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Aluguel de escravos para serviço da Marinha

Publicado: Sexta, 20 de Agosto de 2021, 14h38 | Última atualização em Sexta, 20 de Agosto de 2021, 14h38

Registro de petição e despachos pelo qual se manda pagar ao solicitante José da Gama, piloto-mor da Barra a quantia de 20.940 réis por sua pilotagem, pelo uso de sua canoa e pelo aluguel de quatro escravos que foram necessários para conduzir o brigue Infante D. Pedro para fora da Barra, pois não havia quem o ajudasse a conduzir a embarcação.

 

Conjunto documental: Intendência da Marinha
Notação: IXM-96
Data-limite: 1810-1812
Título do fundo ou coleção: Série Marinha
Código do fundo: AZ
Argumento de pesquisa: Arsenal Real da Marinha
Data do documento: 15 de julho de 1812
Local: Bahia
Folha(s): 207-208


 Senhor = Diz José da Gama piloto-mor da barra[1] desta cidade, que ele suplicante à ordem do Intendente da Marinha[2] foi avisado a toda a pressa para ir deitar fora da Barra, o brigue[3] de V.A.R. Infante D. Pedro, como faz constante, pela guia junta, do comandante do dito e como naquele momento de brevidade não tinha quem o conduzisse para bordo, e se achava o suplicante impossibilitado de pretos, lhe foi necessário alugar quatro, para o conduzirem, em que estiveram também os dias declarados na mesma guia, quer o suplicante que V.A.R. lhe mande pagar o salário da sua pilotagem, e dois dias que existiu a bordo, como se tem praticado em outras da mesma natureza; igualmente lhe seja admitida a súplica de V.A. mandar pagar o que justamente se arbitrar do serviço dos ditos negros[4], visto o suplicante com o pequeno estipêndio da sua pilotagem que percebe de V.A. não pode satisfazer aos ditos pretos, que foram empregados no real serviço, portanto = Para V.A.R. seja servido mandar que se pague ao suplicante a pilotagem referida; e os dias declarados igualmente o serviço que direitamente se arbitrar, dos respectivos pretos, como de tudo o faz certo na guia inclusa, pela qual graça que espera da V.A.R. E receberá mercê = José da Gama.

Guia 

De = Bordo do bergantim[5] Infante D. Pedro que comanda o 1º tenente da Armada Real[6] José Maria da Cunha Cabral = Desembarcam para a terra as praças abaixo declaradas = a saber = piloto-mor = José da Gama vence de dez de maio de 1812 = tendo de vencimento por dia 500 réis com mais quatro pretos da dita canoa. Com vencimento do dito dia e vencendo como marinheiros socorridos até a data desta. Bordo do bergantim a vela 22 de maio de 1812 = Custódio José Correa da Silva piloto e escrivão José Maria da Cunha Cabral primeiro tenente comandante.

Despacho da Junta

Informe o intendente da Marinha e Armazéns Reais. Bahia 15 de Junho de 1812 = Castro = Estava a rubrica do excelentíssimo governador e três dos deputados.

Informação do Intendente

Senhor = A prática estabelecida sobre o vencimento do piloto, ou prático da Barra desta cidade não dá direito ao suplicante para haver da Real Fazenda[7] mais de 7$200 reis de cada embarcação da Real Armada, que recolhe neste porto, ou lança fora dele, e 500 réis por dia em que se demora a seu bordo, incluídos naquele vencimento o da sua canoa, e remeiros: porém casos há, que sem ofensa da mesma prática o podem fazer alterar: tal parece ser o da necessidade de se demorar o suplicante com a sua canoa, e quatro remeiros a bordo do brigue Infante D. Pedro de 10 a 21 de maio último, conforme a guia junta parecendo-me portanto digna de atenção a sua súplica, para serem também pagos a razão de 5$000 réis por mês como marinheiros os ditos remadores. Intendência da Marinha da Bahia em 2 de julho de 1812. Bernardinho José de Castro.

Despacho da Junta

Faça-se a conta na Contadoria Geral em conformidade da informação do intendente da Marinha e Armazéns Reais. Bahia[8] 6 de julho de 1812. Estava a rubrica do excelentíssimo governador e quatro dos deputados.

Vista da Contadoria

Senhor = Feita a conta na conformidade da informação junta do intendente da Marinha e Armazéns Reais importam os vencimentos que teve o suplicante com a saída deste porto do bergantim denominado Infante D. Pedro a quantia de 20$940 réis, da qual está nos termos de ser paga, procedendo o beneplácito de V.A.R e verba de estilo. Contadoria Geral da Bahia 7 de julho de 1812. Luis de Souza Viana.

Despacho da Junta

O tesoureiro dos ordenados pagou 20$940 réis importância deste papel. Bahia 10 de julho de 1812 = Estavam cinco rubricas dos deputados.

Despacho do Intendente

Cumpra-se e registre-se. Intendência da Marinha da Bahia 15 de julho de 1812 = Castro.

