Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página

Plano de reforma da instrução pública para o Brasil

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 14h18 | Última atualização em Terça, 02 de Março de 2021, 00h13

Plano de renovação do ensino no Brasil elaborado por José Albano Fragoso, desembargador do Paço e deputado da Mesa da Consciência e Ordens, convocado pelo príncipe regente. O autor discorre inicialmente sobre as reformas pombalinas no ensino elogiando a expulsão dos jesuítas e a conversão de seus rendimentos para o progresso das letras. Critica, no entanto, o caráter elitista de alguns pontos da reforma e a ineficácia do subsídio literário no que tange ao financiamento do ensino público. O plano prevê o remodelamento do Seminário de S. Joaquim como modelo de instituição a ser adotado pelo governo, inicialmente sustentado por doações particulares, e posteriormente devendo tornar-se público. Ainda segundo o plano, os mestres deveriam seguir a "causa constitucional", sendo que nesta deveria estar incluso o respeito às leis, à moral pública e à liberdade de imprensa. Fragoso recomenda ainda a leitura de filósofos franceses como Diderot, D´Alambert, Mostesquieu, e britânicos como F. Bacon e T. Paine no ensino da mocidade, para que através de uma educação liberal fossem formados "cidadãos constitucionais".

Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
Notação: códice 807, vol. 20
Datas-limite: 1768-1869
Título do fundo ou coleção: Diversos Códices - SDH
Código do fundo ou coleção: NP
Data do documento: 29 de dezembro de 1821
Local: Rio de Janeiro
Folhas: 65 a 77v

 

