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Proclamação aos portugueses

Publicado: Quinta, 14 de Junho de 2018, 15h07 | Última atualização em Terça, 16 de Março de 2021, 05h04

Proclamação feita pelo imperador d. Pedro I aos portugueses sobre a independência do Brasil e sua elevação à condição de Imperador Constitucional. Propõe aos portugueses que aceitem a autonomia do Brasil, e mantenham os laços de amizade e sangue, caso contrário o reconhecimento da Independência dar-se-ia a partir da "guerra mais violenta".

Conjunto documental: Independência do Brasil: acontecimentos posteriores (impressos)
Notação: caixa 740.3
Datas-limite: 1822-1826
Título do fundo ou coleção: SDH - Diversos - "Caixas Topográficas"
Código do fundo ou coleção: 2H
Argumento de pesquisa: independência do Brasil
Data do documento: 21 de outubro de 1822
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): doc. nº 2, 7-8

 

PROCLAMAÇÃO

PORTUGUESES: Toda a força é insuficiente contra a vontade de um povo, que não quer viver escravo[1]: a História do mundo confirma esta verdade, confirmam-na ainda os rápidos acontecimentos, que tiveram lugar neste vasto Império embaído a princípio pelas lisonjeiras promessas do Congresso de Lisboa[2], convencido logo depois da falsidade delas, traído em seus direitos mais sagrados, em seus interesses os mais claros; não lhe apresentando o futuro outra perspectiva, senão a da colonização[3], e a do despotismo legal[4], mil vezes mais tirânico, que as arbitrariedades de um só déspota: o grande e generoso povo brasileiro passou pelas alternativas de nímia credulidade, de justa desconfiança, e de entranhável ódio: então ele foi unânime na firme resolução de possuir uma Assembleia Legislativa[5] sua própria, de cuja sabedoria e prudência resultasse o novo pacto social[6], que devia regê-lo, e ela vai entrar já em tão gloriosa tarefa: ele foi unânime em escolher-me para seu defensor perpétuo, honroso encargo que com ufania aceitei, e que saberei desempenhar a custa de todo o meu sangue.
Este primeiro passo que devia abrir os olhos ao Congresso para encarar o profundo abismo, em que ia precipitar a nação inteira, que devia torná-lo mais circunspecto em sua marcha, e mais justo em seus procedimentos, serviu somente de inflamar as paixões corrosivas de muitos demagogos, que para vergonha tem assento no augusto santuário das leis - Todas as medidas que tendiam a conservar o Brasil debaixo do jugo de ferro da escravidão[7], mereceram a aprovação do Congresso; decretaram-se tropas para conquistá-lo sob o frívolo pretexto de sufocar suas facções os deputados brasileiros foram publicamente insultados, e suas vidas ameaçadas; o senhor d. João Sexto, meu augusto pai, foi obrigado a descer da alta dignidade de monarca constitucional[8] pelo duro cativeiro, em que vive, e a figurar de mero publicador dos delírios e vontade desregrada, ou de seus ministros corruptos, ou dos facciosos do Congresso, cujos nomes sobreviveram aos seus crimes para execração da posteridade; e Eu, Herdeiro do Trono, fui escarnecido, e vociferado por aqueles mesmos que deviam ensinar o povo a respeitar-me para poderem ser respeitados.
Em tão críticas circunstâncias o heroico povo do Brasil, vendo fechados todos os meios de conciliação usou de um direito que ninguém pode contestar-lhe, aclamando-me no dia 12 do corrente mês seu Imperador Constitucional, e proclamando sua Independência. Por este solene ato acabaram as desconfianças, e azedume dos brasileiros contra os projetos de domínio, que intentava o Congresso de Lisboa; e a série não interrompida de pedras numerárias colocadas no caminho do tempo, para lhes recordarem os seus infortúnios passados, hoje só serve de os convencer do quanto o Brasil teria avultado em prosperidade, sem mais tempo se tivesse separado de Portugal; se a mais tempo o seu bom siso, e a razão tivesse sancionado uma separação, que a natureza havia feito.
Tal é o Estado do Brasil[9]: se desde dia 12 do corrente mês, ele não é mais parte integrante da Antiga Monarquia Portuguesa, todavia nada se opõe a continuação de suas antigas relações comerciais, como declarei no meu decreto de primeiro de agosto deste ano[10], com tanto que de Portugal se não enviem mais tropas a invadir qualquer província deste Império.
Portugueses: eu ofereço o prazo de quatro meses para a vossa decisão; decidi, e escolhei, ou a continuação de uma amizade fundada nos ditames da justiça, e da generosidade, nos laços de sangue e em recíprocos interesses; ou a guerra mais violenta, que só poderá acabar com o reconhecimento da independência do Brasil ou com a ruína de ambos os Estados. Palácio do Rio de Janeiro em 21 de outubro de 1822 - IMPERADOR[11].

