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Peso e Medidas

Escrito por Super User | Publicado: Segunda, 22 de Janeiro de 2018, 17h01 | Última atualização em Quarta, 28 de Abril de 2021, 00h51

Carta enviada ao rei d. João VI pelo marquês de Borba, Ricardo Raimundo Nogueira, conde de Peniche e João Antonio Salter de Mendonça, tratando do aviso de 12 de setembro de 1814, referente à publicação do plano de pesos e medidas para Portugal, adaptado junto aos sócios da Academia Real das Ciências de Lisboa, com o objetivo de estabelecer um padrão de pesos e medidas e da necessidade de se publicar uma lei que assegurasse a execução da reforma.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 703, pct. 02, conta dos Governadores 548, doc. nº1
Datas-limite: 1809-1818
Titulo do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Academia Real das Ciências de Lisboa
Data do documento: 16 de agosto de 1818
Local: Lisboa
Folhas: 2 a 5v

 

Senhor,

Vossa Majestade[1] foi servido por aviso de 12 de setembro de 1814 Nº 1º, conformando-se com o parecer do governo e da Mesa do Desembargo do Paço[2] na resolução da consulta, que baixou com o dito aviso sobre a reforma dos pesos e medidas[3] provar o plano proposto pela comissão do exame dos forais[4] adotado pela pluralidade dos sócios da Academia Real das Ciências[5], escolhidos para o discutir, por conter os requisitos precisos para remover os inconvenientes da diversidade dos pesos e medidas, com um método fácil, exato e muito acomodado à inteligência de todos; e desejando que os benefícios desta útil reforma se estendesse ao reino do Brasil, e a todos os seus domínios, ordenou que o governo encarregasse este negócio a pessoas da sua confiança, que mandariam pedir as clarezas que fossem precisas para esse efeito. Em execução da mesma real ordem, logo o governo aumentou a comissão com outros sócios beneméritos, para concluir este importantíssimo negócio. A comissão com muito zelo do serviço de Vossa Majestade, sem perda de tempo procurou desempenhar este novo encargo, não só fazendo fabricar os novos padrões, mas também formando uns apontamentos para a regularidade, firmeza e melhor execução do plano adotado. Apresentou estes e duas caixas de padrões semelhantes aos que se deviam distribuir aqui sem necessidade de mais clarezas, visto que estas somente são necessárias para as combinações dos padrões existentes com os novos, a fim de se fazerem as tabelas de redução. Tudo levamos à augusta presença de Vossa Majestade na conta Nº. 388 juntamente com o exame, a que tinha precedido a comissão sobre as reflexões remetidas de Paris contra o plano adotado. E Vossa Majestade honrando a comissão, foi servido declarar no aviso de 12 de julho de 1816 Nº. 2º, que ficava bem inteirado do grande zelo e eficácia que ela tinha empregado neste trabalho, cujos resultados vira nos ditos apontamentos e no sistema completo dos padrões remetidos nas ditas duas caixas, para se poder executar neste reino tão útil reforma segundos os seus reais desejos pronunciados no mesmo aviso de 12 de setembro. Igualmente se dignou Vossa Majestade significar a grande satisfação que tivera, em que por aquele exame se reconhecessem já previstas e meditadas, quando se tratou da mencionada reforma, as ditas reflexões a favor do outro plano, que tinha sido excluído pela pluralidade com pleno conhecimento dos seus defeitos. A comissão deu ultimamente a conta Nº. 3º, em que representa a Vossa Majestade, que estão fabricados e aferidos os cinquenta padrões de bronze dos pesos e medidas, que são necessários para todas as câmaras de cabeças de comarcas[6] destes reinos; examinadas e aferidas todas as medidas das câmaras da Extremadura, a fim de fazerem as tabelas de redução, bastando a inspeção das ditas medidas, para se conhecer a desordem e perdição deste importantíssimo ramo econômico; e por consequência a necessidade da reforma ordenada por Vossa Majestade; pois não existe nas ditas câmaras padrão algum de bronze dos que lhe deu o senhor Rei Dom Sebastião[7]; sendo a maior parte dos que há de pão, barro, ou folha de Flandres[8], rotos, quebrados, e alterados, havendo câmara que não tem padrão algum, talvez pela invasão dos inimigos[9]; e suplica à Vossa Majestade a mercê[10] de mandar publicar a lei, de que unicamente depende a execução da mesma reforma, para bem dos povos, dos interesses da Real Fazenda[11], e das transações comerciais, que muito utilizam com as vantagens do sistema métrico[12], o qual geralmente se vai adotando. Sendo Vossa Majestade o primeiro soberano que o adotou e mandou seguir nos seus domínios.

