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Nomeação de Félix Brotero para diretor do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 14h11 | Última atualização em Segunda, 01 de Março de 2021, 23h39

Ofício do príncipe regente dirigido ao vice-reitor da Universidade de Coimbra, Francisco Antônio Duarte da Fonseca Montanha, acerca da contratação de Félix de Avelar Brotero, professor de Botânica e Agricultura daquela universidade, e renomado botânico e estudioso de História Natural, para a administração do Real Museu e do Jardim Botânico da Ajuda, que se encontravam "em grande decadência". Brotero foi considerado o mais indicado para o cargo, e não sendo possível que acumulasse estas novas funções com a cadeira da universidade, d. João achava por bem jubilá-lo com todas as "honras, e privilégios dela". Ainda nomeia provisoriamente para seu lugar, Antônio José das Neves, até que se fizesse a escolha pública do cargo.

Conjunto documental: Livros de consulta da Mesa do Desembargo do Paço
Notação: códice 252, vol. 1
Datas-limite: 1809-1812
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo ou coleção: 59
Argumento de pesquisa: universidade de Coimbra
Data do documento: 27 de abril de 1811
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 115 e 115v

Leia esse documento na íntegra

 

Para Francisco Antônio Duarte da Fonseca Montanha[1]

Francisco Antônio Duarte da Fonseca Montanha, Vice-Reitor da Universidade de Coimbra[2]. Eu o Príncipe Regente vos envio muito saudar: achando-se em grande decadência o meu Real Museu, e Jardim Botânico do sítio de Nossa Senhora da Ajuda[3], fazendo-se por isso necessário encarregar a sua direção e administração a pessoa inteligente deste ramo da Faculdade de Filosofia[4]: e sendo informado que no Doutor Félix de Avelar Brotero[5], Lente da Cadeira de Botânica, e Agricultura[6] nessa Universidade de Coimbra, concorrem as circunstâncias necessárias pelos seus talentos, inteligência, e atividade para promover a conservação, e melhoramento destes dois úteis e importantes estabelecimentos: houve por bem nomeá-lo administrador do dito Real Museu e Jardim Botânico, e não sendo praticável que ele possa simultaneamente servir um , e outro emprego pela assídua, e pessoal assistência, que ambos requerem: e tendo também consideração ao seu merecimento, e serviços: sou servido fazer-lhe mercê de o jubilar na mesma Cadeira com todo o ordenado, propinas[7], ajuda de custo, honras, e privilégios dela: e outrossim que o Doutor Antônio José das Neves, Lente substituto da Faculdade de Filosofia fique encarregado de reger a dita Cadeira até que se houver de prover no despacho geral da mesma Faculdade. O que me pareceu participar-vos, para que assim o tenhais entendido, e o façais executar. Escrita no Palácio do Rio de Janeiro em vinte e sete de abril de mil oitocentos, e onze = Príncipe = Para Francisco Antônio Duarte da Fonseca Montanha.

 

[1] Filho do dr. João Duarte da Fonseca, lente de medicina da Universidade de Coimbra, ingressou na mesma instituição e graduou-se em leis e opositor às cadeiras da faculdade de leis. Foi cavaleiro professo da Ordem de Cristo, catedrático da Faculdade de Leis (1788) e vice-reitor da Universidade de Coimbra, substituiu por vezes o bispo reformador-reitor Francisco de Lemos de Faria Coutinho em seu segundo período a frente da Universidade (1799-1821), durante as invasões napoleônicas. Em 1818, foi nomeado desembargador da Mesa do Desembargo do Paço. Foi ainda cônego doutoral nas Sés de Braga e Coimbra.