No reinado do senhor rei d. José o marquês de Pombal[1] querendo suplantar a preponderância religiosa procurou como meio o adiantamento dos estudos, não pelo interesse geral da nação, mas a seus fins particulares de engrandecimento e coerente com Luís 14 no sistema de dar como lei a vontade soberana, e de reprimir esses vestígios de consideração popular, querendo elevar-se dissipando as sombras, que torneavam a monarquia, chamou os sábios e cavou a ruína do despotismo preparando a atual regeneração política.
[...] Em lugar de purificar os ânimos com a educação, e universalizando as luzes oferecer tudo, que neles se observava de prestadio, julgou o ministério, que poderia ainda vendar aqueles de quem exigia uma cega obediência aferrolhando os conhecimentos sem refletir, que o povo quando geme na ignorância, e desconhece sua grandeza, sendo guiado como rebanho entrega-se voluntariamente ao primeiro usurpador em que veja reluzir algum brilho, e lhe peça obediência.
[...]
Os jesuítas[2] apoderados do ensino da mocidade em que infundiam superstição e prejuízos, e a quem regiam com religiosa disciplina, senhores por imediato influxo dos sentimentos do trono da administração nos tribunais e até no recinto doméstico dos particulares conservavam cuidadosamente o seu monopólio, e com muitos, e espalhados colégios no Reino e com grande número de criaturas suas destinadas a perpetuar a escravidão científica[3] repeliam a ocorrência de outros mestres, e apenas em alguns pequenos lugares haviam clérigos, e seculares, que ensinavam com o agradecimento de seis vinténs por mês os de Gramática Latina, e de três vinténs os de ler, sendo porém igual a doutrina por que os mestres ensinavam o que nas mesmas escolas jesuíticas tinham aprendido. E vemos com tão débeis socorros, sobressair muitas vezes o gênio português o que lhe dá direito a perpétuo louvor.
[...]
Expulsar os jesuítas destina-se parte de suas causas, e rendimentos para o progresso das letras mas não tiveram aquela elevação, que se lhe devia. Conheceu o marquês de Pombal a necessidade de estabelecer escolas menores[4], e a este fim deu as providências da lei de 28 de junho de 1759[5]. Nomeou a seis de julho por diretor dos estudos ao principal Almeida, que deu as instruções confirmadas por alvará de 11 de janeiro de 1760 em que é contemplado o ultramar com seus comissários mas havendo falta no pagamento dos mestres franqueava licença aos particulares pagos pelos discípulos, e não provia as cadeiras que vagavam.
[...]
Em todos os planos, que até agora se tem dado de educação literária não se tem procurado vulgarizar as noções de tudo que interessa ao homem na sua qualidade de cidadão, quando o fim da educação deve ser formar homens, e cidadãos com os conhecimentos relativos à sociedade, e governo em que se vive, e sujeita às leis do Estado de que são membros.
Por arremedo ou necessidade, fizeram as religiões suas reformas com planos de estudo na ocasião da reforma da Universidade[6]. [...]
Não haviam [sic] em Portugal colégios públicos para a educação, e o marquês de Pombal, coerente com seu sistema, lembrou-se somente dos fidalgos, e dos ricos, deixando no esquecimento os mais cidadãos como vítimas para o despotismo, formando a esse fim o colégio dos Nobres[7] e de Mafra a quem deu os estatutos e tem havido algumas casas particulares pagas pelos discípulos. Pelo aviso de 18 de setembro de 1778 se declarou o fim da Casa Pia da Correção[8] da Corte onde se educam meninos, e merece o intendente geral da polícia Diogo Ignácio de Pina Manique um eterno reconhecimento dos amigos da humanidade, e onde se aproveitam as vítimas da vadiagem, que tem feito hábeis cidadãos, mas esta não se pode contemplar na classe de que tratamos: haviam duas de beneficência particular em Lisboa, e havia no Porto o colégio dos Meninos Órfãos que teve providências para a sua administração pela Câmara pelo alvará de 29 de julho de 1803. Na Ilha Grande há igualmente uma Casa Pia fundada pelo tenente coronel Manoel da Cunha de Carvalho em 1808, aprovada em consulta de 24 de janeiro de 1814 para a educação da mocidade pobre e desvalida.
[...]
instrução pública[9] é indispensável no governo representativo, porque sendo a lei a vontade da nação, e um princípio de razão reconhecido pela vontade geral, e sendo a liberdade da imprensa o canal por onde se transmite a todos o conhecimento, e se consulta esta vontade, torna-se insuficiente este meio se todo o povo não souber ler, e não tiver os primeiros traços intelectuais. [...]
[...] Seja pois o Seminário de S. Joaquim[10] o primeiro teatro onde se pratique a melhoria. Este seminário formado de doações particulares para o ensino dos meninos pobres é da nação, por que de todas as doações com fim certo os verdadeiros proprietários são aqueles a quem se destinam, e sendo estas destinadas para [ilegível] meninos pobres, estes são a cargo da nação e do Estado por ambas as qualidades por ser um objeto público a que a mesma nação é obrigada, e são estas oblações o suprimento do imposto sobre que devia recair aquela despesa, variando tão somente no administrador.
[...]
Parece que florescerá o colégio, e merecendo a concorrência de porcionistas, que paguem, se aumentam os gratuitos, porque com três dos ricos se pode contar com um pobre, porém pediria eu, que tendo sempre preferência em metade os expostos como já se disse no voto da comissão, que a eleição se fizesse pondo o nome de todos os pretendentes em uma urna e tirado por sorte ficava assim vedada a ocasião de influxo superior, e de recomendação, e manifestava o esmero em procurar a igualdade. Sendo a pobreza, e a orfandade as credenciais que legitimassem os concorrentes.
Julgo ser de absoluta necessidade, que as aulas sejam públicas, e que seja permitido a qualquer menino de fora, não sendo escravo[11], ir ouvir as lições considerado com igualdade no ensino, e com esta publicidade se adianta o progresso das luzes chegando a maior número de pessoas, animam-se os estudantes e promove-se a emulação, por que não deve haver monopólio científico, e considerando o Seminário como Colégio Nacional todos têm igual direito, e a escassez dos meios é que origina a restrição.
[...]
Conheço a dificuldade atual em ter bons mestres, mas olhando para o futuro deve dar-se em regra que estes empregos serão providos em concurso requerendo-se conhecimentos, probidade, morigeração e que tenham dado provas de adesão ao sistema constitucional, e qualquer desvio nesta parte essencial, e agora tão interessante de inspirar amor à causa constitucional, e de fazer respeitar seus ditames será punido com a expulsão, porque o fim primeiro é formar, como já disse, cidadãos constitucionais.
O último artigo de dissidência é acrescentar mais seis professores sendo todos eles pagos pelo cofre do subsídio literário[12], para dilatar o campo da instrução. [...]
Há tempo que no Brasil se veja raiar a aurora científica, o Brasil é grande: merece ser grande: e há de vir a ser grande. O Rio de Janeiro desde o ano de 1774 que paga avultada quantia para o ensino da mocidade, e decorreram já 47 anos e está na ignorância, e nas trevas.[...] Este Seminário que vai ser remoçado, e vestir-se das galas nupciais é o primeiro, que se forma depois da nossa regeneração, vai ser o exemplo, e o modelo, vai despertar as outras províncias, e deve ser coerente o seu plano com o ditame da causa constitucional.
[...]
Será o campo dos estudos o ensinar as primeiras letras, depois a Gramática Portuguesa, e Latina, os elementos de Geografia, [...] os elementos da História portuguesa, e princípios da nossa constituição [...] porque todos estes educandos seja qual for o gênero de vida que posteriormente seguirem, hão de ser chefes de famílias, e terem voto nas eleições base do atual sistema. Aprenderão Retórica, e Poética, princípios de desenho: elementos de aritmética, álgebra, e trigonometria retilínea, elementos de mecânica, arquitetura, agrimensura, e algumas noções de agricultura para os que se destinarem para a vida rural. [...]
Será quinta-feira o dia de descanso e nele haverão [sic] duas horas de lição de música e duas de dança.[...]
Uma centena de educandos assim instruídos, que sairão todos os dez anos serão outros tantos apóstolos da razão, pregoeiros da bem entendida liberdade, defensores da benfazeja causa constitucional, e vagando pelo interior espalharão as luzes[13], e propagarão o sistema, e sua utilidade, adoçando a rispidez do campo.
Será uma geração que produzirá hábeis agricultores, artistas mais industriosos, oficiais mais inteligentes, melhores chefes de famílias, cidadãos interessados pela pátria, e pela ordem social; enfim, uma agricultura uma indústria, artes, ciências mais aperfeiçoadas, e um novo grau de felicidade, e prosperidade entre os portugueses. A posteridade dará com cordial reconhecimento os bem merecidos louvores a V.A.R. por levantar o padrão de regeneração científica.
Disse francamente meu voto sujeito às bem merecidas correções, e falei como amigo da prosperidade do país em que vivo: como homem que deseja, que o facho da razão alumie a todos concidadãos, e como pai de família, que acredita ser a melhor herança, que se pode deixar, a virtude, que encerra a sincera homenagem da criatura com o seu criador; o respeito aos depositários do poder público, obediência às leis, e amor ao trabalho.
V.A.R. mandará o que mais vantajoso for aos habitantes do Rio de Janeiro.
Rio 29 de dezembro de 1821