 

[1] Pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de JaneiroBahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[2] As Cortes foram convocadas em janeiro de 1821, excepcionalmente pela Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, instituída pelos revolucionários do Porto, diferente do que tradicionalmente deveria ser realizado, encargo do monarca, d. João VI. Tais assembleias foram instauradas como expressão da vontade e autoridade da nação lusa, reunindo-se a fim de elaborar uma constituição para o Império português e derrubar o absolutismo, inaugurando uma monarquia constitucional. Quando o movimento liberal se iniciou em Lisboa, d. João VI já estava ciente da revolução originada na cidade do Porto e logo depois teve que enfrentar, também no Rio de Janeiro, um movimento de caráter semelhante para a escolha dos representantes brasileiros nas Cortes portuguesas e que levaria o monarca a jurar fidelidade à nova Constituição portuguesa – que sequer existia, mas à qual deveria se submeter – bem como ao seu retorno a Portugal em abril de 1821. Os deputados brasileiros convocados para o Congresso começaram a chegar em Lisboa, vindos do Rio de Janeiro e Pernambuco, sendo seguidos pelos de outras províncias, como MaranhãoBahia e Alagoas. O restante somente compareceu no ano seguinte e, mesmo assim, as províncias de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e do Norte recusaram-se a participar por discordar da forma como eram conduzidos os debates. Em 1822, durante as discussões acerca das relações entre os dois reinos, ficava clara a posição dos deputados portugueses e também de alguns brasileiros “regeneradores”, que previam, senão uma recolonização ao pé da letra, um domínio do reino português sobre os territórios de sua ex-colônia e a diminuição das liberdades econômicas, políticas e administrativas. Essas medidas provocaram profunda insatisfação nos brasileiros presentes, que intentariam romper com Portugal, preservando as partes em igualdade de direitos, mas mantendo o príncipe regente d. Pedro no Brasil com um governo autônomo. As medidas adotadas pelas Cortes deixavam clara a intenção de colocar os territórios na América em posição de subordinação a Portugal: os governos provinciais ficariam submetidos a Lisboa; órgãos administrativos estabelecidos no Brasil com a vinda da Corte foram transferidos para Portugal; determinou-se a volta de d. Pedro, sob a justificativa de completar sua educação para ocupar o trono português, entre outras medidas recolonizadoras. Tais decretos produziram profunda insatisfação entre os brasileiros, alimentando cada vez mais, as ideias de emancipação política.