 

[1] BARRA: refere-se à entrada de um porto, entre duas porções de terra, pela qual não haja outra entrada. Pode ser também o porto da cidade.

[2] INTENDÊNCIA DA MARINHA E ARMAZÉNS GERAIS: criada em 1770, na Bahia, pelo primeiro ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, era o órgão responsável pela direção dos Arsenais de Marinha e dos Armazéns Reais. O intendente seria o encarregado da gestão e provimento dos materiais e munição de guerra, e também do abastecimento de provisões e fardamento para os praças a serviço do Arsenal, que trabalhassem nos portos, cais e navios. Também cabia ao intendente a fiscalização e a execução de trabalhos navais, as construções e obras no arsenal, construção de navios, e da visitação dos bosques da Marinha para vistoria dos cortes de madeira. O posto incluía, ainda, a responsabilidade pelas matrículas dos civis e militares empregados a serviço da Marinha e pelos pagamentos. Depois da transferência da Corte para o Brasil e com a criação do cargo de Inspetor do Arsenal da Marinha, o intendente teve suas funções restritas à administração de pessoal e das finanças da Armada. Era uma das maiores autoridades da Marinha, respondendo apenas ao ministro e ao almirante general.

[3] BRIGUE: embarcação à vela semelhante ao bergantim, utilizada em guerras por sua velocidade de deslocamento e ataque. Sua versão militar apresentava em média seis a dez canhões navais. São classificados, segundo suas características de combate, em “brigues do tipo fragata”, as maiores; e “brigues do tipo corvetas”, as menores. Possuíam grande velocidade de ataque, pelo seu desenho aerodinâmico. Eram utilizados tanto isolados como em conjunto de cerco para o ataque de bases e afundamento de navios inimigos. Popularizaram-se após sua utilização durante a guerra de independência dos Estados Unidos.

[4] SERVIÇO DOS DITOS NEGROS: ao tratar do pagamento do serviço dos escravos, o marinheiro refere-se ao pagamento do jornal que lhes era devido pelo trabalho para o qual foram contratados. Os jornaleiros, ou escravos ao ganho como são mais comumente conhecidos, representavam uma parcela significativa dos escravos urbanos. Esses escravos realizavam trabalhos diversos, eram artesãos, barbeiros, vendedores, quintandeiras, quituteiras, carregadores, entre outras atividades urbanas. O escravo ao ganho tinha um senhor, a quem pertencia como os outros escravos, mas tinha uma certa autonomia de seu dono, não morando na mesma casa, não tendo um feitor, podendo circular mais livremente pelas ruas e praticar um ofício que lhe garantisse o sustento e alguma renda. No entanto, apesar da aparente liberdade, o escravo jornaleiro devia a seu senhor uma diária, normalmente alta, que era para ele uma fonte de renda importante, e caso não conseguisse pagá-la, poderia perder o "benefício" do ganho e sofrer castigos. O que sobrasse do seu jornal, ou seja, da renda obtida no dia de trabalho, deveria usar na sua alimentação, moradia, e outras despesas, o que desonerava bastante o senhor, que economizava nos gastos com a sobrevivência do escravo. Com a ajuda das diárias, alguns escravos conseguiram acumular a quantia necessária para a compra de alforrias. No caso deste documento, José da Gama diz contratou o serviço dos escravos por aluguel, e pede a quantia determinada para que possa também pagá-los - não fica claro se o acerto será com o próprios escravos (o que evidencia o ganho) ou com o senhor, como no aluguel.

[5] BERGANTIM: ns bergantins eram navios de remos de traça, muito rápidos e de fácil manobra. Eram equipados com dez a dezenove bancos corridos de bordo a bordo. Envergavam tanto vela redonda quanto latina com um ou dois mastros. Nos primeiros tempos da presença portuguesa no Oriente realizavam as missões de contato, reconhecimento e transporte. Prestavam-se ainda a servir as fortalezas mais importantes, particularmente nas zonas onde a presença naval não era permanente. O bergantim era também uma embarcação de ostentação, favorito de monarcas e grandes senhores.

[6] ARMADA: No começo do século XV significava um conjunto de embarcações de guerra. Quando este conjunto era numeroso, chamava-se frota, fundamental para o sucesso das economias europeias, visto que a maior parte das riquezas (fossem especiarias, ouro, prata, tecidos) circulava entre os vários continentes através dos oceanos. A empreitada colonial apresentava a necessidade de proteção dos territórios conquistados em outros continentes, acentuando a importancia da defesa naval. Coube aos portugueses o pioneirismo nos descobrimentos marítimos, cujas primeiras navegações foram feitas em navios como a barcha ou barca e o barinel. Em meados de 1440, os lusos aperfeiçoaram um novo tipo de embarcação, que viria a ser o mais característico da época: a caravela. Era uma espécie mais alongada que os anteriores, de borda alta e usando velas latinas triangulares, o que a tornava apta a navegar quase contra o vento. Já no século XVIII, bergantins, as naus e fragatas foram os navios de guerra mais utilizados pela Coroa portuguesa.

[7] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[8] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

 

 

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