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Demissão do marquês de Barbacena

Publicado: Segunda, 25 de Junho de 2018, 12h30 | Última atualização em Quinta, 06 de Mai de 2021, 17h28

 Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva a Felisberto Caldeira Brant Pontes em resposta ao seu pedido de demissão, face à insatisfação com o trabalho. José Bonifácio expressa a confiança que, assim como o Imperador, deposita no talento de Felisberto Caldeira Brant Pontes para as funções diplomáticas e devido às circunstâncias nega o pedido. O documento trata ainda, da negociação das fragatas e dos soldados que protegeriam a costa brasileira, assim como negociações para o reconhecimento da independência do Brasil após a aclamação de d. Pedro I. O documento chama atenção para a aceitação do título de Imperador por parte de d. Pedro I, o que não interferia em sua relação com Portugal, posto que os brasileiros não desejavam o rompimento das relações com os portugueses, "visto que o Brasil deseja unicamente não ser escravo nem pupilo de Portugal, mas não repugna ser aliado".

Conjunto documental: Marquês de Barbacena - Série diplomacia
Notação: DIL 18
Data-limite: 1809-1836
Título do fundo: Marquês de Barbacena
Código de fundo: Q1
Argumento de pesquisa: Marquês de Barbacena - Série diplomacia
Data do documento: 9 de fevereiro de 1823
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): DIL 18

 

Fui entregue dos ofícios de V. Sª de 30 de Outubro de 12, 16, 17 e 30 de Novembro, e de 7 de Dezembro, os quais levei a Augusta Presença de Sua Majestade Imperial[1], que ficou inteirado do seu interessante conteúdo. S.M.I. [Sua majestade imperial] confiando muito nos distintos merecimentos de V. Sª., a bem da importante comissão para que houve por bem escolhê-lo não pode conseguintemente ouvir sem desprazer que V. Sª deseja e solicita a sua demissão; mas certificado que esta desconfiança que V. Sª tem nos seus talentos para as funções diplomáticas, é mais um título à sua confiança, e achando-a ao mesmo tempo sem realidade, não pode desonerá-lo do lugar para que o nomeou, ao menos enquanto se não se sabe se será preciso dar aos seus ministros diplomáticos outro caráter superior ao de encarregado de negócios, o que depende do reconhecimento do Império, como potência soberana; e bem assim da linha de perfeita reciprocidade que a vista do comportamento do gabinete Inglês se deverá adotar. Espera pois S. M. I. que V. S. fazendo o bem da pátria os sacrifícios que ela tem direito de esperar dos seus filhos, nesta importante conjuntura, continue a prestar-se ao serviço do Império, como seu costumado zelo, e da maneira que as circunstâncias tornarem necessárias. Ficando V. Sª desde já na inteligência de que S. M. I. bem reconhece a necessidade de aumentar o ordenado dos seus encarregados de negócios, a proporção dos países em que atuam no que se cuidará na primeira oportunidade, assim como em tudo o mais que diz respeito ao corpo diplomático, secretários, adidos.

Passando agora aos objetos públicos, de que tratam os seus ofícios tenho a responder a V.Sª. que ainda que não lhe fosse ordenada explicitamente nas suas instruções à compra das embarcações, por se ignorar então o que nesse tempo se passava entre V. Sª., o capitão Thompson e outros; com tudo estas mesmas instruções autorizavam a V. Sª para despesas extraordinárias e indispensáveis, e era de supor que tratando-se nelas da vinda de tropa e oficiais estrangeiros, se deixava a V. Sª em ampla espera para lançar mão d´outros meios humilhantes para defender este Império[2], mas enfim sobre este ponto estará já V.Sª seguro pelos últimos despachos n.º 4 e n.º 8, pelos quais expressamente se lhe recomendou a compra das fragatas. Não posso todavia deixar de ponderar a V.Sª que se acaso não se julgava autorizado, nem ainda pelas instituições, para a compra dos navios, seria melhor não começar a tratar esse negócio que não podia concluir, visto que fazendo-se pública a intenção de semelhante compra, os portugueses nossos inimigos[3], cientes no nosso projeto, fariam todos os esforços para frustrar tal compra ou ao menos dificultá-la.

