minas Gerais, foi coronel de cavalaria, detentor do hábito da Ordem de Cristo e membro do governo interino da Paraíba, cargo que ocupava quando recebeu as notícias dos primeiros acontecimentos de março de 1817. Contrário à Revolução Pernambucana, foi preso pelos partidários da República. Durante o período de cárcere, se converteu, tornando-se adepto da doutrina democrática e, por fim, retornando ao poder e ao exercício da administração pública como membro do Governo Provisório. Com o fracasso da Revolução e a Restauração Monárquica, foi preso e executado no Campo do Erário a 21 de agosto de 1817. Assim como outros revolucionários condenados à morte, teve sua cabeça e mãos amputados e salgados, e expostos nos principais locais da Paraíba, como advertência.

[4]CIRNE, ANDRÉ ALVES PEREIRA RIBEIRO (1774-1850): nascido no Rio de Janeiro, formou-se em leis pela Universidade de Coimbra. Foi nomeado, em 1810, ouvidor da comarca da Paraíba do Norte e, em março de 1817, durante a Revolução Pernambucana, fazia parte do triunvirato que governava interinamente a Paraíba devido à morte do governador Antônio Caetano Pereira. Ao tomar conhecimento dos acontecimentos de Recife e da aproximação das forças revolucionárias, fugiu para o sertão, refugiando-se num esconderijo em Painço, de onde só saiu após a repressão ao movimento e o fracasso da revolução.

[5] CUNHA, ESTEVÃO JOSÉ CARNEIRO DA (1762-1832): natural de Recife, serviu no regimento da artilharia de Pernambuco, passou a Cavaleiro da Ordem de São Bento de Aviz e, em 6 de março de 1817, quando teve início a Revolução Pernambucana, encontrava-se no posto de tenente-coronel, comandante das tropas de linha da Paraíba. Cunhado de general Amaro Gomes da Silva Coutinho, com quem partilhava os ideais de liberdade, participou ativamente na luta pela independência da capitania. Desconfiado de um iminente fracasso da revolução, diante do bloqueio baiano sobre Pernambuco e da escassez de recursos, entre outras dificuldades que observava, adotou uma postura de prudência, defendendo o abrandamento das medidas adotadas pela Junta do Governo Provisório e pelo general. De fato, com a queda da república recém-conquistada, fugiu para Pernambuco e de lá para a Inglaterra, onde permaneceu até a Revolução do Porto, em 1821, que o absolveu e permitiu seu regresso.

[6] COUTINHO, AMARO GOMES DA SILVA (1774-1817): cavalheiro da Ordem de Cristo, Coronel do regimento de milícias brancas de Pernambuco, e senhor de terras na província, Amaro Gomes da Silva Coutinho é reconhecido historicamente pelo papel fundamental desempenhado na Revolução Pernambucana iniciada a 6 de março de 1817. Defensor aberto dos ideais de liberdade desde dezembro de 1816, contribuiu com as suas qualidades militares para a independência de Itabaiana em 14 de março de 1817, bem como para as insurreições que se seguiram em Taipu, liderada pelo padre Antônio Vieira e na Paraíba em 16 de março com Estevão José da Cunha. Com a deposição das autoridades e a recém-conquistada liberdade pernambucana, Amaro Coutinho foi nomeado general pela Junta do Governo Provisório. Investido deste cargo, lutou intensamente contra a Restauração Monárquica, mas, traído pelo seu próprio regimento, que o abandonou em combate, foi preso e remetido à Comissão Militar de Pernambuco. Em agosto de 1817 foi enforcado no campo da Honra Pernambucana, tendo seu cadáver despedaçado e exposto publicamente.

