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Comentário

Publicado: Terça, 24 de Janeiro de 2017, 13h02 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 15h02
 Independência em Pernambuco

Viviane Gouvêa
Pesquisadora no Arquivo Nacional


Em meados de 1821, Felipe Mena Calado da Fonseca, Manuel Clemente Cavalcanti de Albuquerque, Gervário Pires e outros pernambucanos voltavam de um período de alguns anos nas prisões da Bahia, para onde haviam sido enviados em decorrência da Revolução de 1817. Recebendo a anistia em conseqüência de um decreto das Cortes de Lisboa, as quais haviam iniciado a revolução liberal um ano antes, os ex-presos mostraram-se logo dispostos a organizar em Pernambuco uma junta constitucional, de acordo com as determinações das citadas cortes, a exemplo do que ocorria em outras províncias. Além de um retorno à cena pública que lhes permitiria articular as propostas e planos que defendiam para a província, a instalação de uma junta significaria um meio de derrubar a autoridade do governador Luís do Rego Barreto já que, na prática, as resoluções de Lisboa provocavam, além da instalação das juntas provisórias, a demissão de governadores nomeados pelo rei.

Personagem central da violenta repressão ao movimento de 1817, responsável pelo envio de vários dos líderes pernambucanos às prisões baianas, o governador tentou uma série de manobras para permanecer no poder, a despeito mesmo das novas diretrizes vindas de Lisboa. Em abril de 1821, chegou a se autonomear presidente de uma junta governativa eleita sob sua coerção direta. Muitos se opuseram a tais atitudes, e alguns dos seus opositores começaram a se transferir para Goiana. Parte dos anistiados acabou seguindo o mesmo caminho. Em fins de agosto, após sofrer um atentado, Luís do Rego instala outra junta de governo sob sua influência, mais ou menos na mesma época em que os ex-rebeldes, militares e milicianos brasileiros reunidos em Goiana decidem fazer o mesmo, à sua revelia. Os impasses entre os dois grupos, a marcha inabalável das tropas de Goiana em direção ao Recife, e um decreto das cortes favorecendo o grupo rebelde provoca o retorno do governador para Lisboa. Finalmente, em fins de outubro de 1821, forma-se a primeira Junta de Governo de Pernambuco, constituída por diversos revolucionários de 1817, e tendo a frente Gervásio Pires.

Contudo, as inquietações e instabilidades não diminuiriam. A continuidade dos enfrentamentos entre a junta e outros órgãos da Administração, que alegavam obediência exclusiva e direta ao governo metropolitano, resultaram no banimento de batalhões enviados de Portugal em mais de uma ocasião - dezembro de 1821, o batalhão sob as ordens do comandante de armas brigadeiro José Maria de Moura; e em agosto de 1822, quando o sucessor deste, brigadeiro José Correia de Melo, foi igualmente impedido de desembarcar com suas tropas, solicitando então imediata demissão - por decisão do Grande Conselho, e no efetivo desligamento da província das ordens diretas da metrópole. Essa situação seria acentuada pela saída forçada de autoridades européias, como o desembargador Antero José da Silva e o juiz de fora do Recife João Manuel Teixeira, entre 1821 e início de 1822.

Se a autonomia em relação à metrópole se fez anunciar em Pernambuco meses antes da declaração do príncipe d. Pedro, não necessariamente este movimento significaria uma imediata adesão ao governo instalado no Rio de Janeiro, ou sequer a uma idéia de Brasil como nós atualmente conhecemos. Até porque, o Brasil recém-autônomo dificilmente seria considerado uma unidade em termos econômicos e mesmo políticos. A inquietação incessante que dominava as províncias da região tinha sua origem, entre outros fatores, na percepção de que um governo centralizado, fosse em Portugal, fosse no Rio de Janeiro, nenhuma vantagem traria às regiões já desgastadas pela exaustão de atividades agrícolas que se mostravam, na época, pouco compensatórias. As idéias republicanas, disseminadas entre alguns grupos desde o século anterior, ecoavam as preocupações de algumas lideranças locais por possibilitarem uma autonomia que, sob o ponto de vista dos seus defensores, seria a única forma capaz de recuperar a economia local, além de permitir a ascensão de lideranças que se sentiam alijadas do poder decisório. No entanto, a questão central dizia respeito antes à opção por um governo federalista e constitucional, do que à rejeição da monarquia ou defesa da república.