José Albano Fragoso[14]

 

[1] Estadista português, nascido em Lisboa, destacou-se como principal ministro no reinado de d. José I (1750-1777). Filho do fidalgo da Casa Real Manuel de Carvalho e Ataíde e de d. Teresa Luísa de Mendonça e Melo, Sebastião José de Carvalho e Melo frequentou a Universidade de Coimbra; foi sócio da Academia Real da História Portuguesa (1733); ministro plenipotenciário de Portugal em Londres e Viena entre os anos de 1738 e 1749, sendo nomeado secretário de Estado dos Negócios do Reino de Portugal com a ascensão de d. José I ao poder. Ficou no governo durante 27 anos, período em que realizou uma série de reformas que alteraram sobremaneira a natureza do Estado português. As reformas pombalinas, como ficaram conhecidas, em consonância com a Ilustração ibérica, marcaram um período da história luso-brasileira, caracterizadas pelo despotismo esclarecido de Pombal – uma conciliação entre a política absolutista e os ideais do Iluminismo. Preocupado em modernizar o Estado português e tirar o Império do atraso econômico em relação a outras potências europeias, o primeiro-ministro buscou reestabelecer o controle das finanças, controlando todo comércio ultramarino, além de fortalecer o poder estatal, consolidando a supremacia da Coroa perante a nobreza e a Igreja. Entre as principais medidas empreendidas por Pombal durante seu governo, podemos destacar: a criação de companhias de comércio, como a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) e a de Pernambuco e Paraíba (1759-1780); a expulsão dos jesuítas do reino e domínios portugueses (1759); a reorganização do exército; a transferência da capital do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (1763) e a reforma do ensino, em especial a da Universidade de Coimbra (1772). Pombal sobressaiu-se, ainda, por ter sido o responsável pela reconstrução de Lisboa, destruída por um terremoto em 1755. Foi agraciado com o título de conde de Oeiras, em 1759, e de marquês de Pombal em 1769. Com a morte de d. José I e a consequente coroação de d. Maria I, Pombal foi afastado de suas funções e condenado ao desterro. Em decorrência de sua idade avançada, Carvalho e Melo recolheu-se à sua Quinta de Oeiras, onde permaneceu até sua morte.

