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Posição do governo imperial sobre o comércio de escravos

Publicado: Segunda, 25 de Junho de 2018, 12h30 | Última atualização em Quinta, 06 de Mai de 2021, 17h54

 Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva remetida a Felisberto Caldeira Brant Pontes em que busca elucidá-lo sobre a posição do governo brasileiro sobre o chamado comércio da escravatura, para assim regularizar a negociação com o ministério britânico. Bonifácio comunicava que sua Majestade Imperial estava convencido, não só da iniquidade de tal comércio, mas ainda da influência deste sobre a prosperidade do Império, não podendo tomar medidas decisivas a este respeito, já que a Assembleia Legislativa estava próxima a instalar-se. Assegurava que a abolição se daria de maneira "gradual", devido à falta de braços existentes no Brasil.



Conjunto documental: Marquês de Barbacena - Série Diplomacia
Notação: DIL 19
Data-limite: 1809-1836
Título do fundo: Marquês de Barbacena
Código de fundo: Q1
Argumento de pesquisa: Marquês de Barbacena
Data do documento: 24 de fevereiro de 1823
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): DIL19

A pressa com que pelo último paquete escrevi a V. Sª a meu ofício nº 10 tendo motivado o meu involuntário silêncio sobre o importante objeto do comércio da escravatura[1], e conhecendo quanto V. Sª necessita ser ilustrado sobre as vistas do governo a este respeito, a fim de regular as suas negociações com o ministro britânico, apresso-me em comunicar a V. Sª que sua Majestade Imperial[2] está intimamente convencido não só da injustiça de semelhante comércio, mas ainda da perniciosa influência que ele tem sobre a civilização e prosperidade do Império, mas não podendo o Mesmo Augusto Senhor tomar medidas algumas decisivas a este respeito, estando a Assembléia Legislativa[3] próxima a instalar-se, manda-me que assegure a V. Sª para conhecimento do governo de sua Majestade Britânica, que os seus sentimentos são os mais liberais possíveis e que nutre as mais fundadas esperanças dos sentimentos que igualmente animam a Assembleia; de maneira que se conseguirá a abolição gradual do Tráfico d´escravos[4], sendo em tempo razoável e proporcionado a falta de braços ora existente neste país; e principalmente se a Grã-Bretanha mostrando-se interessada na referida abolição cooperar para ela sem ofensa, nem a menor quebra da honra, dignidade, e interesses legítimos do Império[5].

Por esta ocasião lembro a V. S.ª de que era costume nas legações portuguesas em Londres, remeter regularmente pelos paquetes para esta corte o pus vacinico[6]; de que aqui tanto se necessita constantemente. V. Sª o remeterá também d´ora em diante, podendo vir tanto em crusta, como acondicionado em frasquinhos e balões.

Continuo a remeter a V. Sª cópias da correspondência mais notável que aqui tem lugar com Mr. Chamberlaim[7], cônsul geral da Inglaterra, e debaixo da letra P achará V. Sª o extrato de um ofício que de Londres recebeu o mesmo Cônsul Geral, cuja data V. Sª poderá combinar com a da sua correspondência nessa Corte com Mr. Canning[8], e conhecerá conseqüentemente a justiça das observações que lhe fiz no meu despacho nº 10.

Inclusas vão algumas cartas de Lord Cochrane[9], e um ofício para o encarregado de negócios em Paris, que espero V. S. fará chegar a seus destinos com brevidade. Tenho o prazer de anunciar a V. Sª que Suas Majestades Imperiais não sofrem novidade na sua importante saúde, e que a sereníssima senhora Infanta recém-nascida promete o melhor estado de saúde.

Deus Guarde a V Sª.

