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Comentário

Escrito por Super User | Publicado: Terça, 24 de Janeiro de 2017, 13h02 | Última atualização em Quinta, 09 de Agosto de 2018, 17h44
A presença portuguesa no Rio da Prata 1680-1777 

Glaucia Tomaz de Aquino Pessoa
Mestre em História - Universidade Federal Fluminense (UFF)
Pesquisadora do Arquivo Nacional


Fundação, povoamento e defesa da Colônia do Sacramento

Quando d. Manuel Lobo tomou posse do governo do Rio de Janeiro, em maio de 1679, logo começou a organizar a expedição que em janeiro de 1680 fundaria um forte chamado "do Santíssimo Sacramento", na enseada em frente às ilhas de São Gabriel, na margem esquerda do rio da Prata, defronte a Buenos Aires. Sacramento foi um presídio militar, isto é, uma praça de armas fortificada, com a presença de "gente de guarnição" formada por militares (oficiais e soldados).1 Essa praça de armas no extremo sul da América tinha por finalidade "defender os interesses comerciais e territoriais da Coroa portuguesa no Rio da Prata".2 A maioria dos oficiais da guarnição que serviu em Sacramento vinha do Reino. Os soldados vinham do Rio de Janeiro e também do Reino.

A impopularidade da carreira militar em Portugal tornou o alistamento compulsório uma prática violenta, mas recorrente, quando havia necessidade de arregimentar recrutas para o serviço militar. Em razão do reduzido número de voluntários que se apresentavam, Portugal mandou para as colônias ultramarinas os condenados à pena de degredo, conforme o Livro V das Ordenações Filipinas, último dessa compilação de leis, dedicado ao direito penal (relativo aos crimes e suas penas). Assim, os recrutas das tropas regulares (força militar remunerada), que compunham a guarnição de Sacramento, podiam ser homens condenados pelos crimes de fabricação de moedas falsas, roubo, assalto, ou ainda por serem feiticeiros, ciganos, adúlteros e desonestos. Dessa forma, Portugal se livrou dos indivíduos indesejáveis e perturbadores da ordem estabelecida, utilizando-os na defesa das suas possessões.

O degredo foi utilizado ainda como instrumento de colonização em regiões onde a presença da população branca era pouco significativa. No final do século XVII, por determinação régia, tanto homens quanto mulheres condenados ao degredo no Brasil poderiam ter suas sentenças comutadas para Sacramento. Assim, no ano de 1690, quinze degredados do sexo masculino chegaram àquela fortaleza.3

Mas o principal centro de recrutamento de soldados para a guarnição de Colônia foi o Rio de Janeiro. As autoridades enviaram para aquela fortaleza toda sorte de desclassificados da ordem colonial: vadios, mendigos e criminosos que eram obrigados a sentar praça. A expedição de d. Manuel Lobo partiu do porto de Santos no dia 8 de dezembro de 1679, com "ociosos citadinos, afeitos às tabernas e às prisões e alheios ao trabalho".4 Conforme Simão Pereira de Sá, d. Manuel "retirou da cadeia presidiário que incorporou às forças" da sua expedição.5 Integravam essa expedição duzentos militares, dois padres da Companhia de Jesus, o padre capelão da frota, carpinteiros e pedreiros, 48 escravos pertencentes a d. Manuel, oito índias e apenas uma branca, mulher do capitão Manuel Galvão, comandante da cavalaria.

As autoridades do Rio de Janeiro mandaram para Sacramento os indivíduos que foram vítimas do alistamento compulsório realizado entre a população civil. A população temia os agentes responsáveis por esse alistamento. Os possíveis soldados, isto é, os homens brancos e não militares considerados aptos a engrossar os efetivos das tropas auxiliares, eram detidos a qualquer hora e local, e conduzidos à cadeia para triagem. Diante de tais arbitrariedades, só restava aos homens resistir por meio da fuga para longe do local em que habitavam. Os agentes não pouparam os eclesiásticos e os mulatos. Todos os que desembarcavam sem passaporte no porto do Rio, especialmente os portugueses, foram alvo fácil desse recrutamento. A lei de março de 1720 proibiu o embarque de pessoas sem a devida identificação nos navios que saíam dos portos do reino em direção à colônia portuguesa na América. Segundo essa lei, os infratores deveriam ser remetidos para Lisboa, onde seriam penalizados (as penas podiam ser multa, prisão ou degredo para a África), mas se estivessem na idade de prestar o serviço militar seriam obrigados a ingressar no exército. No entanto, os governadores do Rio aproveitavam a oportunidade e mandavam os homens que aqui chegavam em busca de boa ventura, mas sem identificação, para servir na guarnição em Sacramento.6

Nos séculos XVII e XVIII, os condenados à pena de degredo foram enviados a Sacramento para cumprirem suas sentenças: pretos forros, que realizavam comércio sem licença, ou mascarados, que causavam distúrbios nas ruas do Rio.7 O degredo no extremo sul da América, com objetivo de povoar a região, tornou essa penalidade mais severa, desproporcional aos delitos cometidos.

