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Instruções para inspeção das casas da Corte

Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 14h52 | Última atualização em Terça, 09 de Março de 2021, 21h07

Ofício expedido pelo intendente geral de Polícia da Corte, Paulo Fernandes Viana, ao juiz do crime do bairro de Santa Rita, João Martins Pena, sobre outro ofício de 10 de fevereiro de 1816. Esse nomeava o juiz para principiar a inspeção das casas velhas e novas determinadas pela intendência e sugerir medidas para resolver os problemas que pudessem ser encontrados. Anexa as instruções sob as quais se deve fazer a inspeção, com "método e acerto".

Conjunto documental: Registros de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da Corte e ministros eclesiásticos
Notação: códice 329, vol. 03
Datas-limite: 1815-1817
Título do fundo ou coleção: Polícia da Corte
Código do fundo ou coleção: ØE
Argumento de pesquisa: cidades, ordem pública
Data do documento: 16 de fevereiro de 1816
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

 

Registro das instruções dadas ao magistrado do bairro de Santa Rita[1], para a inspeção das casas[2] arruinadas e mal edificadas desta Corte.

Instruções dadas ao magistrado para a inspeção dos prédios desta Corte na conformidade do edital da Polícia de 12 do corrente = Por carta avisará aos arquitetos da Casa Real[3] José da Costa, e João da Silva Muniz para que com os mestres carpinteiros e pedreiros, que eles nomearem se ache em sua casa no dia tal para se principiar a inspeção, que deverá ser impreterivelmente no dia 19 ou 20, e se fará em três dias de cada semana, que vossa mercê como ministro sempre assinalará, e assim se irá continuando até se concluir a inspeção geral dos prédios já edificados, e das obras novas que qualquer fizer, porque é da competência desta Inspeção pedir o risco destas e ver se os alicerces e paredes são feitos com a segurança, e direitura conveniente, e com os massames competentes, e ordenar as emendas que se deverem praticar. = O mesmo ministro chamará para escrivão fixo desta inspeção o do Juízo do Crime[4] da Candelária[5] ordenando-lhe que compareça com livro que será pago por esta Intendência[6] onde lance o dia mês e ano em que se fizer inspeção, e o resultado dela pelo formulário que aqui se descreve na forma seguinte = 1816 = Rua da Quitanda = Fevereiro _ 20 _ A inspeção achou o prédio n° __ de que é inquilino F.__ e Proprietário F. = neste ou naquele estado e determinou com os mestres abaixo assinados que tal parede se devia arriar, e levantar assim e por este ou aquele modo, escorando-se da parte da rua por tal maneira, e da parte de tal por este ou aquele modo. = E quando nada achar dirá = Em todo este dia tudo se achou corrente e assinarão = Porque por este livro é que se deve pelo mesmo ministro ordenar a obra, mandar pagar os mestres a custa das partes cujos prédios se acharem arruinada, o que pelo regimento lhes toca por diário ou quando não houver parte, pelo cofre da Intendência, expedindo-lhe atestado para eles virem procurar na Intendência o seu pagamento. = A inspeção do dia seguinte deve começar onde aquela se acabou no antecedente mas fica livre ao ministro ir primeiro aos prédios denunciados por se reputar e presumir nestes mais certo o mal que se deve remediar. =  O que se assentar na inspeção deve executar-se prontamente sem admitir embargos, agravos, nem apelações, e quem lhe requerer contra a decisão, deve ordenar-lhe que requeira a Intendência indo sempre dando a execução o que por ela se determinou. = Se o dono do prédio inspecionado não principiar o derrubamento que se lhe determinar no termo que se lhe assinar pela inspeção, o mesmo ministro mandará fazer a obra, e tomar os aviamentos por conta dele, penhorando-lhe bens para este pagamento aluguéis de quaisquer outras propriedades, e até o valor dos chãos daquela mesma de cuja reedificação se trata, para pôr tudo em segurança do pagamento do mestre que tomar conta da obra que irá formalizando férias de jornais, e de materiais para lhe serem pagas o mais prontamente que for possível pelo mesmo ministro que deve segurar a prontidão do pagamento. = Ocorrendo algum inconveniente que aqui não esteja providenciando dará parte para da Intendência lhe ir resolvido. = Rio de Janeiro 16 de fevereiro de 1816 = Paulo Fernandes Viana[7]

 

[1] A freguesia de Santa Rita surgiu no Rio de Janeiro, no entorno da igreja de mesmo nome, erigida em 1721 por Manuel Nascentes Pinto e sua mulher, Antônia Maria, que trouxeram uma imagem da santa de Portugal e iniciaram um culto doméstico aberto, que atraía muitos devotos. Decidiram-se por erigir a igreja para Santa Rita em uma chácara ao pé do morro da Conceição, que depois passou a dar nome ao largo, atualmente localizado no final da avenida Marechal Floriano (antiga rua de São Joaquim), esquina com a rua Visconde de Inhaúma. A igreja foi elevada à condição de freguesia em 1753. Próximo a ela ficava o cemitério dos pretos novos.

