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Sociedade do Açúcar

Um engenho de açúcar

Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 19h00 | Última atualização em Sexta, 22 de Janeiro de 2021, 21h13

Inventário de Antônio Ribeiro de Avelar, proprietário do maior engenho de açúcar da capitania do Rio de Janeiro. As listagens incluem as terras do engenho, com grandes quantidades de cana pronta para o corte, ferramentas e instrumentos; as casas, com mobiliário e itens; e uma quantidade grande de escravos, muitos dos quais especializados na produção de açúcar e aguardente, entre outros, como carpinteiros, ferreiros, pedreiros, e de tropa. Destaca-se a listagem dos instrumentos, ferramentas e utensílios utilizados na produção do açúcar e que faziam parte do engenho.

Conjunto documental: Antônio Ribeiro de Avelar
Notação: caixa 1135, pct. 9606
Datas-limite: 1794-1794
Título do fundo ou coleção: Inventários
Código do fundo ou coleção: 3J
Argumento de pesquisa: açúcar, engenho de
Data do documento: 1796
Local: Freguesia da Nossa Senhora da Conceição do Alferes
Folha(s): 18 a 51

 

Engenho

Um engenho[1] com vinte e três lanços que tem de frente quatrocentos e cinquenta e dois palmos e meio, e de largura cento e quatro palmos onde se incluem as varandas.

[...]

Quatro lanços que ocupa no engenho de cana[2]
e seus pertences que são os seguintes:

Uma roda de água[3]
Um torno de moendas[4] a trabalhar
Um dito de reserva
[...]

Casa de caldeira[5] avarandada por dentro com grades de balaústres e tendal das formas
lajeado de tijolo tem seis lanços e nela se acha a fábrica seguinte:

Uma dorna[6] de aparar água avaliada na quantia de quatro mil e quinhentos réis..................................................4$500
Três paróis[7] de madeiras
Um cocho[8] que serve de bater barro
Uma caldeira de cobre com vinte e duas arrobas avaliada a quatrocentos réis cada libra que importa na quantia de duzentos e oitenta e um mil e seiscentos réis..................................................281$600
Uma dita com vinte e duas arrobas avaliada a trezentos réis a libra que importa na quantia de duzentos e onze mil e duzentos réis..................................................211$200
Uma dita velha com vinte arrobas avaliado a duzentos réis a libra que importa na quantia de cento e vinte e oito mil réis..................................................128$000
Dez tachos[9] de ferro com dez arrobas cada um que fazem cem arrobas avaliadas a cento e dez réis cada libra que importa na quantia de trezentos e cinquenta e dois mil réis..................................................352$000
Uma resfriadeira[10] de cobre com uma arroba e vinte libras, avaliada a quatrocentos réis a libra que importa na quantia de vinte mil e oitocentos réis..................................................20$800
[...]
Cinco escumadeiras de cobre com vinte e nove libras avaliadas a quatrocentos réis a libra que importa na quantia de onze mil e seiscentos réis..................................................11$600
Três repartideiras[11] com vinte e três libras avaliada a quatrocentos réis a libra que importa na quantia de nove mil e duzentos réis..................................................9$200
Duas batedeiras do mesmo com oito libras avaliadas a quatrocentos réis a libra que importa na quantia de três mil e duzentos réis..................................................3$200
[...]

Casa de purgar[12] com quatro lanços de sobrado com o seguinte:

Duzentos e cinquenta formas[13] de madeira
Quinhentos e sessenta e uma ditas mais pequenas
Um cocho de aparar mel
Dois ditos do mesmo
Noventa e seis bicas de aparar mel

Casa do encaixe[14] tem dois lanços de sobrado com seu tendal[15] de sobrado
na frente para enxugar o açúcar[16] e nela se acha o seguinte:

Uma tulha[17] grande de madeira para o açúcar
[...]
Um caixão grande com chave
[...]
Vinte tabuleiros de enxugar açúcar
Oito ditos de rodas para o mesmo
Um braço de balança e conchas avaliado em oito mil réis..................................................8$000
Um peso de ferro de duas arrobas avaliado em três mil e duzentos réis..................................................3$200
Um dito de arroba avaliado em mil e seiscentos réis..................................................1$600
Um dito de arroba avaliado em oitocentos réis..................................................$800
Um dito de oito libras avaliado em quatrocentos réis..................................................$400
[...]
Quatro facões de cortar açúcar a quatrocentos réis que importa na quantia de mil e seiscentos réis..................................................1$600
Cinco cavadeiras de ferro para o açúcar avaliados a cento e vinte réis que importam na quantia de seiscentos réis..................................................$600
[...]