[3] A expansão marítima portuguesa iniciada no século XV deu ensejo a formas distintas de exploração nos diferentes continentes, como por exemplo, a instalação de feitorias na África. Ao chegar à América, os portugueses, após os primeiros anos, deram início a uma ocupação mais efetiva do território, sobretudo, em razão da pressão exercida pelas potências europeias. A presença de estrangeiros no litoral era uma constante, principalmente de franceses, interessados no comércio do pau-brasil. A expansão da fé católica também se destaca entre os motivos que levaram ao povoamento das terras recém-descobertas, era preciso catequizar os nativos do continente, torná-los súditos da Igreja e da Coroa lusa. A colonização pressupunha o ato de povoar, pois a fixação de indivíduos em territórios garantiria, a princípio, a manutenção da soberania política, bem como de toda e qualquer riqueza ali existente. A partir de então, coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma de utilização econômica de sua colônia, ocupando-a produtivamente e cobrindo, assim, os gastos com a defesa territorial. Não encontrando ouro e prata inicialmente, a metrópole portuguesa optou pela agricultura tropical, em especial da cana-de-açúcar. Por meio do pacto colonial, as riquezas produzidas no Brasil eram transferidas para Portugal e a América lusa deveria, ainda, servir de mercado consumidor para os produtos metropolitanos. Mercadorias como o açúcar, as drogas do sertão, o ouro, bem como o lucrativo tráfico de escravos africanos, eram atividades cuidadosamente fiscalizadas por funcionários da administração portuguesa. Durante dois séculos, a colonização da América portuguesa esteve limitada a região costeira sobretudo, apesar de algumas incursões ao sertão brasileiro através de  atividades como a pecuária, a extração das drogas do sertão e as bandeiras de apresamento. Somente com a descoberta do ouro em Minas Gerais, no final do século XVII, ocorreria um movimento intenso de interiorização e expansão do território colonial. Para garantir o exclusivo metropolitano, a administração colonial e a expansão do cristianismo, funcionários régios, missionários, mercadores e nobres foram enviados à América, seriam os colonizadores, agentes diretos ou indiretos dos interesses da metrópole; cabendo aos colonos as atividades ligadas à produção: proprietários dos meios – escravos, terras e equipamentos –, que permitiam a realização de atividades produtivas numa colonização de exploração. Já entre os colonizados, estavam os escravos, inicialmente os povos indígenas e, a partir das duas últimas décadas do século XVI, cada vez mais, africanos, mas eram também os homens livres e pobres, como agregados, capangas e vadios, por exemplo. Toda uma produção sobre o tema têm a partir dos anos 1930 obras fundadoras, de autoria dos chamados “intérpretes do Brasil”, entre os quais se destacam a tríade formada por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., que inovou o pensamento crítico sobre o Brasil. A Caio Prado Jr. deve-se a ideia do sentido da colonização, eixo de toda uma corrente historiográfica que vê na expansão comercial e marítima europeia e no caráter complementar das economias coloniais as razões para o lugar periférico e dependente das antigas colônias, principalmente do Brasil. Um representante dessa corrente, o historiador Fernando Novais cunhou a fórmula “antigo sistema colonial da era mercantilista”, da qual se depreende ser essa uma fase do processo de acumulação primitiva de capital segundo a teoria marxista, que se dá na esfera da circulação e que, portanto trata-se de capital comercial investido na expansão e mesmo na colonização. Compreende-se, nessa perspectiva, que o sistema colonial se articula com a estrutura do Antigo Regime na Época Moderna. O fornecimento de gêneros agrícolas para a metrópole no modelo agrário-exportador escravista levou a que se pensasse em ciclos econômicos sucessivos, do açúcar, do ouro e do café. O processo de colonização e a natureza das sociedades coloniais conheceram, a partir dos anos 1990, novas abordagens que chamaram a atenção para a existência de um mercado interno e de uma comunidade mercantil residente, não apenas os comerciantes metropolitanos, mas negociantes com poder local, voltados para o abastecimento desse mercado e para transações comerciais atlânticas fora dos monopólios da Coroa, como o próprio tráfico atlântico de escravos controlado por negociantes na América portuguesa como afirmou Manolo Florentino ou que esses mesmos negociantes no Rio de Janeiro controlavam outros setores da economia colonial, tese defendida por João Fragoso (Fragoso, J. Apresentação. In: FRAGOSO, J., Gouvêa, Mª de Fátima. O Brasil colonial: 1443-1580, 2014). Ao lado da plantation e do poderio dos senhores de engenho, formou-se um grupo comercial residente na colônia ligado à exportação, mas também ao abastecimento interno e às atividades financeiras, com capital para investir na agroexportação, gerando relativa autonomia com relação à metrópole. Com a vinda da corte joanina para o Brasil e a abertura dos portos às nações amigas de Portugal, chega ao fim o monopólio metropolitano, dispositivo básico do vínculo colonial. Para alguns autores esses acontecimentos foram decisivos para desencadear o processo de Independência da América portuguesa. O império português perde sua colônia oficial em 1822, mas é somente a partir de 1974 que se encerra a dominação lusa na África e na Ásia, iniciada no século XV.

[4] O filósofo iluminista francês Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu (1689-1755), [ver Luzes], definiu despotismo como um regime político onde o poder está concentrado nas mãos de um soberano, não havendo nem leis ou normas a serem seguidas, que governava de acordo com sua vontade e seus interesses. Com origem na expressão grega despote – chefe da casa – o despotismo transformaria o governo político num governo doméstico, onde tudo é arbitrário, todas as formas de liberdade são banidas e a autoridade do rei está fundamentada, sobretudo, na violência e dominação. Já o despotismo legal – conceito desenvolvido pelo fisiocrata Mercier de la Rivière – se opunha ao despotismo arbitrário. Defendia uma “monarquia funcional”, identificada com a proteção da propriedade e da liberdade econômica, sem, no entanto, grande liberdade política. O déspota legal teria no “bem governar” o seu maior interesse, com base nas evidências das leis e não em suas vontades. Associado ao conceito de déspota legal estaria o de despotismo esclarecido – expressão cunhada no século XIX para designar uma forma de governo característico da Europa da segunda metade do século XVIII, em que Estados absolutistas, seus monarcas e ministros tentaram pôr em prática alguns princípios dos ideais da Ilustração, sem, entretanto, abrirem mão da centralização do poder. Os casos paradigmáticos são os de Frederico II da Prússia, entre 1740 e 1786, apoiado por Voltaire; Catarina II, da Rússia, que se relacionou com Diderot; Carlos III da Espanha, com o conde de Aranda no governo, e de d. José I com o marquês de Pombal.