[2] As edificações no Brasil sofreram várias alterações ao longo do período colonial. No início da colonização, ainda no século XVI, as construções tinham uma estrutura de "casa-grande", uniam-se os lugares de moradia e trabalho no mesmo espaço, constituindo quase pequenas fortalezas, bem guarnecidas e protegidas, onde os colonos se aquartelavam evitando ataques indígenas ainda comuns nos primeiros anos da ocupação portuguesa. Ao correr dos séculos XVII e XVIII, as casas perdem este caráter de fortificação, mantendo, entretanto a função de moradia e local de trabalho - o que dava um caráter público à vida nesta época. Tornam-se mais esparramadas ("derramadas", no dizer de Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala), ou seja, térreas e mais extensas, muito embora ainda continuassem bastante próximas umas das outras, a ponto de uma das primeiras medidas da recém-criada Intendência de Polícia da Corte ter sido a proibição de construir casas térreas no centro da cidade, sendo somente permitidos os sobrados, para evitar uma ocupação desordenada do espaço urbano. Os materiais utilizados para construção também se mantiveram por um bom tempo os mesmos: taipa (barro aplicado a um trançado de madeira ou bambu) para as paredes, chão batido nas casas térreas e assoalho de madeira nos sobrados, e palha e sapê, ou telhas de barro (sem forro) para os tetos. As casas não tinham água encanada ou esgotamento. Na maior parte do período colonial, a arquitetura e decoração (interna e externa) das habitações eram simples - com a vinda da família real e da Corte para o Rio de Janeiro o aspecto das casas começa a melhorar, sendo associado ao prestígio do dono. Surge também uma maior preocupação com a qualidade das edificações e da salubridade dos ambientes, o que promoveu uma tentativa de padronizar as construções visando diminuir o risco de acidentes e epidemias e controlar melhor a ocupação e uso do espaço público.

[3] Expressão utilizada para se referir tanto ao local físico onde viviam o rei e sua família, quanto à própria instituição monárquica em si. Compreende além da família real, as famílias fidalgas e a nobreza de Portugal. Instituição absolutista, foi responsável pela jurisdição e manutenção da hierarquia da numerosa criadagem subordinada diretamente ao rei, nos moldes da sociedade de corte do Antigo Regime. Sua organização encontrava-se dividida em áreas como o serviço nas câmaras e casas, cozinha, atividades relacionadas à caça, guarda, serviço religioso, entre outros. Os ofícios ligados à real câmara – neste caso, câmara é alusivo ao espaço de intimidade do monarca, a casa em que se dorme – compreendiam funções que envolviam um contato mais direto com o rei. O titular do ofício atuava no núcleo da corte, conferindo grande influência política àquele que a Coroa concedia autoridade para executar um determinado tipo de tarefa. Via de regra, as atividades estavam divididas entre ofícios maiores – que tinham vastas competências, era o caso do mordomo-mor e camareiro-mor – e os menores – que englobava trabalhos ligados a profissões “mecânicas”, como pintor, barbeiro, boticário, cirurgião e físico. Os cargos do serviço real eram muito disputados pelos fidalgos – ser criado da Casa Real não significava ser inferior, muito pelo contrário, além de ser um canal direto com o Rei, proporcionava honra, status e a possibilidade de obtenção de uma mercê. A Casa Real era organizada em seis setores administrativos, as “repartições”: a Mantearia Real, que tratava de assuntos relativos à mesa do Rei, sua família e dos fidalgos de sua casa, como toalhas, talheres, guardanapos, etc; a Cavalariça Real, que responde pelos equinos, muares, pelas seges e carruagens reais; Ucharia e Cozinhas Reais, que cuidavam da despensa – alimentação e bebidas – de toda a família real e de todas as famílias nobres e fidalgas do reino; a Real Coutada, responsável pelos terrenos reais, florestas e bosques; Guarda-Roupa Real, ocupado das vestimentas do rei e parentes; e a Mordomia mor, cuja principal atribuição era a organização e fiscalização dos outros setores. Houve grande dificuldade na reorganização da Casa Real no Brasil, principalmente pelos recursos escassos do Real Erário – e enormes gastos –, pelas intrigas e conflitos entre portugueses do reino e os colonos, pela precária utensilagem e falta de pessoal preparado para o serviço real, e pela própria dificuldade de adaptar costumes absolutistas antigos ao Brasil colonial. Ficaram conhecidas da população do Rio de Janeiro as frequentes contendas entre Joaquim José de Azevedo, tesoureiro da Casa Real, e d. Fernando José de Portugal e Castro, mordomo mor da Casa Real, presidente do Real Erário e secretário de Estado de d. João VI, em torno de recursos para manter o luxo da família real, que era considerada uma das mais simples da Europa. O excesso de gastos gerava problemas de fornecimento e abastecimento em toda a cidade, e frequentemente resultava em carestia de gêneros, principalmente para os mais pobres, que sentiam mais o peso de gerar divisas para sustentar a onerosa Casa Real de Portugal.