Dessa forma, pode-se entender os movimentos revoltosos ocorridos na região como movimentos que buscavam a possibilidade de autonomia e defendiam um sistema constitucional, mais do que a separação de um suposto estado brasileiro que sequer existia. Posições antilusitanas, anticentralizadoras e antimonarquistas ganhavam uma predominância crescente, e se também podiam ser caracterizadas como separatistas, era antes por conta do caráter centralizador da forma de governo que permaneceu depois da Independência em setembro de 1822, e, também, pela identificação da Corte do Rio de Janeiro, que tendia a favorecer as províncias então em ascensão econômica, com o governo português. No artigo "Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824", J. M. de Carvalho analisa as tensões entre as províncias e o governo instalado no Rio de Janeiro, e, em especial, as origens das divergências entre as posições constitucionalistas e federativas de grupos políticos em Pernambuco em oposição àqueles que se aglutinavam em torno de d. Pedro 1

Os eventos que levaram à declaração formal de independência, e os fatos por ela desencadeados, ao contrário de pacificar e integrar as províncias do norte ao projeto defendido por d. Pedro e seus aliados a partir do Rio de Janeiro, acabaram por polarizar as posições, pressionando os grupos na direção de uma radicalização crescente que não havia sido, a princípio, intenção da maioria das lideranças. A Independência trouxe a necessidade de se optar entre o governo do Rio e o governo de Lisboa, num momento em que o maior desejo daqueles que compunham a junta era manter a autonomia que o constitucionalismo das Cortes inicialmente permitira.

Pressionado, com as tropas do líder popular Silva Pedroso batendo à porta, Gervásio Pires acaba por renunciar pouco depois da Independência, dando lugar ao que ficou conhecido por Governo dos Matutos, articulado por José Bonifácio e outros enviados do Rio de Janeiro, e formado por aristocratas tradicionais de Pernambuco. Francisco Paes Barreto acabou se tornando o nome principal da junta, que com o passar do tempo passou a ser alvo constante de denúncias de autoritarismo e despotismo.

Além das dissensões internas, tumultos de ordem social explodiam nas ruas de Recife onde, mais uma vez, a exemplo do que ocorrera em 1817, questões raciais inquietavam a população e abriam espaço para lideranças como o governador das armas capitão Pedro da Silva Pedroso. Embora não se subordinasse ao governo civil, Pedroso era alvo de disputas entre a junta e o governo do Rio de Janeiro, uma vez que contava com grande autoridade e prestígio entre considerável parcela da população. Apesar dos conflitos entre a província e a Corte do Rio de Janeiro, d. Pedro foi aclamado imperador constitucional do Brasil, embora, de acordo com o testemunho de Frei Caneca, com um entusiasmo muito menor do que o juramento de obediência à Assembléia Brasileira Legislativa e Constituinte.

Com a efetivação do desligamento entre Brasil e Portugal, e as tentativas de resistência e mesmo de recolonização por forças fiéis a d. João VI, os grupos políticos que sustentavam d. Pedro no Rio de Janeiro conseguiram, em um primeiro momento, aglutinar a maior parte do país em torno da idéia de um país unificado e fortalecido que pudesse fazer frente à ofensiva portuguesa. Um episódio emblemático ocorreu no Ceará, onde o capitão-mor José Pereira Filgueiras, que havia combatido os insurretos de 1817, enviando ao cárcere membros da família Alencar pela participação no movimento, em 1822 se junta aos seus antigos desafetos para depor, em Fortaleza, o governador partidário de d. João. A adesão ao Brasil independente se espalha por outras províncias, e o Piauí e o Maranhão também aderem ao Império recém-criado.

Rompimento com o imperador

O entusiasmo inicial pelo jovem imperador, contudo, tem um fôlego muito curto, não apenas pela recorrente animosidade diante de um poder central distante que continuava a sorver as rendas já insuficientes da região, como também pelas atitudes de d. Pedro. A dissolução da Assembléia Nacional Constituinte, em 1823, tornou claro aos olhos dos nortistas que o novo monarca não possuía nenhum compromisso com um sistema representativo e constitucional, e a antipatia a ele só fazia se agravar à medida que o imperador recompensava e glorificava a atuação dos seus comandantes mercenários - como o almirante Cochrane - em detrimento das forças locais que saíram em defesa do novo Império.

