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Conjuração em Minas Gerais

Atestado de dom José de Castro

Escrito por Super User | Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 13h54 | Última atualização em Sexta, 28 de Mai de 2021, 18h14

Atestado em que o conde de Resende, dom José de Castro, confirma a prisão da maior parte dos envolvidos na revolta de Minas Gerais. Constata também que a vigilância e a cautela em relação aos réus era satisfatória, adequada ao risco que eles ofereciam. 

Conjunto documental: Inconfidência em Minas Gerais – Levante de Tiradentes
Fundo ou coleção: Diversos Códices SDH
Código do fundo: NP
Notação: códice 5 , vol. 8
Datas-limite: 1789-1792
Argumento de pesquisa: Inconfidência Mineira
Data do documento: 25 de julho de 1792
Local: Rio de Janeiro
Folhas: 77

 

ATESTADO DE DOM JOSÉ DE CASTRO – CONDE DE REZENDE – DO CONSELHO DE SUA MAJESTADE VICE-REI E CAPITÃO GENERAL DE MAR E TERRA DO ESTADO DO BRASIL Transcrição: Atesto que chegando a esta capital a 6 de junho do ano de mil setecentos e noventa, me constou acharem-se grande parte dos presos da Conjuração[1] de Minas Gerais com diferentes prisões na fortaleza da Ilha das Cobras[2], da qual passaram para os cárceres desta cidade, a exceção dos eclesiásticos[3] que em vinte e quatro do mês de junho do presente ano foram remetidos para a corte, como também José de Rezende Costa Pai[4], José de Rezende Costa Filho[5], Domingos Vidal Barbosa[6] e João Dias da Mota[7], que sentenciados a degredo[8] para as ilhas de Cabo Verde se faria impraticável a viagem deste porto para o das referidas ilhas, e como o governador da mencionada fortaleza em todo este considerável tempo foi o único guarda dos réus, e consequentemente responsável da sua segurança da qual deu a melhor conta, não só naquela parte que se dirigia as cautelas indispensáveis que recomendavam a gravidade da sua comissão, como também enquanto aos socorros com que prontamente lhe assistia com humanidade e com religião. E por me ser pedida a presente lhe mandei passar por mim assinada e selada com o sinete de minhas armas. Assinado Conde de Rezende[9]

 

[1] CONJURAÇÃO MINEIRA: movimento conspiratório, contrário a cobrança da derrama em Minas Gerais anunciada em 16 de julho de 1788 por Luís Antônio Furtado de Mendonça, o Visconde de Barbacena, cinco dias após de assumir o governo da capitania. Tal medida fazia parte do plano de reformas estruturadas pelo marquês de Pombal que buscava ampliar ao máximo os lucros provenientes da exploração colonial. Dentro desse projeto previa-se uma maior fiscalização sobre a exploração do ouro na região, principal fonte de riqueza para o governo português. De acordo com o alvará régio de 3 de dezembro de 1750, anualmente deveriam ser enviadas à Portugal cem arrobas de ouro, correspondente ao pagamento do quinto da extração aurífera. No entanto, com o esgotamento das minas da região, a partir da segunda metade do século XVIII, mineradores passaram a acumular dívidas com o fisco lusitano, pois não conseguiam atingir a quantidade estipulada. As sucessivas quedas na arrecadação levariam o governo português, através da câmara municipal de Vila Rica, a decretar a derrama – cobrança forçada das dívidas atrasadas. A notícia espalhou-se rapidamente pela capitania e traria consigo a possibilidade da deflagração de uma revolta logo que se publicasse a cobrança. Contando com a insatisfação geral que se abateu entre os moradores de Minas Gerais, os líderes do movimento – elite econômica endividada com o governo lusitano – propunham-se a instigar um motim popular. Sob influência das ideias liberais dos principais filósofos franceses da época – Abade Raynal, Rousseau, Montesquieu e Voltaire –, defensores dos princípios de Liberdade, Igualdade, Fraternidade e do movimento de independência e formação dos Estados Unidos da América, os conjurados, formados pela elite letrada da capitania, educada na Europa, especialmente na Universidade de Coimbra, intencionavam a proclamação de uma república em Minas Gerais, na qual tivessem maior participação política, além de defenderam a liberdade de comércio, a livre extração de diamantes, o desenvolvimento das manufaturas, a criação de uma universidade em Vila Rica, entre outros. No entanto, o historiador João Pinto Furtado, chama a atenção para a heterogeneidade dos envolvidos e seus múltiplos interesses, muitas vezes excludentes entre si. O movimento não chegou a acontecer, os conjurados foram denunciados por Joaquim Silvério dos Reis e a devassa suspensa. Durante o processo jurídico que julgou os inconfidentes, também conhecido como devassa, que durou quase dois anos, os conjurados foram presos e levados para o Rio de Janeiro. Isolados em cárceres, os réus tentaram minimizar suas ações no movimento em seus depoimentos. A maior parte da culpa foi atribuída ao alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, que assumiu toda a responsabilidade. Os réus só se viram uma única vez, após a prisão, na leitura das sentenças. Trinta e quatro homens foram acusados, sendo cinco membros da Igreja Católica. Onze réus foram condenados à morte, e destes, dez tiveram a pena comutada para degredo na África. Tiradentes foi o único que teve mantida sua pena. Os cinco réus eclesiásticos foram levados para as prisões de Lisboa (padres Luís Vieira da Silva, José da Silva e Oliveira Rolim, José Lopes de Oliveira, Carlos Correia de Toledo e Melo, e Manoel Rodrigues da Costa), onde deveriam cumprir prisão perpétua, mas tiveram parte de suas penas atenuadas. Os demais acusados cumpriram penas variadas, nas diversas colônias portuguesas na África (para ilhas de Cabo Verde: José de Rezende Costa, José de Resende Costa Filho, Domingos Vidal de Barbosa Lage, João Dias da Mota e para Moçambique: Tomás Antônio Gonzaga, Vicente e Vieira da Mota, José Aires Gomes, João da Costa Rodrigues, Antônio de Oliveira Lopes, Vitoriano Gonçalves Velloso, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel). Destes, vários obtiveram sucesso em suas atividades nos lugares para onde foram degredados.