Esse contingente formado por degredados, vadios e mendigos, recrutados à força e transformados às pressas em soldados cuja missão deveria ser a defesa dos interesses da Coroa portuguesa no Rio da Prata, não resistiu ao ataque do inimigo. Em agosto, sete meses após sua fundação, a fortaleza de Sacramento foi atacada e destruída pelos espanhóis. A superioridade numérica do inimigo, cujas forças somavam mais de três mil indivíduos, entre espanhóis e índios guaranis, a pé ou a cavalo, armados com flechas e armas de fogo, e sob o comando dos padres jesuítas, tornou iminente a derrota do reduzido número de luso-brasileiros e portugueses. Outra explicação para a derrota foi dada por d. Manuel numa carta de 21 de setembro de 1680 ao príncipe regente d. Pedro. "Naqueles poucos dias", logo que deu início às obras de fortificação nas terras de São Gabriel, "conheci tanto a incapacidade da gente que trouxe do Rio de Janeiro e quis Deus me castigar de sorte que se então os considerava maus só no militar os experimentei malíssimos em todas as suas ações".8

Mais adiante, dava notícias do seu debilitado estado de saúde, o que lhe incapacitara, de poder mandar nem saber o que se obrava por cuja causa os brasileiros se licenciaram tanto que desobedeciam aos seus oficiais de maneira que a fortificação foi tão lentamente que o que entendi se fazia em quatro meses, da sorte que trabalhavam, seria eterna a obra, porque segundo agora soube, exceto a companhia que veio desse Reino e poucos homens do Rio, os mais iam muito pouco as faxinas e nelas trabalhavam o que queriam que era muito pouco, e com aquela calma, que no Brasil costumam fazer todas as coisas; e se algum de seus oficiais os repreendia lhes respondiam como se não fossem.9

Enquanto os portugueses estiveram presentes no estuário do Prata, até fins do século XVIII,as autoridades coloniais recorreriam ao alistamento compulsório da população para servir na guarnição estacionada em Sacramento. Para reforçar esse contingente nas situações de emergência, chegava à Colônia toda espécie de indivíduos vindos das capitanias de Minas Gerais, São Paulo e Bahia. Nessas ocasiões, as autoridades recorriam aos prisioneiros, que formaram uma das primeiras expedições de socorro à praça de armas sitiada pelos espanhóis (1735-1737), tal como fizera d. Manuel Lobo quando organizou sua expedição fundadora. Por isso, as reclamações dos governadores de Sacramento contra os soldados brasileiros eram constantes. Para aquelas autoridades, a maioria dos soldados da guarnição era composta de incapazes e inúteis, que muitas vezes lá chegavam doentes e aleijados. Sacramento funcionou ainda como uma espécie de local de exílio para onde foram enviados por castigo os perturbadores da ordem pública e até pessoas das quais os familiares queriam se livrar.10

As queixas incluíam também os soldados portugueses. Manuel Gomes Barbosa, governador de Sacramento de 1715-1722, reclamava da presença deles "por ser esta casta de gente os que desinquietam e reduzem todos os mais que fujam".11 O ato de desertar foi uma forma de resistência não só à violência do recrutamento compulsório, mas às péssimas condições a que os soldados estavam submetidos em Colônia: o sistema de saúde precário, fardamento inadequado para o clima da região, alimentação insuficiente, soldos pagos pela metade, sempre atrasados, e os maus-tratos que recebiam tanto dos oficiais quanto das autoridades que governavam a fortaleza. A deserção podia ocorrer ainda por outros motivos. Alguns soldados abandonavam a guarnição para fugir das dívidas contraídas com os comerciantes, outros passavam para o lado dos espanhóis em troca de terras e gado que estes lhes ofereciam.12

Para conter o crescente número de desertores, as autoridades coloniais puniam os soldados com castigos corporais ou os condenavam a trabalhar presos a grilhões nas obras de fortificações. A pena capital raramente era utilizada nesses casos, e de tempos em tempos podiam ser agraciados com o perdão real. Tal prática não se restringiu à guarnição de Sacramento; ao contrário, a deserção foi mesmo uma constante em todas as partes da colônia portuguesa, uma vez que esteve diretamente relacionada às arbitrariedades do recrutamento compulsório. Homens que em geral desconheciam a disciplina e a hierarquia militar foram transformados em soldados à força e enviados para servirem nas fortalezas e presídios em que as tropas regulares necessitassem de reforços, com o intuito de expandir e defender as possessões da Coroa portuguesa.

É possível que o decreto de 1722, proibindo o envio dos condenados a degredo do reino para Sacramento, tenha sido uma resposta às repetidas reclamações dos governadores, em especial a Manuel Gomes Barbosa.13 Ainda assim, conforme carta do padre jesuíta e cartógrafo Diogo Soares ao rei, em 27 de junho de 1731, sobre a planta da nova fortificação daquela praça de armas, "por onde deve correr toda a muralha, capaz de que sobre ela se possam formar e levantar todas as obras, que se julgarem precisas para a sua defesa: nem o custo e despesa poderão ser excessivos, porque a pedra é muita, o salário dos índios limitado, os presos e degradados que também trabalham inumeráveis".14 Nesse contingente de presos e degredados que ainda trabalhavam nas obras de fortificação do presídio naquela data, contavam-se os degredados que as autoridades do Rio de Janeiro continuariam a enviar para Sacramento até o ano de 1770 e, certamente, os desertores capturados.15

O Tratado Provisional de março de 1681, que a Coroa espanhola assinou em Lisboa, reparou os prejuízos sofridos pelos portugueses com o ataque à fortaleza em agosto de 1680. Os espanhóis foram obrigados a devolver as armas, as munições e as ferramentas aos portugueses e a libertar os prisioneiros. A praça foi entregue, mas as autoridades espanholas adotaram algumas medidas que dificultariam o dia a dia dos que viveriam na região dali em diante. A construção de uma guarda às margens do rio São João foi uma dessas medidas. Naquele posto militar, chamado Guarda de São João, uma guarnição composta por soldados e um cabo deveria vigiar os portugueses constantemente, dificultando sua permanência na margem esquerda do rio da Prata. A guarnição deveria afugentar o gado selvagem, impedir o contato dos portugueses com os índios e a construção de novas fortificações. Diante disso, aventou-se mesmo a possibilidade de abandonar Sacramento.16