Tem merecido a aprovação de S. M. I. a madureza com que V. S. tem encaminhado as suas relações com o ministro dos negócios estrangeiros em Londres; e do rápido progresso com que elas marcharam ao desejável ponto do reconhecimento da Independência do Brasil[4], sobre que V. S. não descobria, com toda razão dificuldade alguma; até que a notícia da aclamação de S. M. I. e a surpresa de Mr. Canning colocou a V. S. em uma posição que pensa difícil. Estou certo que V. Sª já terá conhecido e esta hora que a surpresa de Mr. Canning é um jogo diplomático para melhor fazer a declaração do reconhecimento. Mr. Canning perfeitamente sabia, assim como todos os iluminados Estados da Europa bem haviam de prever, que a aclamação de S. M. I. era um ato necessário e conseqüente da Independência do Brasil, e do hostil procedimento das cortes de Portugal[5]. Era pública na Europa a tendência dos brasileiros já de muito tempo a elevarem ao trono independente do Brasil a S. M. I. então Príncipe Regente, e com efeito em o ano de 1821 o povo do Rio de Janeiro tinha querido aclamá-lo Rei, o que S. M. I. prudentemente recusou, por não tomar este procedimento dos fluminenses como a expressão da vontade geral do Brasil, e porque não havia ? de que as cortes de Portugal emendassem seus desvarios, e procurassem reconciliar a nação; porém assim que S. M. I. cercados dos Procuradores Gerais das províncias, conheceu ser a vontade unânime dos povos aclamá-lo seu imperador, e que não havia outro meio de segurar a Independência do Brasil, que se havia proclamado, e de salvar a nação, e os direitos da sua Augusta Casa, não teve outro remédio se não deferir aos desejos de um povo inteiro que o idolatra, e que a semelhança dos outros povos americanos não querem de modo algum obedecer mais a Europa.

A surpresa de Mr. Canning[6] neste ponto a ser verdadeira, faria de certo pouca honra a sua ilustrada política, pois estar pronto o governo britânico a reconhecer o Brasil independente e pensar que o Brasil independente se contentaria com um simples delegado do poder real existente na Europa, era pensar um absurdo de que certamente Mr. Canning não era capaz.

Entretanto S. M. I. aceitou o título de Imperador, que por delicadeza preferiu ao de Rei, título que bem considerado não destrói a união do Brasil a Portugal, pois jamais os brasileiros declararam que renunciavam a quaisquer meios conciliatórios, com tanto que fossem por uma aliança decorosa, de vantagens recíprocas a ambos Estados, e celebrada com o de nação a nação; visto que o Brasil deseja unicamente não ser escravo nem pupilo de Portugal, mas não repugna ser aliado.

Finalmente a esse respeito dirá V. Sª a Mr. Canning o mesmo que S. M. I. me tem autorizado para dizer confidencialmente a Mr. Chaberlain[7] nesta Corte - Que os brasileiros não querem ter outro Imperante se não a S. M. I. o senhor d. Pedro I, e que estão dispostos a sustentar até a extremidade um trono, que se funda nas leis imutáveis da natureza, que deu ao Brasil elementos para ser absolutamente independente, no amor dos povos, na gratidão, e no conhecimento das eminentes qualidades do Imperador - Que os brasileiros reverenciam e amam ao Snrº. D. João 6º Rei de Portugal e Algarves, tanto que farão todos os esforços possíveis para salvá-lo do afrontoso estado, a que acha reduzido[8], mas que jamais reconhecerão a sua autoridade neste Império, pois isto seria frustrar tudo o que se tem feito.- Que todas as negociações e tratados que qualquer potência quiser encetar com o Brasil, se não tiverem por base o reconhecimento destes princípios, jamais serão aceitos nem admitidos pelos brasileiros. O que levo ao conhecimento de V. S. para sua inteligência. Deus guarde a V. Sª. Palácio do Rio de Janeiro 9 de Fevereiro de 1823.