Palácio do Rio de Janeiro 24 de Fevereiro de 1823. José Bonifácio de Andrada e Silva[10]

 

[1] TRÁFICO DE ESCRAVOS: uma das atividades econômicas mais lucrativas do período colonial, o tráfico de escravos oriundos da África foi responsável pela entrada de mais de 4 milhões de africanos no Brasil durante cerca de três séculos (Hebert Klein. A demografia do tráfico atlântico de para o Brasil. Estudos econômicos. Maio/ agosto, 1987). Alimentando-se de prisioneiros das guerras étnicas e, posteriormente, tribais que assolavam os reinos africanos, a procura por cativos foi fomentada pela expansão colonial baseada no sistema de plantation, dominante nas Américas, que se apoiava na mão-de-obra escrava. A pressão europeia pelo fornecimento de mercadoria humana levou à um crescimento exponencial da escravidão no continente. O tráfico negreiro resultou no chamado comércio triangular que envolvia África, Europa e América, integrados em um sistema de comercialização de diferentes tipos de riqueza: os escravos africanos, normalmente empregados nas grandes plantações de café, açúcar e algodão da América, eram trocados por tabaco, tecido, cachaça, rum ou armas na costa africana, ao longo da qual várias nações europeias acabaram estabelecendo feitorias para viabilizar o comércio. Transportados em navios tumbeiros ou negreiros, os escravos provinham principalmente do Senegal, da Gâmbia, da Costa do Ouro e da Costa dos Escravos, durante os séculos XVII e XVIII e do delta do Níger, do Congo e de Angola nos séculos XVIII e XIX. De acordo com os dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database – portal internacional de catalogação de dados sobre o tráfico atlântico –, navios portugueses ou brasileiros embarcaram escravos em quase 90 portos africanos, fazendo mais de 11,4 mil viagens negreiras. Dessas, 9,2 mil tiveram como destino o Brasil. A atividade mercantil teve sua expansão inicial entre os séculos XV e XVI – os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil com a expedição de Martim Afonso de Souza em 1530, vindos da Guiné e, em 1568, o governador-geral Salvador de Sá tornou-a oficial. Mas, foi entre os anos de 1750 e 1850, que o tráfico negreiro conheceu seu auge e teve como principal porto importador a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo em função da necessidade de abastecimento da região das minas. O comércio de homens mulheres e crianças, tornava-se objeto de dupla exploração: a “mercadorização”, através do tráfico atlântico e a expropriação de sua força de trabalho dentro do sistema escravagista colonial nas Américas, gerando lucros extraordinários, apesar do custo elevado, das “perdas em trânsito”, como diria Manolo Fiorentino, referindo-se aos diversos riscos que envolviam a travessia atlântica (pirataria, epidemias, naufrágios) e das dificuldades para administrar tal atividade, sobretudo pela resistência africana a esse processo de coisificação (Maria Jorge dos Santos Leite. Tráfico Atlântico, Escravidão e Resistência no Brasil. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana. Agosto de 2017). Os traficantes de escravos, conhecidos como homens de negócios, foram os grandes beneficiários da atividade, tornando-se a elite econômica colonial, mas que precisavam recorrer a relações sociais mais amplas, tanto na metrópole quanto na América e na África, indispensáveis para o funcionamento do comércio atlântico de escravos. Segundo Jaime Rodrigues, o tráfico de escravos envolveu não apenas os africanos escravizados, mas toda uma rede formada por negociantes, feirantes, oficiais e marinheiros comuns, autoridades administrativas e colonos. (De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro. Rio de Janeiro/ São Paulo: Companhia das letras, 2005). Esse comércio de almas, foi, durante séculos tido como algo natural e justificado tanto economicamente quanto pela religião, que enxergava o processo de escravização como uma forma de levar a fé católica à povos infiéis. No entanto, no alvorecer do século XIX, filósofos liberais colocariam em debate a escravidão, iniciando uma intensa campanha abolicionista, liderada pela Inglaterra. Apesar das pressões britânicas pelo fim do comércio atlântico de escravos, que resultou na assinatura de diversos tratados abolindo a importação de africanos, como a lei Feijó de 1831, mas que seriam apenas “para inglês ver”, o tráfico negreiro, atividade econômica basilar no Brasil colonial, resistiria ainda meio século, mantendo-se, durante alguns anos, na clandestinidade após a proibição do tráfico de escravos em 1850.