[2] Ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no BrasilHistória da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[3] Expressão usada à época das reformas pombalinas para se referir ao período em que a instrução pública de Portugal esteve ao encargo da Companhia de Jesus. Durante este período, os inacianos controlavam fortemente as ideias e pensamentos difundidos pela educação e limitavam ao máximo a penetração das inovadoras ideias ilustradas em Portugal, que poderiam suscitar o espírito crítico e o estímulo às ciências. O ensino ministrado pelos padres tinha um perfil tradicional, escolástico e livresco, em conflito com os princípios da Revolução Científica, sobretudo com a física de Newton.  A reforma promovida por Pombal na educação (iniciada com a expulsão dos jesuítas) pretendia tornar a instrução mais moderna e efetivamente pública e laica, controlada pelo Estado.

[4] A cadeira de Primeiras Letras destinava-se a ensinar a ler, escrever e contar, e sob orientação inaciana, aprendia-se a religião católica. Em 1722, uma nova cartilha foi apresentada ao rei de Portugal, dom João V, chamada Nova Escola para Aprender a Ler, a Escrever e a Contar, elaborada pelo jesuíta Manoel de Andrade de Figueiredo. Integrava os estudos menores, o aprendizado de gramática e línguas latinas, matemáticas, conhecimentos morais, físicos e econômicos, indispensáveis para a formação do indivíduo. No ensino médio, cursos de humanidades e artes incluíam as aulas de gramática latina, grego e retórica, e artes e ciências da natureza. Durante os primeiros séculos do período colonial, a educação era restrita aos filhos de colonos e índios aldeados. Os jesuítas estiveram à frente do processo educacional até sua expulsão em meados do século XVIII. Após a reforma educacional empreendida por Pombal, o ensino passou a ser responsabilidade do Estado português, inclusive em territórios coloniais, e aulas régias foram introduzidas substituindo as antigas disciplinas oferecidas nos colégios jesuítas. Buscou-se secularizar a educação, preparando uma pequena elite colonial para os estudos posteriores na Europa. A educação formal era um privilégio da elite branca, ficando vetada aos escravos. No Império, a Constituição de 1824, que garantia o direito de todo cidadão brasileiro à instrução pública, não considerava o escravo como cidadão. O veto tornou-se explícito pela resolução imperial de 1º de julho de 1854 que determinava que os professores recebessem por seus discípulos “todos os indivíduos que para aprenderem as primeiras letras, lhe forem apresentados, exceto os cativos, e os afetados de moléstias contagiosas”. Como a maior parte dos cativos exercia atividades que não exigiam o domínio da leitura e da escrita, o índice de analfabetismo era quase geral entre a população escrava. Entretanto, o exercício de algumas profissões também desempenhadas por escravos, como as de alfaiate e carpinteiro, exigiam um conhecimento básico da escrita, leitura e contagem. Nesses casos, acredita-se que este aprendizado tenha se efetuado na casa do senhor, prática bastante incomum, não obstante a valorização dos escravos que sabiam ler e escrever, como se observa nos anúncios de época nos quais era recorrente a descrição das habilidades dos escravos foragidos ou à venda. Além de marcas e cicatrizes, realçavam-se atributos como ofício, habilidade musical, de leitura ou de escrita. No século XVIII, nas irmandades negras, a escrita era produzida pelos brancos que, em uma estratégia de controle ou até mesmo por devoção, ingressavam nessas associações. Variados motivos levavam os negros a aceitar a participação de brancos nas irmandades, dentre eles a falta de instrução para cuidar dos livros e para escrever e contar, exigência de cargos como os de escrivão e tesoureiro. Em 1789, os membros da Irmandade de São Benedito do Convento de São Francisco em Salvador enviam para a coroa portuguesa um pedido de exclusão dos brancos dos cargos de escrivão e tesoureiro, argumentando que, naquele ano (1789), já havia negros letrados, que “a iluminação do século [nos] tem feito inteligentes da escrituração e contadoria”. Considerando-se que as irmandades promoviam a ajuda mútua, por exemplo, na compra de alforrias, pode-se pensar que essa ajuda tenha se estendido ao campo de alfabetização. Os compromissos e outros documentos das irmandades de negros são uma das poucas fontes históricas do período colonial de autoria dos próprios, embora muitas vezes, mesmo nestas associações, a escrita ficasse a cargo de brancos.

