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Matrículas na Universidade de Coimbra

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 13h49 | Última atualização em Segunda, 01 de Março de 2021, 23h28

Solicitação de Luís da Costa e Almeida na qual pede que fosse dificultada a matrícula de novos alunos na Universidade de Coimbra, devido ao alto contingente de estudantes que a frequentava em relação às demais universidades da Europa. Segundo o autor, esta medida é indispensável para a manutenção do alto nível do trabalho feito na Universidade e para o bom serviço da mesma. Para isso, propõe algumas alterações no estatuto, como aumentar as exigências de preparatórios e a residência em Coimbra. Acompanham a solicitação os novos artigos propostos relacionados ao processo de seleção dos alunos.

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 665, pct. 1
Datas-limite: 1809-1820
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo ou coleção: 59
Argumento de pesquisa: universidades
Data do documento: 16 de agosto de 1820
Local: Coimbra
Folha(s): doc. nº 162

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Pelo seguro de 15 de maio do corrente ano tive a honra de levar a presença de Vossa Excelência várias providências que o trabalho feito a Universidade[1] por mais de 20 anos me persuadem que são indispensáveis para ser o serviço dela mais regular, menos arbitrário e tirar a mocidade no moral e literário o fruto que se deseja.
Os sucessos que ocorreram no antecedente bimestre e a incerteza das comunicações marítimas fazem que repita esta diligência bem convencido da necessidade de providências para o futuro outubro.
Parece-me, Senhor Excelentíssimo, indispensável obstar a aluvião de estudantes, número superior às universidades da Europa. O meio que parece conveniente e o indiscreto e este somente se pode verificar dificultando as matrículas com preparatórios[2] (art. 2º e 3º); e com a maior residência em Coimbra[3] (arts. 1º, 5º até 10,  12, 14, 21, 22 e 26 principalmente).
Peço muita atenção de Vossa Excelência aos arts. 12, 15, e 21 e a que de quanto proponho apenas posso interessar em o artigo 25 porque sou um dos 11.
Concluo pedindo muito a Vossa Excelência, senão saiba deste meu zelo e trabalho porquanto, Excelentíssimo Senhor, quem não cumpre e ilude o que El Rei determinou em 1819 sobre as informações dos bacharéis, e acerca dos lentes suspensos não duvidará promover a minha desgraça somente por saber que dei esse passo.
Deus Guarde a pessoa de Vossa Excelência como desejam os fiéis vassalos.
Coimbra 16 de agosto 1820.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
De Vossa Excelência
Muito venerador
Luiz da Costa e Almeida

Artigos

No Estatuto[4] achando-se determinado o tempo, em que há de começar a matrícula (L.2.t.1.c.4. §.4) se não acha, quando devem começar e acabar os exames preparatórios[5]; reconhece sim o desempate L.2.t.1.c.3.§.2._____ Até 1806 somente houveram [sic] exames preparatórios em os meses de julho e outubro, e aprovação simpliciter[6]. Depois daquele, tempo há exames em todo o ano; o que transtorna a ordem, obrigando os examinadores a faltar a aula, ou a trabalhar nos dias e tempo que a lei lhes dá de descanso. Em consequência da inovação de se tirar a aprovação simpliciter é menor o número dos reprovados. Ao legislador cabe prevenir o arbitrário; e por isso proibir com nulidade todo o exame fora daqueles dois meses de julho e outubro; e determinar que o presidente daqueles exames seja algum dos lentes jubilados[7], e na sua falta o substituto, que esteja inteiramente desligado de trabalho.

Seja restituído o exame de Grego, como preparatório na forma do Estatuto L.2.t.1.c.2; porquanto as aulas de Grego estão de todo desertas; perdeu-se o gosto deste estudo entre nós; quando as mais nações da Europa agora mesmo estão fazendo aprender Grego, e outras línguas mortas; e assim dificultam também as matrículas.
[...]

A falta de uma dissertação[8] equivale a 10 faltas; e a de duas dissertações tem perda de ano, a não mostrar impedimento de moléstia em Coimbra.