A região do Prata esteve sempre vulnerável às investidas bélicas de seus vizinhos espanhóis. Os cercos e os conflitos armados foram episódios recorrentes durante a presença portuguesa na região do Prata, sendo mesmo "a principal característica da vida cotidiana em Colônia, devido ao seu caráter de posto avançado numa região que pode ser considerada uma verdadeira fronteira viva com a América espanhola, era a forte tensão permanentemente vivida pela sua população em função dos conflitos bélicos e suas consequências, que frequentemente assolavam a região".17


Comércio e contrabando no Rio da Prata durante a União Ibérica (1580-1640)

Ao longo do século XV, Portugal e Espanha organizaram várias expedições em busca dos tesouros do império inca que estariam localizados na lendária "Serra da Prata".18 Os portugueses foram os primeiros europeus a navegar pelo "rio da Prata" na expedição de Henrique Froes (ou Flores), em 1512, que percorreu a costa brasileira na direção sul, entrando no estuário e, possivelmente, chegando ao local onde mais tarde fundariam a Colônia do Sacramento.19

Em 1545, os espanhóis chegariam ao Alto Peru e descobririam as minas de prata de Potosí, navegando o rio que conheciam por "rio de Solis". Este nome foi atribuído pelos espanhóis em homenagem ao seu descobridor, o português João Dias de Solis, a serviço da Coroa espanhola, que subiu aquele rio à procura de uma passagem para o oceano Pacífico em 1515. A "Serra da Prata" havia, enfim, sido localizada, acirrando a disputa entre Portugal e Espanha pelo cobiçado metal.

Os portugueses, no entanto, conseguiriam reorientar o fluxo do metal precioso, estabelecendo um vantajoso comércio ilícito (contrabando) entre o Brasil e a África através do porto de Buenos Aires. A prática do contrabando entre portugueses e espanhóis nessa região floresceu no tempo da União Ibérica (1580-1640), tendo sido interrompida apenas com o fim da Guerra de Restauração (1640-1668), quando se deu, então, a independência de Portugal, e a Espanha retomou sua política protecionista.20

O bispo de Tucumán, Francisco Vitória, organizou as primeiras expedições que inaugurariam a rota de contrabando do rio da Prata. Português, Francisco viveu em Lima e trabalhou no comércio antes de ingressar no Convento do Rosário e conseguir o bispado de Tucumán, durante a união das coroas ibéricas. A primeira expedição de 1587 saiu daquela região em direção ao litoral brasileiro, chegando às capitanias de São Vicente, Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Os contrabandistas levaram ouro e prata e compraram diversas mercadorias: escravos, caldeiras de cobre, sinos, ferro, aço e pérolas para fabricação de açúcar.21 Quando a exitosa expedição comercial retornava ao estuário, piratas ingleses se apoderaram da carga. No ano seguinte, o bispo organizaria outra incursão ao Brasil. Além da prata, que serviria de moeda na compra das mercadorias, frei Francisco Vitória levou também tecidos originários da província de Tucumán. Um temporal impediu a expedição de chegar ao litoral brasileiro. A tripulação se salvou, mas a prata se perdeu com o naufrágio. Ainda assim, o bispo de Tucumán transformou sua diocese num importante centro de transações ilícitas entre o interior da América espanhola e o Brasil, graças à sua influência na região e a seus contatos com as autoridades castelhanas e luso-brasileiras.

A prática do contrabando foi a maneira que determinados grupos encontraram para escapar às restrições impostas pelo monopólio comercial exercido pela Espanha em suas colônias americanas. Os contrabandistas do porto de Buenos Aires eram um grupo fortíssimo formado por negociantes, que contavam com o apoio de funcionários reais e até de governadores, conectados com contrabandistas de Portugal e do Brasil.22 Essa rota de comércio ilícita, que se iniciava no porto de Buenos Aires, passava pelo Alto Peru e chegava a Lima, tinha a participação significativa dos portugueses, boa parte deles cristãos-novos, muitos dos quais residiam em Lima, no vice-reino do Peru, ou em Buenos Aires, próximo ao porto.

O comércio entre a Coroa espanhola e o vice-reino do Peru, por exemplo, se fazia pela rota oficial Antilhas-Pacífico. O porto de Sevilha era o único autorizado a estabelecer transações comerciais com as colônias espanholas. As mercadorias da frota anual de Sevilha que abasteciam as localidades daquele vice-reino percorriam um longo caminho até o porto de Callao, na costa peruana. A partir daí, as mercadorias seguiam em tropas de mulas até Lima, onde eram redistribuídas a todas as localidades do vice-reino do Peru. Esse longo percurso, com suas inúmeras taxas alfandegárias, mais os lucros auferidos pelos grupos monopolistas limenhos, tornava os preços das mercadorias proibitivos para os habitantes da colônia. Além dos preços elevados, a quantidade de mercadorias esteve sempre aquém das necessidades de consumo dos colonos, o que talvez possa ser explicado pelo atraso constante das frotas, e pela crescente demanda de produtos manufaturados e alimentícios ligada ao crescimento da população.

