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Autos das perguntas ao padre Francisco de Sales

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 15h14 | Última atualização em Segunda, 11 de Janeiro de 2021, 19h49

Auto de perguntas ao padre Francisco de Sales sobre sua participação durante a revolução pernambucana de 1817, na qual foi acusado de ler uma carta do ouvidor Antônio Carlos Ribeiro de Andrada na Câmara de Olinda; de referir-se a d. João pela alcunha de Pai João; e de ter cantado o Te Deum louvando a Revolução.

Conjunto documental: Processo original dos réus da rebelião de Pernambuco
Notação: códice 7, vol. 09
Data-limite: 1819 - 1819
Título do fundo: Diversos códices - SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: revolução, pernambucana
Data do documento: 23 de janeiro de 1819
Local: Bahia
Folha(s): 25 a 32

Leia esse documento na íntegra

Perguntas ao Padre Francisco de Sales
Ano de nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e dezenove, aos vinte e três de janeiro, nesta Cadeia da Bahia aonde veio o doutor Bernardo Teixeira Coutinho Alvares de Carvalho[1], desembargador do Paço e juiz da Alçada, comigo escrivão dela abaixo assinado, e escrivão assistente o desembargador José Caetano de Paiva Pereira, aqui mandou vir a sua presença ao preso o padre Francisco de Sales[2] vigário tido do Limoeiro, e posto em liberdade deferindo-lhe os juramentos aos santos evangelhos pelo que tocasse a terceiro, lhe fez as perguntas seguintes:
Perguntado seu nome, naturalidade, morada e idade e ocupação.
Respondeu chamar-se Francisco de Sales, natural de Recife de Pernambuco[3], morador da Vila do Limoeiro de que era vigário, de cinqüenta e oito anos, digo cinqüenta e nove anos, presbítero.
Perguntado, quando em que lugar foi preso, e qual foi ou supõe ser o motivo de sua prisão.
Respondeu que fora preso em dezenove de dezembro de mil oitocentos e dezessete na sua própria casa, que supõe fora preso porque no dia quinze de março de mil oitocentos e dezessete fora chamado a Câmara, onde se leram uma carta do ouvidor de Olinda Antônio Carlos[4], e umas proclamações, que tinham coisas contra sua majestade[5], e tocantes a Rebelião[6].
Perguntado, quem foi que o mandou chamar.
Respondeu que foi o comandante do termo o capitão João Ribeiro Pessoa de Lacerda[7], e que em virtude desse chamamento é que foi a Câmara como tem dito.
(...) Instado que declarasse a verdade, porque constava que Manuel Atanásio da Silva Cucharra[8], levava a dita carta do dito ouvidor, e as ditas proclamações que as mostrara ao escrivão da Provedoria Manuel Caetano de Almeida[9], e ao da Correição Mathias José da Silva[10], e também a ele respondente, e que então ele respondente se vestira e pusera os sobrepelos, e estola, e que foram todos os quatro à Câmara, onde lá estava junta, e que lida a dita carta e mais papéis a dita Câmara, mandara arvorar a bandeira branca[11], e lançar um bando[12] para que todos obedecessem aos rebeldes, e que chamaram o povo, e lhe fizera fazer termo de obediência, e que a mesma Câmara, mandara pôr luminárias por três dias, e ao tesoureiro da Sisa e do Selo[13], que entregassem o dinheiro que tivesse no tesouro para se mandar para o Recife, e que mandara avisar ao sargento-mor e aos mais comandantes do termo depois de fazer tudo o que fica dito; o que tudo fizera sem primeiro lhes dar parte, tomando assim o governo da terra, e obrigar a obedecer tudo ao governo dos rebeldes.
Respondeu que não vira ao dito Cucharra, se não em Câmara, aonde também viu aparecer ao escrivão Manuel Caetano, que entrou e saiu, e que não vira o escrivão Mathias José da Silva, nessa tarde, que na Câmara só se leram os ditos papéis, dizendo o dito Comandante que se deviam lançar no livro aqueles papéis, o escrivão começou, mas não sabe ele respondente se acabou ou não de os lançar porque pedindo o dito Cucharra ajuda de custo ao procurador, armou-se questão sobre isto e ele respondente saiu no meio da questão, em que o dito procurador dizia, que o dinheiro da Câmara era de sua majestade e que se não podia dar porque os corregedores não levariam em conta, e que quem mandou lhe pagasse e que ele respondente da chimarra (sic) fora sem sobrepêlos e estola, e que a Câmara não mandou arvorar a bandeira branca, nem lançar o bando, e que também não se fez nessa ocasião o termo de obediência, e que nada mais se fez que ler os ditos papéis, e proclamações, que nesse dia não estava na Câmara, o vereador José da Silva Monteiro por morar longe, nem o juiz Carlos Leitão, e o vereador João Francisco só chegou segundo ele respondente ouviu dizer depois da Câmara fechada, e que estavam o juiz, José Francisco de Arruda, o vereador e José da Costa Gomes Junior, e o procurador José Joaquim de Aragão.
(...)