[2] PEDRO I, D. (1798-1834):  batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[3] ASSEMBLEIA GERAL CONSTITUINTE: composta por representantes eleitos em todas as províncias que deveriam escolher e discutir os projetos de Constituição apresentados, bem como elaborar leis ordinárias necessárias ao país. A Assembleia Constituinte de 1823, primeira convocada no Brasil, foi dissolvida pelo imperador d. Pedro I, em 12 de novembro, por entender que não refletia seus anseios. Composta de magistrados, bacharéis, religiosos, militares, grandes proprietários de terras e escravos, funcionários públicos e profissionais liberais, estava dividida em dois incipientes partidos: o português, defensor da reunião com Portugal; e o brasileiro, que advogava a causa da independência e a formação de uma monarquia constitucional. O projeto de constituição foi apresentado em setembro daquele mesmo ano, elaborado por uma comissão encabeçada por Antônio Carlos Andrada e Silva, José Bonifácio, Araújo Lima, Pereira da Cunha, entre outros que a assinaram. Dentre as principais diretrizes da nova carta estavam: a limitação do papel dos portugueses (revelando uma preponderância do grupo brasileiro) e do poder do Imperador, que não poderia dissolver o Parlamento, comandar as forças armadas e receberia ordens diretamente do poder legislativo. Alguns dos primeiros pontos discutidos eram polêmicos e não geravam consenso, entre eles, a submissão do poder executivo ao legislativo (que desagradava particularmente a d. Pedro I) e a crítica dos Andradas à escravidão. Os debates e conflitos internos da Assembleia acabaram por repercutir na imprensa e nas ruas, provocando brigas e disputas entre portugueses e brasileiros. Esse projeto instituía o voto censitário e indireto, mas sequer chegou a ser integralmente discutido ou aprovado: o Imperador dissolveu a Câmara antes. A Constituição de 1823, ou “Constituição da Mandioca”, como ficou conhecida, dava lugar à Carta outorgada em 1824, cuja mudança mais significativa em relação à de 1823 era a criação do chamado Poder Moderador. Exclusivo do Imperador conferia-lhe poderes paradoxalmente absolutistas de, por exemplo, dissolver a Câmara, convocar, adiar ou prorrogar a Assembleia Geral, nomear senadores, nomear e demitir ministros de Estado, perdoar ou moderar penas impostas, entre outras. A Constituição imposta pelo Imperador possuía características absolutistas, mas também sofreu influências de alguns princípios liberais. Acabou por promover a imposição do Executivo sobre o Legislativo e uma centralização político-administrativa, restringindo o poder da aristocracia agrária. A Carta outorgada em 1824, acrescida por outras leis ao longo dos anos e pelo célebre ato adicional de 1834, vigorou durante todo o período imperial brasileiro. A eclosão das revoltas, que dariam origem à Confederação do Equador, está ligada aos descontentamentos surgidos em torno da dissolução da Assembleia, bem como da nova Constituição de 1824.

[4]ABOLIÇÃO GRADUAL DO TRÁFICO DE ESCRAVOS: em 1807, a Inglaterra, por motivos econômicos e sob a influência do ideário Iluminista, proibiu a escravidão. Logo em seguida, a Coroa britânica promoveria uma onda de pressões exigindo a extinção do tráfico de escravos em todo mundo. Frente à postura inglesa, o Império português, desde os primeiros tratados comerciais firmados com a Grã-Bretanha após a transferência da família real para o Brasil, em 1810, se comprometera em abolir o comércio de escravos africanos. Em 1815, por ocasião do Congresso de Viena, as contínuas pressões dos ingleses levaram à instituição da interrupção do tráfico negreiro ao norte da linha do Equador. Em seu papel de mediadora para o reconhecimento da independência do Brasil, a Inglaterra forçava ainda mais uma decisão do governo de Pedro I, uma vez que suas colônias nas Antilhas não mais utilizavam esse tipo de mão de obra, o que encarecia o açúcar e levava o país a ter prejuízos na concorrência com a produção brasileira. Ao mesmo tempo, para os britânicos, era interessante preservar a monarquia para evitar a fragmentação do território. Assim, o Brasil teve mais tempo para se adequar, pois o fim imediato da escravidão desagradaria os grandes proprietários de terras e escravos, justamente o grupo que sustentava o Império. A Assembleia de 1826 estabeleceria, por conseguinte, um prazo de três anos para o fim do tráfico e, passado esse período, seria esta prática considerada pirataria. Em novembro de 1831, outra lei para a extinção do tráfico foi elaborada pelo regente Feijó, a qual, por falta de fiscalização e controle, acabou não obtendo êxito. Apesar de todos esses esforços, o tráfico de escravos da África para o Brasil somente foi interrompido em 1850, com a lei Eusébio de Queirós.