As medidas restritivas para combater o comércio de contrabando, que concorria com os interesses monopolistas limenhos ligados à rota oficial do Pacífico, não surtiram os efeitos esperados. O contrabando floresceu enormemente, gerando grandes lucros para os negociantes portugueses e portenhos envolvidos. Os negócios prosperaram com o apoio de uma rede de corrupção formada por funcionários reais e governadores, que podiam comprar cargos públicos, conforme uma lei de Filipe II, o que lhes permitia fraudar o fisco e se proteger contra possíveis autoridades que porventura quisessem cumprir as ordens régias de repressão a essas transações.23

A capitania do Rio de Janeiro, em particular, mas também as da Bahia e Pernambuco integravam a rota desse comércio ilícito, exportando produtos manufaturados, gêneros alimentícios e escravos. São Vicente e São Paulo participavam em menor escala. Alguns produtos alimentícios vinham de São Paulo; o açúcar e o melado, da Bahia e de Pernambuco; sardinhas, sal, pimenta, azeite, vinhos e tecidos, do norte europeu; ferro, estanho, aço, móveis, madeira e instrumentos agrícolas vinham de Portugal.24 Essas mercadorias entravam pelo porto de Buenos Aires em direção à província de Tucumán, no interior, alcançando Potosí do Alto Peru e Lima. O comerciante português Francisco Soares escreveu do Rio de Janeiro uma carta para seu irmão em Lisboa, em 1597, sobre o ouro e a prata que circulavam naquela praça, e informava ainda que "este Rio é um grande comércio, o mais próximo e mais fácil caminho para ir ao Peru".25

A organização de contrabando pioneira do bispo de Tucumán estabeleceu uma rota que ligou Potosí ao litoral brasileiro, inundando de mercadorias contrabandeadas o vice-reino do Peru. Os comerciantes peruanos ligados ao comércio monopolista protestaram inúmeras vezes até conseguirem que a cédula real de 1596 proibisse o comércio com o Brasil via porto de Buenos Aires.
No entanto, por essa mesma época, a Coroa espanhola acertava com o português Pedro Gomes Reynal o contrato de asiento de 1595, que lhe permitiria introduzir legalmente cerca de seiscentos escravos, partindo de Lisboa, com destino ao Rio da Prata, via porto de Buenos Aires. Este contrato impulsionou enormemente as atividades do comércio ilegal, pois os navios negreiros, com equipamentos e tripulação portugueses, transportavam, além da carga legalizada, outras mercadorias e também escravos sem a devida licença.26

Os negociantes portugueses conseguiram manter o asiento do comércio de escravos da África para a América espanhola até 1640, com uma breve interrupção apenas entre os anos 1605-1615. Nos anos de 1630, os exploradores das minas de prata e os proprietários de terras de diversas regiões dependiam dos escravos comercializados pelos portugueses.27 Estima-se que esse primeiro contrato possibilitou a entrada de 4.250 escravos pelo porto de Buenos Aires, cujo destino era a extração da prata nas minas de Potosí, substituindo a mão de obra indígena, que não resistia à escravidão, à dureza nos trabalhos das minas, às temperaturas extremamente baixas e às doenças infectocontagiosas trazidas pelo europeu.

Segundo estimativas do historiador Pierre Chaunu, referentes aos primeiros vinte anos do século XVII, a percentual de prata desviado da produção das minas de Potosí para o Brasil e Portugal pode ter chegado a 25%.28 Estudos posteriores, que analisaram os níveis de produção da prata no Alto Peru, indicam que os períodos antes identificados como de decréscimo dos níveis dessa produção estão possivelmente relacionados à diminuição das remessas para os cofres espanhóis, mais do que a um declínio da produção propriamente dita. Nessa perspectiva, "tanto o comércio de escravos pelo asiento quanto o contrabando e o fluxo da prata a eles associado contribuíram para o declínio das remessas para a Espanha, representando uma perda estimada de mais de um milhão de pesos anuais, talvez até três vezes essa quantia".29

Contrabando, fronteiras e diplomacia na região do Rio da Prata no século XVIII

Que interesse levaria a Coroa portuguesa a erigir uma fortaleza na margem esquerda do rio da Prata, nas terras que pertenciam à Espanha, conforme a linha meridiana de Tordesilhas? Indagado sobre qual a melhor maneira de reabrir o comércio entre Brasil e Buenos Aires, "tendo em vista a prata que vinha antigamente através desse porto",30 Salvador Correia de Sá e Benevides (1602-1668), governador e capitão-general do Rio de Janeiro, escreveu um documento, datado de 1643, em que sugeria "tomar aquele porto" de Buenos Aires com o apoio dos paulistas, que marchariam em direção ao Paraguai, para efetuar a conquista. Para Sá e Benevides, o grande "proveito em carnes para o sustento do Brasil, e em couramas", seria acrescido da conquista por Portugal do estuário do Prata, e do tesouro de Potosí.De acordo com Possamai, pode-se afirmar que o contrabando, como meio de obter uma parcela da produção da prata extraída de Potosí, foi uma das principais razões da fundação de Colônia. Talvez a principal delas, pois a mesma foi criada numa época em que Portugal encontrava-se em sérias dificuldades econômicas, em decorrência dos gastos da guerra da restauração da sua independência.31

No capítulo sobre a importância do contrabando na região do rio da Prata, na primeira metade do século XVIII, o autor mostrou, com base em vasta documentação, que as transações comerciais ilícitas entre portugueses e espanhóis contribuíram significativamente para redirecionar o fluxo da prata da América espanhola para Sacramento.32

Pelo porto da Nova Colônia do Sacramento entravam tabaco e aguardente, vindos sobretudo da Bahia, de onde também chegavam tecidos, roupas, meias francesas, armas e todo tipo de objetos (facões flamengos, contas brancas etc.).33 As embarcações que saíam do porto do Rio em direção ao estuário do Prata transportavam madeira e tecidos, estes últimos as principais mercadorias negociadas em Colônia. Os comerciantes aí estabelecidos vendiam, mediante pagamento imediato, linhos dos mais finos aos mais rústicos, originários de várias regiões francesas. As madeiras de lei e os móveis tinham boa aceitação em Buenos Aires, bem como a aguardente brasileira e o tabaco, bastante consumidos pelos colonos e índios.