Dez faltas sem causa perdem o ano; quarenta com causa perdem o ano; e fora de Coimbra somente seis faltas serão reputadas com causa, ainda que tenha licença para sair. A carta régia de 26 de setembro de 1787 é, que fez diferença de faltas sem causa, ficando em vigor as sessenta com causa; porém é de se saber que o estudante, que falta sessenta vezes, falta mais da metade do ano (nenhum ano letivo tem 120 dias úteis); e em consequência o número de 20 sem causa, e 60 com causa é excessivo. Ninguém ignora a facilidade, que há de justificar faltas com causa; porquanto é sabido que todo o estudante saindo de Coimbra adoece! As certidões passadas em Coimbra são mais difíceis; assim mesmo a Congregação de Leis tem excluído geralmente as de alguns cirurgiões e até de médico. O remédio único é excluir todo o motivo fora de Coimbra, e legitimar somente 6, tirada a distinção, a que dá lugar o Estatuto L.1.t.4.c.3.§.20.
[...]

14º

Os exercícios mensais determinados na carta régia de 6 de fevereiro de 1790 artigo 13, sejam obrigados a dar todos os lentes de cada ano. Hoje se não dá, e os que mais fazem, dizem que cada mês pertence por alternativa a um dos lentes do ano de modo, que o estudante nunca pode ter mais que uma dissertação cada mês. Ninguém poderá frequentar ao mesmo tempo ambas as Faculdades Jurídicas[9].
[...]

21º

Prêmios das faculdades abolidos, ou permitidos somente em aquelas aulas, em que os estudantes não chegarem à cinquenta. Os prêmios foram estabelecidos por aviso de 25 de setembro de 1787; e até então passou bem a universidade sem prêmios; e que proveito tem deles resultado? Perderam a vida alguns moços, e começarem a escola horrível da intriga. Limita-se o número de cinquenta; porquanto o alvará de 19 de maio de 1759 §4 que confirmou o Estatuto de 19 de abril do mesmo ano declara que um lente não pode abranger mais de cinquenta discípulos, e na Academia da Marinha[10] por decreto de 14 de dezembro de 1799, e 27 de setembro e 1800 se manda por em  exercício outro lente no caso de exceder a cinquenta. Como há de um lente olhar pelo moral, e literário (o que o Estatuto está recomendando a cada página) tendo na sua aula mais de 200 estudantes, como aconteceu no 2º ano jurídico, e nas comuns do 3º, 4º, e 5º? Em julho de 1819 e 1820 se não deram prêmios no 5º ano de leis, porque o lente primo foi constante em dizer que pelo excessivo número não podia fazer juízo de preferências; tanto mais que o mesmo extraordinário número fez multiplicar as formaturas e mudar de examinadores. Em as dúvidas, que se propuseram à Sua Majestade por ocasião do perdão de atos concedido pela carta régia de 4 de abril de 1795 foi resolvido que não houvessem prêmios por não se poderem conhecer os estudantes pela aula &.
[...]

23º

Nenhum estudante poderá morar do arco d'Almedina[11], ou de S. Agostinho[12] para baixo, pena de ser expulso, sendo já como que proibido isto, atenta a determinação do Estatuto ant. L.2.t.31.§20.

24º

Nenhum estudante poderá trazer gorro na cabeça de dia, ou de noite, por se dar a este respeito a mesma razão, que tem o senhor D. Pedro 2º[13] para proibir por alvará de 25 de abril, e 20 de setembro de 1674 trazerem as capas pela cabeça, e o Estatuto ant. L.3.t.4. o trazerem carapuças e gualteiras[14]. Este vestiário inculca grosseria, e habilita para desordens. Em Frankfurt acaba de se proibir aos estudantes o fumar, ir aos botequins &.
[...]

26º

Que as propinas[15] das teses sejam dobradas para presidente[16], lentes, que assistirem, arguentes, e bedel; e que dobrado vençam nos exames privados o patrono[17]arguentes[18], assistentes, e bedel[19]; que nos doutoramentos se pague propina dobrada ao que der o grau; aos oradores, à faculdade assistente, e bedel. Os lentes nada têm se não os seus escassos ordenados, e já mal pagos. Os do Conselho vencem propinas dos canonicatos; todas as assinaturas têm sido triplicadas em todas as repartições e tribunais; dobre-se esta, quando se não determine que os estudantes paguem, como antes da Reforma; sendo este também um dos meios de obstar a aluvião dos matriculados.