Uma revolta, inicialmente liderada, e depois apaziguada por Pedroso, toma as ruas do Recife em inícios de 1823, causando a queda do comandante das armas e espalhando horror entre a população branca da cidade. Meses depois, o movimento encabeçado, entre outros, pelo jornalista redator do Sentinela da Liberdade Cipriano Barata, pelo então intendente da marinha Manuel de Carvalho Paes de Andrade e o tenente-coronel Ferreira Viana derruba do cargo o substituto de Pedroso, Joaquim José de Almeida, e convoca um Grande Conselho com a finalidade de depor Paes Barreto. A situação se torna insustentável para a junta governativa, e a dissolução da Assembléia Constituinte por Pedro I foi a gota d'água que acabou por provocar a renúncia de toda a junta, em dezembro de 1823.

Nesse momento, o Grande Conselho dá um passo na direção do rompimento definitivo com o imperador ao nomear, à revelia do governo central, Manuel de Carvalho Paes de Andrade presidente da província e o coronel José de Barros Falcão governador das Armas. O conselho explicita a sua preocupação com o retorno do despotismo e do governo colonial, que considerava iminente. O imperador, irritado com a postura de um governo que não reconhecia, passou a tratá-los como rebeldes e dissidentes. Daí por diante, as posições se radicalizam, e o conselho de Pernambuco confirma Paes de Andrade como presidente, mesmo depois de d. Pedro determinar a recondução do antigo governador. O imperador foi então declarado tirano e traidor, e à medida que os acontecimentos se precipitavam e os conflitos se sucediam, a facção liderada por Paes de Andrade ganhava mais apoio entre a população em geral, e também entre as tropas alocadas na região.

A dissolução da Assembléia Constituinte suscitou reações radicais em outros lugares. Na Paraíba, alguns patriotas começam a se mobilizar para um possível movimento, e alguns portugueses mais exaltados são expulsos da província por excesso de entusiasmo. No Ceará, a revolta ganharia uma força quase tão grande quanto em Pernambuco, em especial no interior, sob a liderança de Tristão Gonçalves de Alencar "Araripe" e do padre "Mororó". Muito antes que Paes de Andrade proclamasse a Confederação do Equador no Recife em julho de 1824, a Câmara Municipal de Quixeramobim, incitada por lideranças como o referido padre, resolve apresentar uma indicação em que acusa d. Pedro I de traidor da pátria, declarando a sua dinastia "decaída," sem mais direitos ao trono e governo do povo. A ata da reunião, datada de 9 de janeiro de 1824, foi assinada pelos vereadores e por dezenas de cidadãos ilustres.

Finalmente, o governo imperial envia forças navais comandadas por Taylor para pressionar o Grande Conselho, e empossar Paes Barreto. A recusa do conselho em permiti-lo, e a nova confirmação de Paes de Andrade como presidente acarretam a declaração de bloqueio do Recife pelo capitão da divisão naval fundeada no porto.

A opção pelo bloqueio mostrou-se não apenas inútil, mas também provocativa. Durante o período, o Grande Conselho decidiu:

- atacar a província das Alagoas, por estar auxiliando tropas imperiais e abrigando os membros do antigo Governo dos Matutos;
- recusar-se a jurar o projeto de Constituição imposto pelo imperador, o que foi feito em praça pública e registrado pelo Tífis Pernambucano de frei Caneca. Afirmaram que fazê-lo seria perjúrio em relação ao juramento cívico pelo qual haviam se comprometido diante da Assembléia Constituinte;
- rejeitar a nomeação de outro presidente de província imposto por d. Pedro, José Carlos Mayrink. A nomeação deste último deveu-se à falta de percepção do imperador de que o problema, para os pernambucanos, não estava na figura do ex-governador Paes Barreto, mas no fato de ele ter sido indicado pelo poder central, enquanto que Paes de Andrade havia sido eleito.

Se o bloqueio incendiou os ânimos dos revolucionários pernambucanos, sua suspensão permitiu que eles declarassem abertamente o rompimento e o estabelecimento de uma nova organização política. A retirada da divisão naval não foi, na verdade, um recuo do governo do Rio de Janeiro, mas, sim, fruto da necessidade de defender a capital do Império que, segundo proclamação do imperador em junho de 1824, encontrava-se ameaçada por forças vindas de Portugal. Na mesma declaração, d. Pedro determinava que cada província deveria providenciar sua própria segurança, o que deu um sentido muito mais claro à percepção que os nortistas tinham do fosso que os separava da Corte.

Não é de surpreender, portanto, que não apenas Pernambuco nutrisse ressentimento contra a monarquia dos Bragança; como em 1817, o rompimento com o governo central espalhou-se por outras províncias, que aderiram à Confederação do Equador. A partir do Recife, onde a Confederação ganha nome e carta em meados de 1824, e do sertão cearense, liderado pela família Alencar-Araripe, pelo padre "Mororó" Gonçalo Ignácio de Loiola Albuquerque, e pelo coronel José Pereira Filgueiras - uma adesão que se mostraria fundamental ao movimento -, a rebelião ganha fôlego, curto é verdade, mas de uma intensidade que por muitos anos deixaria traumas e ressentimentos entre famílias e cidades inteiras do sertão.