[5] Alvará que aboliu todas as instituições de ensino dos jesuítas no Brasil e que aponta para o estabelecimento de um novo regime na educação do reino. O rei d. José I fez, no texto da lei, um quadro geral do ensino ministrado pelos jesuítas, avaliando os graves prejuízos que trouxeram para a mocidade portuguesa e de seus domínios com seu método “escuro e fastidioso”, afastando-a das “luzes” e do “progresso” que os novos métodos adotados pelas outras nações europeias promoviam. Portanto, além de proibir o método usado pelos jesuítas em suas escolas (que primava pela análise e revisão minuciosa do conteúdo estudado e pela memorização e valorização da teoria em detrimento da prática), proibia também o uso dos compêndios de gramática e língua latina por eles adotados. Estabelecia o uso de um “novo” método, pragmático e “ilustrado” e determinava os novos livros que seriam adotados pelos professores a partir de então (compêndios usados pelos religiosos da Congregação do Oratório). O alvará ainda criava o cargo de Diretor Geral de Estudos, que seria encarregado de executar a reforma, de contratar novos professores (por meio de concurso público), resolver problemas de ordem prática, fiscalizar os mestres, o uso dos livros didáticos e dos novos métodos, e estabelecia as orientações gerais do estudo de algumas disciplinas consideradas principais, como: gramática latina, grego e retórica. Em 9 de julho de 1759, foi publicada a carta régia de nomeação para o cargo de diretor de estudos d. Tomás de Almeida que, em 28 de julho do mesmo ano, publicou as instruções para a reforma, seguindo fielmente as orientações do alvará régio de 28 de junho.

[6] A Universidade de Coimbra, fundada em 1290 por d. Dinis, foi a principal responsável pela formação acadêmica da elite do império português (metropolitanos ou colonos). Desde 1565, esteve sob a direção dos padres jesuítas e, em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, sofreu sua principal e mais significativa reforma, que resultou em novos estatutos e que fazia parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus domínios iniciada pelo mesmo Pombal em 1759, com a expulsão dos inacianos dos territórios portugueses e do sistema de instrução pública. Em um primeiro momento, apenas os Estudos Menores (ensino elementar e médio) sofreram mudanças efetivas, deixando-se os Estudos Maiores (superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse organizada. Em 1771, então, d. José I formou a Junta da Providência Literária, incumbida de avaliar o estado da Universidade durante o período em que esteve sob administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino, conforme sua orientação. Organismo criado com funções consultivas para apoiar o Estado na sua política de reforma educativa, a Junta, composta também por membros da Congregação do Oratório – formada por padres seculares e responsável pela renovação da mentalidade pedagógica portuguesa –, redigiu os novos estatutos da universidade. Seus trabalhos estavam balizados em amplo material em que se evidencia a importância da obra Verdadeiro método de estudar, do oratoriano Luís Antônio Verney, que fazia duras críticas ao método de ensino inaciano. A direção geral da reforma foi no sentido de promover a secularização e modernização do ensino superior, entendidas como dar um conhecimento mais técnico, crítico e pragmático, informado pelos princípios das luzes e da ciência, para a formação de cidadãos “úteis” ao Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as Faculdades de Filosofia e de Matemática, introduzidos os laboratórios para aulas práticas, a organização dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método, e toda a metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e substituídos, bem como a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção pública. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Brasil, que ficou à frente da administração da universidade entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e 1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos.