27º

Que as Faculdades de Leis e Cânones elejam cada uma 2 lentes que examinem toda a legislação acadêmica posterior ao Estatuto cronologicamente, declarando as remissões, para que se lhes aprontaram todos os livros, e darão os secretários as cópias, que se julgarem necessárias, e se imprimam, remetendo 6 exemplares à secretaria d'Estado[20], e dando-se um a cada lente.

[...]

29º

Os claustros, congregações, conselhos e Juntas somente se farão no Paço Reitoral[21], e casa para elas destinada, e dentro dela se assinem as cartas, e quaisquer resoluções. De 1806 em diante tem-se feito congregações e Juntas no Paço Episcopal, e em diversas casas do Paço Reitoral. O Estatuto nada determinou a este respeito, que não é indiferente. Vejo que para todos os ajuntamentos se determina o local, e se necessário é citar, a Relação da Casa do Porto[22] mandada criar em 1582, e a de Maranhão em 1812. O regedor para conferir em sua casa foi autorizado pelo alvará de 5 de março de 1790 §8., e não obstante a natureza do decreto de 6 de novembro de 1799 nem a mesma Junta podia chamar se não aqueles, para que foi autorizado. A Ordenação L.1.t.66.§9 proíbe assinar carta fora da Câmara.

 

[1] Fundada em 1290 por d. Dinis, foi a principal instituição responsável pela formação acadêmica da elite do Império português, proveniente da metrópole ou da colônia. Desde 1565, esteve sob a direção dos padres jesuítas e, em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, ministro de d. José I, sofreu sua principal e mais significativa reforma. A renovação da Universidade resultou na elaboração de novos estatutos e fazia parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus domínios, iniciada em 1759. A reforma educacional pombalina teve como principal diretriz a expulsão dos jesuítas de todo Império lusitano e, conforme os estatutos, “abolir e desterrar não somente da Universidade, mas de todas as Escolas públicas (...) a Filosofia Escolástica” que era atribuída aos árabes e aos comentadores de Aristóteles, aos quais eram associados os jesuítas. O processo educativo pedagógico, governado, anteriormente, pelos inacianos, seria substituído por um sistema público de ensino. Num primeiro momento, apenas os Estudos Menores (ensino elementar e médio) sofreram grandes mudanças, deixando-se os Estudos Maiores (superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse organizada. Em 1771 d. José formou a Junta da Providência Literária, cuja principal missão seria a avaliação do estado da universidade durante o período em que esteve sob administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino, conforme sua orientação. Os resultados dessa avaliação foram reunidos no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra. Tratava-se do primeiro documento originário da Junta de Providência Literária, apresentado ao rei pela Real Mesa Censória e que daria sustentação, no ano seguinte, aos Novos Estatutos da Universidade de Coimbra, publicados em 1772. Segundo Nívia Pombo, “seu conteúdo reiterava a primeira lição a ser aprendida: a ideia de que o Estado deveria se aproveitar das novidades das ciências e das artes e colocá-las a serviço da sociedade. Tal aspecto aparece bem marcado com a recorrência das expressões “necessidade pública” e “nações civilizadas”, associadas à noção de que o “exame da Natureza” promovia “imensas utilidades em benefício das Famílias, e dos Estados” (Nívia Pombo. A cidade, a universidade e o Império: Coimbra e a formação das elites dirigentes (séculos XVII-XVIII). Intellèctus, ano XIV, n. 2, 2015. Acesso: https://www.e-publicacoes.uerj.br). A diretriz geral da reforma seria, por conseguinte, a secularização e a modernização do ensino superior, na busca por um conhecimento mais técnico, crítico e pragmático, orientado pelos princípios das luzes e da ciência [iluminismo], para a formação de cidadãos “úteis” ao Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as faculdades de Filosofia e de Matemática; introduzidos os laboratórios para aulas práticas; a organização dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método; toda a metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e substituídos e a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção pública. Evidenciando o viés do ensino prático, foram criados, em paralelo, o Teatro Anatômico, o Observatório Astronômico, o Horto Botânico, o Museu de História Natural, o Laboratório de Física e o Dispensatório Farmacêutico. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Rio de Janeiro, que ficou à frente da sua administração entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e 1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos. A partir de então, a reformada Universidade de Coimbra passou a ser referência e modelo para as instituições de ensino existentes na época e as posteriormente criadas.

