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Cerco a Recife

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 15h03 | Última atualização em Quinta, 06 de Mai de 2021, 02h18

Oficio de Manoel Carvalho Paes de Andrade, presidente da província de Pernambuco, a Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, presidente da província do Ceará pedindo a aceleração de uma marcha que contenha maior numero possível de combatentes para enfrentar as tropas que vêm do Rio de Janeiro.

 

Conjunto documental: Confederação do Equador
Notação: caixa 742, pct. 01
Data-limite: 1808-1878
Titulo de fundo: Confederação do Equador
Código do fundo: 1N
Data do documento: 25 de agosto de 1824
Local: s.l.
Folhas(s): -

 

Em data de hoje escrevo de ofício ao Exmo. Filgueiras[1]  para acelerar sua marcha com o maior número de gente que puder reunir, e mesmo agregar em caminho para acabarmos de uma vez com os escravos do Imperador novamente chegados do Rio de Janeiro em número de mil e duzentos, segundo as informações mais verídicas, e até cartas do Rio de Janeiro. Temos em nosso bloqueio[2] a nau D. Pedro, e a seu bordo Lord Cochrane, o qual já me ofereceu artigos de capitulação[3], que não aceito pelos motivos que verá da Proclamação, e por que não sei capitular, só sei vencer, ou morrer.

Do impresso junto verá a concordata que fiz com o governo do Rio Grande do Norte, e parece-me muito a propósito fazer-se o mesmo entre este e esse governo, sendo do agrado de V.Ex.ª poder assinar dita concordata por parte deste governo o padre Luiz Carlos Coelho da Silva a esse fim autorizado nessa ocasião. A força daquela Província vai operar já sobre a Paraíba de acordo com as forças do centro da mesma Paraíba, que vão ser reunidas por Belarmino de Arruda Câmara, cujo irmão Major desta Província vai com ele: as forças que estavam ás ordens do Presidente Temporário, tão bem se hão de reunir, e deste modo pretendo que em dias do próximo setembro fiquem concluídos os negócios da Paraíba, para mais desafrontados entrarmos nas Alagoas, e sacudirmos para fora dos limites da Confederação[4], que é no Rio de São Francisco do Norte, aos frios escravos, que indignos pisam nosso solo.

Lord Cochrane tem-nos ameaçado com grande bombardeamento, o que muito tem assustado as mulheres e homens covardes como elas, deste Recife; porém eu nunca tive tanta coragem, e agora é que julgo a nossa causa na crise da decisão a nosso favor. Tanto maior é o perigo, quanto mais gloriosa é a vitória. Conte V. Exª com a minha constância, assim como eu conto com a firmeza de V. Ex.ª, e cooperação do Exmo. Filgueiras.

Deos Guarde a V. Exª ms. as. Secretaria do governo de Pernambuco 25 de Agosto de 1824./

Ill mo e Exmo Snr. Tristão Gonçalves de Alencar Araripe[5], Prezidente do governo da Província do Ceará. Manoel de Carvalho Paes de Andrade[6]

 

[1] FILGUEIRAS, JOSÉ PEREIRA (1758-1824): nascido na Bahia foi proprietário de terras e chegou a ser capitão-mor do Crato, no Ceará, durante a Revolução Pernambucana de 1817. Sob seu comando, a rebelião foi debelada, tendo seus líderes (nomes como Tristão de Alencar, e sua mãe Bárbara de Alencar) presos e remetidos para Fortaleza. Foi feito comandante em chefe das forças expedicionárias por d. Pedro I. Porém, devido a insatisfações para com promessas não cumpridas pelo Imperador, Filgueiras mandou uma circular às câmaras da província, em termos pouco respeitosos para com a Majestade Imperial, e retirou-se para Fortaleza, fazendo várias prisões, depondo o presidente e anexando o Ceará à Confederação do Equador, proclamada em Pernambuco. Ao lado de Tristão Araripe (presidente), tornou-se o Governador das Armas, no Ceará. Foi preso em novembro de 1824, durante a repressão ao movimento, pelas tropas imperiais, e morreria de febre palustre a caminho do Rio de Janeiro.