Nos bons períodos, isto é, nos tempos de paz, quando então as atividades comerciais tinham um papel central em Colônia, os lucros obtidos com as vendas dessas mercadorias eram altíssimos, podendo ultrapassar a casa dos cem por cento. Mercadorias como tesourinhas e chapéus finos podiam ser vendidas em Colônia por um preço três vezes superior ao da Europa. Tal situação parece não ter se alterado nem mesmo diante da concorrência dos contrabandistas ingleses. As moedas da região platina foram a prata e o couro, mas os negociantes preferiam receber o pagamento em moedas de prata, que valia mais na América portuguesa do que na espanhola, o que lhes proporcionava um lucro adicional com sua conversão. Sobre a importância de se conservar Sacramento em razão da prata que chegava por meio da frota do Rio de Janeiro até Lisboa, o Conselho Ultramarino se pronunciou da seguinte forma: "era a única porta por onde nos entra alguma prata de que tanto necessita este Reino".34

Em O cotidiano da guerra: a vida na Colônia do Sacramento (1715-1735), Possamai analisou as práticas dos agentes da principal casa comercial de Colônia, o que lhe permitiu reconstituir o cotidiano dos comerciantes portugueses que se ocupavam dos negócios ligados às transações ilícitas com os espanhóis. Nesse estudo inédito, o autor mostra que os percalços que cercavam a realização dessas transações - a vigilância das autoridades espanholas, os atritos com os militares e a concorrência representada pelo contrabando inglês - eram compensados pelos elevados lucros obtidos pelos negociantes.

Portugal sentiu a chamada "crise do século XVII"35 de uma maneira particular. Ao contrário das economias europeias, que experimentavam a difícil transição das estruturas feudais para o capitalismo, Portugal se viu em meio a uma crise geral devido ao ônus da integração do império luso-espanhol e dos altos custos da sua guerra de independência. No final do século XVI, a união das coroas ibéricas trouxe de fato grandes vantagens para a economia portuguesa, e o auge da produção de prata americana se deu exatamente durante essa união. A circulação da prata da América espanhola nos impérios integrados foi fundamental para o comércio das especiarias no Índico, uma vez que esta passou a ser utilizada na compra dessas mercadorias a partir de 1570, permitindo o controle tanto do comércio de longa distância como das rotas locais (Macau-Japão e Macau-Filipinas).36

Mas, com essa união, Portugal herdaria também os inimigos dos Habsburgo, Inglaterra e Holanda, e passaria a sofrer perdas consideráveis no Estado da Índia e no Atlântico. Portugal perdeu Ormuz para os ingleses e persas em 1622; os holandeses atacaram a Bahia (1624) e Pernambuco (1630). Entre os anos de 1623 e 1626, os holandeses se apropriaram de um terço do comércio de açúcar, assaltando os navios que transportavam essa mercadoria.37 De acordo com Schwartz, a crise e as dificuldades internas da economia portuguesa podiam ser percebidas pelas perdas sofridas em todas as partes do império.

Com a crescente importância econômica do açúcar, a Coroa portuguesa passou a se preocupar mais seriamente com os competidores estrangeiros, em especial a Holanda, com a intenção de resguardar essa parte do império do Atlântico cuja manutenção se tornava cada vez mais crucial para a sobrevivência do reino. Em 1648, os brasileiros retomaram o porto de Luanda (Angola), que os holandeses haviam conquistado em 1641, estabelecendo o comércio de escravos. E, em 1654, terminava a longa ocupação holandesa em Pernambuco. Nesse contexto, o Rio da Prata tornava-se uma região estratégica para a recuperação econômica do reino, cuja crise se agravara após a independência. As concessões feitas aos demais países para que reconhecessem o direito da dinastia de Bragança ao trono português e a desorganização do comércio com Buenos Aires levaram a perdas significativas. Outros fatores contribuíram para agravar essa situação, como a perda do monopólio comercial no Oriente, resultado das negociações com os holandeses para a retomada do litoral norte do Brasil, e o início da concorrência antilhana na produção de açúcar.

A fundação de Sacramento restabeleceu o elo com o Atlântico, crucial para reativar o comércio entre Buenos Aires e Rio de Janeiro, interrompido quando os holandeses ocuparam parte dos litorais brasileiro e africano - Pernambuco e Bahia, Guiné e Luanda -, passando a dominar aquele oceano na primeira metade do século XVII. Ao conquistar o estuário do Prata, seus afluentes e portos naturais, a Coroa portuguesa expandia suas possessões na América, incorporando uma região de grande potencial econômico, pois além da prata, abria-se a possibilidade de explorar o gado chimarrão, um dos maiores recursos naturais da região platina.38

Em 1713, quando se desenrolavam as negociações de paz entre Portugal e Espanha, com mediação da França e da Inglaterra, após o fim da Guerra de Sucessão,39 o Conselho das Índias não recomendava a devolução da Colônia do Sacramento aos portugueses, porque as transações comerciais ilícitas que espanhóis e portugueses faziam no Rio da Prata implicavam graves prejuízos para o monopólio comercial espanhol. Conforme explicava o padre Altamirano, isso ocorria "por la facilidad que tenían para vender los géneros doblados más barato que los navíos de Castilla y tanto menos de los que iban en galeones hacia Lima ... y que la plata se les doblaría a los portugueses, por lo que salía ocho Reales en Buenos Ayres subía a dieciseis en Brasil".40
Ainda assim, o Tratado de Utrecht, assinado em fevereiro de 1715 entre as coroas ibéricas, cedeu a Portugal "toda a ação e direito, que podia ter ao Território e Colônia, dando por abolido em virtude desta cessão o dito Tratado Provisional".41