[5] Composta por representantes eleitos em todas as províncias que deveriam escolher e discutir os projetos de Constituição apresentados, bem como elaborar leis ordinárias necessárias ao país. A Assembleia Constituinte de 1823, primeira convocada no Brasil, foi dissolvida pelo imperador d. Pedro I, em 12 de novembro, por entender que não refletia seus anseios. Composta de magistrados, bacharéis, religiosos, militares, grandes proprietários de terras e escravos, funcionários públicos e profissionais liberais, estava dividida em dois incipientes partidos: o português, defensor da re-união com Portugal; e o brasileiro, que advogava a causa da independência e a formação de uma monarquia constitucional. O projeto de constituição foi apresentado em setembro daquele mesmo ano, elaborado por uma comissão encabeçada por Antônio Carlos Andrada e Silva, José Bonifácio, Araújo Lima, Pereira da Cunha, entre outros que a assinaram. Dentre as principais diretrizes da nova carta estavam: a limitação do papel dos portugueses (revelando uma preponderância do grupo brasileiro) e do poder do Imperador, que não poderia dissolver o Parlamento, comandar as forças armadas e receberia ordens diretamente do poder legislativo. Alguns dos primeiros pontos discutidos eram polêmicos e não geravam consenso, entre eles, a submissão do poder executivo ao legislativo (que desagradava particularmente a d. Pedro I) e a crítica dos Andradas à escravidão. Os debates e conflitos internos da Assembleia acabaram por repercutir na imprensa e nas ruas, provocando brigas e disputas entre portugueses e brasileiros. Esse projeto instituía o voto censitário e indireto, mas sequer chegou a ser integralmente discutido ou aprovado: o Imperador dissolveu a Câmara antes. A Constituição de 1823, ou “Constituição da Mandioca”, como ficou conhecida, dava lugar à Carta outorgada em 1824, cuja mudança mais significativa em relação à de 1823 era a criação do chamado Poder Moderador. Exclusivo do Imperador conferia-lhe poderes paradoxalmente absolutistas de, por exemplo, dissolver a Câmara, convocar, adiar ou prorrogar a Assembleia Geral, nomear senadores, nomear e demitir ministros de Estado, perdoar ou moderar penas impostas, entre outras. A Constituição imposta pelo Imperador possuía características absolutistas, mas também sofreu influências de alguns princípios liberais. Acabou por promover a imposição do Executivo sobre o Legislativo e uma centralização político-administrativa, restringindo o poder da aristocracia agrária. A Carta outorgada em 1824, acrescida por outras leis ao longo dos anos e pelo célebre ato adicional de 1834, vigorou durante todo o período imperial brasileiro. A eclosão das revoltas, que dariam origem à Confederação do Equador, está ligada aos descontentamentos surgidos em torno da dissolução da Assembleia, bem como da nova Constituição de 1824.