[2] BLOQUEIO [AO RECIFE]: no ano de 1824, durante a Confederação do Equador, a cidade de Recife foi bloqueada duas vezes. O primeiro começou em fins de março, com a chegada de uma divisão composta pelas fragatas Niterói e Piranga, sob comando de John Taylor, com objetivo de garantir a nomeação de Francisco Paes Barreto, realizada por d. Pedro I e rejeitada pelo senado e pelas câmaras municipais de Pernambuco. Na sua chegada, o comandante Taylor apresentou a proclamação do Imperador, exigindo o cumprimento das suas ordens, ao que o senado resistiu, alegando, inicialmente, que aguardavam uma resposta definitiva do imperador, já que haviam pouco antes enviado uma representação ao Rio de Janeiro com o intuito de esclarecer e rogar a compreensão e aceitação dos pontos de vista constitucionalistas dos pernambucanos. A resposta de Taylor foi a convocação do Grande Conselho para deliberar sobre a questão. Os mais de 300 membros do conselho, cientes que o objetivo da divisão naval enviada era impor o nome de Paes Barreto em substituição ao de Paes de Andrade, decidiram manter sua decisão, rejeitar o presidente escolhido pelo Imperador e enviar outra representação ao Rio de Janeiro. O capitão John Taylor, então, decreta o bloqueio do porto do Recife, ao que Paes de Andrade respondeu determinando a prisão dos emissários de Taylor encontrados em terra. Em 11 de junho de 1824, depois de rejeitar mais um presidente – Carlos Mayrink – e de recusarem-se a jurar o projeto de constituição “apresentado” pelo Imperador, as câmaras de Pernambuco receberam a notícia da suspensão do bloqueio, pois na corte se receava um ataque de forças portuguesas ao Rio de Janeiro e, por isso, d. Pedro determinava o retorno de todas as embarcações a esta cidade. Suspenso o bloqueio em primeiro de julho, deixados à própria sorte em caso de invasão portuguesa, os pernambucanos recebem a proclamação da Confederação do Equador em 2 de julho de 1824. Com a continuação da revolta e a não concretização da invasão do Rio de Janeiro pelos portugueses, uma nova esquadra é enviada ao Recife, desta vez sob o comando de Cochrane, que encontrou a revolta já disseminada por várias províncias do norte. Esta força naval partiu do Rio de Janeiro, e contava com a nau d. Pedro I, a corveta Carioca, o brigue Maranhão, e os navios Harmonia e Caridade. As tropas terrestres do general Francisco Lima e Silva, compostas por 1.200 homens, encontravam-se também embarcadas. Elas foram levadas para Jaraguá em meados de agosto, enquanto a esquadra seguia para o Recife, onde aportaria em 18 de agosto. Diante da recusa à rendição, a cidade é bombardeada pela primeira vez. Parte da esquadra segue para o Ceará, e, em outubro, Cochrane estaria em Fortaleza debelando a rebelião cearense. Este último bloqueio e a atuação das tropas de Lima e Silva acabariam na invasão do Recife e derrocada do movimento.

[3]ARTIGOS DE CAPITULAÇÃO: termos de rendição de guerra. Os rebeldes que levaram a cabo o movimento pela Confederação do Equador jamais capitularam de forma integral: à medida que as forças do “exército cooperador da boa ordem” avançavam, algumas facções das forças confederadas capitulavam e outras seguiam em marcha pelo interior de Pernambuco. Assim que chegou ao Recife, o almirante Cochrane – líder das forças do governo – emitiu várias proclamações, que resultaram em um ultimato aos rebeldes, dando-lhes até o dia 28 de agosto para se entregar. As negociações, mediadas pela pintora e preceptora da família real Maria Graham, mostraram-se infrutíferas, pois os confederados estavam irredutíveis a qualquer rendição sem que se incluísse imediata convocação de uma assembleia constituinte. Depois do massacre de uma parte das forças rebeldes no Recife, em inícios de setembro de 1824, as tropas e lideranças restantes se refugiam em Olinda. Lima e Silva tenta forçar sua rendição incondicional, que acarretaria a execução sumária para as lideranças e, possivelmente, para muitos outros oficiais também. Poucos aceitam e a maioria prefere continuar a luta no interior. Pouco meses após um período de sérias privações e seguidas derrotas, a última coluna a resistir rende-se às tropas de Lamenha – ele mesmo, aliás, um desertor da Confederação – que apresentara termos de rendição benevolentes que jamais iriam se cumprir.

