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Casamento de d. Pedro

Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 14h35 | Última atualização em Quinta, 06 de Mai de 2021, 20h49

Carta de d. João VI referente ao dote, contra dote e arras do casamento de seu filho d. Pedro com a arquiduquesa da Áustria d. Carolina Josefa Leopoldina. Consta que o dote pago pelo pai da noiva, o imperador da Áustria e rei da Hungria, Francisco I, foi de 200 mil florins, mesmo valor do contra-dote estipulado por d. João, que estabeleceu como garantia desse pagamento todas as rendas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, os bens de sua coroa e as rendas da casa de Bragança.



Conjunto documental: Papéis referentes ao casamento de príncipes e princesas da Casa Imperial
Notação: códice 565
Data-limite: 1784 - 1864
Título do fundo: Casa Real e Imperial / Mordomia-mor
Código do fundo: Ø0
Argumento de pesquisa: Portugal, Casa Real
Data do documento: 17 de abril de 1817
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 38

 

Dom João[1] por graça de Deus, rei do Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves[2], d'aquém e d'além mar em África, senhor de Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia sinal público. Faço saber aos que esta minha carta de hipoteca virem. Que nos artigos quarto e oitavo do Tratado ajustado concluído e assinado na corte de Viena[3] aos vinte e nove de mês de novembro do ano de mil oitocentos e dezesseis para os augustos desposórios do príncipe real dom Pedro[4], meu muito amado e prezado filho, com a sereníssima arquiduquesa da Áustria Carolina Josefa Leopoldina[5], filha do muito alto e muito poderoso imperador de Áustria, rei de Hungria e de Bohemia[6], meu bom irmão e primo, pelos ministros para este efeito nomeados de ambas as partes, se convencionou que as somas nos sobreditos artigos especificados de duzentos mil florins[7] do Rheno assinados a sereníssima arquiduquesa em dote, pelo seu augusto pai e a de igual quantia por mim estipulada a título de contradote, fazendo ambas as parcelas quatrocentos mil florins do rheno e bem assim a de oitenta mil florins do rheno anuais em se constituíram as arras, tendo por hipoteca geral a totalidade das rendas deste Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves e especial àqueles bens da minha coroa, que eu fosse servido designar para segurança do dito dote, contradote e arras: e atendendo a que os bens da Casa de Bragança[8] por pertencerem diretamente aos príncipes primogênitos e sucessores deste Reino Unido, além de serem mui suficientes pelo seu grande rendimento, são os mais próprios para neles se constituir a especial hipoteca que naqueles artigos foi estipulada em nome do príncipe real futuro esposo: hei por bem como administrador da pessoa e bens do sobredito meu muito amado e prezado filho, dom Pedro, príncipe real do Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves e duque de Bragança, que as rendas da mesma casa de Bragança fiquem dora em diante especialmente obrigadas hipotecadas pela melhor forma de direito, para segurança e satisfação daquelas somas em que se ajustaram o dote, contradote e arras na forma declarada nos mesmos artigos quarto e oitavo do mencionado contrato matrimonial.

Pelo que mando a todos os tribunais deste Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves, à Junta do Estado e casa de Bragança, ministros e mais pessoas a quem possa pertencer o conhecimento desta minha carta, que por firmeza de tudo o que dito e mandei passar duas do mesmo teor, ambas por mim assinadas e seladas com o selo pendente das minhas armas, para ser uma remetida para a corte de Viena e ficar outra depositada no arquivo da secretaria do Estado e Casa de Bragança a cumpram e guardem e façam inteiramente cumprir e guardar sem dúvida alguma não obstantes quaisquer leis, decretos, constituições, usos e costumes em contrário, os quais sou servido derrogar para este efeito somente como se de qualquer deles fizesse expressa e especial menção. E valerá como se fosse passada pela chancelaria[9], posto que por ela não há de passar sem embargo da ordenação em contrário. Dado no palácio do Rio de Janeiro aos sete dias do mês de abril do ano do nascimento do nosso senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e dezessete.

El Rei.