[2] Fundada em 1290 por d. Dinis, foi a principal instituição responsável pela formação acadêmica da elite do Império português, proveniente da metrópole ou da colônia. Desde 1565, esteve sob a direção dos padres jesuítas e, em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, ministro de d. José I, sofreu sua principal e mais significativa reforma. A renovação da Universidade resultou na elaboração de novos estatutos e fazia parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus domínios, iniciada em 1759. A reforma educacional pombalina teve como principal diretriz a expulsão dos jesuítas de todo Império lusitano e, conforme os estatutos, “abolir e desterrar não somente da Universidade, mas de todas as Escolas públicas (...) a Filosofia Escolástica” que era atribuída aos árabes e aos comentadores de Aristóteles, aos quais eram associados os jesuítas. O processo educativo pedagógico, governado, anteriormente, pelos inacianos, seria substituído por um sistema público de ensino. Num primeiro momento, apenas os Estudos Menores (ensino elementar e médio) sofreram grandes mudanças, deixando-se os Estudos Maiores (superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse organizada. Em 1771 d. José formou a Junta da Providência Literária, cuja principal missão seria a avaliação do estado da universidade durante o período em que esteve sob administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino, conforme sua orientação. Os resultados dessa avaliação foram reunidos no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra. Tratava-se do primeiro documento originário da Junta de Providência Literária, apresentado ao rei pela Real Mesa Censória e que daria sustentação, no ano seguinte, aos Novos Estatutos da Universidade de Coimbra, publicados em 1772. Segundo Nívia Pombo, “seu conteúdo reiterava a primeira lição a ser aprendida: a ideia de que o Estado deveria se aproveitar das novidades das ciências e das artes e colocá-las a serviço da sociedade. Tal aspecto aparece bem marcado com a recorrência das expressões “necessidade pública” e “nações civilizadas”, associadas à noção de que o “exame da Natureza” promovia “imensas utilidades em benefício das Famílias, e dos Estados” (Nívia Pombo. A cidade, a universidade e o Império: Coimbra e a formação das elites dirigentes (séculos XVII-XVIII). Intellèctus, ano XIV, n. 2, 2015. Acesso: https://www.e-publicacoes.uerj.br). A diretriz geral da reforma seria, por conseguinte, a secularização e a modernização do ensino superior, na busca por um conhecimento mais técnico, crítico e pragmático, orientado pelos princípios das luzes e da ciência [iluminismo], para a formação de cidadãos “úteis” ao Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as faculdades de Filosofia e de Matemática; introduzidos os laboratórios para aulas práticas; a organização dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método; toda a metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e substituídos e a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção pública. Evidenciando o viés do ensino prático, foram criados, em paralelo, o Teatro Anatômico, o Observatório Astronômico, o Horto Botânico, o Museu de História Natural, o Laboratório de Física e o Dispensatório Farmacêutico. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Rio de Janeiro, que ficou à frente da sua administração entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e 1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos. A partir de então, a reformada Universidade de Coimbra passou a ser referência e modelo para as instituições de ensino existentes na época e as posteriormente criadas.

[3] Considerado o primeiro jardim botânico de Portugal, o Jardim Botânico da Ajuda foi fundado em 1768, parte da política pombalina de fomento às instituições de caráter científico no reino. Construído em uma quinta comprada por d. José I ao conde da Ponte, junto ao Paço d’Ajuda, e sob direção do naturalista, botânico e químico italiano Domingos Vandelli (que foi seu primeiro diretor entre 1791 e 1811), o Real Museu e Jardim Botânico d’Ajuda tinha, como fim primeiro, auxiliar na educação dos jovens príncipes, bem como servir para seu divertimento. Era composto de três anexos: o Museu de História Natural, que recolheu espécies dos chamados “três reinos da natureza” frutos de expedições científicas e filosóficas [viagens e expedições filosóficas], tais como a de Alexandre Rodrigues Ferreira, ao Brasil e depois em outras colônias portuguesas, como Angola, Goa, Moçambique, Cabo Verde; o Laboratório de Química (que mais tarde passou a ser de Física também); e a Casa do Risco, para o ensino de desenho e artes. Recebeu plantas e sementes de praticamente todos os continentes (aproximadamente cinco mil exemplares no início), mas no final da gestão de Vandelli, o jardim havia decaído consideravelmente (a coleção baixou para cerca de mil e duzentas espécies vegetais), pois privilegiou-se as obras de melhoramento e estrutura em detrimento ao cuidado com as espécies. Em 1811, começou um período próspero, sob a direção de Félix de Avelar Brotero, discípulo de Vandelli, renomado botânico, que fez reviver o jardim, com a construção de estufas e o cultivo de plantas exóticas, vindas, sobretudo, do Brasil e de colônias portuguesas na África.

[4] Criada no âmbito das reformas da Universidade de Coimbra de 1772, a faculdade de Filosofia Natural tinha duração de quatro anos e contava com quatro cadeiras: Filosofia racional e moral; História natural; Química teórica e prática (ministradas pelo naturalista italiano Domingos Vandelli); e Lógica, Metafísica e Ética (cujo lente era Antônio Soares Barbosa). Em 1791, foram criadas as cadeiras de Botânica e Agricultura; de Zoologia e Mineralogia; de Física; e de Química e Metalurgia. Os doutores formados eram chamados de naturalistas. Influenciadas pelo espírito experimental, pragmático e racional das Luzes, o ensino era orientado para a prática, reduzindo-se bastante as matérias do “espírito” (teóricas e humanistas, que refletiam a tradição inaciana na educação que se pretendia substituir). Nesse sentido, a concepção de filosofia passou a ser a da filosofia natural, de orientação agostiniana, superando a tradicional filosofia racional e moral, de orientação aristotélica. Seguindo a orientação pragmática, foram instalados anexos que serviam de laboratório para os estudantes, como o Observatório, o Museu e Gabinete de Física, e o Laboratório Químico, que junto ao Horto (depois Jardim) Botânico formavam o Teatro da Natureza e serviam principalmente  ao estudo prático de botânica, história natural, medicina, física, química, entre outras matérias.