Perguntado, em que dia foi que ele respondente saiu pela rua com uma carta fechada na mão, dizendo que nela seu irmão lhe mandara dizer, que a cidade da Bahia era a favor de seu novo Estado de Rebeldes, e que também o era o exército que dela vinha, e que sua majestade a quem dava o nome de Pai João não tinha se não uma fragata velha e que indo algumas pessoas na sua casa para que lhe deixasse ler, ele lhes dissera que a queimara, mas que perguntassem a Domingos Mendes, que o tinha lido.
Respondeu, que não saia à rua com carta alguma fechada, na sua mão, nem disse a pessoa alguma que a tinha queimado, e perguntassem a Domingos Mendes o que ela continha, nem disse coisa alguma da Bahia, e exército, nem também da Fragata de sua majestade, que sempre respeitou, e nunca lhe tratou por Pai João.
(...)
Perguntado, se dizia ele respondente que só a Pátria[14] se deve servir e não as testas coroadas que ele antes queria dar o pescoço ao Cutelo que o pé a corrente.
Respondeu que nunca dissera coisa alguma dos conteúdos na instância antes pelo contrário sempre falou contra o sistema revolucionário e republicano, porque todas as que tinha conhecido pela história tinham acabado.
Perguntado, se disse uma vez na Sacristia que andaram por ali uns poucos "de marotos", a querer fazer contra-revolução, que havia de escrever ao Governo Provisório[15], que lhe mandasse para ali uma companhia, que depois havia de pedir ao comandante que mandasse ajuntar a gente toda, e separar os patriotas[16] dos realistas[17], e dar fogos sobre estes, e que tinha os seus escravos armados e quatro filhos para servirem à pátria, e que Pernambuco era inconquistável.
Respondeu que nada disse do que se refere na instância, e que se as testemunhas disseram o contrário foram a isso induzidas pelo dito comandante capitão João Ribeiro, seu inimigo, cuja inimizade procedeu dele respondente proteger os negociantes daquela vila, que eram quase todos europeus.
Perguntado, se "cantou" na sua igreja o Te Deum Laudamos em ação de graças pela Rebelião, se dizia ao povo, que não plantassem algodão[18], mas sim mandioca para sustentarem as tropas da pátria; se for uma festa de ação de graças pela rebelião, se dizia também que ele estava pronto para dar 100 mil Réis a sua majestade, a quem chamava de Pai João, começar sua vida como começaram todos os marinheiros, entendendo por essas palavras os europeus quando chegaram ao Brasil.
Respondeu que nada dissera do que se refere na instância e que tudo isso são imposturas que haviam de dizer as testemunhas o dito Capitão Comandante, e que ele respondente sempre foi amigo dos europeus, e todos os seus ascendentes masculinos são europeus, e que não lia as proclamações quando lhes remetiam que as amostrava a algumas pessoas, mas que lhes não deixava a ler e as guardava, e que no dia quinze de abril lhe mandou dizer o dito capitão comandante pelo capitão Antonio José de Moura Varejão que o denunciaria e o remeteria ao povo ao seu presente João Ribeiro, por não ter feito ação de graças, e não ter lido publicamente as proclamações que seu tio sargento mor lhe havia remetido.
(...)
Instado que dissesse a verdade, porque ele respondente somente aparecera na vila doze dias depois de levantadas as bandeiras, e que antes não houvera notícia dele, que os realistas quando vieram para a vila se juntaram nos dias anteriores contra os rebeldes tiveram por seu comandante Manuel José de Medeiros, que este foi sempre o comandante deles no Limoeiro, até depois do bloqueio do comandante Rodrigo Lobo tomar conta do Governo, que este mesmo foi o que mandou o ... a Pau de Alho, e não outro comandante, e que os realistas ao dia vinte e nove mandaram diversas vezes ao Capitão José da Silva Monteiro para o prender, para ele não reunir a sua companhia contra eles, que os mesmos homens que o procuraram o conduziram no dia vinte e oito a noite perante o dito Medeiros e protestando ali que o queria ser realista, e ajuntar-se aquela tropa e Medeiros o deixou solto, e no outro dia o trouxe consigo para o Limoeiro, e nestes termos não poderia ser ele o mandante no dia trinta, por que nem o Medeiros que vinha comandante o havia de consentir nem os realistas, que o tinham ficado e levado a presença do dito Medeiros na dita noite.
Respondeu que voltou na manhã do dia trinta como tem dito = que quando chegou, estava comandando o dito capitão José da Silva Monteiro, dando ordens ao dito Medeiros e aos mais capitães, e no terceiro ou quarto dia depois da contra-revolução, chegando o sargento-mor Comandante Pedro Clemente focaram comandando ele, Dito Monteiro e Medeiros, e que saindo depois para Pau de Alho o dito Monteiro com o auxílio que para lá foi, ficaram comandando os ditos dois.
E por esta maneira houve ele Ministro estas perguntas por findas que lidas ao respondente disse assim estar em conformes, da qual damos nossa fé e assinou com ele juiz da Alçada, escrivão assistente, e eu João Osório de Castro Souza Falcão, que o escrevi e assinei.
Francisco de Sales
José Caetano de Paiva Pereira
João Osório de Castro Souza Falcão