[7] Criado pela lei de 7 de março de 1761, embora efetivamente inaugurado em 1766, o Real Colégio dos Nobres, equivalente a uma instituição de ensino médio, foi fundado sob uma nova perspectiva ilustrada de ensino, menos teórico e mais utilitário, inclusive para os nobres. No dizer de Rômulo de Carvalho (História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa: 1761-1772. Coimbra: Atlântida, 1959) “representa a aceitação oficial [...] da nova orientação pedagógica, então dominante na Europa, nascida da Filosofia Natural de Newton e das doutrinas de Locke”, que visava à formação de uma nobreza menos frívola, mais útil, mais dedicada aos assuntos da ciência, e mais ciente e envolvida nos problemas da sociedade. De acordo com os Estatutos de 1761, para ser admitido era necessário ter entre 7 e 13 anos, saber ler e escrever, e ser fidalgo, tendo como comprová-lo. As disciplinas ministradas pretendiam dar uma formação geral aos nobres, nas letras, nas ciências e nas atividades físicas. Aprendiam desenho, línguas estrangeiras (francesa e inglesa preferencialmente, mas também espanhol e italiano), latim, grego, retórica, heráldica, geografia, história, aritmética, geometria, álgebra, trigonometria, física, estudos de armas, e posteriormente, cavalaria e esgrima. O decreto de 1792 estabeleceu que os professores do Colégio fossem, doravante, pagos pelos cofres do Subsídio Literário e permitia que alunos externos também pudessem assistir às aulas. Este embate sobre o uso do subsídio foi longo: até 1827, quando a utilização da verba foi suspensa, questionava-se bastante o uso de uma quantia destinada a financiar o ensino público dos jovens portugueses que não podiam pagar por uma instituição privada (e que configurava mesmo um privilégio da nobreza), ainda que o Real Colégio tivesse passado a admitir alunos externos. Em 1837, depois de haver permanecido algum tempo fechado em virtude da guerra civil, o Colégio foi oficialmente abolido e seus alunos e funcionários redistribuídos em outras instituições de ensino.

[8] “Para asilo da pobreza, para desterro da mendicidade, cancro que há longos anos rói e devora os estados da Europa, cria no Castelo de S. Jorge uma Casa Pia, onde também a mocidade é instruída nos elementos das ciências e das belas artes, e donde saíram depois muitos moços de talentos, que foram brilhar em Coimbra”. Assim definia José Bonifácio a criação da Casa Pia de Lisboa, instalada no Castelo de São Jorge em 1780, por iniciativa de Diogo Inácio Pina Manique, intendente geral de Polícia do Reino, desembargador do Paço, administrador da Fazenda de Lisboa e feitor-mor de todas as alfândegas portuguesas (entre outros cargos que acumulava). Inicialmente, Pina Manique pretendia estabelecer uma casa para recolhimento de mendigos, mas logo passou a recolher também os órfãos que vagavam pela cidade. O que começou como um projeto particular de Manique se tornou oficial, quando d. Maria I tomou sob sua proteção o estabelecimento em 1782. Dentro do Castelo, várias “instituições” funcionavam paralelamente, todas como parte do mesmo projeto. Havia uma oficina na qual os mestres ensinavam a fabricar lonas, tecidos e fiações diversas; casas de correção (para ambos os sexos); casas para que os “corrigidos” aprendessem os deveres civis e religiosos; a casa de Santa Isabel para meninas órfãs; a casa de Santo Antônio, para órfãos menores, que aprenderiam as primeiras letras; o Colégio São José, para órfãos ainda dependentes; um colégio onde se ensinava alemão e escrituração mercantil; o Colégio de São Lucas, onde se tinham aulas de farmácia, de desenho, gramática latina, anatomia, línguas inglesa e francesa, e princípios de matemática (os melhores alunos formados neste colégio seguiriam para a Academia da Marinha, as Aulas de Comércio e Aulas Régias, de Filosofia e Grego); e, por fim, aulas de obstetrícia, para homens e mulheres separadamente. Houve mesmo ramificações desta Casa Pia em lugares como Coimbra, Edimburgo, na Dinamarca e em Roma, que ensinavam ciências naturais, medicina e obstetrícia, e belas artes. A Casa Pia foi extinta em 1807, após o início das invasões francesas em Portugal, quando o castelo foi tomado e os “alunos” convocados para lutar nas guerras. Foi retomada em 1814 no Mosteiro do Desterro, desta vez sob o controle do Senado da Câmara, por imperiosa necessidade, haja vista o grande número de órfãos e desamparados gerados pelas guerras napoleônicas.