José Bonifácio de Andrada e Silva[9]

Felisberto Caldeira Brant Pontes[10].

 

[1]PEDRO I, D. (1798-1834):  batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[2] IMPÉRIO DO BRASIL: fundado em 1822, o império brasileiro chegou ao fim em 1889 com a Proclamação da República. Sua gênese pode ser localizada na crise do antigo sistema colonial, na difusão das ideias ilustradas, nas revoluções e lutas pela independência das colônias vizinhas, além das revoltas emancipacionistas internas do final do século XVIII que caracterizavam a constante insatisfação com as monarquias europeias. A vinda da família real portuguesa para o Brasil adiou as discussões sobre independência e inverteu as relações entre colônia e metrópole, uma vez que o domínio sobre a colônia se acentuou, mas o governo sobre a metrópole lusa passou a ocupar uma posição secundária. Diante disso, em 1820, organizou-se em Portugal o movimento conhecido como Revolução do Porto, que exigia a volta definitiva da realeza lusitana, a criação de uma constituição e o fortalecimento do domínio português sobre o Brasil, numa tentativa recolonizadora. Mesmo com a volta de d. João VI a Portugal e a aceitação da constituição elaborada pelas Cortes, as divergências entre colônia e metrópole persistiram, levando d. Pedro I a proclamar a independência e ser coroado como imperador do Brasil em 1822. Nove anos mais tarde, ele abdicou do trono em favor do seu filho, que ainda era uma criança e voltou para Portugal. No Brasil foram escolhidos regentes que governaram até que d. Pedro II pudesse assumir a direção do Império, o que ocorreu em 1840, com o chamado Golpe da Maioridade, pois d. Pedro II ainda tinha 14 anos de idade e pela constituição não poderia assumir o governo. Assim, esse período de 67 anos foi dividido pelos historiadores em três fases: o primeiro reinado, período regencial e o segundo reinado. Durante todos esses anos prevaleceu uma única constituição que instituía a monarquia hereditária, o catolicismo como religião oficial do império, os quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador – esse último estava acima dos demais poderes e centralizava o poder nas mãos do imperador, além do voto censitário, que por estar baseado na renda excluía a maior parte da população. Internamente, o país conheceu revoltas travadas contra o próprio sistema monárquico, a escravidão, os altos impostos e o sistema de pesos e medidas. O Brasil também se envolveu em guerras com países vizinhos por disputas territoriais como a Guerra da Cisplatina (1825 a 1828), que aumentou a impopularidade de d. Pedro I e as dívidas do país, e a Guerra do Paraguai (1865-1870), que, igualmente, contribuiu para o endividamento do estado e enfraquecimento do regime monárquico. Além disso, a partir da década de 1870, a Coroa entrou em conflito com a Igreja Católica e com os militares. Ambos estavam descontentes com a intromissão do governo em questões religiosas e militares e retiraram seu apoio ao governo monárquico. O movimento abolicionista ganhou força na década de 1880 quando projetos para a libertação dos escravos foram apresentados ao Senado até a vitória com a Lei Áurea de 1888, abolindo definitivamente a escravidão no Brasil. A liberdade dos cativos, porém, teve um alto preço para o trono de d. Pedro II, uma vez que grande parte da aristocracia brasileira foi contra essa medida. Dessa forma, estava instaurado o caos no império, com a crise econômica, perda do apoio da igreja Católica, da aristocracia e dos militares. Estes últimos uniram suas forças aos republicanos, principalmente do já formado Partido Republicano Paulista, para jogar a última pá de cal no sistema monárquico e proclamar a República em novembro de 1889.