 

[1] CARVALHO, BERNARDO TEIXEIRA COUTINHO ALVARES DE (1753-1843): Foi desembargador do Paço e presidiu o Tribunal da Alçada que julgou os envolvidos na Revolução Pernambucana, substituindo a Comissão Militar comandada por Luís do Rego. O tribunal sob sua presidência foi caracterizado por ser excessivamente repressor e rigoroso no julgamento dos indiciados.

 

[2] SALES, PADRE FRANCISCO DE: Francisco de Sales Pereira da Silva era natural do Recife, morador da Vila do Limoeiro, da Comarca de Olinda, e vigário condecorado com o hábito de Cristo. Durante a Revolução Pernambucana, exortou o movimento, chegando a entoar o Te Deum, na igreja matriz, em louvor ao movimento. Continuou lutando pela causa revolucionária, mesmo após o capitão–mor da mesma vila e arredores voltar-se para a causa dos realistas. Preso como um dos líderes, teria sido julgado pela Alçada, não fosse sua libertação em virtude da revolução do Porto, em 1821.

 

[3] PERNAMBUCO: A capitania de Pernambuco foi uma das subdivisões do território brasileiro no período colonial. Em 9 de março de 1534, essas terras foram doadas ao fidalgo português Duarte Coelho Pereira, que fundou Recife e Olinda (primeira capital do estado) e iniciou a cultura da cana-de-açúcar e do algodão, que teriam importante papel na história econômica do país. A capitania, originalmente, estendia-se por 60 léguas entre os rios Igaraçu e São Francisco, e era chamada de Nova Lusitânia. Nos primeiros anos da colonização, junto com São Vicente, a capitania teve grande destaque, pois sua exploração foi bem-sucedida, principalmente devido ao cultivo e produção do açúcar, responsável por mais da metade das exportações brasileiras. O sucesso da lavoura açucareira atraiu investimentos de outros colonos portugueses. O povoado de Olinda prosperou, tanto que, em 1537, o povoado foi elevado à categoria de vila, tornando-se um dos mais importantes centros comerciais da colônia. Em 1630, no entanto, os holandeses invadem Olinda e conquistam Pernambuco. A vila foi incendiada em 1631, como resultado dos contra-ataques portugueses, e Recife torna-se, então, o centro administrativo da capitania, crescendo sob a administração dos holandeses. O domínio holandês, sob a administração do conde Maurício de Nassau, provocou mudanças econômicas, sociais e culturais: tolerância religiosa; melhoramento urbano em Recife; incentivo a atividades artísticas e estudos científicos, além de acordos com os senhores de engenho no sentido de minorar suas dívidas e incentivar a produção de açúcar. Os holandeses foram expulsos em 1654 e foi iniciada a lenta reconstrução da vila de Olinda. Os anos de guerra e os conflitos internos abalaram a economia da capitania e, com o crescimento de outras regiões da colônia, Pernambuco perdeu sua supremacia econômica. Foi, também, no século XVII, que se formou o quilombo dos Palmares, o maior centro de resistência negra à escravidão do período colonial. Parte dele localizava-se em terras da capitania de Pernambuco e era formado por escravos fugitivos. Foi destruído em 1690, por Domingos Jorge Velho, após quase um século de existência. Pernambuco foi palco de diversos conflitos e revoltas. A guerra dos mascates, em 1710 e 1711, apresentou-se como um embate entre interesses imediatos de comerciantes portugueses – concentrados em Recife, pejorativamente chamados de mascates – e senhores de engenho, assentes em Olinda. A já existente rivalidade entre as duas cidades, que expressava uma disputa de poder político entre os dois grupos mencionados, acentuou-se em 1710, com a elevação do povoado de Recife à categoria de vila, independente de Olinda que, a partir de então, entraria em declínio, perdendo o status de capital para a rival logo em 1711. Em 1817, outro conflito eclodiria na capitania, a Revolução Pernambucana, que marcou o período de governo de d. João VI como um dos principais movimentos de contestação ao domínio português. Em meio a esse clima, a dissolução da Assembleia Constituinte, em 1823, e a outorga da Constituição de 1824 por d. Pedro I geraram violenta reação de Pernambuco. Após a tentativa de destituição de Manuel Paes de Andrade da presidência da província, para a nomeação de Francisco Pais Barreto pelo Imperador, acirraram-se as tensões, abrindo caminho para um movimento contestador: a Confederação do Equador – grande movimento revolucionário de caráter separatista e republicano que se estendeu por grande parte do nordeste brasileiro e teve Pernambuco como centro irradiador.