Conde da Barca

 

[1] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] REINO UNIDO DE PORTUGAL E ALGARVES: em 16 de dezembro de 1815, o Brasil foi elevado à categoria de reino e o príncipe regente d. João tornou-se soberano do Reino Unido de Portugal, do Algarve e do Brasil. Trata-se da consagração de um processo iniciado com a mudança da Corte para o Rio de Janeiro e reforçado pelas transformações que essa transmigração gerou. Instalada em sua colônia americana, em consequência das guerras napoleônicas, a família real portuguesa viu-se em uma situação delicada depois do Congresso de Viena, cujas diretrizes expressavam o sentimento restaurador das velhas monarquias europeias. Reafirmando a legitimidade dos antigos soberanos e dos velhos reinos europeus, o Congresso reconhecia apenas Portugal e sua capital, Lisboa, como par, o que deixava o monarca português vivendo nos trópicos em meio a um dilema. A saída veio com a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, que igualou o estatuto do Brasil ao do Reino de Portugal. Aparentemente, a solução apresentada pelo delegado francês no Congresso, o ministro das Relações Exteriores da França, Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, de elevar o Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarve, pretendia reforçar os laços entre Portugal e Brasil que, embora não mais uma simples colônia, continuaria atrelado à Coroa portuguesa. E, especificamente em um momento de restauração das antigas tradições das monarquias europeias, defendia e legitimava a presença europeia e monárquica no continente sul-americano, cada vez mais independente e republicano. Para os que representavam os “brasileiros”, a elevação significou o fim do pacto colonial e de um status definitivamente inferior em relação à metrópole. Na prática, o tempo mostrou que esta medida seria um passo fundamental para a Independência, pois, no momento em que as elites portuguesas exigiram o retorno da família real e o rebaixamento do Brasil novamente à colônia, tal retrocesso mostrou-se impossível, culminando em uma ruptura – processo cuja origem, extensão e efeito seriam objeto de uma extensa discussão historiográfica sobre o lugar e o papel do país no cenário americano e internacional.

[3] TRATADO AJUSTADO, CONCLUÍDO E ASSINADO NA CORTE DE VIENA (1817): inserido na tradicional política de casamentos entre membros das famílias reais, característica da diplomacia do Antigo Regime, e fruto de uma velha combinação dinástica, a união de d. Pedro, herdeiro do trono português, e Carolina Josefa Leopoldina, princesa de Áustria, foi realizada por procuração, em Viena a 13 de maio de 1817, dia do aniversário de d. João. O noivo foi representado pelo arquiduque Carlos, irmão do imperador. As minuciosas negociações que envolveram o casamento couberam ao Marquês de Marialva, ministro plenipotenciário português, responsável também por redigir o tratado matrimonial assinado em Viena, em 26 de novembro de 1816. O contrato estabelecia os valores do dote, contra dote e arras, em duzentos mil florins de Reno cada um, garantidos por d. João por hipoteca sobre a totalidade das rendas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e sobre os bens da Coroa. Constaram ainda, no tratado, artigos que previam os casos de viuvez da arquiduquesa e o destino dos bens que ela deixasse se falecesse antes do príncipe real, com ou sem filhos. Neste último caso, que se verificou em dezembro de 1826, toda a sua herança passaria à descendência, a não ser que ela usasse do direito de dispor da Terça da mesma herança. O contrato foi ratificado por d. João, que por carta de lei de sete de abril de 1817, hipotecou as rendas da Casa de Bragança. A união da Casa de Áustria à Casa de Bragança, que se celebrou com a ostentação habitual às cerimônias da corte austríaca, fez parte de uma reorientação na política externa praticada pelo monarca entre 1814 e 1816. O objetivo principal era estreitar relações com outras cortes europeias, buscando evitar uma situação de dependência exclusiva em relação à Inglaterra, face aos acontecimentos de 1807-1808 [Ver invasão francesa em Portugal].

