Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página
Quilombos e Revoltas de Escravos

Punições

Escrito por Super User | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 13h45 | Última atualização em Quarta, 18 de Agosto de 2021, 14h29

Carta de Antônio Felipe Soares d’Andrada de Brederode pedindo a punição de negros capoeiras cativos em praça pública. Segundo o documento, eram conhecidos por capoeiras negros forros, livres e cativos, que eram procurados pela Polícia por cometerem delitos frequentes no Rio de Janeiro.  Em função do temor que a sociedade colonial nutria de levantes de escravos, a punição aos delitos cometidos pelos negros deveria servir de exemplo aos outros. Através desta carta, percebe-se ainda uma certa distinção feita entre negros forros e cativos quanto aos castigos recebidos, embora a intenção do exemplo fosse a mesma.  

 

Conjunto documental: Ministério da Justiça
Notação: caixa 774, pct.03
Datas – limite: 1808-1817
Título do fundo: Ministério da Justiça
Código do fundo: 4v
Argumento de pesquisa: Revolta de escravos
Data do documento: 27 de fevereiro de 1817
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -   

 

“Senhor, Sendo frequentes os delitos preparados por indivíduos desta cidade, forros[1] e livres uns; cativos outros; conhecidos pela denominação de capoeiras[2]; tem a vigilante Polícia[3] buscado capturá-los, as Justiças processá-los, e a Casa da Suplicação[4] sentenciá-los com exemplar zelo e interesse do Chanceler que serve de Regedor[5], especialmente nas visitas da Cadeia em que é juiz. Quanto aos forros é uma das penas aflitivas a de açoites pelas ruas públicas; quanto aos cativos na grade da cadeia, e no calabouço. Mas como o principal fim seja o exemplo aterrador dos cativos parecia conseguir-se melhor, sendo dados os açoites nos cativos[6] em Praças mais públicas, e lugares onde estes maus indivíduos capoeiras costumam fazer suas paradas e depois suas desordens e delitos. Mas, como não esteja em uso prático serem açoitados no Pelourinho[7] e Praça do Rossio, na do Capim, na da Sé, e outras, não me atrevendo a fazer esta inovação, posto que a julgue necessária, e haja agora ocasião com dois escravos, um crioulo, outro de Nação condenados em açoites, sou a pedir a Vossa Majestade pelo expediente desta Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil queira expedir as ordens a este respeito ao Chanceler que serve de Regedor, (...) para este informar, e ficarem registrados nos livros da Relação para terem o seu devido efeito. Vossa Majestade mandará o que justo lhe parecer ao seu Real Serviço. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1817. O Corregedor do Crime da Corte e Casa Antônio Felipe Soares de Andrade de Brederode”   

 

[1] FORROS: eram considerados forros os ex-escravizados que haviam obtido a alforria, por meio de uma carta, por testamento ou no momento do batismo. Até a segunda metade do século XVII encontra-se a expressão “índio forro” com o sentido de libertar gentio como eram chamados os indígenas da suposta barbárie em que viviam, pela ótica cristã. Para Eduardo França Paiva, as alforrias são um componente da escravidão e já no mundo antigo eram praticadas com frequência. Alforria, como lembra esse autor, é um termo de origem árabe e equivale a libertar. Mas no mundo romano as libertações de escravos já ocorriam com frequência, chamadas de manumissões. Entre os ibéricos, com a escravidão introduzida no Novo Mundo, os forros ou resgatados foram sua imediata contrapartida. A ideia de resgate era bem conhecida dos portugueses que haviam tido que resgatar cristãos cativos no Norte da África. A partir do século XVII o aumento de africanos escravizados na América portuguesa provocou também a quantidade e variedade de tipos de alforrias, compradas, obtidas por negociação entre senhor e escravo, prometidas. A área das minas foi um catalizador para entrada de um imenso contingente de escravos no Brasil e fez surgir outra configuração social, com vilas e arraiais nos quais a maioria era de escravos, forros e nascidos livres. Ao final do setecentos torna-se comum que libertos passassem a possuir escravos, que da mesma forma lograram ser alforriados dentro da mesma lógica dos seus proprietários forros. Mas, como conclui França, a ascensão desses forros não apagava o seu passado naquela sociedade escravista. A combinação do nome com a categoria imposta e a condição jurídica acompanhava os “pretos forros” ou “mulato forro” até que acabasse por se dissipar. (Cf. FRANÇA, E. O. Alforria. In: GOMES, F., SCHWARCZ, Lilia M. Dicionário da escravidão e liberdade, 2018)