 

[4] SILVA, ANTÔNIO CARLOS DE ANDRADA E (1773-1845): Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, irmão de José Bonifácio, era natural de São Paulo, formado em filosofia e direito pela Universidade de Coimbra. Ao retornar ao Brasil, tornou-se juiz de fora em Santos, foi agraciado com o hábito da Ordem de Cristo e, em 1815, escolhido como primeiro ouvidor da comarca de Olinda. Em Pernambuco, entrou em contato com os ideais revolucionários [revolução pernambucana] e tornou-se um dos seus principais adeptos, participando das Academias do Cabo e do Paraíso – lojas maçônicas onde as ideias revolucionárias eram discutidas. Com o estabelecimento do governo provisório, foi nomeado conselheiro de Estado, defendendo a tolerância religiosa e destacando-se como um dos principais colaboradores na concepção das leis orgânicas que garantiriam a liberdade de consciência. Durante o bloqueio de Olinda, trabalhou na capitulação dos revolucionários, mas foi obrigado a fugir, junto com os demais membros do governo provisório. Preso em 4 de junho de 1817, foi levado aos cárceres da Bahia e no seu processo de julgamento teria repudiado os ideais revolucionários nos quais acreditava. Foi posto em liberdade com a anistia geral após a Revolução do Porto, em 1821, sendo eleito, por São Paulo, como deputado nas Cortes de Lisboa. Participou, também, do movimento de independência e do golpe da maioridade.

 

[5]JOÃO VI, D. (1767-1826): Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

 

[6]REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA: Movimento político de inspiração liberal ocorrido em 1817, durante o período joanino, que teve sua origem na insatisfação geral de grande parte da população, cujas motivações eram diversas: as tensões entre brasileiros e portugueses, fruto do excessivo controle do comércio e dos cargos civis e militares mais elevados por parte dos lusos; a insatisfação das elites, em especial as elites agrícolas, com a diminuição de sua renda, devido à baixa dos preços de seus produtos e ao aumento do custo da importação de escravos. Já a população em geral sentia-se prejudicada pelo encarecimento dos alimentos de subsistência, além de ressentir-se do aumento de impostos, ocorrido após a instalação da família real portuguesa no Brasil. Tais sentimentos, em um contexto de seca e crise econômica, levaram ao surgimento da revolta contra o governo português. O contato com as ideias liberais e iluministas, a partir da criação do seminário de Olinda, pelo padre Arruda da Câmara – oito anos antes da vinda de d. João ao Brasil – e da loja maçônica Areópago de Itambé – espaço de difusão destes ideais –, levou à formação de um movimento revolucionário e a subsequente disseminação de academias secretas e da maçonaria, também influenciadas por esta ideologia, as quais conseguiram o apoio de diversas camadas descontentes, ansiosas por mudanças políticas e pela separação de partes da região Norte/ Nordeste brasileira do império português. Este movimento conseguiu o apoio de outras capitanias, como Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe e parte do Ceará, que pretendiam fundar uma República nos moldes da francesa após 1789. Tais capitanias conseguiram, através de uma ação conjunta, estabelecer um governo autônomo, não subordinado à Portugal, por cerca de dois meses. A repressão, vinda da Bahia e do Rio de Janeiro, majoritariamente, conseguiu sufocar a revolta em pouco tempo, e catorze líderes da revolta foram condenados por crime de lesa-majestade e foram executados exemplarmente, fora os muitos que sucumbiram em combate e nas prisões.