[3] PORTUGUESES NOSSOS INIMIGOS: na busca pelo reconhecimento de emancipação do Brasil com relação a Portugal, o governo brasileiro ambicionava manter as negociações comerciais e diplomáticas, sem romper totalmente com o governo lusitano. No entanto, o agravamento da situação entre colônia e metrópole, após a proclamação da independência, transformou, no discurso político, os portugueses de irmãos em inimigos do Império do Brasil. Contribuiu para essa visão, principalmente, o fomento das divergências internas pela adesão ao recém-criado império, com o envio de tropas portuguesas para lutar ao lado das províncias que se mantinham fiéis ao governo português.

[4] REESTABELECER A PAZ, AMIZADE E BOA HARMONIA ENTRE OS POVOS IRMÃOS: essa expressão refere-se ao processo de reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, com o intuito de encerrar os conflitos que ocorreram em território americano pela não aceitação da emancipação. As províncias do Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, parte da Bahia e Cisplatina, por preservar relações diretas com a metrópole, mantiveram-se fiéis às Cortes de Lisboa e contrários à Independência, o que originou conflitos entre tropas portuguesas e brasileiras, postergando a consolidação da soberania brasileira. No final do ano de 1823, todas as províncias já haviam reconhecido o Brasil como país independente e d. Pedro I como seu imperador. Contudo, no âmbito político, ainda se mantinham as divergências entre os adeptos da causa da emancipação e aqueles que queriam a permanência dos vínculos com Portugal, que mais tarde se reuniram nos partidos brasileiro e português, respectivamente. A intervenção do governo britânico foi fundamental para o reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, interessada em manter as relações econômicas com o Brasil, intensificadas desde a abertura dos portos, mas também com a antiga aliada lusa. O reconhecimento pela nação britânica, asseguraria a continuidade das relações comerciais e seria, ainda, um passo importante para que as outras nações estrangeiras fizessem o mesmo. Entre os países estrangeiros, os Estados Unidos, favoráveis a independência de todas as colônias americanas, foram os primeiros a reconhecer o Brasil como país soberano. Já as nações europeias resistiram, uma vez que haviam firmado um acordo no Congresso de Viena (1815) para defender o absolutismo e combater as ideias de liberdade.  Nesse contexto, José Bonifácio enviou à Inglaterra o marquês de Barbacena, para negociar o reconhecimento do Brasil como Estado independente de Portugal. Para o correto desempenho da função, escreveu as instruções que deveriam ser cumpridas pelo agente diplomático, entre elas, a recomendação de informar e recolher documentos comprobatórios sobre possíveis acordos entre portugueses e ingleses que pudessem prejudicar o Brasil. O novo império americano utilizava-se do discurso de que a Independência se legitimava na vontade geral de seus habitantes e deixava claro que só negociaria com as nações que o reconhecessem como independente, não fechava suas portas para negociações com a antiga metrópole, desde que fossem por meio de alianças benéficas para ambos os países. Dessa forma, o governo inglês assumiu a intermediação das negociações com os governos do Rio de Janeiro e de Lisboa, conseguindo que o primeiro se comprometesse a pagar uma indenização de dois milhões de libras esterlinas a Portugal para o definitivo reconhecimento da Independência. A quantia, paga a Portugal, foi emprestada pela Inglaterra. O Tratado de Paz e Aliança assinado em 1825 entre Brasil e Portugal pretendia estabelecer boas relações diplomáticas entre os dois países e assegurar a continuidade das relações comerciais.

