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União de Pernambuco e Ceará

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 15h04 | Última atualização em Quinta, 06 de Mai de 2021, 02h26

Oficio de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, presidente da província do Ceará, a Manoel Carvalho Paes de Andrade, presidente da província de Pernambuco, solicitando auxílio em armamentos, pois as tropas cearenses não possuíam muito poder de fogo. Defende também que as duas províncias, Ceará e Pernambuco, deveriam lutar juntas contra o imperador e em defesa da liberdade.


Conjunto documental: Confederação do Equador
Notação: caixa 742, pct. 01
Data-limite: 1808-1878
Titulo de fundo: Confederação do Equador
Código do fundo: 1N
Data do documento: 30 de abril de 1824
Local: Ceará
Folhas(s): -

Está feita a nossa intima união, quer de reciprocidade de sentimentos, quer de riscos, e de perigos. O Ceará[1] não cede a Pernambuco[2] em patriotismo, e zelo da sua liberdade: ambas são Províncias do Brasil, cheias de gás, e daqueles ilustres caracteres que a natureza gravou nos corações livres dos Brasileiros honrados. Do papel junto verá V. Exª os motivos que nos obrigarão a depor o Presidente do governo desta província dentro de quatorze dias. O senhor Pedro José da Costa Barros em tão pequeno período de tempo tornou-se o alvo dos ressentimentos deste povo brioso, que já não sofre os enganos, e para melhor dizer, o descaramento do Gabinete do Rio de Janeiro[3]. Quis levar-nos como escravos dos ferros do despotismo, e pretendeu que o Ceará negasse á Pernambuco aqueles indispensáveis socorros, que um irmão deve prestar a seu irmão consternado: propôs mesmo que nós fossemos de todo opostos aos sentimentos dos dessodados Pernambucanos. Foi este um evidente testemunho da sua denegação a ideias Liberais[4], e apesar dos nossos convites já mais se resolve abraçar o nosso sistema, e muito menos desaferrar-se dos princípios Ministeriais, quais havia adotado no Rio de Janeiro. Estamos certos de breve invasão, e nós achamos desarmados. Rogo por tanto a V.Exª. queira repartir conosco o armamento, e apetrechos de guerra, que puder dispensar, para cuja condução enviarei ao Sargento Mor Luis Rodrigues Chaves a essa Província, ou outro qualquer oficial com a mais possível brevidade. Parece desnecessário afiançar a V. Exª. uma inabalável identidade do bem, ou do mal entre estas duas Províncias. Em quanto durar a minha Presidência Temporária, e ainda depois dela conte V.Exª., que o Ceará não afrouxará um só fuzil da grande cadeia, que nos interlassa, pois que de mais a mais temos na frente o intrépido Senhor Filgueiras, o ídolo do Povo, e tão firme como uma rocha no embate das ondas. Creio que V.Exª. me entende. Espero ansioso pela deliberação das Províncias a quem o extinto Governo Provisório[5] se dirigiu para a coligança afim de melhor defender-mo-nos do inimigo.

Deus Guarde a V.Exª. como é mister. Palácio do Governo do Ceará 30 de abril de 1824, 3.º da Independência e do Império.

Senhor Manoel de Carvalho Paes de Andrade[6], Presidente do governo da Província de Pernambuco.

Tristão Gonçalves de Alencar Araripe[7].

 