[5] IMPÉRIO DO BRASIL: fundado em 1822, o império brasileiro chegou ao fim em 1889 com a proclamação da República. Sua gênese pode ser localizada na crise do antigo sistema colonial, na difusão das ideias ilustradas, nas revoluções e lutas pela independência das colônias vizinhas, além das revoltas emancipacionistas internas do final do século XVIII que caracterizavam a constante insatisfação com as monarquias europeias. A vinda da família real portuguesa para o Brasil adiou as discussões sobre independência e inverteu as relações entre colônia e metrópole, uma vez que o domínio sobre a colônia se acentuou, mas o governo sobre a metrópole lusa passou a ocupar uma posição secundária. Diante disso, em 1820, organizou-se em Portugal o movimento conhecido como Revolução do Porto, que exigia a volta definitiva da realeza lusitana, a criação de uma constituição e o fortalecimento do domínio português sobre o Brasil, numa tentativa recolonizadora. Mesmo com a volta de d. João VI a Portugal e a aceitação da constituição elaborada pelas Cortes, as divergências entre colônia e metrópole persistiram, levando d. Pedro I a proclamar a independência e ser coroado como imperador do Brasil em 1822. Nove anos mais tarde, ele abdicou do trono em favor do seu filho, que ainda era uma criança e voltou para Portugal. No Brasil foram escolhidos regentes que governaram até que d. Pedro II pudesse assumir a direção do Império, o que ocorreu em 1840, com o chamado Golpe da Maioridade, pois d. Pedro II ainda tinha 14 anos de idade e pela constituição não poderia assumir o governo. Assim, esse período de 67 anos foi dividido pelos historiadores em três fases: o primeiro reinado, período regencial e o segundo reinado. Durante todos esses anos prevaleceu uma única constituição que instituía a monarquia hereditária, o catolicismo como religião oficial do império, os quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador – esse último estava acima dos demais poderes e centralizava o poder nas mãos do imperador, além do voto censitário, que por estar baseado na renda excluía a maior parte da população. Internamente, o país conheceu revoltas travadas contra o próprio sistema monárquico, a escravidão, os altos impostos e o sistema de pesos e medidas. O Brasil também se envolveu em guerras com países vizinhos por disputas territoriais como a Guerra da Cisplatina (1825 a 1828), que aumentou a impopularidade de d. Pedro I e as dívidas do país, e a Guerra do Paraguai (1865-1870), que, igualmente, contribuiu para o endividamento do estado e enfraquecimento do regime monárquico. Além disso, a partir da década de 1870, a Coroa entrou em conflito com a Igreja Católica e com os militares. Ambos estavam descontentes com a intromissão do governo em questões religiosas e militares e retiraram seu apoio ao governo monárquico. O movimento abolicionista ganhou força na década de 1880 quando projetos para a libertação dos escravos foram apresentados ao Senado até a vitória com a Lei Áurea de 1888, abolindo definitivamente a escravidão no Brasil. A liberdade dos cativos, porém, teve um alto preço para o trono de d. Pedro II, uma vez que grande parte da aristocracia brasileira foi contra essa medida. Dessa forma, estava instaurado o caos no império, com a crise econômica, perda do apoio da igreja Católica, da aristocracia e dos militares. Estes últimos uniram suas forças aos republicanos, principalmente do já formado Partido Republicano Paulista, para jogar a última pá de cal no sistema monárquico e proclamar a República em novembro de 1889.