Os moradores das províncias do Rio da Prata, e também das regiões de Cuyo, Chile, Potosí e Charcas, continuariam a adquirir os produtos manufaturados e os gêneros alimentícios dos espanhóis, que os compravam em Sacramento porque eram mais baratos e satisfaziam suas necessidades de consumo imediatas. A prática do contrabando entre luso-brasileiros e espanhóis remonta ao período da União Ibérica, e se manteve até fins do século XVIII. Em uma cédula de 1776, a Coroa espanhola tentou instruir sacerdotes e pregadores para que incutissem na comunidade de fiéis das suas colônias o sentimento de que a aquisição de mercadorias, fraudando o fisco real, era incorrer em pecado grave. Tentativa vã, que não dissuadiu a população a mudar um hábito tão antigo quanto arraigado, justificado pela necessidade de subsistência.42

Na época das negociações sobre os limites das possessões ibéricas na América do Sul, que resultaram na assinatura do Tratado de Madri em 1750, o contrabando no Rio da Prata voltava a ser o centro das preocupações do negociador espanhol, dom José de Carvajal: "a Colônia é causa da dissipação das riquezas do Peru", e da decadência extrema do comércio espanhol com a América do Sul.43 Nessa resposta a Alexandre de Gusmão, d. José de Carvajal evocou o Tratado de Utrecht, assinado em 1713, que previu "a troca da Colônia por um equivalente, fácil de encontrar nos territórios de Cuiabá e Mato Grosso, ainda que, a quando a morte de Filipe V, o governo espanhol estudava os meios para recobrá-los".44

Os portugueses tinham avançado pelo território espanhol a oeste. O movimento bandeirante havia alargado os limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas, com a descoberta do ouro nas regiões de Mato Grosso (1719) e Goiás (1722). A Coroa espanhola apresentou então a seguinte proposta: trocar Sacramento pelas regiões mineiras. Mas Alexandre de Gusmão argumentou, com base nos mapas da China, publicados em Paris em 1735,45 que o antimeridiano de Tordesilhas indicava que o arquipélago das Filipinas pertencia a Portugal, embora ocupado e transformado pelos espanhóis em importante entreposto comercial no Oriente. Com base no princípio do uti possidetis, "que cada uma das partes fique possuindo o que tem ocupado",46 Portugal incorporou os territórios de Cuiabá e Goiás, boa parte da bacia amazônica, e deu a posse definitiva das Filipinas aos espanhóis. 

Quanto às antigas disputas territoriais entre as Coroas ibéricas, relativas ao extremo sul da América, as negociações resultaram na restituição aos espanhóis do monopólio da navegação do rio da Prata. Assim, Portugal cedeu a Colônia do Sacramento "e todo o seu território adjacente a ela, na margem Setentrional do rio da Prata ... e as Praças, Portos e estabelecimentos, que se compreendem na mesma paragem; como também a navegação do mesmo rio da Prata, o qual pertencerá inteiramente à Coroa da Espanha".47 Por essa cessão, Portugal recebeu um "equivalente territorial" situado na margem oriental do rio Uruguai, os Sete Povos das Missões, reivindicação de Alexandre de Gusmão em resposta a Carvajal, que havia proposto trocar Sacramento pela região das minas de Cuiabá e Mato Grosso.

Ainda conforme o tratado, os jesuítas e os índios missioneiros deveriam deixar as reduções e transferir-se para as terras espanholas, levando apenas seus bens móveis. Portugal passaria a ter direito sobre as vilas, aldeias, casas e a propriedade do terreno. Contando com o apoio dos jesuítas, os índios resistiram à tropa de comissários encarregada da demarcação de limites no Sul, o que resultou no conflito armado iniciado em 1754. Munidos de canhões e de uma tática militar bastante aperfeiçoada, os missioneiros venceram os portugueses e os espanhóis. Mas, em 1756, os exércitos ibéricos se uniram e venceram os mais de 1.700 índios que lutaram sua última batalha, a de Caiboaté, contra a demarcação dos limites na região. A Coroa portuguesa pretendeu transformar as missões em núcleos de povoamento com base na mestiçagem entre luso-brasileiros (especialmente os soldados) e índios, visando ocupar as possessões recentemente adquiridas e aumentar a população dos súditos do rei. Para tanto, os missioneiros deveriam desocupar as reduções, migrando para os territórios portugueses. Isto se deu através de uma política de atração dos índios guaranis, apoiada na legislação indigenista pombalina, que gerou vários fluxos migratórios. As aldeias de São Nicolau (Rio Pardo) e a dos Anjos (Viamão) foram criadas para alocá-los, embora parte da população missioneira tenha permanecido nas reduções.