[2] CAPOEIRA: o termo remete a algumas versões quanto à sua origem. Capoeiras eram campos abertos onde escravos fugidos praticavam uma espécie de luta ritual. Atribuía-se também a denominação a um tipo de cesto usado pelos escravos de ganho para transportar aves e verduras pelas ruas da cidade. A luta que praticavam entre si teria recebido o nome dos cestos. De uma forma ou de outra, a capoeira floresceu nas cidades e arredores de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, sendo sempre alvo de repressão e inspirador de temor. Se a origem da prática é rural ou urbana permanece pouco clara; foi, contudo, no início do século XIX, que ela se espalhou de forma avassaladora entre os escravos da cidade do Rio de Janeiro – transformada em corte –, tornando-se um problema de ordem pública de proporções inesperadas. Uma forma de dança e luta ritualizada, representava um momento de congraçamento, mas também de enfrentamento entre diversas etnias africanas, colocadas todas, à força, sob um mesmo rótulo e vivendo no mesmo local. Além disso, passou a ser um meio de ataque e defesa fundamental na resistência à repressão dos movimentos, manifestações e presença dos negros nas ruas da cidade. Em 2014, a UNESCO reconheceu a capoeira como patrimônio cultural imaterial da humanidade.

[3] INTENDENTE DE POLÍCIA: a Intendência de Polícia foi uma instituição criada pelo príncipe regente d. João, através do alvará de 10 de maio de 1808, nos moldes da Intendência Geral da Polícia de Lisboa. A competência jurisdicional da colônia foi delegada a este órgão, concentrando suas atividades no Rio de Janeiro, sendo responsável pela manutenção da ordem, o cumprimento das leis, pela punição das infrações, além de administrar as obras públicas e organizar um aparato policial eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Na prática, entretanto, a Polícia da Corte esteve também ligada a outras funções cotidianas da municipalidade, atuando na limpeza, pavimentação e conservação de ruas e caminhos; na dragagem de pântanos; na poda de árvores; aterros; na construção de chafarizes, entre outros. Teve uma atuação muito ampla, abrangendo desde a segurança pública até as questões sanitárias, incluindo a resolução de problemas pessoais, relacionados a conflitos conjugais e familiares como mediadora de brigas de família e de vizinhos, entre outras atribuições. O aumento drástico da população na cidade do Rio de Janeiro, e consequentemente, da população africana circulando nas ruas da cidade a partir de 1808, esteve no centro das preocupações das autoridades portuguesas, e nela reside uma das principais motivações para a estruturação da Intendência de Polícia que, ao contrário do que vinha ocorrendo no Velho Mundo, deu continuidade aos castigos corporais junto a uma parcela específica da população. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil na primeira metade do século XIX, e apresentava um caráter também político, uma vez que vigiava de perto as classes populares e seu comportamento, com ou sem conotação ostensiva de criminalidade. Um dos traços mais marcantes da manutenção desta ordem política, sobreposta ao combate ao crime, se expressa em sua atuação junto à população negra – especialmente a cativa – responsabilizando-se inclusive pela aplicação de castigos físicos por solicitação dos senhores, mediante pagamento. O primeiro Intendente de Polícia da Corte foi Paulo Fernandes Vianna, que ocupou o cargo de 1808 até 1821, período em que organizou a instituição. Subordinava-se diretamente a d. João VI, e a ele prestava contas através dos ministros. Durante o período em que esteve no cargo, percebe-se que muitas funções exercidas pela Intendência ultrapassavam sua alçada, em especial àquelas relacionadas à ordem na cidade e às despesas públicas, por vezes ocasionando conflitos com o Senado da Câmara. Desde a sua criação, a Intendência manteve uma correspondência regular com as capitanias, criando ainda o registro de estrangeiros.