[6] VACINA: o nome vacina advém de vaccinia, agente infeccioso da varíola bovina que, quando inoculado no organismo humano, assegura imunidade à doença, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a mais devastadora da história. A vacina antivariólica data de 1749, quando era conhecida também como “vacina jenneriana” em razão do nome de seu inventor, o inglês Edward Jenner (1749-1823). Observando os ordenhadores de animais, Jenner constatou que estes adquiriam resistência à varíola após o contato com animais acometidos por cow-pox (pústula da vaca). O método então empregado baseava-se na injeção da pústula da vaca em pessoas sadias, o que causava nestes, erupções próximas às causadas pela varíola. A partir dessas erupções, extraia-se a “linfa” ou “pus variólico”, moendo a crosta da ferida até transformá-la em pó, que era inoculado em outras pessoas, numa cadeia sucessiva de imunização, denominada vacinação “braço a braço”. Tal técnica veio a substituir a antiga prática de “variolização” que consistia na inoculação de formas benignas da doença com objetivo de imunização, levando em muitos casos o indivíduo à morte. A doença foi trazida para o Brasil tanto por portugueses quanto por africanos e a vacina jenneriana foi introduzida em 1804 pelo Marquês de Barbacena. Foram enviados a Lisboa, um médico, a fim de aprender a técnica, e alguns escravos que foram vacinados e passaram a vacina para outras pessoas ao regressarem ao Brasil. Da Bahia, a técnica se estendeu ao Rio de Janeiro, tornando-se uma prática. No entanto, a vacina humanizada foi criticada porque como atingia a corrente sanguínea, transmitia também outras doenças e perdia sua potencialidade. O desenvolvimento da vacina animal, extraída das pústulas de vitelos sadios inoculados com o vírus vacínico, aconteceu no Brasil em 1887 com a criação do Instituto Vacínico Municipal, na rua do Catete, no Rio de Janeiro, que distribuía para as outras províncias. Logo depois, foram criados institutos em São Paulo, Bahia, Ceará, Pará e Pernambuco, diminuindo muito os problemas relacionados as doenças contagiosas. Antes disso, as lâminas e tubos capilares com o pus vacínico eram enviados ao Brasil pela Inglaterra. Porém isso não acontecia todos os meses como deveria e as vacinas mostraram-se enfraquecidas após a quarta ou quinta inoculação, produzindo vacinas nulas. A resistência à vacinação foi uma constante no século XIX, levando algumas câmaras municipais a decretarem a obrigatoriedade desta em épocas de epidemia. A população associava a inoculação à transmissão de doenças como tuberculose, sífilis, erisipela e temia que a vacina animal transmitisse as características e doenças do animal para o homem.

[7] MR. CHAMBERLAIN (1773-1829): Henry Chamberlain ocupou a função de cônsul da Inglaterra na corte do Rio de Janeiro entre os anos de 1815 e 1829. Atuou pelo reconhecimento da independência do Brasil ao lado de José Bonifácio e do ministro inglês dos Negócios do Exterior George Canning. Foi pai do pintor e desenhista de mesmo nome, Henry Chamberlain, que publicou a obra Views & Costumes of Rio de Janeiro, com 36 gravuras de bairros e paisagens da capital fluminense.

[8] MR. CANNING (1770-1827): George Canning foi político britânico de grande influência em seu país no início do século XIX. Nasceu e faleceu em Londres, pouco depois de tornar-se primeiro-ministro inglês. Estudou em Eton e Oxford, foi subsecretário do exterior em 1796 e ministro do exterior onze anos depois. Também foi embaixador em Lisboa em 1814 e 1815, e novamente nomeado ministro do exterior em 1822, quando também foi líder da Câmara dos comuns. Contrariando a Santa Aliança apoiou o reconhecimento da independência dos países latino-americanos, inclusive do Brasil. Foi Canning que orientou as discussões em torno do reconhecimento da independência do Brasil entre Londres, Lisboa e o Rio de Janeiro. Conservador, foi considerado hábil diplomata pelo sucesso das negociações em que esteve à frente. Já como primeiro-ministro conseguiu a emancipação política dos católicos, além do reconhecimento da independência da Grécia.