[4] Atribuição dada ao magistrado com competências semelhantes às do juiz de fora, mas restritas à esfera criminal. A ele, como aos juízes de fora, cabia realizar devassas sobre crimes acontecidos nos bairros (ou cidades) de sua jurisdição, visando a solucioná-los e a prender os culpados; executar as sentenças estabelecidas pelo intendente geral de Polícia da Corte e, especificamente no Brasil, cobrar as décimas – impostos pagos pelos proprietários de prédios urbanos. Os juízes do crime que atuavam no Brasil seguiam o regimento dos ministros criminais de Lisboa, cujas atribuições eram as mesmas. Com a chegada da corte, d. João criou mais postos de juiz do crime (alvará de 27 de junho de 1808), principalmente para o Rio de Janeiro, prevendo um incremento da criminalidade em decorrência do brusco e significativo aumento populacional que a cidade sofrera com o desembarque da família real e da corte, pretendendo incrementar a “segurança e a tranquilidade de seus vassalos”. Cada juiz do crime respondia por um bairro ou freguesia, como a da Candelária, da Sé, de São José e de Santa Rita, por exemplo.

[5] Freguesia situada próxima à antiga Sé, no centro da cidade do Rio de Janeiro, onde foi erguida uma das mais amplas e luxuosas igrejas do Rio de Janeiro, cuja origem remonta ao século XVII. Antônio Martins Palma e sua mulher Leonor Gonçalves, espanhóis, prometeram erigir uma igreja a Nossa Senhora da Candelária no primeiro porto que parasse, caso escapassem com vida de um naufrágio. Como desembarcaram no Rio de Janeiro, cumpriram a promessa e construíram uma pequena ermida, pronta em 1609. Em 1634, foi decretada a segunda sede paroquial da cidade, mas somente sofreu uma reforma significativa em 1710, embora ainda em meados do XVIII necessitasse de reformas para ampliação. Novas obras deram início em 1774, sob os planos do engenheiro militar Francisco João Roscio, que utilizou pedra extraída da pedreira da Candelária, no morro da Nova Sintra, no bairro do Catete. A igreja, ainda inacabada, foi inaugurada em 1811, em ato solene, contando com a presença de d. João VI. A igreja permaneceu em obras ao longo de todo o século XIX. Sua cúpula, com 62,24 metros de altura, foi concluída em 1877. A decoração do interior teve início no ano seguinte e seguiu um modelo neorrenascentista italiano fazendo uso de uma variedade de cores do revestimento de mármore: cinzentos, brancos, amarelos, verdes, vermelhos e negros. No teto da nave, há seis painéis que contam a história inicial da igreja da Candelária, desde a viagem dos fundadores até a primeira sagração. As portas da igreja são em estilo Luís XV, em bronze, esculpidas por Teixeira Lopes, fundidas em Bruzy, na França, e foram expostas na Exposição Universal de Paris, de 1889. A igreja compreende elementos de vários estilos, como o barroco e o art-nouveau.