[2] Estudos preliminares realizados para efeito de matrícula no ensino superior (e em cursos especiais) da Universidade de Coimbra. As matérias desses estudos preparatórios eram: Gramática, Línguas, Eloquência, Filosofia e Matemáticas elementares, entre outras. Era também considerado preparatório o Curso de Artes, Ciências Naturais e Filosofia, que equivalia aos estudos secundários (depois dos elementares e do curso de Humanidade), obrigatório para quem pretendesse ingressar na Universidade. Neste curso os alunos aprendiam Lógica, Física, Matemática, Ética e Filosofia Racional.

[3] Coimbra, cidade localizada nas proximidades do rio Mondego, se ergueu sobre a colina da Alta, o que lhe conferia um caráter estratégico, por sua privilegiada posição geográfica. Sua época de esplendor sob o domínio romano se encerrou no século V, após ter sido invadida pelos bárbaros suevos. Teve uma longa e significativa passagem sob domínio árabe (do século VIII ao XI), e foi reconquistada pelos portugueses em 1064, tornando-se uma importante cidade ao sul do Douro. Neste período, Coimbra foi capital da região, sendo depois substituída por Lisboa quando da unificação do Estado no século XIV. Coimbra ainda abriga uma das instituições superiores de ensino de maior relevo na Europa (a quarta universidade mais antiga do continente) e do mundo luso-brasileiro: a Universidade de Coimbra – fundada em 1290, inicialmente instalada em Lisboa, mas posteriormente transferida, em definitivo, para Coimbra. Em 1772, o marquês de Pombal realizou a Reforma da Universidade, abolindo, de modo geral, o ensino nos moldes da segunda escolástica praticado pelos membros da Companhia de Jesus e privilegiando a ciência moderna e experimental. A elite colonial, desde cedo, adquiriu o hábito de enviar seus filhos a Coimbra, onde puderam entrar em contato com as teorias liberais dos iluministas que começavam a revolucionar o mundo.

[4] Os estatutos de 1772 da Universidade de Coimbra são parte do projeto de reforma do ensino elaborado no governo do marquês de Pombal (e colaboradores) e iniciado a partir de 1759, quando da expulsão da Companhia de Jesus de Portugal e seus territórios, e da direção dos estudos elementares e médios, inicialmente. Devido a dificuldades de execução material e burocrática da reforma, os estudos superiores foram deixados para um momento posterior. Em 1771, foi criada a Junta da Providência Literária que se reuniu para discutir a preparação de novos estatutos para a Universidade, seguindo as novas diretrizes trazidas pela Ilustração, como a valorização da ciência e de sua aplicação prática e o projeto de secularização do Estado, interpretado aqui como a laicização do ensino público. O responsável pela redação dos estatutos foi João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho e pela execução foi seu irmão, Francisco de Lemos, nomeado Bispo-Reitor-Reformador da Universidade, que permaneceu neste cargo por vários anos. Foi nessa ocasião que os estudos superiores passaram a ser responsabilidade da Mesa da Consciência e Ordens. Os novos estatutos regulavam as antigas faculdades – Medicina, Teologia, Leis e Cânones – e inauguram as novas de Filosofia e Matemática. Estabeleceram as novas durações dos cursos (bem reduzidas em comparação com as anteriores), a instrução prévia necessária e os exames preparatórios, as disciplinas a serem cursadas e em cada ano, os cursos para formação de licenciados e doutores e os atos de defesa destas, além da formação dos mestres, entre outros assuntos. Os textos dos estatutos, bem como a carta introdutória que d. José I mandou publicar com eles, marcam a todo momento as diferenças entre o novo sistema, moderno, laico, científico e pragmático que se pretendia iniciar, em oposição aos velhos métodos escolásticos dos jesuítas, excessivamente teóricos, retóricos, analíticos e sem espírito de livre crítica, que se queria apagar da história da Universidade.

