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Pau Brasil

Apreensão de pau-brasil

Escrito por Super User | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 18h27 | Última atualização em Sexta, 28 de Mai de 2021, 17h33

Ofício de Francisco Cláudio Álvares de Andrade, dirigido a Tomás Antônio de Vila Nova Portugal, secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, informa que um escravo pertencente ao guarda-mor Moreira, residente na ilha de Itacuruçá, ao caçar na mata, encontrou, por acidente, um depósito de cerca de 400 toras de pau-brasil na ilha de Maria Martins, 10 léguas de distância da vila de Ilha Grande. De acordo com o alferes José Manoel Barbosa, que fez a apreensão e o embarque da madeira para o armazém da Real Fazenda, aos cuidados de Joaquim José de Azevedo, visconde do Rio Seco, a madeira deve ter sido cortada há mais de 10 anos, quando a ilha era “inculta e sem moradores”. Seguiu também para a capital para ser interrogado o soldado miliciano Francisco Martins, por ser o único morador da ilha.

 

Conjunto documental: Ministério dos Negócios do Brasil. 
Notação: 5B-406
Data-limite: 1810–1821
Título do fundo ou coleção: Diversos GIFI
Código do fundo: OI
Argumento de pesquisa: pau-brasil
Data do documento: 17 de novembro de 1818
Local: Vila de Ilha Grande
Folha(s): pct. 1819

 

Respondido em 17 de novembro de 1818 Ilustríssimo e Excelentíssimo senhor Na Ilha de Maria Martins, dez léguas distante desta vila, se achou um depósito de pau-brasil[1] do modo seguinte. Um escravo do guarda mor[2] Moreira, morador na Ilha de Itacuruçá indo caçar na referida Ilha meteu-se pelo mato, e pisou sobre uns toros de pau, e vendo que eram muitos, quando se recolheu deu parte ao mencionado guarda mor, que foi examinar o que o escravo lhe disse, e achou ser pau-brasil: veio pessoalmente dar-me esta parte, e eu logo mandei o alferes José Manuel Barbosa, com uma escolta suficiente para fazer mover os toros, e contá-los, e achando quatrocentos logo por minha ordem os fez embarcar, e os remeti com um ofício ao visconde do Rio Seco[3] para os fazer arrecadar no Armazém do depósito daquela Real Fazenda[4] como vossa excelência me ordenou no seu aviso[5] de 14 de agosto do presente ano. A referida madeira pelo modo que se achou julga o alferes José Manuel Barbosa, que foi depositada a sic mais de dez anos, e diz o guarda mor Moreira, que naquele tempo estava inculta, e sem moradores; porém como presentemente mora na Ilha um soldado miliciano[6] Francisco Martins, eu também o mando a presença do Excelentíssimo visconde do Rio Seco para o interrogar como lhe parecer justo. Deus guarde a Vossa Excelência. Senhor Tomás Antônio de Vila Nova Portugal[7] PS.Pode Vossa Excelência estar certo que neste distrito não há pau-brasil e que o depósito foi feito pelos tratantes da Pedra e Guaratiba Francisco Cláudio Álvares de Andrade.

 