[4] CASA DA SUPLICAÇÃO: era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância ganhou estatuto das mãos de Filipe I em fins do século XVI, embora a sua constituição tivesse ocorrido ao longo das décadas anteriores. Era a corte suprema diante da qual respondiam os tribunais de relação. Compunha-se de diversos órgãos, com funções distintas. Os cargos mais altos da Casa eram o de regedor e o de chanceler. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com exceção da América portuguesa e da Índia. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. Considerada como Supremo Tribunal de Justiça, nela eram resolvidos todos os juízos e apelações em última instância, como as sentenças de morte. Suas atribuições eram similares às da Casa da Suplicação de Lisboa. Nesse sentido, compunha-se de vários órgãos com funções distintas de caráter jurídico-administrativo, destacando-se o Juízo dos Agravos e Apelações; a Ouvidoria do Crime; o Juízo dos Feitos da Coroa e da Fazenda; o Juízo do Crime da Corte; o Juízo do Cível da Corte e o Juízo da Chancelaria. O distrito de atuação compreendia as áreas do centro-sul da América, além da superposição dos agravos provenientes do Pará, Maranhão, Ilha dos Açores e Madeira e Relação da Bahia. Era composta por um regedor, um chanceler da Casa, oito desembargadores dos Agravos, um corregedor do Crime da Corte e da Casa, um juiz dos Feitos da Coroa e da Fazenda, um procurador, um corregedor do Cível da Corte, um juiz da Chancelaria, um ouvidor do Crime, um promotor de Justiça e seis extravagantes.

[5] REGEDOR: autoridade administrativa civil nomeada pela Câmara Municipal para manter a ordem em determinada freguesia. Eram cargos providos pelo presidente da Câmara e tinham função de autoridade policial.

[6] CATIVO: os conflitos entre europeus cristãos e os povos islâmicos da África e Oriente Médio desde o final da Idade Média tiveram entre suas práticas a captura de reféns, de ambos os lados, com o objetivo de obter regates ou vantagens em negociações posteriores. Não era incomum a troca de reféns e nem a negociação coletiva de cativos. A partir do século XVII, o conflito entre os povos islâmicos e cristãos foi representado, no norte da África, basicamente por esta prática de captura e troca de prisioneiros, muitas vezes envolvendo súditos das coroas ibéricas. Alguns destes cativos passavam anos à espera de resgate, período em que eram mantidos e por vezes negociados como servos de famílias de elite locais. Na sociedade colonial luso-brasileira, o termo era sinônimo de escravo.

[7] PELOURINHO: coluna de pedra colocada em lugar público de cidade ou vila, onde as autoridades municipais exerciam a sua autoridade e justiça. O pelourinho serviu como instrumento de castigo, onde o réu era posto com baraço – tipo de corda – e pregão para, depois de lida a sentença, ser açoitado ao som de tambores que serviam para abafar os gritos do castigado e chamar a atenção dos espectadores. Essa forma de repressão se destinava, principalmente, aos escravos, negros forros, mulatos, mestiços. Dentre os muitos homens isentos do pelourinho estavam o clero, os juízes, os altos administradores e os oficiais de tropa. As primeiras notícias referentes ao levantamento de pelourinhos no Brasil colônia foram fornecidas por Mem de Sá em 1558. Em 1626, foi lembrado pelo ouvidor-geral Luís Nogueira de Brito, a necessidade de ser erguer, no Rio de Janeiro, um pelourinho.

 

 

Fim do conteúdo da página