[5] Eram os exames prestados pelos candidatos sobre determinadas matérias que deveriam ser estudadas previamente para obtenção de uma vaga nas instituições de ensino superior. Serviam, assim como os cursos preparatórios, para a admissão dos estudantes.

[6] Aprovação simpliciter é uma antiga expressão latina usada principalmente no ensino superior para indicar que o aluno fora aprovado em alguma avaliação, mas não por unanimidade. Indica que ao menos um dentre os professores não concordou com a aprovação. Caso esta fosse unânime ou plena dizia-se que o aluno obteve nemine discrepante, ou seja, não houve dissonância na avaliação, todos concordaram que fosse aprovado. No caso deste documento, refere-se aos exames de ingresso na Universidade de Coimbra, que não deveriam mais aceitar simpliciter.

[7] Professor catedrático que deixava de exercer suas funções, mediante o recebimento de uma pensão do Estado. Eram os professores aposentados por tempo de serviço (que poderia variar entre 15 e 30 anos), invalidez, por força do exercício de outro cargo ou por seu próprio pedido.

[8] Trabalhos e exposições, quer escritos ou orais, realizados pelos alunos das universidades para comprovar o aprendizado das matérias estudadas e que tinham valor de avaliação, com vistas a obter aprovação nas disciplinas cursadas. Em seu dicionário, Bluteau, descreve como um “discurso didático sobre algum ponto literário ou científico”. De modo mais geral, consiste na confecção e na apresentação de um trabalho sobre um assunto específico de especialidade do autor, como numa tese acadêmica, e pode tratar-se também de uma conferência ou um discurso.

[9] Formada pelas faculdades de direito civil e direito eclesiástico, até a Reforma da Universidade de Coimbra de 1772, funcionavam praticamente do mesmo modo: no primeiro ano os alunos estudavam as Instituições de Justiniano; depois, estudavam as leis civis (a escola de cânones tinha duas apostilas específicas sobre seu tema a mais) e no último ano realizavam os exames e atos (provas, defesas de tese). A partir da aprovação, o estudante escolhia se preferia ser bacharel em direito canônico ou civil. Depois de formados, os alunos poderiam se tornar advogados ou juízes, ou ainda optar pela carreira catedrática (professores). O ensino era superficial: memorizavam-se as apostilas e as leis, mas não se lhes sabia as origens. Nos atos, havia assuntos que poderiam ser abordados (os “pontos”) e argumentos obrigatórios na defesa, que os alunos memorizavam para poderem ser aprovados. A faculdade de Cânones era considerada mais desorganizada, e consequentemente mais fácil de obter aprovação, do que a de Leis, cujo regime de estudo exigia mais aplicação, fato este que explicava a proporção de quase cinco vezes mais alunos na primeira do que na segunda. Com a reforma da Universidade, mudanças foram introduzidas nas faculdades jurídicas entre elas a própria orientação dos cursos: o período de tempo gasto na faculdade não seria suficiente para aprender tudo o que havia sobre Direito, então, a missão das faculdades deveria ser dar noções e bases para que o estudante as pudesse pôr em prática na sua vida social, quando ele as aperfeiçoaria. Seguindo esta nova orientação, o tempo dos cursos foi reduzido de oito para cinco anos para a formação dos bacharéis (grau necessário para obtenção de cargos e empregos), com cinco horas diárias de estudo (três pela manhã e duas à tarde). Quem desejasse se tornar doutor ou licenciado (para poder dar aulas) deveria cursar mais um ano para aprofundar os estudos. As disciplinas passaram a obedecer a um novo ordenamento, guiado por um método, em que as cadeiras mais gerais viriam antes das mais específicas e algumas passaram a ser requisito para outras, sendo proibida também a antecipação ou prorrogação, bem como a passagem de um curso para outro. A instrução prévia (preparatórios) necessária para o ingresso nas faculdades de Leis e Cânones compreendia o estudo da Língua Latina, Retórica, Lógica, Metafísica, Ética e Grego, entre outras disciplinas filosóficas e de letras humanas. Era obrigatória a certificação dos mestres de que os estudantes haviam comparecido às aulas, cumprido todo o tempo de estudo e passado no curso, e a apresentação de cartas de recomendação (secretas) a serem enviadas pelos mestres para a Universidade, informando sobre o talento, a dedicação e o aproveitamento do candidato. Tanto legistas como canonistas tinham assuntos comuns a serem estudados, tais como Jurisprudência Civil e Canônica, Direito Natural, Civil, Romano, História das Leis, Doutrina do Método do estudo jurídico, entre outros, mas somente cursavam uma cadeira em comum: Direito Natural Público e Universal e das Gentes. Os legistas teriam, em seguida, mais oito disciplinas (entre elas História Civil dos Povos e do Direito Romano e Português, Direito Pátrio, Direito Civil Romano) e os canonistas sete cadeiras (como História da Igreja Universal e Portuguesa e do Direito Canônico, Direito Canônico, Instituições). Embora as faculdades compartilhassem boa parte dos conhecimentos, depois da reforma elas foram formalmente separadas, com cadeiras próprias, regulamentos diferentes e cursos separados e distintos. Também os exames ao longo do curso foram mais dificultados e os atos finais tornados públicos, para reconhecimento perante a sociedade.