[7] MAÇONARIA: ver PEDREIROS LIVRE. Membros da maçonaria, sociedade secreta, cujos símbolos representativos são os instrumentos do pedreiro (o triângulo) e do arquiteto (o compasso). O termo maçom provém do inglês mason e do francês maçon, que significa pedreiro, construtor. As associações formadas por cortadores de pedras, que tinham como ofício a construção de castelos e muralhas durante a Idade Média, deram origem à maçonaria moderna. Adotando princípios de fraternidade e filantropia entre seus membros, a sociedade maçônica consagrava o exercício da liberdade, da democracia e da igualdade, em conformidade com os ideais de filósofos iluministas Rousseau e Voltaire e dos enciclopedistas Diderot e D’Alembert, cujas ideias formaram a base das reivindicações dos revolucionários franceses. Buscavam o desenvolvimento intelectual, constituindo-se assim em uma sociedade iniciática, filosófica e educativa. As lojas maçônicas surgiram no Brasil, ainda colônia, no século XVIII, e contribuíram para a formação do seu movimento de emancipação política, a partir da discussão e da difusão dos ideais liberais e democráticos, além da oposição ao regime absolutista. De uma forma geral, estas sociedades secretas buscavam integrar a colônia à política geral da Europa, transformando-a num instrumento de luta contra o absolutismo europeu, nesse caso, a monarquia portuguesa. Em Pernambuco, existiam muitas, como Patriotismo, Restauração e Pernambuco do Oriente, que serviam como locais de encontro para discussão das ideias legadas pela revolução francesa e partilhadas por intelectuais, padres e militares.

[8] ZELO À CAUSA DE SUA MAJESTADE: as ameaças de ruptura com o regime monárquico e entre a colônia e a metrópole, a repressão ao movimento revolucionário de 1817 se organizou para ser forte e exemplar na tentativa de retomada da ordem, levando a que quase todos os líderes fossem executados e seus corpos exibidos em público. O governador da Bahia, conde dos Arcos, deu início à contrarrevolução com o envio de dois navios, equipados e artilhados, para bloquear o porto do Recife e a cidade por mar. Por terra, enviou o marechal Joaquim de Melo Cogominho de Lacerda com 800 homens de todas as armas para evitar que a revolução se espalhasse pelo sul de Pernambuco e pelas outras capitanias. O conde dos Arcos começou a repressão por conta própria, sem esperar pela Corte, convocando comissões militares para julgar os primeiros participantes da revolução presos e levados para a Bahia, inclusive dando ordem de execução, como aconteceu com o padre Abreu e Lima. Foi ele mesmo que emitiu uma comunicação para a Corte, informando sobre o movimento e sobre as primeiras providências que tomara para sufocar a rebelião; emitiu ainda algumas proclamações avisando sobre a marcha das tropas no Recife e prometendo que quem ficasse fiel à revolução seria executado. O príncipe regente mandou equipar uma esquadrilha para dar prosseguimento à repressão e depois enviou um comboio com aproximadamente 3000 homens, comandados pelo marechal Luís do Rego Barreto, que seria também encarregado do governo provisório da capitania. A princípio havia certo pessimismo em relação às forças de repressão: as tropas, além de serem em número pequeno, não estavam bem abastecidas e bem armadas. Entretanto a contrarrevolução soube usar os antagonismos locais entre brasileiros e portugueses e pequenos e grandes negociantes para se beneficiar e rechaçou o movimento em pouco tempo nas cidades, encontrando mais resistência à medida que os revolucionários fugiam para os sertões.

[9]ALBUQUERQUE MARANHÕES: chegando a Pernambuco na primeira metade do século XVI o conquistador do Maranhão Jerônimo de Albuquerque iniciou uma tradição de intensa participação da sua família na construção do império português transatlântico. Em relação aos acontecimentos de 1817, destaca-se a participação de alguns muitos de seus membros em favor da causa republicana, como Jerônimo Albuquerque Maranhão e Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão, na Paraíba, André Albuquerque Maranhão em Natal, e Francisco Albuquerque Maranhão em Recife.