[6] A noção de pacto social vincula-se a uma linha de filosofia política que, no século XVII, buscava um contraponto às teorias de direito divino que justificavam o poder absoluto dos reis com base em uma suposta nobreza inerente. Este direito divino fazia dos monarcas a voz de Deus entre os homens. A decadência do Antigo Regime e os consequentes questionamentos às ideias que o sustentavam deram espaço a tentativas de compreender e explicar o mundo, natural e dos homens, secularmente. A busca por sistemas de governo compromissadas, de alguma forma e em algum grau, com a sociedade de uma forma geral representou uma destas tentativas. Opondo-se à defesa intransigente do sistema monárquico que respeitava apenas, ou principalmente, a vontade de um rei, os jusnaturalistas, ou defensores do direito natural, apresentaram uma noção de governo e sociedade que não dependia e não decorria diretamente da tradição bíblica, mas sim, da natureza e da existência prévia dos homens às formações sociais então conhecidas na Europa. A descoberta (e redescoberta) de outras sociedades contribuiu para a elaboração de tais teorias, pois deixava claro que a sociedade europeia era apenas um momento na vida dos povos europeus, a despeito da superioridade com que estes encaravam os povos de outras regiões do planeta. O homem, assim, possuía uma série de direitos que nasciam com ele, inalienáveis, dos quais ele poderia abrir mão apenas em decorrência de um ato voluntário. O pacto social representava um ato voluntário, através do qual a sociedade dos homens era fundada, dando um fim ao estado de natureza em que antes se encontravam, estado este, em geral, retratado como perigoso e pouco produtivo. A noção de pacto social rompia violentamente com as tradições de pensamento que sustentavam regimes despóticos, em especial os derivados do direito divino, já que atrelavam a soberania do governante (fosse quem fosse, rei, assembleia, conselho de anciãos, presidente) ao compromisso com o povo, que era a verdadeira origem da soberania e que, voluntariamente, havia escolhido abrir mão da sua liberdade natural para viver sob o domínio de um sistema político. Os nomes mais representativos desta corrente foram: Jean Jacques Rousseau, John Locke, John Harrington, Thomas Hobbes.

[7] A expressão foi utilizada por d. Pedro I em proclamação de 21 de outubro de 1822, sobre a independência do Brasil e sua elevação à condição de Imperador constitucional. Refere-se à tentativa dos portugueses de manter o sistema colonial e conservar o Brasil sob o domínio de Portugal. Remete a ideia de retrocesso ao pacto colonial contrariando as expectativas de modernização e progresso tão presentes na concepção de mundo contemporânea. Não menciona, porém a questão da escravidão negra, que foi mantida após o processo de emancipação.

[8] Forma de governo instaurada pela primeira vez na Inglaterra depois da Revolução Gloriosa (1688) representa uma monarquia na qual o soberano exerce seu poder e autoridade de acordo com um conjunto de leis e regras, uma constituição, que estabelece os limites de uma ordem jurídica. O monarca, antes absoluto, passa a ser o chefe do Estado, e não do governo, sob juramento à constituição. É a forma de governo baseada na separação dos poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – que historicamente substituiu a monarquia absoluta, na qual o poder centralizado passa das mãos do Rei para a mão do “povo” (dos cidadãos habilitados a serem eleitores) que elege o parlamento. O monarca pode ter poderes formais, desde que atribuídos pelos princípios constitucionais, mas representa, de fato, o símbolo da unidade nacional, a estabilidade do Estado. A monarquia constitucional é o sistema que governo que prevalece no contexto das revoluções liberais, de finais do século XVIII e ao longo do XIX, representando a dissolução da velha ordem monárquica, o Antigo Regime, e a vitória da nova ordem burguesa. O pacto constitucional tornava a monarquia uma instituição do Estado, e não acima dele, sujeita ao mesmo conjunto de regras jurídicas que outros setores da sociedade que passassem a ocupar o poder. O monarca constitucional seguia representante da unidade e personalidade do Estado, com funções que foram diminuindo na passagem de um sistema constitucional simples para um governo constitucional parlamentar. É quando vigora a ideia de que o monarca “reina, mas não governa”. No mundo luso-brasileiro, o constitucionalismo se apresentou principalmente em Portugal depois da revolução liberal do Porto e do exemplo espanhol, da Constituição de Cádiz, aprovada em 1812 pelas Cortes Gerais extraordinárias. A Constituição portuguesa foi elaborada pela reunião das Cortes do Reino, com pequena participação de outras partes do Império que não o próprio Portugal, e foi promulgada em 1822, depois do retorno de d. João VI a Europa. Foi um exemplo de monarquia constitucional pouco secular, aferrada a antigas tradições do Antigo Regime, de um liberalismo mitigado, profundamente católica e escravista. No caso brasileiro, em meio ao processo de independência houve a convocação de uma Assembleia que só se formou de fato em 1823, para a elaboração da constituição brasileira. D. Pedro, percebendo a disposição da nova lei em elaboração de limitar os poderes do monarca, dá um golpe, fecha a Assembleia Constituinte e convoca um conselho de Estado para elaborar uma nova carta, que foi outorgada em 25 de março de 1824. Embora bastante semelhante à que vinha sendo preparada pela extinta assembleia, a Constituição de 1824 trouxe, além dos três poderes, um quarto, o poder Moderador, privativo ao imperador, que lhe dava autoridade de dissolver a Câmara, convocar novas eleições, aprovar e vetar decisões do parlamento, nomear o Conselho de Estado, entre outras atribuições, em nome de zelar pela harmonia entre os poderes. A outorga da Constituição de 1824 representou uma mudança na ideia de soberania, que não emanava do povo (pelo Parlamento), mas do imperador, como obra da sua magnanimidade. Foi a forma encontrada por d. Pedro I para implementar uma monarquia constitucional e conservar parte dos poderes absolutos típicos do Antigo Regime.