[1] PAU-BRASIL (CAESALPINIA ECHINATA): madeira de excelentes propriedades como corante e matéria-prima para fabricação de instrumento musicais, estendia-se no litoral brasileiro, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Referido por cronistas como pau de tinta, a exemplo de Gabriel Soares de Souza, o pau-brasil recebeu diferentes denominações. Ibirapitanga, pelos povos tupi, arabuton por Jean de Lery ou verzino por Américo Vespucio, essa espécie foi descrita pela primeira vez em 1648 por Piso e Marcgrav – Historia Naturalis Brasilae. seguida pelas descrições elaboradas por Lamarck (1789) e por Martius (1876). Recentemente, a denominação Caesalpinia echinata de Lamarck foi modificada para Paubrasilia echinata (https://revistapesquisa.fapesp.br/pau-brasil-vira-genero-de-arvore/). Objeto de exploração exclusiva da Coroa portuguesa [estanco], a importância do pau-brasil foi tão expressiva e lucrativa, durante os séculos XVI e XVII, que era corrente o uso da expressão “fazer Brasil” para designar o complexo de operação para a extração da madeira: derrubada, corte, transporte até os portos. Assim, era incumbência da Coroa portuguesa disciplinar a exploração desordenada da madeira e evitar o descaminho uma vez que a saída da madeira, sem controle, causava danos à Fazenda Real e ao comércio. A exploração sem critérios, o corte aleatório da madeira e o comércio ilícito, realizados tanto por corsários quanto pelos súditos da metrópole, deixaram rastros de destruição das florestas, o que levava a uma interiorização dessa exploração na busca das árvores mais afastadas do litoral. Os instrumentos jurídicos que respaldavam a ocupação da terra pelos portugueses – Carta de Doação da capitania de Pernambuco e Foral (1534) e depois, os Regimentos dos governadores-gerais Tomé de Souza (1548), Francisco Giraldes (1588) e Gaspar de Souza (1612) faziam menção à exploração da madeira, mas não expunham uma preocupação efetiva em sistematizar a exploração. De acordo com Maria Isabel de Siqueira, a Coroa luso-espanhola, por intermédio de Filipe III (1598-1621), preocupada com os interesses da Fazenda Real e com os prejuízos decorrentes não só do descaminho do pau-brasil, mas também da má utilização do solo, acarretando baixa nos lucros do reino, elaborou uma legislação específica para o trato da madeira: o Regimento do Pau-brasil de 1605. Tratava-se de um conjunto de ações normativas e coercitivas para viabilizar a exploração colonial, que autorizavam a extração da madeira com a licença por escrito do Provedor-mor da Fazenda de cada uma das capitanias (artigo 1), concedia a licença para explorar a madeira somente às pessoas de qualidade (artigo 2) e exigia o registro das licenças com a declaração da quantidade de árvores a ser cortada (artigo 3). (Considerações sobre a ordem em colônias: as legislações na exploração do pau-brasil. Clio – Revista de Pesquisa Histórica, v. 29, n. 1, 2011. Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24300)

[2] GUARDA-MOR: autoridade colonial administrativa, nomeada pelo rei, tinha por função fiscalizar, repartir e distribuir datas – propriedades concedidas pela Coroa portuguesa para exploração mineral; evitar o contrabando do ouro e contabilizar o número de escravos que trabalhavam nas minas. O cargo foi instituído em 1702, com a criação da Superintendência das Minas – que substituiu a Provedoria das Minas, responsável pela administração e fiscalização das minas de ouro, prata e cobre descobertas na América portuguesa.

[3] AZEVEDO, JOAQUIM JOSÉ (1761-1835): 1º barão de Rio Seco e 1º visconde do Rio Seco, acompanhou a família real durante sua transferência para o Brasil. Homem de poder político e econômico, exerceu cargos importantes como escrivão e tesoureiro do Tesouro da Casa Real, recebeu as comendas da Ordem de Cristo, da ordem de Cristo “das de África”, da praça de Pernambuco; comendador honorário da Ordem da Torre e Espada; proprietário do ofício do 1º Tabelião da vila de Mariana. Em 1815, recebeu a comenda de São Sebastião d’Elvas da Ordem de Cristo e do senhorio da vila de Macaé. Em 1819, foi feito comendador da ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.

[4] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[5]AVISO: diploma jurídico que expressa um desígnio ou uma determinação de natureza política ou administrativa.