[10] “Da necessidade de proporcionar o Estado aos que se destinavam à vida marítima os meios de adquirirem os conhecimentos necessários para afrontarem os mares, e da conveniência de preparar, para sua defesa, uma corporação de navegadores mais aptos do que os que existiam, nasceu a instituição da Academia Real da Marinha, em Lisboa, na segunda metade do século XVIII”. (COSTA, Augusto Zacarias da F. e. Esboço Histórico da Academia de Marinha desde sua fundação.... Rio de Janeiro: Typ. do Imperial Instituto Artístico, 1873, p. 10.) Escreveu, assim, o último amanuense da escola sobre as finalidades da Academia Real da Marinha, criada pela lei de 5 de agosto de 1779 de d. Maria I, que somente começou efetivamente a funcionar em 25 de março de 1783. Previa um curso de três anos de duração para rapazes maiores de 14 anos que tivessem noções de aritmética, geometria plana e esférica e de navegação. Além dessas matérias, que estudariam com maior profundidade, também estavam previstas: geometria, trigonometria (plana e esférica), álgebra, (hidro) estática, dinâmica, hidráulica, ótica e observatório, a serem ministradas por três professores titulares e o mesmo número de substitutos. Com a publicação de novos estatutos, em 1796, as disciplinas se reorganizaram e foram ampliadas (acrescentando tática naval e militar, desenho, artilharia e exercícios de fogo), e a Academia se dividiu entre aqueles que aspiravam se tornar Guardas Marinhas (somente filhos de nobres e fidalgos) e os voluntários, que serviriam diretamente nos navios, filhos de pessoas mais humildes e a quem estaria vedado o ingresso na Guarda. Em 1782, com a introdução dos exames preparatórios, essas diferenças teoricamente deveriam diminuir, pois só passariam a entrar os alunos mais talentosos e aplicados, independente de sua posição social. No entanto, em 1800, na esteira do combate às ideias francesas de igualdade e liberdade, revogaram-se essas prerrogativas e as relações pessoais voltaram a ser reforçadas, estabelecendo critérios para entrada e ascensão na Marinha. Com a transmigração da Corte para o Rio de Janeiro em 1808, a Academia também se transfere. Em 1822, quando da emancipação da colônia, torna-se Academia Imperial da Marinha.

[11] O Arco de Almedina (que fica na rua Ferreira Borges) fazia parte da antiga muralha, que remonta ao século XI, e foi construído entre os séculos XIII e XIV. Era a principal entrada de Coimbra e, juntamente com a torre de vigia, serviu de base defensiva da cidade.

[12] Trata-se, provavelmente, da Igreja e do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, da ordem dos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho, fundado em 1131 e onde foram enterrados os dois primeiros reis de Portugal, que juntamente com o Arco de Almedina, constituem pontos de referência para a entrada nos terrenos da Universidade.