[5] Conhecido como o primeiro botânico do reino de Portugal, estudou na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra, mas não completou o curso devido à reforma da universidade de 1772, que alterou o programa. Trabalhou como tradutor e, em virtude de sua alta devoção às ciências e às ideias ilustradas, tornou-se suspeito aos olhos do Santo Ofício, obrigando-o a se retirar para a França. Lá frequentou os cursos de história natural e botânica, formou-se médico pela Escola de Medicina de Reims, embora não tivesse exercido a profissão, e adotou o sobrenome filantrópico Brotero. Em 1790, ao retornar a Portugal, já um renomado naturalista, foi logo no ano seguinte indicado para lente da nova cadeira de botânica e agricultura e diretor do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, substituindo Domingos Vandelli, que passou a administrar o Real Museu e Jardim Botânico d’Ajuda. Sob a direção de Brotero, o jardim ganhou novas estufas, novas espécies, sofreu grandes obras de estrutura (como abertura de ruas, construção dos muros) e melhoramentos. Ficou a frente até 1811, quando foi jubilado da universidade para tornar-se diretor do Jardim d’Ajuda, com a missão de melhorá-lo depois de um período de decadência, já no final da administração de Vandelli, o que logrou conseguir. Foi autor de várias obras sobre Botânica e Agricultura, como o Compêndio de Botânica ou noções elementares desta ciência, segundo os melhores escritores modernos, expostos na língua portuguesa. (1788); a Flora Lusitanica. (1804) e Princípios de Agricultura Filosófica (1793).

[6] A cadeira de Botânica e Agricultura foi criada em 1791 ainda como parte das mudanças promovidas pela Reforma da Universidade de Coimbra, iniciada em 1772. Esta reforma visava remodelar os estudos superiores de Portugal sob orientação ilustrada, promovendo uma nova ideia de ciência, pragmática, voltada para o uso racional e prático do saber visando o melhoramento da sociedade e do Estado. Nesse sentido o próprio Estado português assumiu o papel de financiador das pesquisas e experimentações, arregimentando naturalistas e cientistas de vários países, que deram sua contribuição para o desenvolvimento das ciências em Portugal. As artes que mais se destacaram no período foram aquelas ligadas à história natural, principalmente botânica, medicina, e agricultura. No campo da botânica, procurou-se estimular a experimentação, que se refletiu nas várias viagens e expedições filosóficas, realizadas por bacharéis em filosofia e matemática, sobretudo às colônias, destacando-se entre elas o Brasil. Nessas expedições buscava-se descobrir e coletar espécies dos chamados “três reinos”, mas principalmente plantas e ervas, descrevê-las, classificá-las, relacionar seus usos industriais, alimentícios e medicinais, o que promoveu um maior contato destes viajantes com populações indígenas, em busca de conhecimento sobre ervas e curas. A agricultura era, por sua vez, considerada ela própria uma arte, pois demonstrava o alcance da razão humana que interfere na natureza em uma tentativa de controlá-la e fazê-la produzir de acordo com suas necessidades. Destacam-se dois tipos de lavrador: o prático, orientado pelo costume e pelo hábito, que acaba ficando “atrasado” pois não usa a ciência em seu benefício e para seu crescimento; e o agrônomo, orientado pela ciência, pelas experiências, que promove um aproveitamento racional das riquezas naturais. Cabia ao Estado transformar o primeiro no segundo, promovendo a ilustração do agricultor e o consequente enriquecimento da nação. É neste momento, já em fins do XVIII e início do XIX, que as memórias sobre agricultura e botânica começam a surgir com maior efervescência, no mesmo momento em que se fundam os primeiros jardins botânicos, lugar por excelência do exercício destas novas práticas.

[7] Em Portugal, propina é uma taxa paga pelos estudantes para a universidade, que pode ser uma forma de coparticipação nos custos dos cursos (mensal ou anual); uma taxa de matrícula ou de encerramento; ou um valor pago à universidade para a realização de certas atividades, como a defesa de uma tese, a participação em um seminário, entre outras. Também tem um sentido de gratificação paga a alguém por realizar um trabalho, não necessariamente ilícito como é compreendido no Brasil. Neste caso, propinas poderiam se referir a uma gratificação extra que os professores presentes na defesa da tese receberiam por sua participação.

 

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