[5] CORTES DE PORTUGAL: com a transmigração da família real para o Brasil, Portugal passou a ser dirigido por governadores do reino, sofrendo forte interferência do governo inglês e tendo seu território ocupado por tropas britânicas para impedir a invasão napoleônica. Esses fatores, aliados à difusão de ideias liberais e à crise econômica, desagradavam grupos mercantis, a elite letrada e os militares portugueses, que se reuniram em 1821 no movimento chamado Revolução do Porto. O movimento de cunho liberal tinha como, um dos seus objetivos, criar uma nova constituição para Portugal. Sendo assim, os revolucionários instituíram a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, que um ano depois convocou as Cortes para elaborar uma Carta que acabasse com o absolutismo e estabelecesse uma monarquia constitucional, expressando o início dos novos tempos. Mesmo com o clima de tensão, d. Pedro, em lugar de seu pai no Rio de Janeiro, conseguiu atender as exigências das Cortes de aceitar as bases da carta que seria criada, porém, sob a condição de que não fosse implantado o modelo espanhol, nem juntas governativas populares. Foi assegurado ao monarca, o direito de aprovar ou não as decisões das Cortes e a religião católica. Porém, as Cortes continuaram elaborando uma série de medidas que pressionavam o governo da colônia e limitavam sua autonomia, como a criação das juntas governativas provisórias subordinadas diretamente a Lisboa, cuja autoridade abrangia as áreas econômica, administrativa, de polícia e jurisprudência civil. A presença de d. Pedro no Brasil se tornava praticamente desnecessária, uma vez que as juntas representavam todas as esferas do governo e o impeliam a retornar a Lisboa. No dia 9 de janeiro de 1822, conhecido como o dia do Fico, o príncipe decidiu permanecer no Brasil, visando controlar os ânimos e manter a ordem. Neste momento, ainda não se falava em separação, ao contrário, o clamor pela continuidade da regência de d. Pedro se fazia para evitar a queda do Império luso-brasileiro, uma vez que a adesão ou não de cada província ao sistema constitucional das Cortes de Lisboa poderia acarretar a fragmentação do território do Reino Unido do Brasil, tal como ocorrera com as colônias espanholas na América. No entanto, representou um ato de rebeldia contra as Cortes e o sistema constitucional imposto por elas, além de uma tentativa de manter, no Brasil, uma monarquia absolutista. A situação tornou-se insustentável, levando à proclamação da independência em setembro de 1822.

[6] MR. CANNING (1770-1827): George Canning foi político britânico de grande influência em seu país no início do século XIX. Nasceu e faleceu em Londres, pouco depois de tornar-se primeiro-ministro inglês. Estudou em Eton e Oxford, foi subsecretário do exterior em 1796 e ministro do exterior onze anos depois. Também foi embaixador em Lisboa em 1814 e 1815, e novamente nomeado ministro do exterior em 1822, quando também foi líder da Câmara dos comuns. Contrariando a Santa Aliança apoiou o reconhecimento da independência dos países latino-americanos, inclusive do Brasil. Foi Canning que orientou as discussões em torno do reconhecimento da independência do Brasil entre Londres, Lisboa e o Rio de Janeiro. Conservador, foi considerado hábil diplomata pelo sucesso das negociações em que esteve à frente. Já como primeiro-ministro conseguiu a emancipação política dos católicos, além do reconhecimento da independência da Grécia.

[7] MR. CHAMBERLAIN (1773-1829): Henry Chamberlain ocupou a função de cônsul da Inglaterra na corte do Rio de Janeiro entre os anos de 1815 e 1829. Atuou pelo reconhecimento da independência do Brasil ao lado de José Bonifácio e do ministro inglês dos Negócios do Exterior George Canning. Foi pai do pintor e desenhista de mesmo nome, Henry Chamberlain, que publicou a obra Views & Costumes of Rio de Janeiro, com 36 gravuras de bairros e paisagens da capital fluminense.

[8] AFRONTOSO ESTADO A QUE SE ACHA REDUZIDO: Após a Revolução do Porto, d. João VI volta a Portugal e é obrigado a acatar as decisões tomadas pelas Cortes, uma vez que o movimento liberal substituía o Antigo Regime pela monarquia constitucional. Essa situação era vista por d. Pedro como um insulto e ofensa ao monarca, que agora estava submetido as Cortes.