[4] PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[5] LEOPOLDINA, D. (1797-1826): nascida na Áustria, Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena era filha de Francisco II da Alemanha, que depôs a Coroa eletiva do Santo Império Germânico e se fez proclamar, em 1806, imperador da Áustria, da Hungria e da Boêmia, com o nome de Francisco I; e de Maria Teresa, filha de Fernando IV, rei das duas Sicílias. Arquiduquesa de Áustria, princesa real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e primeira imperatriz do Brasil, d. Leopoldina passou a infância em Viena e foi educada nos moldes de uma corte do Antigo Regime em tempos de guerras napoleônicas. Inteligente e instruída, falava alemão, francês, inglês, italiano e aprendeu o português por ocasião do seu matrimônio com o príncipe real d. Pedro, com quem teve nove filhos. O casamento foi realizado por procuração, em 13 de maio de 1817, na corte de Viena, em cumprimento ao compromisso diplomático matrimonial firmado entre Francisco I e d. João VI. Leopoldina desembarcou no Brasil em novembro do mesmo ano e desempenhou uma participação ativa na cultura e na política locais. Acompanhada por naturalistas, desenhistas e pintores, encarregou-se da reorganização da extinta Casa de História Natural, trabalho que resultou na criação, em 1818, de um museu real destinado ao estudo e à divulgação das ciências naturais no Brasil. No campo da política, a imperatriz exerceu grande influência sobre d. Pedro durante todo o processo de independência e, após 1822, incumbiu-se de convencer a corte de Viena quanto à necessidade de reconhecer o império, com o argumento de que este preservava o sistema monárquico na América. Além disso, durante as viagens de d. Pedro I, assumiu a regência e a presidência do Conselho de Estado, sendo a última vez, dias antes de seu falecimento, em 8 de dezembro de 1826. Embora frequentemente lembrada em virtude dos casos amorosos do imperador, d. Leopoldina foi responsável por um papel importante na história luso-brasileira. Sua presença no continente americano representava uma grande parte da Europa de seu tempo na América portuguesa, tornando a imperatriz um agente de comunicação do Brasil com as nações europeias, além de um elo com a corte vienense.

[6] FRANCISCO II DA ALEMANHA (1768-1835): nascido em Florença, filho de Leopoldo II e da infanta Maria Luísa de Espanha, foi o último imperador do Sacro Império Romano-Germânico, que regeu desde 1792. A 6 de agosto de 1806 decretou o desaparecimento formal do Sacro Império, em consequência das guerras napoleônicas, e autoproclamou-se Imperador da Áustria, da Hungria, e da Boêmia, com o nome de Francisco I. Após um breve período de tempo em que esteve ao lado da França, em virtude do casamento de sua filha Maria Teresa com Napoleão em 1813, aliou-se à Inglaterra e à Rússia, numa ofensiva contra a pretendida hegemonia de Napoleão sobre a Europa. A aliança permaneceu até a derrota definitiva do imperador francês na batalha de Waterloo em 1815 e a Áustria recobrou, no Congresso de Viena (1814-1815), parte dos seus antigos territórios. Francisco I casou-se quatro vezes, com Isabel de Wurtemberg, Maria Teresa das duas Sicílias, Maria Luisa de Áustria e Carolina de Baviera. Morreu em Viena, sendo sucedido por seu filho Fernando I.

[7] FLORINS: espécie de moeda de prata ou ouro. Os florins circularam no Nordeste do Brasil durante o domínio holandês. Em 1645 e 1646 foram cunhadas moedas de ouro com as iniciais da Companhia das Índias Ocidentais em holandês.

[8] CASA DE BRAGANÇA: linhagem de duques iniciada pelo 8º conde de Barcelos, d. Afonso I (1380-1461), filho bastardo de d. João I e de dona Inês Perez Esteves. A Casa de Bragança foi a quarta dinastia de reis portugueses e subiu ao trono logo depois da Restauração, com d. João IV, em 1640, permanecendo no poder até a derrubada da monarquia em 1910. A família Bragança deu fim ao domínio de 60 anos dos Reis de Espanha (Casa de Habsburgo) sobre Portugal com a Guerra de Aclamação. No Brasil, a dinastia dominou todo o período do Império, governado por d. Pedro I (1822-1831) e d. Pedro II (1841-1889). Mas, o primeiro rei de Bragança a governar a partir do país foi d. João VI, monarca do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1808-1821), que aportou no Rio de Janeiro em 1808, em consequência da invasão de Napoleão a Portugal.

[9] CHANCELARIA DA RELAÇÃO: a regulamentação em 1609, da Relação da Bahia ou Relação do Estado do Brasil, como por vezes foi chamado esse tribunal superior, criou entre os magistrados, o cargo de chanceler, que presidia o tribunal. Era o mais antigo dos juízes e cabia-lhe substituir o governador-geral na direção da Relação, quando este se ausentava da cidade de Salvador. Possuía, dentre outras incumbências, analisar todas as cartas e sentenças dadas pelos desembargadores da Relação. Era também juiz dos cavaleiros, quando os casos envolviam as ordens militares e era ele mesmo um cavaleiro, como assinala Stuart B. Schwartz. Com a instalação da Relação do Rio do Janeiro, em 1751, o cargo de chanceler passou a existir igualmente nessa Corte.

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