[9] Uma das antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Criados em 1621, ainda sob o reinado de Filipe III da Espanha (durante a União Ibérica), vigoraram até meados do século XVIII, quando a governação pombalina promoveu a centralização administrativa da colônia. O Estado do Brasil compreendia capitanias de particulares e capitanias reais (incorporadas à Coroa por abandono, compra ou confisco), e um conjunto de órgãos da administração colonial, semiburocrático que passa a se tornar mais profissional depois da segunda metade do século XVIII, com competências fazendária, civil, militar, eclesiástica, judiciária e política. O Estado do Maranhão existiu com esta denominação entre 1621 e 1652, e 1654 e 1772, e foi criado para suprir as dificuldades de comunicação com a sede do Estado do Brasil, a cidade de Salvador, aproveitando sua proximidade geográfica com Lisboa, e diminuir as ameaças de ataque estrangeiro à foz do rio Amazonas. Em 1772 o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas: Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam o Brasil como um todo e não percebiam unidade na colônia. Apesar de "Brasil" ser, nos dias de hoje, corriqueiramente usado para denominar as colônias portuguesas na América, durante o período colonial, o termo referia-se somente às capitanias que faziam parte do Estado do Brasil, onde ficava o governo-geral das colônias, primeiro na cidade da Bahia e depois no Rio de Janeiro. As capitanias que compunham o Estado do Brasil, depois da separação do Maranhão e suas subalternas, eram do sul para o norte: capitania de Santana, de São Vicente, de Santo Amaro, de São Tomé, do Espírito Santo, de Porto Seguro, de Ilhéus, da Baía de Todos os Santos, de Pernambuco, de Itamaracá, do Rio Grande e do Ceará. No início do século XIX, o Brasil, já sem as divisões de Estado internas, era formado pelas seguintes capitanias: São José do Rio Negro, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, GoiásMato GrossoMinas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São PauloSanta Catarina e São Pedro do Rio Grande. Em 1821, quase todas as capitanias se tornaram províncias e algumas capitanias foram agregadas em só território, deixaram de existir ou foram renomeadas. A partir daí, tivemos as províncias do Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Cisplatina.

[10] Por esse decreto, d. Pedro dirige-se aos brasileiros numa convocação de apoio à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, composta de deputados das províncias do Brasil e de “união do Amazonas ao Prata”. No texto ficava clara a insubordinação às ordens da metrópole, a intenção da criação de uma constituição e da possível separação de Portugal. Alguns historiadores consideram tal decreto como o documento oficial em que o príncipe regente proclama a independência do Brasil: “foi por assim pensar que eu agora já vejo reunido todo o Brasil em torno de mim; requerendo-me a defesa de seus direitos, e a manutenção da sua Liberdade e Independência.(...) Resolvi-me, portanto, tomei o partido que os povos desejavam, e mandei convocar a Assembleia do Brasil, a fim de cimentar a independência política deste Reino”, , o que fez com que o 7 de setembro não tivesse tanta repercussão na época, pois a emancipação já estava dada.

[11] O título de Imperador Constitucional faz referência à primeira constituição do Brasil, outorgada por d. Pedro I em 1824. A assembleia geral constituinte e legislativa do império do Brasil reuniu-se em 1823 para elaborar uma carta para o novo Império, logo após o conturbado processo de independência. No entanto, desentendimentos entre d. Pedro e os deputados constituintes, sobretudo no que diz respeito à limitação do poder do imperador, levaram ao fechamento do Congresso e à outorga da Constituição de 1824. Elaborada por dez juristas de sua confiança – “conselho de notáveis” – que redigiram o texto constitucional, centralizava diversas competências nas mãos do imperador através da criação do poder Moderador. Conhecido como quarto poder, era exercido exclusivamente pelo monarca, que poderia interferir no legislativo, judiciário e executivo, encontrando-se acima destes. A constituição de 1824 e seu poder moderador vingaram até o fim do Império em 1889, e foi a constituição brasileira de mais longa duração até os dias atuais.

 

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