[13] Conhecido como “o Pacífico”, por ter estabelecido a paz com a Espanha em 1668, d. Pedro II era filho de d. João IV e de d. Luísa de Gusmão. Proclamou-se príncipe regente em 1668, alegando que seu irmão, Afonso VI, sofria de instabilidade mental e casou-se com sua cunhada no mesmo ano. Assumiu o trono após a morte do irmão em 1683. Sob seu reinado ocorreram a paz definitiva com a Espanha, pondo fim à Guerra de Restauração; a descoberta das primeiras jazidas de ouro no Brasil (1695) e a assinatura do tratado de Methuen com a Inglaterra (1703) de consequências econômicas nefastas, pois determinou um desequilíbrio crônico e negativo para Portugal, além de minar irremediavelmente a ainda incipiente produção manufatureira no reino ibérico. D. Pedro II dissolveu as cortes deliberativas em Portugal, governando com plenos poderes e representando a figura clássica do monarca absolutista. Ao final do seu reinado, acabaria por envolver-se novamente em um conflito armado com a Espanha, deixando de herança para seu filho, d. João V, um país com várias áreas ocupadas pelo exército inimigo.

[14] Espécie de capuz ou carapuça feita geralmente de pano grosseiro bastante usado pelos alunos da Universidade de Coimbra. Essas gualteiras podiam ser simples ou de rebuço. No Brasil, as gualteiras dos bandeirantes eram em couro de anta.

[15] Em Portugal, propina é uma taxa paga pelos estudantes para a universidade, que pode ser uma forma de coparticipação nos custos dos cursos (mensal ou anual); uma taxa de matrícula ou de encerramento; ou um valor pago à universidade para a realização de certas atividades, como a defesa de uma tese, a participação em um seminário, entre outras. Também tem um sentido de gratificação paga a alguém por realizar um trabalho, não necessariamente ilícito como é compreendido no Brasil. Neste caso, propinas poderiam se referir a uma gratificação extra que os professores presentes na defesa da tese receberiam por sua participação.

[16] Era o professor responsável por presidir a defesa da tese na Universidade de Coimbra. A defesa simulava um tribunal, em que o aluno teria que argumentar e provar as hipóteses de sua dissertação. Como em um tribunal, deveria haver um presidente, que organizaria os trabalhos, dirigiria as discussões e encerraria as sessões.

[17] Professor responsável por orientar o trabalho e a confecção da dissertação, e auxiliar o estudante na defesa dela.

[18] Professores que participariam das defesas de tese com o objetivo de argüir o candidato sobre sua dissertação, suas escolhas, seus argumentos e hipóteses e suas defesas.

[19] Os bedéis, nas universidades, eram os empregados encarregados de fazer as chamadas e anotar as faltas de estudantes e mestres. Neste caso, o bedel seria encarregado de assistir a defesa de tese e anotar os professores e alunos que haviam comparecido.

[20] Em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.

[21] Após muitas mudanças/ocupar diferentes endereços ao longo de dois séculos, a Universidade, que nasceu em Lisboa, instala-se definitivamente em Coimbra em 1537, ocupando o Palácio Real ou Paço Real de Alcáçova, por determinação de d. João III. O local passou, então, a se chamar Paço Real das Escolas, composto das seguintes construções: a Porta Férrea (entrada), a Via Latina (salas de exames, de solenidades, etc.), os Gerais (onde funcionavam os claustros), a capela de S. Miguel (antiga capela real), a Biblioteca Joanina e o Colégio de São Pedro. As faculdades e outros órgãos internos foram distribuídos pelas diversas construções que compunham o Paço e, ao longo do tempo, outros prédios foram erguidos para melhor abrigar os estudantes e as aulas. A Reitoria ou Paço Reitoral ocupa parte do Colégio de São Pedro e da Via Latina.

[22] A denominação Relação da Casa do Porto refere-se à transferência da Casa do Cível, de Lisboa, para a cidade do Porto. A modificação foi oficializada por Filipe II, em 27 de julho de 1582, em razão das dificuldades de deslocamento encontradas pelos povos das províncias do Norte, ao terem que se dirigir a Lisboa para tratar dos seus casos. Deste modo, à nova Relação passaram a pertencer as comarcas e ouvidorias de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes e Beira, com exceção de Castelo Branco, Esgueira e Coimbra. Posteriormente, essa situação seria mantida pelas Ordenações Filipinas de 1603. Constituía um dos principais tribunais superiores e funcionava como uma das últimas instâncias de apelação, assim como a Casa de Suplicação, pois se subordinava diretamente ao rei.

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