 

[7] LACERDA, JOÃO RIBEIRO PESSOA DE: Coronel agregado do regimento de infantaria de linha de Recife, era cavaleiro do Hábito de Avis. No início da Revolução Pernambucana, permaneceu fiel ao governador da capitania, Caetano Pinto de Miranda Montenegro refugiando-se com ele na fortaleza de Brum. Contudo, ao liderar o destacamento enviado a Olinda, acabou aderindo ao movimento, motivo pelo qual foi preso pela Alçada e mantido em cativeiro na Bahia, sendo anistiado em 1821.

 

[8] CUCHARRA, MANUEL ATANÁSIO DA SILVA

Escrivão da vila do Limoeiro em Pernambuco, encontrava-se em Recife durante a eclosão do movimento insurgente de 1817. Mostrando-se simpático às causas defendidas pelos revolucionários, passou e divulgá-las na vila onde residia. Entretanto, durante o curso da revolução e da aproximação da vitória dos realistas, renegou suas ideias, aliando-se aos últimos. Mesmo assim, não foi poupado da prisão, sendo detido nos cárceres da Bahia e visto como traidor por seus antigos aliados revoltosos que lá também se encontravam.

 

[9] ALMEIDA, MANUEL CAETANO DE (1753-1844): Nascido em uma família tradicional de Pernambuco, formada pelo casamento entre Joaquim de Almeida, um descendente dos Mascates com uma Sá e Albuquerque, conforme assinala o historiador Evaldo Cabral de Melo no livro O nome e o sangue, Manuel Caetano de Almeida e Albuquerque estudou línguas, geometria e filosofia. Herdou do pai o ofício de escrivão do tesoureiro dos Defuntos e Ausentes, instituição ligada à Mesa de Consciência e Ordens. Pai de Antônio José Vitoriano Borges de Almeida, um dos líderes da Revolução de Pernambuco, também foi defensor das causas insurgentes, chegando a recitar poemas em homenagem à Revolução e à liberdade no dia 8 de março de 1817, além de jurar lealdade à bandeira branca patriota no dia 2 de abril. Foi acusado pela Real Alçada e mantido em cativeiro na cadeia da Bahia. Em virtude da adesão da capitania da Bahia às resoluções da Revolução do Porto, foi posto em liberdade em 10 de fevereiro de 1821.

 

[10] SILVA, MATHIAS JOSÉ DE: Natural e morador de Recife, era escrivão da Correição do ouvidor Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, quem o apresentou às ideias revolucionárias. Participou da Revolução Pernambucana e, acusado por crime de lesa majestade, foi preso na Bahia em 9 de abril de 1817, onde permaneceu até a anistia geral de 1821.

 

[11] BANDEIRA BRANCA: Proclamada a república pernambucana de 1817 [Ver REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA], o pavilhão nacional do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves foi substituído por uma bandeira toda branca. Segundo o historiador Alfredo de Carvalho, “abolindo de golpe a realeza, os republicanos cuidaram também logo da substituição de seus emblemas” (Brasões do Brasil Republicano, 1904). Sem demora, a bandeira branca provisória – símbolo das intenções pacíficas do movimento – foi ganhando cores: o branco permaneceu na parte inferior, onde há uma pequena cruz vermelha; na parte azul de cima, um arco-íris, tendo abaixo o sol e acima uma estrela, representando a capitania de Pernambuco, ao lado da qual, outras estrelas poderiam figurar à medida que as províncias vizinhas fossem aderindo à causa revolucionária – o que se concretizou posteriormente, e a bandeira recebeu mais duas estrelas referentes ao Rio Grande do Norte e à Paraíba. Foi hasteada pela primeira vez em abril de 1817, quando se jurou, perante o pavilhão, lealdade para com o governo republicano. Em 1917, durante as homenagens ao centenário da Revolução, esta bandeira inspiraria a oficial do Estado de Pernambuco.