O governo põe todo o referido na presença de Vossa Majestade; parecendo-lhe que a súplica da comissão é muito digna da real contemplação de Vossa Majestade que mandara o que for servido.

A muito alta e muito poderosa pessoa de Vossa Majestade, guarde Deus muitos anos, como desejamos e havemos mister. Lisboa, no Palácio do Governo, em 16 de agosto de 1818.

Marquês de Borba[13] 

Ricardo Raimundo Nogueira[14]

Conde de Peniche[15]

João Antonio Salter de Mendonça[16]

 

[1] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (LISBOA): também chamada de Tribunal do Desembargo do Paço, foi o mais alto órgão da administração central portuguesa até o século XIX, que regia o Reino, e não o Ultramar. Este tribunal, estabelecido no reinado de d. João II (1481-1495) mas somente efetivado no período de d. Manuel I (1495-1521), era o tribunal supremo da monarquia, responsável por questões relativas à justiça e à administração civil do reino no âmbito da Graça. Tornou-se autônomo em relação à Casa de Suplicação em 1521, recebendo novo regimento. Até o reinado de d. Sebastião I, suspenso em 1578, quem presidia o Tribunal era o próprio rei, o que passou a não ser mais obrigatório com uma mudança instituída durante os reinados Filipinos (1580-1640). Constituído por um corpo de magistrados, já então denominados desembargadores do Paço, recrutados principalmente entre os eclesiásticos, teólogos e juristas experientes, este órgão da administração central da coroa, possuía uma grande variedade de incumbências, tendo suas funções revistas e ampliadas por sucessivas alterações de regimento, dentre as quais compreendiam: a concessão de cartas de perdão e cartas de privilégio; concessão de perdões reais, suspensão de degredos; a dispensa de idade e de nobreza para servir nos cargos de governo; comutação de pena aos criminosos; restituição de fama e outras mercês semelhantes; a legitimação e emancipação de filhos; a concessão de licença para impressão de livros; deliberando, ainda, sobre o recrutamento e provimento de juízes e arbitrando conflitos entre os demais tribunais da Coroa; entre outras questões. A vinda da corte para o Brasil em 1808 acarretou a criação da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, por meio do alvará de 22 de abril daquele ano, que incorporou parte dos encargos da Mesa da Consciência e Ordens de Lisboa. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço do Reino continuou a existir, sendo extinta apenas em 1833, no âmbito da guerra civil entre liberais e absolutistas, suas atribuições passando para as Secretarias de Estado do Reino e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

[3] REFORMA DOS PESOS E MEDIDAS: com a unificação do território português surge a necessidade de padronização dos pesos e medidas no reino. Posteriormente, com a incorporação de novos territórios decorrente da expansão marítima e comercial, dos séculos XV e XVI, a preocupação com a uniformização dos pesos e medidas se estende a todo império ultramarino. A imprecisão das unidades de medidas usuais, que permitia fraudes, opunha-se à crescente importância de um sistema unificado e científico de pesos e medidas que facilitasse as transações comerciais, tanto no interior do império como entre as diferentes nações europeias. Apontando para uma tendência de uniformização dos pesos e medidas a nível mundial, em função do comércio e das trocas científicas, é adotado o “marco” em Portugal, medida de peso de uso corrente na Europa, por provisão, em outubro de 1488. Assim, observam-se diversas reformas e regramentos no sentido de estabelecer uma uniformização, e a partir do século XIX, a Academia Real das Ciências de Lisboa toma parte em algumas das comissões encarregadas das reformas. Ainda em 1812, é criada uma Comissão para o exame dos forais e melhoramentos da agricultura que, em conjunto com a Academia Real, propõe uma reforma baseada no modelo francês, mas que mantinha a terminologia portuguesa, de forma a atenuar a mudança. Finalmente, através de decreto de d. Maria II, em meados do século XIX, é implantado o sistema métrico decimal adotando a nomenclatura francesa. Até então, as unidades de medidas mais usadas em Portugal e, por conseguinte, no Brasil, eram: para comprimento, a légua (6.600 m), a braça (2,2 m), a vara (1,1 m) e o palmo (0,22 m); para peso, a arroba (≈15 kg), o marco (≈230 g), o arratel (≈460 g), a onça (28,691 g), o grão (50g) e a oitava (3,586 g). Já na pesagem do açúcar, utilizava-se o pão (63,4 Kg); o saco (75 Kg); o barril, a barrica e o tonel (120Kg); a caixa (300 Kg) e a tonelada (1000 Kg). Por fim, como medidas de volume, temos a cuia (1,1 l), a canada (2,662 l), o quartilho (0,665 l), o almude (31,944 l), o alqueire (36,4 l) e a pipa (485 l).