[6] A Intendência de Polícia foi uma instituição criada pelo príncipe regente d. João, através do alvará de 10 de maio de 1808, nos moldes da Intendência Geral da Polícia de Lisboa. A competência jurisdicional da colônia foi delegada a este órgão, concentrando suas atividades no Rio de Janeiro, sendo responsável pela manutenção da ordem, o cumprimento das leis, pela punição das infrações, além de administrar as obras públicas e organizar um aparato policial eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Na prática, entretanto, a Polícia da Corte esteve também ligada a outras funções cotidianas da municipalidade, atuando na limpeza, pavimentação e conservação de ruas e caminhos; na dragagem de pântanos; na poda de árvores; aterros; na construção de chafarizes, entre outros. Teve uma atuação muito ampla, abrangendo desde a segurança pública até as questões sanitárias, incluindo a resolução de problemas pessoais, relacionados a conflitos conjugais e familiares como mediadora de brigas de família e de vizinhos, entre outras atribuições. O aumento drástico da população na cidade do Rio de Janeiro, e consequentemente, da população africana circulando nas ruas da cidade a partir de 1808, esteve no centro das preocupações das autoridades portuguesas, e nela reside uma das principais motivações para a estruturação da Intendência de Polícia que, ao contrário do que vinha ocorrendo no Velho Mundo, deu continuidade aos castigos corporais junto a uma parcela específica da população. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil na primeira metade do século XIX, e apresentava um caráter também político, uma vez que vigiava de perto as classes populares e seu comportamento, com ou sem conotação ostensiva de criminalidade. Um dos traços mais marcantes da manutenção desta ordem política, sobreposta ao combate ao crime,  se expressa em sua atuação junto à população negra – especialmente a cativa – responsabilizando-se inclusive pela aplicação de castigos físicos por solicitação dos senhores, mediante pagamento. O primeiro Intendente de Polícia da Corte foi Paulo Fernandes Vianna, que ocupou o cargo de 1808 até 1821, período em que organizou a instituição. Subordinava-se diretamente a d. João VI, e a ele prestava contas através dos ministros. Durante o período em que esteve no cargo, percebe-se que muitas funções exercidas pela Intendência ultrapassavam sua alçada, em especial àquelas relacionadas à ordem na cidade e às despesas públicas, por vezes ocasionando conflitos com o Senado da Câmara. Desde a sua criação, a Intendência manteve uma correspondência regular com as capitanias, criando ainda o registro de estrangeiros.

[7] Nascido no Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana era filho de Lourenço Fernandes Viana, comerciante de grosso trato, e de Maria do Loreto Nascente. Casou-se com Luiza Rosa Carneiro da Costa, da eminente família Carneiro Leão, proprietária de terras e escravos que teve grande importância na política do país já independente. Formou-se em Leis em Coimbra em 1778, onde exerceu primeiro a magistratura, e no final do Setecentos foi intendente do ouro em Sabará. Desembargador da Relação do Rio de Janeiro (1800) e depois do Porto (1804), e ouvidor-geral do crime da Corte foi nomeado intendente geral da Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808. De acordo com o alvará, o intendente da Polícia da Corte do Brasil possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetidos os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da ordem e segurança pública. Durante as guerras napoleônicas, dispensou atenção especial à censura de livros e impressos, com o intuito de impedir a circulação dos textos de conteúdo revolucionário. Tinha sob seu controle todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Foi durante a sua gestão que ocorreu a organização da Guarda Real da Polícia da Corte em 1809, destinada à vigilância policial da cidade do Rio de Janeiro. Passado o período de maior preocupação com a influência dos estrangeiros e suas ideias, Fernandes Viana passou a se ocupar intensamente com policiamento das ruas do Rio de Janeiro, intensificando as rondas nos bairros, em conjunto com os juízes do crime, buscando controlar a ação de assaltantes. Além disso, obrigava moradores que apresentavam comportamento desordeiro ou conflituoso a assinarem termos de bem viver – mecanismo legal, produzido pelo Estado brasileiro como forma de controle social, esses termos poderiam ser por embriaguez, prostituição, irregularidade de conduta, vadiagem, entre outros. Perseguiu intensamente os desordeiros de uma forma geral, e os negros e os pardos em particular, pelas práticas de jogos de casquinha a capoeiragem, pelos ajuntamentos em tavernas e pelas brigas nas quais estavam envolvidos. Fernandes Viana foi destituído do cargo em fevereiro de 1821, por ocasião do movimento constitucional no Rio de Janeiro que via no intendente um representante do despotismo e do servilismo colonial contra o qual lutavam. Quando a Corte partiu de volta para Portugal, Viana ficou no país e morreu em maio desse mesmo ano. Foi comendador da Ordem de Cristo e da Ordem da Conceição de Vila Viçosa, seu filho, de mesmo nome, foi agraciado com o título de barão de São Simão.

 

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