No final do século XVIII, Portugal sofreu perdas consideráveis na contenda que envolveu as Coroas ibéricas na demarcação de limites na América do Sul. Em 1761 ocorreu a anulação oficial do Tratado de Madri, e os Sete Povos permaneceram sob a administração dos jesuítas espanhóis até 1768, quando então os inacianos foram expulsos do continente. Em 1777, com o Tratado de Santo Ildefonso, perdeu definitivamente a Colônia do Sacramento, mas não recebeu nenhuma compensação territorial, conforme ocorrera em 1750. Quando a Espanha, pressionada pela França, declarou guerra a Portugal ("guerra das laranjas"), em fevereiro de 1801, criou a oportunidade para que os luso-brasileiros renovassem suas pretensões sobre os Sete Povos. A conquista e a anexação das reduções jesuíticas renderam à Coroa portuguesa um acréscimo territorial, responsável pelo desenho do atual estado do Rio Grande do Sul, aumento populacional e incorporação do patrimônio missioneiro representado pelas estâncias das reduções onde se criavam vários tipos de gado vacum. A conquista foi um empreendimento organizado por colonos luso-brasileiros, com o apoio do poder régio, dos párocos que passaram a se ocupar dos serviços religiosos nas reduções, e de parte considerável dos missioneiros, descontentes com a administração secular dos espanhóis após a expulsão dos inacianos.

1 SILVA, Antonio de Morais e. Dicionário da língua portuguesa, recopilado dos vocabulários impressos até agora. 2. ed. novamente emendado e muito acrescentado. Lisboa: s.n., 1813, v. 1, p. 497.
2 POSSAMAI, Paulo César. O cotidiano da guerra: a vida na Colônia do Sacramento (1715-1735). 2001. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001, p. 122.
3 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. A Colônia do Sacramento (1680-1777). Porto Alegre: Globo, 1937, v. 2, p. 54.
4 Ibidem, v. 1, p. 42-43.  
5 Apud MONTEIRO, Jonathas da C. R., op. cit., v. 1, p. 43, nota 23. 
6 De fins do século XVII até a primeira metade do século XVIII, com a descoberta do ouro nas Minas Gerais, foram criadas várias leis com o objetivo de coibir a emigração portuguesa para o Brasil. A lei de 20 de março de 1720, em especial, "proibiu a viagem para o Brasil a todos que não fossem preencher algum cargo civil, militar ou eclesiástico. Os comerciantes que pudessem provar ser absolutamente necessária a viagem para a concretização de transações comerciais deveriam pedir passaporte em Lisboa, Porto ou Viana do Castelo". No entanto, uma fiscalização pouco rigorosa em regiões como a do Porto tornou ineficaz o texto da referida lei, que não conteve a emigração portuguesa para a colônia americana. POSSAMAI, Paulo César, op. cit., p. 126 e 134.
7 Ibidem, p. 125.
8 Segunda carta de d. Manuel Lobo ao príncipe regente d. Pedro, apud MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego, op. cit., v. 2, p. 33.
9 Idem.
10 POSSAMAI, Paulo César, op. cit., p. 135.
11 Consulta do Conselho Ultramarino, de 6 de março de 1722. IHGB, Arq. 1.1.21, f. 67-67v, apud POSSAMAI, Paulo César, op. cit., p. 126.
12 Ibidem, p. 184.
13 COATES, Timothy J., Degredados e órfãs, p. 143-144, apud POSSAMAI, Paulo César, op. cit., p. 126.
14 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego, op. cit., v. 2, 1937, p. 81.
15 Ibidem, p. 126.
16 Ibidem, p. 46.
17 POSSAMAI, Paulo César, op. cit., p. 17.
18 Em 1515, o navegante português João Dias de Solis, a serviço da Coroa espanhola, subiu o rio da Prata na tentativa de encontrar uma passagem para o oceano Pacífico. Porém, Solis e alguns membros de sua expedição desembarcaram em terra firme na altura da foz do rio Uruguai e foram mortos pelos índios. Os sobreviventes se refugiaram na ilha de Santa Catarina, onde tomaram contato com os mitos tupis-guaranis da "Serra da Prata" e de seu "Rei Branco", cuja origem ligava-se à riqueza do império inca. Um dos náufragos, o português Aleixo Garcia, parte de Santa Catarina em 1524 numa expedição composta por dois mil índios guaranis e outros companheiros em busca da afamada "Serra da Prata". Aleixo Garcia chegou ao Alto Peru (Potosí) onde saqueou algumas povoações incaicas, apoderando-se de uma quantidade considerável de objetos de ouro e prata. Garcia foi morto pelos índios charcas, mas seus companheiros conseguiram voltar à ilha de Santa Catarina, com amostras do tão procurado tesouro. A descoberta pelos espanhóis do cerro de Potosí ocorreria mais tarde, em 1545, o que desapontou Domingo Martinez de Irala, que no final de 1547 organizara uma expedição em direção à "Serra da Prata". Após uma penosa travessia do Chaco, Irala e seus companheiros cruzaram o rio Guapay e encontraram na outra margem um grupo de índios que se comunicou em "espanhol" com a expedição, informando que as minas argentíferas já haviam sido descobertas. Os mitos tupis-guaranis da "Serra da Prata" e do seu "Rei Branco" estão intimamente ligados ao mito da "Terra sem Mal". Os guaranis acreditavam em um paraíso onde não existiam doenças, velhice e morte, e a natureza forneceria alimentos em abundância. Esse paraíso se localizava na direção do oeste, mas para alcançá-lo seria necessário atravessar o Chaco ou subir os rios Paraná e Paraguai. Esse fato explica as constantes migrações dos grupos tupis-guaranis, que partiam em expedições periódicas em busca da "Terra sem Mal" e a aliança hispano-guarani, pois os índios perceberam que a superioridade militar dos europeus poderia ajudá-los a percorrer os territórios ocupados por índios hostis. Em troca, eles serviriam de guias e intérpretes. Além disso, os guaranis doaram suas mulheres aos espanhóis, para fortalecer essa aliança, favorecendo com isso a mestiçagem no Paraguai dos séculos XV e XVI. BERND, Zilá (org.). Dicionário de figuras e mitos lendários das Américas. Porto Alegre: Ed. da Universidade, p. 576.