[4] COMISSÃO DO EXAME DOS FORAIS: criada em 1812, a Comissão para exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura, dirigida por João Salter de Mendonça, secretário de Estado dos Negócios do Reino e Fazenda, foi incumbida, entre outras atividades, de avaliar o estado dos pesos e medidas em Portugal e propor reformas. Em conjunto com a Academia Real das Ciências de Lisboa, a comissão propôs uma adaptação do sistema decimal francês, mantendo as nomenclaturas de pesos e medidas já conhecidas dos portugueses, já que em função da recente invasão francesa a Portugal seria inoportuno adotar integralmente o sistema métrico. O projeto da comissão recebe o aval do príncipe regente d. João e, em 1814, são fabricados novos padrões.

[5] ACADEMIA REAL DAS CIÊNCIAS DE LISBOA: fundada em 24 de dezembro de 1779, no início do reinado de d. Maria I, pelo duque de Lafões e pelo abade Correia da Serra. Embora consagrado como “viradeira” em razão de um suposto revisionismo em relação ao reformismo pombalino, o reinado mariano ainda é marcado pela aliança entre as ideias iluministas, os princípios da fisiocracia e o mercantilismo que caracterizou o período anterior. A Academia Real configura-se como espaço privilegiado para a elaboração de projetos e memórias vinculados a um pensamento econômico no qual a ênfase nas “Artes e na Agricultura” como saída para a crise parece levar a uma adesão incondicional à fisiocracia. No entanto, como adverte o historiador Fernando Novais no estudo Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial, trata-se de um ecletismo no qual "o pragmatismo cientificista lastreava o mercantilismo". Essa formulação se manifestou em uma prática científica a serviço do Estado na qual se identifica o primado da experiência sobre os sistemas, a defesa de um saber utilitário, a aplicação do conhecimento na solução de problemas práticos relacionados à economia, à cultura e à sociedade portuguesas. Tais premissas apontam para o papel que a instituição cumpriria como instrumento do Estado português no redirecionamento de sua política colonial e na recuperação da economia lusa no último quartel do século XVIII. Congregando homens da ciência, naturalistas, literatos e outros intelectuais portugueses e estrangeiros, a Academia articulava o Reino aos círculos europeus, desempenhando papel fundamental na ciência, na medicina, na economia e na literatura em Portugal. Esteve à frente dos grandes debates nacionais como as reformas na educação pública, na padronização dos pesos e medidas, culminando na adoção do sistema métrico francês e na institucionalização da vacinação através da Instituição Vacínica. Espaço de diálogo entre os ilustrados luso-brasileiros a Academia privilegiava o conhecimento científico voltado para a utilização racional da natureza a fim de atingir o progresso material, principalmente através das colônias, o que a levou a patrocinar viagens e expedições filosóficas às possessões portuguesas com a finalidade de conhecer o território, demarcar limites e realizar um “inventário” da natureza do Novo Mundo, enviando remessas da fauna e flora local para catalogação nos museus de história natural da Europa.

[6] COMARCA: termo que designa as unidades administrativas de Portugal. No início do século XVI, as comarcas portuguesas correspondiam às atuais províncias ou regiões portuguesas de Entre-Douro-e-Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve. A partir de 1532, inicia-se a subdivisão dessas unidades em novas comarcas, processo que perdura até meados do século XVI, totalizando 27 unidades administrativas. A criação de novas comarcas viria a garantir um maior controle fiscal e administrativo do território, através da multiplicação da figura dos corregedores. Cabia ao corregedor, enquanto magistrado representante da coroa, a fiscalização do exercício do poder local tanto na esfera administrativa, quanto na jurídica. Estavam sob sua vigilância juizes, vereadores, procuradores dos concelhos, escrivães, tabeliães, alcaides, bispos, arcebispos, etc. A nova delimitação territorial levou em conta as características geográficas do território, com o respeito pelas bacias hidrográficas e o uso de cadeias montanhosas como fronteira entre diferentes comarcas.