[2] COBRAS, ILHA DAS: localizada na baía do Rio de Janeiro, seu primeiro registro cartográfico foi feito pelo cartógrafo português Luiz Teixeira e sua primeira referência documental é uma carta de sesmaria datada de 1565, onde se encontra o direito de posse a Pedro Rodrigues, primeiro proprietário. Segundo o historiador beneditino dom Clemente Maria da Silva-Nigra, em crônica produzida pelo Mosteiro de São Bento, o nome surgiu devido a grande quantidade de cobras encontradas ali. Em 1589, o mosteiro compraria a ilha, passando então a ser conhecida também como Ilha dos Monges. Foram três as fortificações construídas na Ilha das Cobras: Fortaleza de São José; Baluarte de Santo Antônio e a fortaleza do Patriarca de São José. A primeira, datada de 1624, apesar de não possuir muitos recursos em termos de defesa, possuía uma posição geográfica estratégica e privilegiada. Posteriormente, em 1639, com utilização da mão de obra dos índios tutelados no mosteiro, foi construída no que havia restado da Fortaleza São José, a Santa Margarida da Ilha das Cobras, rebatizada com esse nome em homenagem à dona Margarida de Sabóia, que governava Portugal em nome do rei Felipe IV da Espanha, durante a União Ibérica. O Baluarte de Santo Antônio, concluído em 1709, com o objetivo de cruzar fogos com o Forte de Santiago, atual Museu Histórico Nacional, foi a segunda fortaleza da Ilha das Cobras. E por fim, em 1725, após a invasão francesa ao Rio de Janeiro e a preocupação em proteger o ouro que ia a Portugal passando pelo porto do Rio, a terceira e última fortificação da ilha, composta por três fortes: o de Santa Margarida (que voltou a se chamar São José); o do Pau da Bandeira e o de Santo Antônio. A unificação ficou denominada de fortaleza do Patriarca de São José da Ilha das Cobras e, em 1790, as fortalezas, os fortes e baterias continentais salvaguardavam a cidade do Rio de Janeiro. Ainda sobre fortaleza da ilha das Cobras, uma referência também é importante em relação à prisão: no período de 1790 a 1808, as prisões disponíveis na cidade do Rio de Janeiro eram as unidades militares existentes na Baía de Guanabara, onde os militares ficavam presos. Já os civis, eram encaminhados para a Cadeia Pública e a Cadeia da Relação, ambas no edifício do Senado da Câmara e o Calabouço, prisão destinada exclusivamente à punição de escravos fugitivos ou entregues pelos seus senhores para serem castigados.