Os escravos

Carpinteiros

Francisco José pardo de idade de trinta e quatro anos segundo banqueiro de açúcar[18] avaliado em trezentos e cinquenta mil réis..................................................350$000
Manoel Maria cabra de cinquenta anos de idade primeiro mestre de açúcar[19] avaliado em cento e oitenta mil réis..................................................180$000
Francisca Conga sua mulher tecedeira de idade de vinte e quatro anos avaliada em cento e trinta mil réis..................................................130$000
[...]
Antônio Angola de idade de vinte anos carpinteiro e barqueiro de açúcar avaliado em cento e oitenta mil réis..................................................180$000
[...]
Luis Carapina Benguela de idade de cinquenta anos caldeireiro[20] de açúcar avaliado em cem mil réis..................................................100$000
[...]
Francisco pardo primeiro mestre de açúcar doente com sessenta anos de idade avaliado em sessenta e quatro mil réis..................................................64$000
[...]
Aniceto crioulo pedreiro e caldeireiro de açúcar de idade de quarenta anos avaliado em cento e vinte e oito mil réis..................................................128$000
Joaquim crioulo de idade de vinte anos aprendiz de pedreiro avaliado em cento e quarenta mil réis..................................................140$000
Bento mina de idade de quarenta e quatro anos cavouqueiro e caldeireiro de açúcar avaliado em cento e vinte mil réis..................................................120$000
[...] 

Aguardenteiros

Manoel crioulo de idade de trinta anos avaliado em cento e quarenta mil réis..................................................140$000
[...]
João Cabunda [sic] de idade de cinquenta e cinco anos avaliado em sessenta e quatro mil réis..................................................64$000
[...]
Valentim mina barcador das formas de idade de cinquenta anos avaliado em cento e dez mil réis..................................................110$000

[...]

Nós abaixo assinados avaliadores da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Alferes[21], certificamos que em virtude do mandado que nos apresentou José Rodrigues da Cruz do meritíssimo senhor doutor juiz dos órfãos fomos a fazenda do Engenho do Pau Grande[22] e nela fizemos as avaliações acima declaradas em virtude do que passamos e [ilegível] nós somente assinado. Freguesia da Nossa Senhora da Conceição do Alferes vinte e oito de maio de mil setecentos e noventa e seis. João de Souza Vieira, Antônio Borges de Carvalho, Antônio Francisco Coelho, Domingos Lopes de Carvalho.

 

[1] Durante o período colonial o termo “engenho” designava o mecanismo usado para moer a cana, no início do processo de preparo do açúcar. Passa a referir-se ao complexo no qual se fabricava açúcar e toda área da fazenda – as terras, as plantações, a capela, a casa senhorial, a senzala, as ferramentas, e a moenda – posteriormente, desde a segunda metade do século XIX, conceito cunhado por historiadores e estudiosos da agricultura e economia coloniais. Os engenhos de cana (moendas) se dividiam em dois tipos: os engenhos reais, movidos a água – que apresentavam maior riqueza e complexidade, empregavam um grande número de oficiais de serviço e trabalhadores especializados, contavam com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuíam toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo – e os movidos a tração animal – menores em tamanho e capacidade de produção, exigiam investimentos inferiores, também chamados engenhocas ou trapiches, e mais utilizados na produção de aguardente. Os engenhos, como unidades produtivas, tiveram um papel central na colonização, ocupação e povoamento do território da colônia. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo, a expansão do açúcar e o consequente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os engenhos constituíam verdadeiros núcleos populacionais, em torno dos quais e de suas capelas, se formavam vilas e se construíam as defesas das fronteiras das capitanias. Os grandes engenhos tinham em torno de 60 a 100 escravos, e muito poucos ultrapassavam a marca de 150-200 cativos, dos quais, em média, 75% trabalhavam nos campos, 10% na manufatura do açúcar, e o restante dedicava-se a atividades domésticas ou não relacionadas ao trato açucareiro. Os engenhos, assim como o açúcar, tinham grande valor, mas um alto custo: as terras, o beneficiamento, os instrumentos, os escravos, as construções encareciam a produção, que apresentava, em geral, baixos rendimentos, descontados os gastos do senhor. A maior parte dos engenhos era muito pouco ou não lucrativa, fazia o suficiente para sua subsistência, ou lucrava mesmo com a produção da aguardente. Algumas poucas unidades geraram fortunas; a maioria rendia pouco e muitos acumularam grandes dívidas. Ao contrário do que comumente se pensa, a capitania que mais concentrava engenhos, em quantidade e grandeza, era a Bahia, e não Pernambuco, seguida pelo Rio de Janeiro, e então por aquela. A lucratividade variava muito, de acordo com: a safra de cana (influenciada pelas condições climáticas e de solo); as epidemias que assolavam vez ou outra a população escrava e de trabalhadores pobres; a falta de gêneros (como lenha, água, animais) e as dívidas que se acumulavam. Apesar das dificuldades, os engenhos não eram abandonados, e a produção açucareira, embora oscilasse de acordo com as ofertas e demandas do mercado europeu e suas colônias, não perdeu sua importância no Brasil. Os engenhos representavam um microcosmo da sociedade aristocrática rural, apoiada no poder patriarcal e político do senhor, base da sociedade brasileira em construção, bem analisada por Gilberto Freyre em sua obra. Mais do que representação de riqueza, o engenho tinha grande importância simbólica, um signo de poder e um sinal de distinção. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas e, até o século XVIII, ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.