 

[12] BANDO

Nome dado a uma determinação ou decreto do governador, tratando de repasse de ordens régias sobre determinados assuntos, tendo, na maioria das vezes, caráter circunstancial para atender as necessidades momentâneas. O bando deveria ser lido nas ruas da vila ou arraial e fixado nos lugares públicos mais frequentados.

 

[13] SELO: O selo refere-se à soma do imposto que incide sobre certos papéis, documentos ou autos. O imposto que incidia sobre 10% de todas as transações, como compras e vendas de bens de raiz, trocas comerciais e transmissão de imóveis denominava-se sisa e foi instituído no Brasil a 3 de junho de 1809.

[14] PÁTRIA: A origem do vocábulo pátria é atribuída a Homero, onde patra/patris correspondia à “terra dos pais”, relacionado tanto ao enraizamento ao lugar de nascimento quanto à fidelidade a uma terra e a um grupo de pessoas identificados por uma herança em comum. A pátria seria, portanto, a origem, determinada pela ancestralidade. Essa concepção perdeu força durante a Idade Média, pois, com a fragmentação política e fortalecimento da Igreja Católica, o termo associar-se-ia a ideia de religião. No entanto, a primeira acepção da palavra ganharia novo impulso na Idade Moderna, vinculada, então, ao conceito de nação – em sentido também moderno – como unidade política. No contexto da crise do sistema colonial e processo de emancipação brasileira, a reflexão sobre os conceitos de pátria e nação se impôs e seus sentidos foram distanciados: pátria seria o lugar de nascimento e nação o sentimento de pertencimento à monarquia portuguesa. Por outro lado, no início do século XIX, Frei Caneca defenderia a ideia de “pátria de direito”, que seria determinada pelo lugar de residência, onde estariam estabelecidos os próprios negócios, decorrente da escolha e da vontade de pertencimento. Nesse momento de passagem de uma identidade nacional portuguesa para uma identidade nacional brasileira, buscou criar entre os europeus residentes em Pernambuco e os naturais da província o sentimento de pertencimento a essa pátria de direito. Durante a revolução pernambucana de 1817, o termo patriota seria usado pelos insurgentes para identificar os partidários da causa.

 

[15] GOVERNO PROVISÓRIO: Junta governamental composta por cinco membros oriundos das principais camadas da sociedade, durante a Revolução Pernambucana. Instituído em 8 de março de 1817, integravam-na os seguintes representantes: Domingos José Martins, chefiando o comércio; João Ribeiro de Pessoa de Mello e Montenegro, o clero; Manoel Correia de Araújo, os proprietários de terras; José Luiz de Mendonça, a justiça; e Domingos Teotônio Jorge, o exército. Domingos Teotônio e Francisco de Paula foram os principais líderes militares da rebelião de 1817 e ocupavam, respectivamente, os cargos de general em armas e da divisão. A partir de sua criação, o governo provisório iniciou uma série de medidas, como a criação de cargos de secretário de estado, abolição de impostos sobre lojas e subsídio militar de 160 réis em arroba de carne verde; decretos estabelecendo a liberdade plena de comércio e assegurando a propriedade aos senhores de escravos e a aprovação das leis orgânicas em 7 de abril – onde foram pioneiramente inscritos princípios como o republicanismo, a liberdade de consciência, a tolerância religiosa e um regime tributário menos escorchante. Em virtude da iminente invasão pelas tropas reais e a não-aceitação do acordo de capitulação, a junta governamental foi dissolvida a 18 de maio de 1817, delegando amplos poderes a Domingos Teotônio Jorge. A referência ao Governo Provisório, contudo, sobreviveria à rebelião, influenciando os rebeldes de anos vindouros, frequentemente lembrado tanto pelo poder instaurado – que temia a sua evocação – quanto pelos opositores deste — que ameaçavam com seu retorno.

 

[16] PATRIOTAS: Termo usado pelos insurgentes para identificar os partidários da Revolução Pernambucana de 1817.

 

[17] REALISTAS: Termo utilizado para designar os partidários do rei e defensores dos princípios monárquicos.

 

[18] ALGODÃO: Diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

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