[10] A capitania da Paraíba surgiu em 1574, desmembrada da capitania de Itamaracá, como parte de uma tentativa de expansão e efetiva ocupação de um território até então dominado pela população indígena, que mantinha uma relação "amistosa" com corsários franceses que frequentemente visitavam a região em busca de pau-brasil. Contudo, apenas em 1585 a ocupação da capitania tornou-se realidade, com recursos vindos da coroa portuguesa e em parte, consequência de uma aliança com os índios tabajaras (inimigos das tribos potiguar, que ocupavam a região), resultando na fundação da cidade que viria a se tornar João Pessoa. Inicialmente chamada Nossa Senhora das Neves, nasceu cidade – raro "privilégio" na época – por ter sido fundada pela cúpula da Fazenda Real em capitania da coroa portuguesa. O interesse em uma ocupação efetiva, de caráter político, comercial, administrativo e militar, tinha origem não apenas no desejo de rechaçar as tentativas de ocupação por parte dos franceses, mas também de proteger a única capitania bem sucedida até então: Pernambuco. Após a ocupação pela coroa, a cidade iniciou o crescimento, que seria consequência da implantação da cultura de cana de açúcar.

O sucesso da cultura da cana atraiu novamente o interesse dos holandeses, que invadiram a Paraíba em 1654 e nela permaneceram por 20 anos. Em janeiro de 1756, a capitania da Paraíba foi anexada a de Pernambuco, época em que o algodão começava a ocupar espaço importante na economia regional. No sertão, a pecuária, que deixou de ser atividade complementar para ganhar autonomia, foi fundamental para consolidar a ocupação. A sua autonomia foi restaurada por uma carta régia em 1799, embora núcleos de dependência em termos jurídicos e administrativos tenham sobrevivido.

[11] AZEVEDO, ANTÔNIO DE ARAÚJO E (1754-1817): conde da Barca, iniciou os estudos superiores em filosofia na Universidade de Coimbra, mas acabou dedicando-se ao estudo da história e da matemática. Ingressou na diplomacia a partir de 1787 e, tanto neste campo como na política palaciana, opõe-se seguidas vezes a um dos homens fortes de d. João VI: d. Rodrigo de Sousa Coutinho. Considerado de tendências “francófilas” (em oposição a este último, “anglófilo”), Araújo e Azevedo esteve no centro das delicadas negociações de paz entre Portugal e a França do Diretório, tentando negociar um acordo em 1797. O acordo não foi bem-sucedido e Araújo e Azevedo foi abertamente censurado por seus pares, acusado de não defender os interesses da nação. A situação deteriorou-se ainda mais quando os franceses o acusaram de conspiração e o mantiveram detido por cerca de três meses na Torre do Templo. Entre 1804 e 1808, ocupou os cargos de ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e ministro do Reino. Defendeu a vinda da família real para o Brasil, em 1808, ano em que acaba sendo substituído por d. Rodrigo. Instala-se no Rio de Janeiro, acompanhado de toda a sua biblioteca particular, que viria a compor o acervo bibliográfico inicial da Biblioteca Nacional; uma tipografia completa (que se tornou a base da Imprensa Régia); além de uma coleção de minerais e de instrumentos científicos, que passam a ocupar a maior parte do seu tempo após sua substituição no conselho do Reino. A dedicação às ciências o leva a instalar um laboratório em sua residência, onde produzia licores e aguardentes. Também teria, para alguns autores, participado da vinda da Missão Artística Francesa, em 1816. Seu retorno à política ocorre em 1814, quando é nomeado ministro da Marinha e Ultramar. O título de conde da Barca foi criado especificamente para ele em 1815, pouco depois da concretização do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarve, há tempos defendida por Araújo e Azevedo, e do seu envolvimento nas discussões do Congresso de Viena. Sua ascensão continuou com a nomeação para o cargo de ministro da Fazenda (1816), da Guerra (1816), primeiro-ministro do Reino Unido (1817) e secretário de Estado dos Negócios do Reino (1817). O triunfo político de Araújo e Azevedo foi interrompido por sua morte aos 63 anos.

[12] VASCONCELOS, MATIAS DA GAMA CABRAL: coronel de cavalaria miliciana, comandante das tropas do rei na cidade da Paraíba do Norte, senhor de engenho na mesma região, cavaleiro da Ordem de Cristo, destacou-se na repressão à Revolução Pernambucana de 1817, lutando contra os contingentes revolucionários liderados pelo coronel Amaro Gomes Coutinho na Paraíba. Após a vitória metropolitana e a prisão dos chefes civis e militares acusados de alta traição contra o rei d. João VI, passou a integrar o triunvirato que governaria a Paraíba restaurada.

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