A derrota da Confederação do Equador

Em julho de 1824, o presidente eleito de Pernambuco convoca seus habitantes e das demais províncias do norte a defender a rebelião e a recém-estabelecida Confederação do Equador. Em uma proclamação dirigida aos brasileiros, Paes de Andrade chamava a uma união geral em defesa dos princípios de soberania e independência, ameaçados gravemente pelo que percebia ser uma continuidade da dominação lusitana representada pelo despotismo da Casa de Bragança. Nessa proclamação, acusava a Corte de ser o receptáculo das riquezas produzidas em todas as outras províncias, e, ainda assim, incapaz de defendê-las.

O movimento, que começou como uma tentativa de defender para o Brasil um sistema constitucional mais próximo de uma federação, tentou aglutinar as outras províncias da região em torno da proposta de nova organização política, cujas bases seriam estados autônomos (ou semi-autônomos), mas unidos por fortes elos a emprestar-lhes a força necessária para resistir às ameaças externas. De acordo com a Constituição proposta para a Confederação do Equador, bastante influenciada pela Constituição colombiana, o Poder Executivo, composto unicamente pelo presidente, não deveria impor leis, porém seguir e fazer respeitar as que seriam elaboradas pelo Poder Legislativo.

Em agosto de 1824, a rebelião ganhara tal força que o almirante Cochrane, enviado para dar cabo dos revoltosos, surpreendeu-se com a sua intensidade e a rapidez com que as propostas revolucionárias se haviam disseminado por outras províncias do norte. Alertava, também, como outros fariam posteriormente, para a total falta de compromisso para com o Império demonstrada pela grande maioria da população que, mesmo não aderindo integralmente aos republicanos, nenhum interesse demonstrava em lutar pelo imperador. Contudo, a resistência desejada pelos revolucionários não se materializou. A suspensão do tráfico de escravos, determinada por Paes de Andrade logo após a proclamação, acabou por afastar do movimento setores economicamente influentes. Além disso, a separação radical com o resto do Brasil não era ponto unânime, e havia parcelas dissidentes entre as tropas e a população. O não-engajamento da Bahia acabou por se mostrar, como fora em 1817, crucial para a derrota fragorosa sofrida pelos confederados diante das tropas do Império. Recusando-se a aceitar uma rendição que não incluísse imediata reinstalação de uma Assembléia Constituinte, Paes de Andrade e outras lideranças, pernambucanas e cearenses, decidem enfrentar uma luta desigual em defesa da pátria que acreditavam possível.

Quando do novo bloqueio e subseqüente invasão de Recife, tornou-se claro que as divisões internas entre os confederados determinariam uma derrota fatal: enquanto alguns grupos eram favoráveis à rendição, outros tentavam se reorganizar e unir-se a tropas de outras regiões, permanecendo em luta. Formado o "Exército Cooperador da Boa Ordem", pelas tropas de Lima e Silva desembarcadas em Recife e por aquelas que estavam estacionadas em Alagoas, iniciou-se uma luta intensa que, frente à rápida e violenta queda de Recife, desloca-se pelo interior.

A "Divisão Confederada" parte então em direção ao Ceará, onde as tropas de Filgueiras resistiam a despeito de enfrentamentos cada vez mais sangrentos pelos sertões da província. Perseguida de forma implacável pelas forças imperiais, a Divisão Confederada - que, segundo Lazzari Leite, "pretendia alcançar as tropas de Filgueiras, no Ceará, para daí prosseguir na luta em defesa dos objetivos da rebelião, e o fato de levarem famílias é uma indicação das intenções pacíficas da marcha" -, com a desordem e o pânico infiltrando-se cada vez mais entre suas fileiras, chega finalmente ao Ceará em novembro de 1824, apenas para a rendição final.2

Um longo alcance

O testemunho de Frei Caneca pode nos dar uma idéia do pavor que as tropas imperiais incutiram nas populações do sertão. Mesmo assim, a resistência era em geral bem acolhida pela população local. Mas as tropas de Filgueiras jamais conseguiram se juntar à Divisão Confederada. Após a derradeira batalha na região do Crato, o general, juntamente com alguns companheiros, é preso quando iniciava o caminho para Pernambuco. Ele acaba morrendo de febre palustre durante a viagem para o Rio de Janeiro. Quanto à família Alencar-Araripe, parte dela havia sido assassinada em Jardim, e o líder maior da república do Ceará, Tristão de Alencar Araripe, foi morto em uma emboscada às margens do Jaguaribe.