[9] COCHRANE, THOMAS ALEXANDER (1775-1860): o inglês Lord Cochrane foi militar da Marinha Real Britânica e destacou-se nas Guerras Napoleônicas, sendo apelidado pelo seu opositor Napoleão de “lobo do mar”, por sua ousadia. Concomitantemente foi eleito membro do Parlamento, porém, condenado a prisão por fraude em 1814, foi obrigado a sair da Marinha. Em 1817, foi contratado para combater nas lutas pela independência do Chile e Argentina e, em 1823, contratado pelo governo brasileiro para ajudar nos combates às províncias que se recusavam a aderir a independência, como Pará e Maranhão. Pelo seu bom desempenho e sucesso nas operações, recebeu de d. Pedro I o título de marquês do Maranhão. Permaneceu no Brasil até 1825, combatendo as frotas portuguesas e a Confederação do Equador, que ocorreu no Nordeste. No entanto, não foi pago pelo governo brasileiro e levou alguns navios como recompensa. Lutou também pela independência da Grécia e, em 1830, voltou à Inglaterra. Com a morte de seu pai, recebeu, em 1831, o título de 10º conde de Dundonald e, no ano seguinte, foi readmitido pela Marinha Britânica, onde alcançou o posto de almirante.

[10] SILVA, JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E (1763-1838): intelectual ilustrado, naturalista e político que exerceu grande influência no processo de independência do Brasil. Nasceu em Santos em 1763, proveniente de família rica e pai funcionário da administração colonial. Assim como os demais integrantes da “geração de 1790” formou-se na Universidade de Coimbra, nos cursos de filosofia e direito. Como sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa, viajou pela Europa estudando química e mineralogia. Em Portugal, ocupou as funções de Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, professor de metalurgia em Coimbra e diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda. De volta a São Paulo em 1819, viajou pela província fazendo estudos mineralógicos e em seguida, por ocasião da Revolução do Porto, foi eleito membro da Junta Governativa de São Paulo. Era adepto da ideia de um Império luso-brasileiro, sem que o Brasil perdesse a autonomia já conquistada. Porém, as pressões das Cortes de Lisboa o fizeram mudar de estratégia e defender, então, a emancipação da colônia. Conhecido por suas articulações políticas na construção do novo império idealizou a aclamação do imperador, além de trabalhar na adesão das províncias que ainda se mantinham fiéis a Lisboa e no reconhecimento da independência junto a Inglaterra. Quando d. Pedro I, em 1823, dissolveu a assembleia constituinte para a qual foi eleito com seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco, Bonifácio rompeu relações com o imperador e passou a criticar seu autoritarismo e aproximação com os grupos portugueses, o que o levou a ser deportado para a França. A reaproximação entre ambos aconteceu em 1829, quando voltou ao Brasil. Depois se tornou tutor de d. Pedro II por ocasião da abdicação. Foi destituído desta função e preso em sua casa em Paquetá por seus adversários, acusado de apoiar a restauração de d. Pedro. Mesmo com a absolvição, em 1835, permaneceu nessa casa até sua morte em 1838. Inspirado pelo ideário das Luzes [Iluminismo], Bonifácio mostrou-se preocupado com as populações indígenas, contrário ao trabalho escravo e favorável à educação como meio de transformação da sociedade. Dentre suas principais contribuições à Assembleia de 1823 constam o fim da escravidão e a civilização dos índios, propondo a distribuição de terras gratuitas a imigrantes pobres, a negros forros, a mulatos e índios domesticados. Por outro lado, também assumia um ideário conservador ao defender o sistema monárquico centralizado e o princípio de um Estado aliado a uma elite para a condução do país ao progresso.

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