[9] O processo de instrução e educação dos jovens na colônia se inicia logo que a Companhia de Jesus chega ao Brasil ainda no século XVI, e já em poucos anos, instala seus colégios seminários, para a formação da elite colonial portuguesa e de novos membros para seus quadros. Embora até o século XVIII essa fosse a educação que os jovens filhos de colonos pudessem contar, já que a Coroa apoiava a ação pedagógica da Companhia, e embora o ensino, em muitos casos fosse efetivamente gratuito, não se pode falar de instrução pública, pertencente a esfera do Estado. Somente em 1759, com a expulsão dos padres inacianos dos territórios portugueses, o ensino passa para a competência da Coroa, como parte do projeto pombalino de introdução das luzes em Portugal, de secularização e modernização do Estado, sem, no entanto, romper com as tradições católicas. Com a criação das escolas menores e a montagem de aulas régias, em substituição aos colégios dos padres, inicia-se um período em que a educação começa a sair do controle da Igreja e passar para o Estado (embora o ensino confessional continuasse existindo). Os inacianos foram expulsos das aulas e para seu lugar seriam contratados professores laicos, por via de concurso, que passariam a ser pagos com despesas dos cofres públicos, e, consequentemente, deveriam ensinar de acordo com a nova mentalidade ilustrada, muito embora, na prática, o ensino público não tenha sido reestruturado prontamente e organizadamente logo após 1759. O que se viu foram professores mal preparados, sem a capacitação necessária para o cargo, e embora se proibisse expressamente o uso de métodos e livros antigos, a memorização e os castigos disciplinares (como a palmatória) ainda predominavam em aulas dispersas e pouco frequentadas. Somente em 1772, elaborou-se um plano mais preciso e mais organizado para ser posto em prática, visando o aumento das aulas régias, mas, ainda assim, não foi suficiente para estruturar o ensino público na colônia.

[10] Também chamado Colégio de São Joaquim, foi fundado em 1739 por frei Antônio de Guadalupe como uma instituição onde fossem “recebidos e criados meninos órfãos de pais pobres e desamparados de criação, devendo ser ali instruídos na doutrina cristã, nas primeiras letras, na língua latina, música e instrumentos, bem como nas funções eclesiásticas, de que pudessem ser capazes” (RIBEIRO, José Silvestre. História dos estabelecimentos científicos literários e artísticos de Portugal nos sucessivos reinados da monarquia. Lisboa: Typ. da Academia Real das Ciências, 1874.). Até 1758, chamou-se Colégio dos Órfãos de São Pedro, quando foram doadas ao colégio a capela de S. Joaquim e suas dependências, onde se erigiram uma nova escola e o seminário, que passou a se chamar Seminário de São Joaquim em 1766, quando do fim das obras. Até 1818, funcionou como local de sustento e educação de meninos pobres que ali estudavam gramática, canto gregoriano e música, quando foi fechado para que suas instalações servissem de quartel de tropas portuguesas. Os alunos foram encaminhados ao Seminário de São José. Em 1821, por insistência da população, foi reaberto no mesmo regime anterior. Mais tarde, em 1837, passou a se chamar Real Colégio de Pedro II.

[11] Pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de JaneiroBahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[12] Criado pelo alvará de 10 de novembro de 1772, consistiu em um imposto destinado a custear as reformas no campo da instrução pública promovidas pelo marquês de Pombal, arcando com o pagamento de mestres e professores das escolas menores públicas de todos os reinos e territórios de Portugal e ultramar. Seriam taxados o vinho, a aguardente e o vinagre dos reinos de Portugal e das ilhas dos Açores e da Madeira; na América e na África, a aguardente e as carnes de corte (frescas); e na Ásia, todas as aguardentes produzidas. Este subsídio consistia no pagamento de um real em cada canada de vinho, de 140 réis em cada canada de aguardente, de 160 réis por cada pipa de vinagre. Para a cobrança do imposto nas terras do Brasil eram responsáveis as Juntas da Real Fazenda instaladas em algumas capitanias. Após realizar a coleta do imposto, pagamento dos mestres e professores, os responsáveis teriam que enviar o saldo existente para Portugal. O sistema de coleta do imposto era realizado semestralmente e os valores eram anotados, assim como o nome do produtor, o local em que morava, a quantidade do produto manifestado e quando não produziam, os contribuintes também deveriam justificar o fato. O alvará estabelecia a unificação das medidas a serem usadas e as punições para os que tentassem sonegar o imposto, o que ocorria com frequência. Esta coleta substituiria todas as anteriores sobre os gêneros citados, muito embora os recursos arrecadados não fossem exclusivos para a manutenção das escolas e dos professores, além de não terem sido usados corretamente. No Brasil, a extinção deste imposto se deu em 1839, mas já em 1827 era fato notório que os valores coletados eram insuficientes para manter as escolas estabelecidas.