[1] CEARÁ, CAPITANIA DO: capitania hereditária, estabelecida em 1534, tornou-se parte do Estado do Grão-Pará e Maranhão em 1621. Passou a integrar o Estado do Brasil em 1656, ficando subalterna à capitania de Pernambuco até 1799, ano em que alcançou o status de capitania de primeira ordem, embora com subordinação judicial primeiro à relação da Bahia e, depois à de Pernambuco até 1821. A chamada “civilização do couro”, na expressão de Capistrano de Abreu, encontrou dificuldades na conquista, mas se expandiu rapidamente já no século XVII (Cf. Maria Yedda Linhares. Pecuária, Alimentos e Sistemas Agrários no Brasil. Revista Tempo, 1996). A pecuária contribuiu bastante para a sua efetiva colonização, interiorizando a ocupação do território. A criação de gado expandiu-se no século XVIII, quando foi levada para Pernambuco, Bahia e Minas Gerais pelos caminhos do sertão. Além do mercado interno, a pecuária cearense destinava couro e carne para o exterior. Existiam outros produtos como as madeiras nobres, o sal, o algodão e a cera de carnaúba, que tiveram importância para a economia dessa capitania. Embora o Ceará não estivesse entre as praças mais voltadas à exportação, a escravidão africana na região foi significativa desde o século XVIII. O interior da capitania manteria uma concentração maior de população e de atividades de produção até meados do século XIX, o que explica a iniciativa de vilas da região do Crato e de Quixeramobim nas revoltas de 1817 (Revolução Pernambucana) e 1824 (Confederação do Equador). Em 1817, a capitania do Ceará foi palco das lutas entre os revolucionários e os contrarrevolucionários. Seu governador, Manuel Inácio de Sampaio, foi um dos principais aliados do conde dos Arcos, governador da Bahia, no freio à expansão da revolução no Nordeste e na subsequente vitória sobre os rebeldes. A Revolução de 1817, apesar de malograda, foi a semente de um movimento maior, que floresceu em Pernambuco e se expandiu pelo nordeste, incluindo-se o Ceará: a Confederação do Equador. Destaca-se aí a participação de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, liberal radical, que veio a tornar-se chefe do governo cearense. O Ceará, depois de Pernambuco, foi o estado onde a adesão ao movimento revolucionário foi mais ativa e intensa, e se deu de forma imediata. Anteriormente a sua proclamação, já havia eclodido vários focos insurrecionais no Ceará: a Câmara de Quixeramobim (antiga Vila de Campo Maior) declarou decaída a dinastia dos Bragança; e o Padre Gonçalo Inácio de Loiola, mais tarde, Padre Mororó, espalhou por Icó, São Bernardo das Russas e Aracati o movimento revolucionário. José Pereira Figueiras e Tristão Gonçalves comandaram a adesão do Crato. Os embates foram intensos, espalharam-se pelos sertões, e a repressão eliminou, de forma previsivelmente sangrenta, o movimento de 1824, executando ou assassinando suas principais lideranças.

[2] PERNAMBUCO: a capitania de Pernambuco foi uma das subdivisões do território brasileiro no período colonial. Em 9 de março de 1534, essas terras foram doadas ao fidalgo português Duarte Coelho Pereira, que fundou Recife e Olinda (primeira capital do estado) e iniciou a cultura da cana-de-açúcar e do algodão, que teriam importante papel na história econômica do país. A capitania, originalmente, estendia-se por 60 léguas entre os rios Igaraçu e São Francisco, e era chamada de Nova Lusitânia. Nos primeiros anos da colonização, junto com São Vicente, a capitania teve grande destaque, pois sua exploração foi bem-sucedida, principalmente devido ao cultivo e produção do açúcar, responsável por mais da metade das exportações brasileiras. O sucesso da lavoura açucareira atraiu investimentos de outros colonos portugueses. O povoado de Olinda prosperou, tanto que, em 1537, o povoado foi elevado à categoria de vila, tornando-se um dos mais importantes centros comerciais da colônia. Em 1630, no entanto, os holandeses invadem Olinda e conquistam Pernambuco. A vila foi incendiada em 1631, como resultado dos contra-ataques portugueses, e Recife torna-se, então, o centro administrativo da capitania, crescendo sob a administração dos holandeses. O domínio holandês, sob a administração do conde Maurício de Nassau, provocou mudanças econômicas, sociais e culturais: tolerância religiosa; melhoramento urbano em Recife; incentivo a atividades artísticas e estudos científicos, além de acordos com os senhores de engenho no sentido de minorar suas dívidas e incentivar a produção de açúcar. Os holandeses foram expulsos em 1654 e foi iniciada a lenta reconstrução da vila de Olinda. Os anos de guerra e os conflitos internos abalaram a economia da capitania e, com o crescimento de outras regiões da colônia, Pernambuco perdeu sua supremacia econômica. Foi, também, no século XVII, que se formou o quilombo dos Palmares, o maior centro de resistência negra à escravidão do período colonial. Parte dele localizava-se em terras da capitania de Pernambuco e era formado por escravos fugitivos. Foi destruído em 1690, por Domingos Jorge Velho, após quase um século de existência. Pernambuco foi palco de diversos conflitos e revoltas. A guerra dos mascates, em 1710 e 1711, apresentou-se como um embate entre interesses imediatos de comerciantes portugueses – concentrados em Recife, pejorativamente chamados de mascates – e senhores de engenho, assentes em Olinda. A já existente rivalidade entre as duas cidades, que expressava uma disputa de poder político entre os dois grupos mencionados, acentuou-se em 1710, com a elevação do povoado de Recife à categoria de vila, independente de Olinda que, a partir de então, entraria em declínio, perdendo o status de capital para a rival logo em 1711. Em 1817, outro conflito eclodiria na capitania, a Revolução Pernambucana, que marcou o período de governo de d. João VI como um dos principais movimentos de contestação ao domínio português. Em meio a esse clima, a dissolução da Assembleia Constituinte, em 1823, e a outorga da Constituição de 1824 por d. Pedro I geraram violenta reação de Pernambuco. Após a tentativa de destituição de Manuel Paes de Andrade da presidência da província, para a nomeação de Francisco Pais Barreto pelo Imperador, acirraram-se as tensões, abrindo caminho para um movimento contestador: a Confederação do Equador – grande movimento revolucionário de caráter separatista e republicano que se estendeu por grande parte do nordeste brasileiro e teve Pernambuco como centro irradiador.