[6] MILITARES: a presença militar na colônia mostrou-se, desde o início, crucial para a administração dos domínios ultramarinos de Portugal, já que estes territórios careciam de estrutura governativa e ordem político-jurídica bem estabelecidas. Sua trajetória data da criação do governo-geral ainda no século XVI, visando efetivar diferentes planos de defesa e de expansão territorial. As forças militares buscavam enquadrar a população em uma ordem que permitiria o “bom funcionamento” da sociedade colonial. A estrutura militar lusitana, que se transferiu para o Brasil, se dividia em três tipos específicos de força: 1a linha – corpos regulares, conhecidos também por tropa paga ou de linha; 2a linha – as milícias ou corpo de auxiliares e a 3a linha – as ordenanças ou corpos irregulares. Os corpos regulares, criados em 1640 em Portugal, constituíam-se no exército “profissional” português, sendo a única força paga pela Fazenda Real, e seus comandantes eram fidalgos nomeados pelo rei. Essa força organizava-se em terços e companhias, cujo comando também pertencia a fidalgos nomeados pelo rei. Teoricamente, dedicar-se-iam exclusivamente às atividades militares, estando em constante treinamento. Todavia, na colônia, foram comumente empregadas em ações policiais de manutenção da ordem pública, ajudando na prisão de foragidos e na captura de escravos fugidos. As tropas de linha enviadas de Portugal, muitas vezes, careciam de efetivos, momento este em que a coroa lançava mão do recrutamento compulsório, terror da população branca colonial. As milícias, criadas em 1641, eram tropas não-remuneradas, compostas por civis e de alistamento obrigatório entre a população da colônia. Organizaram-se primeiramente por terços (antiga unidade portuguesa que vigorou até a segunda metade do século XVIII) e, depois, em regimentos. Funcionavam como forças de apoio às tropas pagas, e em geral, eram treinadas e disciplinadas para substituí-las caso necessário. Na segunda metade do século XVIII, as milícias no Rio de Janeiro estavam organizadas por regimentos alistados por três freguesias: da Candelária, de São José e de Santa Rita. Em Pernambuco, foi criado o “terço dos Henriques” para lutar nas guerras holandesas de 1648 e 1649. Neste “terço” predominou o alistamento de homens pretos forros e escravos recrutados por empréstimo, mas havia também mestiços, mulatos e mamelucos. O negro forro Henrique Dias (início século XVII-1662) comandou essas tropas auxiliares, daí chamarem-se "dos henriques". Nas demais capitanias se formaram "terços" com as mesmas características também denominados "henriques". Sob a denominação de tropas urbanas, as milícias na Bahia eram compostas pelos regimentos dos úteis (comerciantes e caixeiros) e de infantaria (artífices, vendeiros, taberneiros) todos formados por homens brancos. O medo dos proprietários de terras e escravos de que a experiência de Palmares se alastrasse por toda a colônia levou à criação de uma força de repressão nas capitanias, organizada na forma de milícia especializada na caça de escravos fugidos e na destruição de quilombos, em que se destacou a figura do capitão do mato ou "capitão de assalto" ou "capitão de entrada e assalto" entre outras variações que o posto recebeu de região para região. Já os corpos de ordenanças foram criados em 1549 por d. João III, e seu sistema de recrutamento abrangia toda a população masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas primeiras forças, excetuando-se os privilegiados e os padres. Somente em caso de as autoridades considerarem haver uma grave perturbação da ordem pública, abandonavam suas atividades costumeiras. Recebiam treinamento de forma esporádica. Buscava-se, escapar ao alistamento de todas as maneiras, devido às péssimas condições da vida do soldado. A população civil temia o recrutamento militar obrigatório que era realizado pelos agentes recrutadores. Os possíveis recrutas, isto é, os homens brancos e não militares considerados aptos a engrossarem os efetivos das tropas de linha eram detidos a qualquer hora e local (dentro de suas casas e nas salas de aula) e conduzidos à cadeia para uma triagem. Diante de tais arbitrariedades, só restava aos homens a fuga para longe do local em que habitavam uma vez que o recrutamento acarretava o afastamento de suas atividades por tempo indeterminado. Os postos militares mais elevados eram, em geral, preenchidos por homens que já haviam provado ao rei sua qualidade, ou seja, serviços relevantes prestados, o que costumava ser mais importante do que experiência ou saber de guerra. Em 1648, ao sul do Recife, ocorre uma batalha que pode ser considerada marco na organização de forças locais: sob o comando de André Vidal Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias, tropas formadas por brancos locais, indígenas e negros (organizados em destacamentos diferentes) lutaram contra tropas holandesas, formadas igualmente por brancos, negros e índios e lideradas por Domingos Fernandes Calabar e Johan van Dorth. A data da batalha de Guararapes, 19 de abril de 1648, é comemorada como o aniversário do Exército Brasileiro. Com a instalação da corte no Rio de Janeiro, a estrutura militar sofreu nova organização, modernizando-se e ampliando seus estabelecimentos. Foram criadas Academias Militares, indústrias de armas, fábricas de pólvoras, arsenais de guerras e hospitais militares.

[7] PORTUGAL, TOMÁS ANTONIO DE VILA NOVA (1755-1839): bacharel em leis pela Universidade de Coimbra, foi desembargador do Paço, chanceler-mor do Reino, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino e dos Negócios Estrangeiros. Figura de relevo no cenário político luso-brasileiro, destacou-se por sua participação como autor intelectual da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves em 1815. Próximo a d. João, Vila Nova acumulou, em caráter ordinário e efetivo, vários cargos importantes. Foi ministro do Reino, do Erário Régio e dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, entre 1818 e 1820. Favorável aos ideais absolutistas, defendia os valores e fórmulas do Antigo Regime e a permanência da corte no Brasil, longe das ideias liberais que assolavam a Europa. Sem êxito em seu propósito, retornou a Portugal junto com a família real em 1821.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a "História das relações sociais da cultura e do trabalho"
- No sub-tema "As relações sociais, a natureza e a terra"
- Ao trabalhar o tema transversal "Meio ambiente"

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A sociedade colonial: culturas naturais
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais

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