[13] Movimento também conhecido como Ilustração ou Iluminismo, as Luzes podem ser pensadas, segundo Guilherme Pereira das Neves (In: VAINFAS, Ronaldo. (org) Dicionário do Brasil Colonial. (1500-1808). RJ: Objetiva, 2001, pp.55-58.), de três formas: como um movimento de ideias filosóficas, marcado pela “primazia da razão”; como um processo de transformação de valores, comportamentos e atitudes (na vida cotidiana e das instituições), influenciados por esta valorização da razão, da ciência, do espírito crítico e do livre pensamento; e ainda como um período histórico, que abrange fundamentalmente os fins do século XVII e todo o século XVIII. As Luzes podem, ainda, ser definidas como um movimento da humanidade rumo à busca de conhecimento do mundo e da natureza e de autoconhecimento para a promoção do progresso nas várias instâncias da vida, inclusive nos negócios públicos. Apesar de não contar com uma corrente única de pensamento, a maioria dos filósofos iluministas compartilhava ideias em comum como a valorização da razão, a crítica ao Antigo Regime e à Igreja Católica. Entre seus principais filósofos destacaram-se Montesquieu, Diderot, autor da grande Encyclopédie, Voltaire e Rousseau, este talvez o mais radical dos iluministas, responsável por obras como Do contrato social Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Não se poderia deixar de mencionar a complexa relação entre o Iluminismo e a Revolução Francesa, que levou à derrocada da ordem social e política criticada pelas Luzes, aquela que passa a ser conhecida como Antigo Regime. A consagração de princípios básicos iluministas caminhou, no século seguinte, para um viés ativo, de intervenção e modificação da sociedade. Não se tratando apenas de uma elaboração teórica, enquanto a revolução sua consequência prática, o Iluminismo foi legitimado pelos desdobramentos do processo revolucionário, que colocou esse pensamento antifeudal como um arcabouço intelectual, com o objetivo de legitimar suas ações políticas. Ou seja, o clima de insatisfação e de crise do regime absolutista criou condições favoráveis para a entrada de ideias iluministas e o sucesso de filósofos das luzes. A Revolução Francesa representou não só a realização dos ideais iluministas, mas também sua elaboração teórica. No entanto, algumas monarquias absolutistas, em busca de uma modernização moderada (sem alterar as estruturas do Antigo Regime), passaram a usar o saber e a ciência para o melhoramento de suas instituições, o que se convencionou chamar despotismo esclarecido ou absolutismo ilustrado. Entre as mais resistentes, citamos Portugal, onde se começava a perceber uma certa defasagem em relação às outras monarquias europeias. Isso devia-se à pouca entrada de ideias iluministas em um mundo profundamente marcado pelas tradições religiosas católicas e pela força das relações pessoais, o que dificultava a criação de uma esfera pública de poder. Durante o reinado de d. José I e de seu ministro mais forte, o marquês de Pombal, as Luzes penetram de forma bastante peculiar em Portugal, principalmente por meio do reforço da Coroa em relação a outros poderes, como a Igreja, por exemplo (embora sem provocar uma separação definitiva entre as esferas), e também pela percepção de uma certa racionalidade e pragmatismo nas ações do governo, ainda que grandemente arbitrárias e muito restritos à elite portuguesa (no reino e na colônia). Durante o período pombalino, a Companhia de Jesus (e sua forte influência) foi expulsa dos territórios, houve uma reforma nos estudos menores e na Universidade de Coimbra, a criação da Academia Real das Ciências, e uma maior provisão de funcionários públicos advindos das universidades, além de um incipiente incentivo às viagens e missões de artistas, naturalistas e botânicos para mapear as riquezas e os territórios do reino.

[14] Jurista português foi nomeado ouvidor do Rio de Janeiro em 1843, passando depois para a Relação da mesma cidade no lugar de desembargador. Quando a Relação da cidade se tornou a Casa de Suplicação do Brasil em 1808, Albano Fragoso tornou-se desembargador ordinário extravagante. No ano seguinte, foi nomeado Juiz Conservador da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos. Quando da Revolução Pernambucana de 1817, foi designado Juiz das Diligências para apuração das circunstâncias relativas à sublevação. Foi nomeado Corregedor do Crime da Corte e Casa, em decreto de 6 de fevereiro de 1818, e dois anos depois recebeu a delicada incumbência de organizar o processo e punir os responsáveis pelo assassinato de Gertrudes Angelica Pedra, mulher de Fernando Carneiro Leão, posteriormente barão e conde da Vila Nova de São José. Dizia-se então, que o esposo da vítima mantinha um notório relacionamento com dona Carlota Joaquina, considerada responsável pelo crime.

Fim do conteúdo da página