[3] GOVERNO DO RIO DE JANEIRO: a vinda da família real para o Rio de Janeiro, em 1808, ampliou a importância política e administrativa dessa cidade na América portuguesa. Com o retorno de d. João VI a Portugal, em meio à revolução liberal de 1820, aqui a regência de d. Pedro I se defronta com a elite política formada em torno da causa brasileira. Para esses segmentos dominantes de nascidos no Brasil, mais os portugueses ajustados às circunstâncias da colônia, o que interessava era a autonomia em relação a Lisboa, sem abrir mão da continuidade na ordem social e econômica estabelecida. As deliberações das Cortes revolucionárias, a partir de 1821, se mostraram inconvenientes ao “partido brasileiro”, dividido entre tendências conservadoras e ideias progressistas, mas nitidamente resistente à subordinação irrestrita do Brasil a Portugal. Nessas tensões engendrou-se o processo de independência do Brasil e o governo do Rio de Janeiro, a partir de 1822, expressou a implementação de um projeto de soberania na organização do Estado deste lado do Atlântico. Durante a Confederação do Equador, em 1824, o Gabinete do Rio de Janeiro, ou seja, o Imperador e seus ministros instalados na cidade, era visto pelos confederados com uma face despótica e centralista, não muito diferente daquela apresentada pela dinastia de Bragança antes da independência, quando sediada em Lisboa. Além disso, a maior atenção atribuída àquela cidade e à região sudeste, evidenciada inclusive na Constituição de 1824, deixaria marginalizado o restante do país, em especial o Nordeste.

[4] IDEIAS LIBERAIS [NA CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR]: inspiradoras do movimento nordestino de 1824 e de diversos outros movimentos revolucionários no Brasil, as ideias liberais têm raízes nas lutas da burguesia em superar os obstáculos que a ordem jurídica feudal opunha ao livre desenvolvimento da economia. O liberalismo postulava as limitações do poder estatal em benefício das liberdades individuais, era fundamentado nas teorias racionalistas e empiristas do Iluminismo, e na expansão econômica gerada pela industrialização. O ideário liberal no terreno econômico possuía sua contrapartida no terreno das ideias políticas, que defendiam a liberdade intelectual e a secularização do processo político vistas, cada vez mais, como um negócio entre iguais. O ideário liberal, de uma forma ampla, influenciou muitos movimentos “rebeldes” antes e depois de 1822 no Brasil, fosse para justificar a independência política ou o fim do monopólio comercial, fosse para justificar o rompimento com um governo centralizador e despótico. A Confederação do Equador, e a Revolução Pernambucana de 1817, foram marcadas pelo liberalismo radical, embora defendido com variados graus de intensidade e sinceridade, e apesar da forte repressão, as ideias republicanas e autonomistas estavam significativamente presentes em parcelas da sociedade pernambucana. O principal defensor, no plano intelectual, das ideias liberais durante a Confederação do Equador foi o carmelita Joaquim do Amor Divino, o Frei Caneca, que utilizava o jornal Tífis Pernambucano para defendê-las, reafirmando que a origem da soberania residia no povo e nação, que agiam através de representantes legítimos.