[4] CONFEDERAÇÃO [DAS PROVÍNCIAS UNIDAS] DO EQUADOR: assim ficou conhecido o movimento revolucionário republicano, iniciado no estado de Pernambuco, a 2 de julho de 1824, segundo a proclamação de Manuel de Carvalho Paes de Andrade. O movimento se alastrou pelo nordeste do país, e tem ligações com as ideias liberais do século XVIII, com a Revolução Pernambucana de 1817 e representou a principal reação contra a tendência absolutista e a política centralizadora do governo de d. Pedro I, esboçadas na dissolução da Assembleia Constituinte de 1823 e, sobretudo, na Carta Outorgada de 1824, a primeira constituição do país. A mesma evidenciava uma preocupação com a região sudeste brasileira, especialmente o Rio de Janeiro (sua capital à época), em detrimento das demais regiões do Brasil, além de instituir o “Poder Moderador” um elemento que evidenciava as tendências absolutistas do Imperador. A Confederação buscava uma independência dos estados do nordeste brasileiro e a formação de uma confederação a exemplo dos Estados Unidos da América. D. Pedro I era declarado traidor, já que seus propósitos seriam o de entregar o Brasil nas mãos dos portugueses. Ao mesmo tempo, eram convocadas todas as províncias do Norte a ignorar a autoridade imperial e reunirem-se num Estado federativo republicano independente, sob a presidência de Pernambuco, que ficaria conhecido como Confederação do Equador. O Ceará foi, depois de Pernambuco, o estado que mais ativamente tomou partido na rebelião. Entre seus líderes estavam Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e José Pereira Filgueiras. Várias cidades cearenses como Crato, Icó e Quixeramobim (antes Vila de Campo Maior) aliaram-se aos confederados pernambucanos, demonstrando suas insatisfações para com o governo imperial. Após confrontos com o governo provisório controlado pelo Imperador, foi estabelecida a República do Ceará, em 26 de agosto de 1824, tendo Tristão Alencar como presidente do Conselho que governaria a província. A forte repressão das forças imperiais, todavia, rapidamente derrotaram o movimento rebelde. As execuções das lideranças puseram fim ao movimento, cujo lema era “Religião, Independência, União e Liberdade”, e custaram à província de Pernambuco a perda de parte de seu território (a antiga comarca de Rio São Francisco), incorporada à província da Bahia. O movimento deixou também um rastro de rivalidades mortais, estagnação econômica e confrontos políticos por toda a região.

[5] ARARIPE, TRISTÃO GONÇALVES DE ALENCAR (1789-1825): nascido no Crato, Ceará, participou da Revolução Pernambucana de 1817 e da tentativa de levar o movimento a sua terra natal, ao lado de sua mãe Bárbara de Alencar, do tio Leonel Pereira de Alencar e do irmão José Martiniano de Alencar. Em 3 de maio de 1817, uma pequena vila do interior do Ceará proclamou a República do Crato, assumindo a presidência Bárbara de Alencar. Os revolucionários foram presos pelo capitão-mor José Pereira Filgueiras e enviados para presídios em Fortaleza. Quando da sua liberdade e da eclosão da Confederação do Equador, aderiu ao movimento, tornando-se uma das figuras mais representativas, sendo proclamado pelos rebeldes republicanos, em 26 de agosto de 1824, presidente da província do Ceará, destituindo o tenente coronel Pedro José da Costa Barros. Ao seu lado, José Pereira Filgueiras figurava como comandante das armas. Outrora inimigos políticos, lutariam pela mesma causa em 1824, formando uma dupla de grande poder. Foi morto pelas forças imperiais no interior do Ceará.

[6] ANDRADE, MANOEL DE CARVALHO PAES DE (177?-1855): nascido em Pernambuco, viveu por algum tempo em Portugal, dedicando-se ao comércio em seu retorno. Participou da Revolução Pernambucana de 1817 e, com a derrota do movimento, refugiou-se nos Estados Unidos, temendo a retaliação das autoridades. Após a anistia, em 1821, voltou ao Brasil e ocupou o cargo de Intendente da Marinha. Foi eleito presidente da província de Pernambuco, provisoriamente, em 13 de dezembro de 1823, após a renúncia de Francisco Pais Barreto. Em 8 de janeiro de 1824, foi confirmado presidente pelos eleitores pernambucanos, contrariando as ordens do governo imperial que indicara Francisco Pais Barreto para a presidência. Manoel de Carvalho foi o responsável pela proclamação da Confederação das Províncias Unidas do Equador, em 2 de julho de 1824 [ver Confederação do Equador]. Malogrado o movimento, refugiou-se na Inglaterra por cerca de sete anos. Novamente no Brasil, foi eleito senador pela província da Paraíba e, em 1834, foi mais uma vez presidente da província de Pernambuco, além de deputado geral e senador do Império do Brasil entre 1831 e 1855. Faleceu no Rio de Janeiro em 1855.

 

 

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