[9] SILVA, JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E (1763-1838): intelectual ilustrado, naturalista e político que exerceu grande influência no processo de independência do Brasil. Nasceu em Santos em 1763, proveniente de família rica e pai funcionário da administração colonial. Assim como os demais integrantes da “geração de 1790” formou-se na Universidade de Coimbra, nos cursos de filosofia e direito. Como sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa, viajou pela Europa estudando química e mineralogia. Em Portugal, ocupou as funções de Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, professor de metalurgia em Coimbra e diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda. De volta a São Paulo em 1819, viajou pela província fazendo estudos mineralógicos e em seguida, por ocasião da Revolução do Porto, foi eleito membro da Junta Governativa de São Paulo. Era adepto da ideia de um Império luso-brasileiro, sem que o Brasil perdesse a autonomia já conquistada. Porém, as pressões das Cortes de Lisboa o fizeram mudar de estratégia e defender, então, a emancipação da colônia. Conhecido por suas articulações políticas na construção do novo império idealizou a aclamação do imperador, além de trabalhar na adesão das províncias que ainda se mantinham fiéis a Lisboa e no reconhecimento da independência junto a Inglaterra. Quando d. Pedro I, em 1823, dissolveu a assembleia constituinte para a qual foi eleito com seus irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco, Bonifácio rompeu relações com o imperador e passou a criticar seu autoritarismo e aproximação com os grupos portugueses, o que o levou a ser deportado para a França. A reaproximação entre ambos aconteceu em 1829, quando voltou ao Brasil. Depois se tornou tutor de d. Pedro II por ocasião da abdicação. Foi destituído desta função e preso em sua casa em Paquetá por seus adversários, acusado de apoiar a restauração de d. Pedro. Mesmo com a absolvição, em 1835, permaneceu nessa casa até sua morte em 1838. Inspirado pelo ideário das Luzes [Iluminismo], Bonifácio mostrou-se preocupado com as populações indígenas, contrário ao trabalho escravo e favorável à educação como meio de transformação da sociedade. Dentre suas principais contribuições à Assembleia de 1823 constam o fim da escravidão e a civilização dos índios, propondo a distribuição de terras gratuitas a imigrantes pobres, a negros forros, a mulatos e índios domesticados. Por outro lado, também assumia um ideário conservador ao defender o sistema monárquico centralizado e o princípio de um Estado aliado a uma elite para a condução do país ao progresso.

[10] PONTES, FELISBERTO CALDEIRA BRANT (1772-1841): militar, político e diplomata, descendente de nobres flamengos, nasceu na cidade de Mariana, Minas Gerais, e formou-se na Academia de Marinha de Lisboa, seguindo, porém, carreira no Exército. Após os estudos, voltou ao Brasil com a família real e fixou moradia em Salvador, onde se casou e ocupou o cargo de Governador das Armas da Bahia. Fez oposição às medidas tomadas pelas Cortes de Lisboa e à submissão do reino do Brasil a elas. Indicado por José Bonifácio como agente diplomático, viajou para Londres a fim de tratar do reconhecimento da emancipação do Brasil, antes mesmo da proclamação da independência. Negociou, ainda, empréstimos entre Brasil e Inglaterra, o tratado de comércio entre esses países e o acordo do segundo matrimônio de d. Pedro I com a princesa d. Amélia de Leutchemberg. Foi, também, deputado da Assembleia Constituinte da Bahia, senador do Império, membro do Conselho de Estado, gentil-homem da Imperial Câmara, cavaleiro da ordem de Pedro I, grã-cruz das Ordens do Cruzeiro e da Rosa e comendador da Ordem de Cristo. Por seu desempenho e trajetória política a serviço do Império, foi agraciado com os títulos de visconde em 12 de outubro de 1825 e, no ano seguinte, com o título de marquês de Barbacena.

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