[7] SEBASTIÃO, D. (1544-1578): décimo sexto rei de Portugal, era filho do príncipe d. João e de d. Joana de Áustria. Seu nascimento foi festejado pela Coroa que temia não conseguir um sucessor para o trono, recebendo o príncipe, por este motivo, o cognome de O desejado. Substituiu seu avô, d. João III, assumindo o trono português em 1568. De saúde precária, d. Sebastião teve uma forte ligação com os jesuítas, mostrando, desde cedo, grande interesse pela guerra e pela religião. Promoveu expedições à África, desaparecendo durante a batalha de Alcácer Quibir contra os mouros, em 1578. A partir de seu desaparecimento, nasceu a lenda conhecida por sebastianismo, em função do não aparecimento de seu corpo e da crença dos portugueses de que o rei não teria morrido e retornaria. Note-se que o sebastianismo, isto é, a ideia do advento de um rei libertador, não se limitou à fé no regresso de d. Sebastião, envolvendo, também, um conjunto de temas messiânicos sucessivamente reelaborados em contextos de crise e de indefinição política em Portugal. Formulado pela primeira vez nas Trovas, do sapateiro Gonçalo Anes (o Bandarra), em meados do século XVI, o mito de um rei salvador reapareceu durante o período filipino, sendo em vários momentos encarnado por figuras que se fizeram passar por d. Sebastião. Após a Restauração (1640), o padre Antônio Vieira continuou a divulgar os textos do Bandarra e ampliou esta profecia com a ideia de um Quinto Império português (elaboração messiânica que reservava para a Coroa lusa, sob o comando de d. João IV, o destino de ser a continuadora dos quatro grandes impérios da Antiguidade), associando temas históricos e bíblicos. Depois de d. João IV, o ideário criado em torno de d. Sebastião foi sucessivamente identificado com d. Afonso VI, d. Pedro II e d. João V, reaparecendo, ainda, no contexto das invasões francesas e no miguelismo. Para o povo, o sebastianismo tornou-se a expressão de um desejo persistente de libertação da miséria e opressão quotidianas.

[8] FOLHA DE FLANDRES: folha de ferro estanhado utilizada na fabricação de diversos objetos como utensílios domésticos. Também desse material eram feitas as máscaras usadas pelos escravos no Brasil, como forma de castigo ou para evitar o “vício do álcool”. Na mesma época, era empregada na confecção de padrões de pesos e medidas.

[9] PÉRFIDA USURPAÇÃO DOS FRANCESES: a invasão a Portugal pelos franceses aconteceu em decorrência da guerra que Napoleão Bonaparte movia contra a Inglaterra pela hegemonia no continente europeu. No campo econômico, uma das principais medidas de Napoleão para enfraquecer os britânicos foi a decretação do bloqueio continental em 1806. Tal medida previa a proibição de quaisquer laços comerciais com os ingleses às nações aliadas a França, sob pena de terem seus territórios invadidos por seus temíveis exércitos, incluindo os lusitanos. Diante da não adesão portuguesa ao bloqueio e, ao contrário, da reafirmação dos compromissos com a potência britânica, tropas francesas, comandadas pelo general Junot, entraram em Portugal em novembro de 1807, contando com o reforço da aliança firmada entre Espanha e França. Como consequência, a corte e a família real portuguesa transferiram-se para o Brasil naquele mesmo ano. Uma vez no Brasil, d. João declarou guerra à França. Após importante vitória na batalha do Buçaco em 1810, sob o comando do general inglês Arthur Wellesley, duque de Wellington, os franceses foram definitivamente expulsos de Portugal pelas tropas anglo lusitanas em 1811.

[10] MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

[11] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[12] SISTEMA MÉTRICO DECIMAL: elaborado na França, após a Revolução Francesa, o sistema métrico decimal proposto pela Academia de Ciências de Paris, pretendia satisfazer a necessidade de padronização das centenas de unidades de pesos e medidas que havia no território francês, algumas com a mesma nomenclatura e valores que variavam conforme a localidade. Além disso, a conjuntura internacional de crescentes trocas comerciais colocava a premência de um sistema científico e unificado de pesos e medidas. Por estas razões, o novo sistema tinha como princípios a universalidade, já que poderia ser aplicado em qualquer país, e a simplicidade, já que adotava como única unidade o metro, correspondente à décima milionésima parte da quarta parte do meridiano terrestre. Implementado em 1795 na França, o sistema tornou-se obrigatório naquele país apenas a partir de 1840, para, em seguida, ser adotado em diversos países europeus. A demora na implantação do novo sistema explica-se pela resistência da população e dos comerciantes em se adequarem às mudanças de terminologia. Portugal viria a adotar o sistema francês, em 1852, atendendo decreto de d. Maria II, que previa um prazo de dez anos para que entrasse em vigor. No Brasil, já independente, o sistema métrico foi instituído por meio da lei imperial de 26 de junho de 1862, que previa a substituição dos antigos padrões pelos novos, também num período de dez anos. Em represália a tal determinação, houve manifestações em várias províncias do Nordeste, com quebra de pesos e balanças nas feiras, entre os anos de 1874 e 1875, num episódio que ficou conhecido como Revolta dos Quebra-Quilos.