[5] GOVERNO PROVISÓRIO: junta governamental composta por cinco membros oriundos das principais camadas da sociedade, durante a Revolução Pernambucana. Instituído em 8 de março de 1817, integravam-na os seguintes representantes: Domingos José Martins, chefiando o comércio; João Ribeiro de Pessoa de Mello e Montenegro, o clero; Manoel Correia de Araújo, os proprietários de terras; José Luiz de Mendonça, a justiça; e Domingos Teotônio Jorge, o exército. Domingos Teotônio e Francisco de Paula foram os principais líderes militares da rebelião de 1817 e ocupavam, respectivamente, os cargos de general em armas e da divisão. A partir de sua criação, o governo provisório iniciou uma série de medidas, como a criação de cargos de secretário de estado, abolição de impostos sobre lojas e subsídio militar de 160 réis em arroba de carne verde; decretos estabelecendo a liberdade plena de comércio e assegurando a propriedade aos senhores de escravos e a aprovação das leis orgânicas em 7 de abril – onde foram pioneiramente inscritos princípios como o republicanismo, a liberdade de consciência, a tolerância religiosa e um regime tributário menos escorchante. Em virtude da iminente invasão pelas tropas reais e a não-aceitação do acordo de capitulação, a junta governamental foi dissolvida a 18 de maio de 1817, delegando amplos poderes a Domingos Teotônio Jorge. A referência ao Governo Provisório, contudo, sobreviveria à rebelião, influenciando os rebeldes de anos vindouros, frequentemente lembrado tanto pelo poder instaurado – que temia a sua evocação – quanto pelos opositores deste — que ameaçavam com seu retorno.

[6] ANDRADE, MANOEL DE CARVALHO PAES DE (177?-1855): nascido em Pernambuco, viveu por algum tempo em Portugal, dedicando-se ao comércio em seu retorno. Participou da Revolução Pernambucana de 1817 e, com a derrota do movimento, refugiou-se nos Estados Unidos, temendo a retaliação das autoridades. Após a anistia, em 1821, voltou ao Brasil e ocupou o cargo de Intendente da Marinha. Foi eleito presidente da província de Pernambuco, provisoriamente, em 13 de dezembro de 1823, após a renúncia de Francisco Pais Barreto. Em 8 de janeiro de 1824, foi confirmado presidente pelos eleitores pernambucanos, contrariando as ordens do governo imperial que indicara Francisco Pais Barreto para a presidência. Manoel de Carvalho foi o responsável pela proclamação da Confederação das Províncias Unidas do Equador, em 2 de julho de 1824 [ver Confederação do Equador]. Malogrado o movimento, refugiou-se na Inglaterra por cerca de sete anos. Novamente no Brasil, foi eleito senador pela província da Paraíba e, em 1834, foi mais uma vez presidente da província de Pernambuco, além de deputado geral e senador do Império do Brasil entre 1831 e 1855. Faleceu no Rio de Janeiro em 1855.

[7] ARARIPE, TRISTÃO GONÇALVES DE ALENCAR (1789-1825): nascido no Crato, Ceará, participou da Revolução Pernambucana de 1817 e da tentativa de levar o movimento a sua terra natal, ao lado de sua mãe Bárbara de Alencar, do tio Leonel Pereira de Alencar e do irmão José Martiniano de Alencar. Em 3 de maio de 1817, uma pequena vila do interior do Ceará proclamou a República do Crato, assumindo a presidência Bárbara de Alencar. Os revolucionários foram presos pelo capitão-mor José Pereira Filgueiras e enviados para presídios em Fortaleza. Quando da sua liberdade e da eclosão da Confederação do Equador, aderiu ao movimento, tornando-se uma das figuras mais representativas, sendo proclamado pelos rebeldes republicanos, em 26 de agosto de 1824, presidente da província do Ceará, destituindo o tenente coronel Pedro José da Costa Barros. Ao seu lado, José Pereira Filgueiras figurava como comandante das armas. Outrora inimigos políticos, lutariam pela mesma causa em 1824, formando uma dupla de grande poder. Foi morto pelas forças imperiais no interior do Ceará.

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