19 POSSAMAI, Paulo César, op. cit., p. 24.
20 Ibidem, p. 36.
21 CANABRAVA, Alice Piffer. O comércio português no Rio da Prata (1580-1640), Separata do Boletim de História da Civilização Americana da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1944, n. 2, p. 61-62.
22 Ibidem, p. 102.
23 POSSAMAI, Paulo Cesar, op cit., p. 31.
24 Ibidem, p. 33.
25 J. E. Rocha Pombo, História do Brasil, v. 5, p. 583-585, apud CANABRAVA, Alice Piffer, op. cit., p. 65-66.
26 Ibidem, p. 64-65.
27 SCHWARTZ, Stuart B, op. cit., p. 227.
28 CHAUNU, Pierre, Sevilha e as Américas nos séculos XVI e XVII, p. 203, apud POSSAMAI, Paulo César, op. cit., p. 34.
29 SCHWARTZ, Stuart B. Prata, açúcar e escravos: de como o império restaurou Portugal. Tempo, revista do Departamento de História da UFF, Niterói, v. 12, n. 24, p. 213-235, jan.-jun. 2008, p. 228.
30 HOLANDA, Sérgio Buarque de. A Colônia do Sacramento e a expansão do extremo sul. In: História geral da civilização brasileira. A época colonial. Do descobrimento à expansão territorial. 7. ed. São Paulo: Difel, 1985, tomo 1, v. 1, p. 324.
31 POSSAMAI, Paulo César, op. cit., p. 266.
32 Ibidem, Um ninho de contrabandistas, cap. 4, p. 266.
33 Livro de notas do APEB, n. 39, fls. 210, apud ARAS, Lina Maria Brandão. Circulando entre a Bahia e o Prata. In: ENCONTRO DA ANPHLAC, 3., 1998, São Paulo. Anais eletrônicos..., 1998, p. 11.
34 Consulta do Conselho Ultramarino de 4 de junho de 1723, IHGB, Arq. 1.1.21, f. 168v, apud POSSAMAI, P. C., op. cit., p. 298.
35 HOBSBAWM, Eric, The Crisis of the Seventeenth Century, Crisis in Europe, 1560-1660, apud SCHWARTZ, Stuart B., op. cit., p. 218.
36 Ibidem, p. 222.
37 Ibidem, p. 230.
38 POSSAMAI, Paulo Cesar, op. cit., p. 321.
39 Na Guerra de Sucessão espanhola (1701), Inglaterra e França se encontraram em campos opostos. A Inglaterra contestava o direito, legado por testamento, de Felipe de Anjou, neto do rei Luís XIV, subir ao trono espanhol após a morte de Carlos II. O conflito terminou em 1713, com a assinatura do Tratado de Utrecht, que reconheceu o direito da dinastia Bourbon suceder a de Habsburgo. A França fez grandes concessões para que Felipe de Anjou, depois Felipe V, subisse ao trono espanhol. Portugal, que havia apoiado a Inglaterra, também lucrou com essa aliança: houve o reconhecimento por parte da França do rio Oiapoque como fronteira natural entre Brasil e Guiana, e a restituição da Colônia de Sacramento, que havia sido tomada pelos espanhóis em 1704.
40 Apud CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. São Paulo: Fundação Alexandre de Gusmão (Funag); Imprensa oficial, 2006, tomo 1, p. 173. O jesuíta Pedro Inácio Altamirano, procurador-geral das Índias, foi designado para assistir à transferência dos índios missioneiros dos Sete Povos das Missões para o território da colônia portuguesa.
41 CORTESÃO, Jaime, op. cit., tomo 2, p. 363. Na prática isso não ocorreu, pois, quando da entrega da praça de armas aos portugueses, conforme previra o Tratado Provisional de 1861, as autoridades espanholas entenderam que os portugueses teriam direito à restituição somente da praça de armas. O território ficaria limitado à área relativa ao alcance de um tiro de canhão, tendo como ponto de referência a referida praça. O restante da região do Prata pertenceria à Coroa espanhola, que mais tarde fundaria a Praça de Montevidéu.
42 PANTALEÃO, Olga. A penetração comercial da Inglaterra na América espanhola de 1713 a 1783, p. 236, apud POSSAMAI, P. C., op. cit., p. 276.
43 CORTESÃO, Jaime, op. cit., tomo 2, p. 296.
44 Ibidem, p. 297.
45 BRANDÃO, Renato Pereira. A longitude da China e o Tratado de Madri: o saber científico jesuítico em conflito com os interesses mercantis do Império. In: SIMPÓSIO Nacional de História e Ética, 25, 2009, Fortaleza. Anais... Fortaleza: Anpuh, 2009, p. 7.
46 CORTESÃO, Jaime, op. cit., tomo 2, p. 285. Proposta do secretário particular de d. João V, Alexandre de Gusmão, nomeado conselheiro do Conselho Ultramarino em setembro de 1743, a d. José de Carvajal y Lancaster (negociador por parte da Coroa espanhola), relativa às negociações do Tratado de Madri, que revogou o Tratado de Tordesilhas.
47 Artigo XIII do Tratado de Limites das Conquistas entre os muito Altos, e Poderosos Senhores d. João V, rei de Portugal e d. Fernando VI, rei de Espanha, apud CORTESÃO, Jaime, op. cit., tomo 2, p. 369.

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