Em julho de 1824, d. Pedro I abre mão da tentativa de parecer um líder liberal, e suprime as garantias constitucionais para esmagar as revoltas de forma mais conveniente. Cria uma Comissão Militar para julgar, da forma sumária e inclemente, os acusados de participação na revolta, e manda executar, pelo decreto de 7 de março de 1825, todos os réus sentenciados pela comissão.

O ódio entre os grupos envolvidos na revolução sobreviveu às execuções dos implicados. Segundo Luitigarde Cavalcanti,

       ...apoiados na repressão decretada por d. Pedro, os vencedores desencadeiam uma verdadeira caçada aos antigos revolucionários, perseguindo seus amigos e familiares. Todos os métodos são empregados, desde o confisco de propriedades até o aprisionamento de seus filhos e amigos sob o pretexto de recrutamento: 1.146 recrutas cearenses são mandados para o Rio de Janeiro entre novembro e dezembro de 1825.3

Os processos sumários a que foram submetidos os réus, e as bases jurídicas que forneciam o quadro geral em que tais julgamentos ocorreram, expunham as intenções de punir e "dar um exemplo", aterrorizando os que porventura viessem a pensar em contrariar a vontade do imperador. Previamente condenados por processos articulados de forma a não dar saída ao réu, Frei Caneca, Agostinho Bezerra, padre Gonçalo Mororó, Francisco Manuel Ibiapina, Lázaro de Sousa Fontes, Luís Inácio de Azevedo, João Ratcliff, Joaquim Loureiro, entre outros, foram executados, em Fortaleza, Rio de Janeiro e Recife. Paes de Andrade, cujas posições na verdade foram levadas ao radicalismo mais pela força das circunstâncias do que por convicções das quais não podia abrir mão, refugiou-se nas terras francesas do norte.

Em que pese a importância de rivalidades locais para a polarização e a violência do conflito, e a presença de antigas animosidades contra os portugueses comerciantes do Recife, há muito ali instalados, o movimento que mais uma vez varreu o que atualmente chamamos Nordeste significou, por um lado, uma reação poderosa ao despotismo do imperador, e mais ainda, à opressão em que estas províncias permaneceriam caso a forma centralista de governo prevalecesse; e por outro, um alerta para que a arrogância do imperador não o levasse longe demais, o que poderia fazer com que outorgasse uma carta mais absolutista do que a que acabou sendo escrita. Ou pior, fazendo com que ele não sentisse necessidade da existência de uma Constituição. Segundo Barbosa Lima Sobrinho, "foi a resistência das províncias do norte, sua hostilidade intrépida contra a dissolução da Assembléia Constituinte, que mais do que tudo concorreu para que a própria Carta outorgada se inspirasse em princípios liberais e acabasse não sendo um breviário do absolutismo".4

A Confederação do Equador não foi uma aventura republicana, de intenções separatistas, fruto de imaturidade política e inconseqüência. Ela resultou de radicalizações contingentes, e da recusa obstinada de alguns setores da sociedade nordestina em compactuar com um modelo centralista e autoritário imposto por d. Pedro que, a seu ver, os manteria na rota da decadência econômica, e distantes de qualquer possibilidade de participar do processo decisório.

A violência da repressão à revolta acabou por se compor com outros elementos para criar um quadro de desconfiança, ressentimento e finalmente animosidade entre os brasileiros de norte a sul, diante de um governo indeciso entre a Europa e a América, pendendo entre uma monarquia despótica e constitucional, que acabou por obrigar d. Pedro I a sair do Brasil, deixado livre finalmente para os partidos e lideranças nacionais.

1Marcus J. M. de Carvalho. Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças políticas em Pernambuco, 1817-1824. Revista Brasileira História. São Paulo, v. 18, n. 36, 1998. Disponível em: www.scielo.br/scielo.
2Glacyra Lazzari Leite. Pernambuco 1824: a Confederação do Equador. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Massangana, CNPq, Programa do Centenário da República, 1989.
3Luitigarde Cavalcanti Barros. Confederação do Equador: um projeto de República no Brasil Imperial. Syntesis - Cadernos do Centro de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, ano 0, p. 75-83, 1996.
4Barbosa Lima Sobrinho. Pernambuco: da Indepêndencia à Confederação do Equador. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1979.

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