[3] ECLESIÁSTICOS [PARTICIPAÇÃO NA CONJURAÇÃO MINEIRA]: a Igreja sempre foi um braço do Estado português na colônia, no entanto, contrariando as diretrizes da Santa Sé, vários grupos religiosos atuaram politicamente em movimentos sociais que questionavam a ordem vigente, como foi o caso da Conjuração Mineira. Os clérigos inconfidentes mostravam grande interesse por filosofia e política e, ao mesmo tempo, um maior desprendimento da vida sacerdotal, que podia significar não apenas maior participação na política, mas também uma atitude tão corrupta em relação aos negócios quanto a de seus pares leigos. A levar-se em conta relatos da época, podemos dizer o mesmo quanto ao seu comportamento privado, considerado muitas vezes imoral. Sobre alguns deles, por exemplo, pesavam acusações de relações impróprias com suas fiéis. Eram leitores das ditas “ciências profanas” (filosofia, história, literatura, etc) – principalmente o cônego Luis Vieira da Silva que possuía uma das melhores e mais modernas bibliotecas da capitania – e tinham como referência autores como Voltaire, Raynal e Montesquieu (ver ESCRITOS PERIGOSOS). Os principais réus eclesiásticos que se envolveram na conjuração foram: o cônego Luis Vieira da Silva, e os clérigos Carlos Correia de Toledo e José da Silva Oliveira Rolim. Contudo, o total de cinco réus eclesiásticos foram enviados a Lisboa – Luís Vieira da Silva, José da Silva e Oliveira Rolim, José Lopes de Oliveira, Carlos Correia de Toledo e Melo, e Manoel Rodrigues da Costa –, onde deveriam cumprir prisão perpétua, mas tiveram parte de suas penas atenuadas. Os clérigos inconfidentes não receberam sua sentença no Rio de Janeiro, como os civis e militares: foram encaminhados a Lisboa, onde d. Maria I faria a declaração da sentença definitiva. Oliveira Rolim foi sentenciado a 15 anos nos mosteiros de Lisboa, mas em 1805 já estava de volta ao Brasil. Correia de Toledo morreu em Portugal, e Vieira da Silva retornou ao Brasil em data incerta. Manoel Rodrigues, outro inconfidente religioso menos conhecido, condenado a dez anos de cárcere em Lisboa, retornou ao Brasil e tornar-se-ia um dos primeiros membros do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, e também deputado por Minas Gerais.

[4] COSTA, JOSÉ DE RESENDE [PAI] (1728-1798): nascido na comarca de Rio das Mortes, na época do seu envolvimento na Conjuração Mineira, possuía uma fazenda com engenho, moinho e uma biblioteca mais abrangente do que se esperaria encontrar dada a época e o lugar, local onde foram realizadas reuniões secretas com os inconfidentes. Era capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São José do Rio das Mortes. Condenado ao degredo, foi enviado para a Guiné, onde morreu em 1798. Na década de 1930, fragmentos de seu crânio foram localizados na África e trazidos para o Brasil. Através de uma tomografia computadorizada, realizada na Universidade de Londres, reconstituiu-se a feição de Resende Costa, atualmente, na cidade mineira de Resende Costa – homenagem ao inconfidente – foi erguida uma estátua, graças a recomposição de seus traços.

[5] COSTA, JOSE DE RESENDE [FILHO] (1767-1841): o mais jovem dos inconfidentes condenados [ver Conjuração Mineira], também foi o único entre os que conseguiram retornar ao Brasil que não pertencia ao clero. José de Resende Costa foi condenado ao degredo na África Ocidental, em Cabo Verde, onde ocupou cargos oficiais. No início do século XIX, era secretário do Real Erário. Retornou ao Brasil em 1809, continuando a ocupar postos na administração real. Elege-se deputado para as cortes de Lisboa por Minas Gerais. Depois da Independência (1822), integrou a Constituinte de 1823, ao lado de outro antigo inconfidente, o cônego Manoel Rodrigues da Costa. Ambos se tornaram membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

[6] BARBOSA, DOMINGOS VIDAL (1761-1793): inconfidente da Conjuração Mineira estudou medicina na Universidade de Montpellier, na França. A partir da correspondência entre José Joaquim Maia e Barbalho, estudante em Coimbra e Thomas Jefferson, Barbosa redigiu o relatório dos comentários que o embaixador americano teceu acerca da intenção de se fazer um movimento de independência no Brasil. Membro de família tradicional e de posses. Possuía uma fazenda em Juiz de Fora, a meio caminho para o Rio de Janeiro. Foi preso em junho de 1789 e condenado à morte, junto com outros líderes da inconfidência, tendo sua pena comutada para degredo. Partiu para Cabo Verde em 1792, onde faleceu dois anos depois.

[7] MOTA, JOÃO DIAS DA: oficial da cavalaria e pequeno fazendeiro, nascido em Vila Rica foi condenado ao degredo apesar de sua participação quase fortuita no planejamento do levante. 

[8] DEGREDO: punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.

[9]CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.

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