[13] MENESES, D. FERNANDO MARIA DE SOUSA COUTINHO CASTELO BRANCO E (1776-1834): 14º conde de Redondo e 2º marquês de Borba. Filho do 13º conde de Redondo e 1º marquês de Borba, Tomé Xavier de Sousa Coutinho de Castelo Branco e Menezes, e de d. Margarida Teles da Silva, descendente dos 2os marqueses de Penalva. Considerado um mecenas da música e das artes, foi tenente-coronel da cavalaria, ocupando cargos importantes na administração do Reino: governador do reino; presidente do Real Erário (1810) e vedor da Casa Real. Recebeu ainda o título de 12.º senhor de Gouveia; a Grã-Cruz da Ordem de S. Tiago e da de N. Sr.ª da Conceição, além da nomeação de comendador de Santa Maria de Gundar (ou Gondar), na Ordem de Cristo.

[14] NOGUEIRA, RICARDO RAIMUNDO (1746-1827): professor, jurista e político português influente no início do século XIX, lecionou na Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra de 1772 a 1802, além de assumir a direção da “Livraria do Estudo”, atualmente Biblioteca Geral da mesma universidade entre os anos de 1798 e 1802.   No governo luso, foi conselheiro de Estado, membro do Governo do Reino (1810) e membro da Regência do Reino (1810-1820), colocando-se a favor de Napoleão quando das invasões francesas a Portugal. Durante súplica à Junta dos Três Estados – órgão da administração central portuguesa –, em 22 de maio de 1808, pedia uma constituição semelhante ao do Imperador Bonaparte, deixando claras suas posturas políticas. Responsável pela redação do projeto oficial da constituição após a restauração do governo absoluto em Portugal, conservou-se avesso à separação dos poderes. Tal empreendimento foi, no entanto, reprovado.

[15] ALBUQUERQUE, D. CAETANO JOSÉ DE NORONHA E (1753-1829): primeiro conde de Peniche, título concedido por meio de carta régia do príncipe regente d. João, datada de 6 de dezembro de 1806. Foi membro do Conselho de Fazenda, da Academia Real das Ciências de Lisboa, da Junta do Tabaco, governador e capitão-mor do Algarve e um dos governadores do Reino em 1818. Entre os vários cargos que desempenhou na Casa Real, merece destaque o de chanceler das casas da Rainha e do Infantado. Foi condecorado como Grão-Cruz da Ordem de Cristo e de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa.

[16] MENDONÇA, JOÃO ANTÔNIO SALTER DE (1746-1825): nascido em Pernambuco, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Retorna ao Brasil, onde foi nomeado desembargador da Relação do Rio de Janeiro, por decreto de 17 de dezembro de 1772. Ainda nesta cidade, exerceu os cargos de ouvidor-geral do Cível, procurador da Coroa e da Fazenda Real, deputado da Fazenda, porteiro e guarda-mor da Alfândega. Em 1779, foi transferido para a Relação do Porto, ocupando os cargos de procurador fiscal e conservador da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Em 1789, é nomeado para desembargador da Casa da Suplicação de Lisboa. Em 18 de Fevereiro de 1799, assume o cargo de procurador da Coroa, que exerce concomitante com o de desembargador do Desembargo do Paço, a partir de 1802. Ao longo da vida, ocupa diversos outros cargos e funções públicas, entre eles, o de chanceler da Casa da Suplicação (1812), guarda-mor do Real Arquivo da Torre do Tombo (1813), presidente da Comissão do Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura (1812) e presidente da Comissão da Nova Reforma de Pesos e Medidas (1812). Com a transferência da família Real para o Brasil, faz parte da regência nomeada por d. João VI, desempenhando as funções de secretário de Estado dos Negócios do Reino e da Fazenda, permanecendo nessas funções de 1807 até 1820. Também neste ano, recebe o título de 1° visconde de Azurara.

 

Sugestões para usos em sala de aula

Terceiro ciclo 

- Eixo Temático: História das Relações Sociais, da Cultura e do Trabalho
- Subtema:  "As relações sociais e a natureza" 
- Natureza e povos indígenas na visão dos europeus, exploração econômica de recursos naturais pelos colonizadores europeus, agricultura de subsistência e comercial, a conquista, a ocupação e a produção e a extração de riquezas naturais.

Quarto ciclo

- Eixo Temático: História das Representações e das Relações de Poder
- Subtema: Nações, povos, lutas, guerras e revoluções
- Administração política colonial, coroa portuguesa no Brasil
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