[2] A casa de engenho, como também era conhecido, faz referência as dependências e maquinários usados na fabricação do açúcar, que se dividia em: corpo do engenho, casa de caldeiras, casa de purga e casa de ensacar. No corpo do engenho ficava a maquinaria da moagem e o local chamado de picadeiro, onde as canas colhidas eram alojadas antes da moeção. A casa de caldeiras era onde o açúcar seria produzido e a casa de purgar onde seria limpo e beneficiado. Já na casa de ensacar o açúcar seria embalado e encaixotado para venda. A casa de engenho era um edifício grande, como um barracão, formado de pilares com telhado e chaminé e um amplo pátio. A parte reservada às caldeiras era aberta de paredes, enquanto a de purgar e ensacar eram fechadas.

[3] A roda d’água é um instrumento utilizado para produzir energia mecânica a partir do movimento da água. Geralmente são rodas de madeira presas a um eixo que giram em cursos de água e aproveitam ora a força, ora a velocidade da água para mover um motor ou um mecanismo rudimentar. Nos engenhos de açúcar brasileiros, até princípios do século XIX, a roda d’água servia para mover a moenda, que extraía da cana o caldo. Os engenhos movidos à água eram poucos e de grande monta; mais comuns eram os engenhos movidos à tração animal – bois ou cavalos produziam a força para mover as moendas – ou por trabalho manual, dos escravos.

[4] A moenda é o mecanismo utilizado no engenho para moer ou espremer a cana-de-açúcar. Nela se realiza a primeira etapa da produção do açúcar, o beneficiamento da cana. Depois de cortada e limpa, a cana era passada nas moendas para se extrair o caldo, que seria cozido para a preparação do melaço. As moendas mais comuns na maioria dos engenhos do Brasil, até o início do século XIX, eram as de madeira, movidas a tração animal. Houve pequena evolução no processo de moagem, mais significativa com a adoção das mós feitas de ferro (mais resistentes e eficazes) e do vapor como força motriz, embora essas inovações tenham sido muito lentamente incorporadas, quando chegaram a ser. De modo geral, até fins do século XIX, a produção dos engenhos brasileiros não mudou muito e as moendas de madeira movidas a tração animal ainda eram numerosas.

[5] As caldeiras eram grandes recipientes, normalmente de ferro ou cobre, utilizados para ferver o caldo extraído da cana, até o ponto de se tornar o mel que se tornaria o açúcar. A casa das caldeiras era o local na casa de engenho onde ficavam as fornalhas, a chaminé e as caldeiras ou tachas. Era o local onde se produzia, efetivamente, o açúcar a partir do caldo da cana. Depois de passar pela casa de caldeira, o melaço era levado para a casa de purgar.

[6] Recipiente de madeira, que também pode ser encontrado em outros materiais, utilizado para armazenar bebidas, água ou aguardente. Tem o formato semelhante a um barril de pé, e até hoje é usado para guardar cachaça no processo de envelhecimento. Na produção de vinho, a dorna serve tanto para armazenar a uva e pisar pequenas quantidades, quanto para depositar o mosto para fermentação.

[7] O parol é um grande cocho de madeira de variadas funções. O parol de engenho servia para depositar o caldo da cana que acabava de sair da moenda, antes de ser colocado para ferver nas caldeiras ou tachas. O parol de escuma era o recipiente utilizado para recolher a espuma e as impurezas retiradas ao longo do processo de cozimento do caldo da cana.

[8] Grande tronco escavado onde se depositavam as impurezas retiradas do primeiro estágio de cozimento do açúcar. Esse caldo era utilizado para alimentação dos animais, assim como parte do bagaço da cana, ou para a fabricação de aguardente ou de açúcar de qualidade bem inferior.

[9] Tachos ou tachas eram grandes vasilhas, normalmente de cobre ou ferro, usadas na casa de caldeiras, onde se inicia o processo de produção do açúcar. Utilizavam-se quatro tachos na produção. Depois de moída a cana-de-açúcar, seu caldo ia para o primeiro tacho, no qual se iniciava o processo de purificação: era aquecido, sem ferver, para a retirada das impurezas, que formavam uma “espuma”. Para isso, os caldereiros usavam escumadeiras, ou espumadeiras. Passava-se, então, o caldo para a segunda tacha, onde este recebia água, era aquecido e se repetia o procedimento de limpeza. Na terceira tacha (ainda chamada de caldeira) o caldo era fervido para apurar e ganhar a consistência de um xarope. Na última tacha – de cozimento – o caldo era cozido até se tornar um “mel” e depois até ficar em ponto de “puxa-puxa”, quando começava a açucarar e seria retirado e colocado nas formas.

[10] Grande tanque, de cobre ou de barro, usado nos engenhos de açúcar, onde se colocava o melaço retirado do último tacho ou caldeira para resfriar antes de ser colocado nas formas de barro para cristalizar e purgar.

[11] Pequenos tachos de cobre com um cabo, usados nos engenhos de açúcar. Com a repartideira, o melado apurado no cozimento era levado às formas de barro para cristalizar.

[12] Dependência na casa de engenho reservada ao trabalho de purificar o açúcar. Depois de colocado nas formas de barro, o açúcar era “lavado” com água, para se lhe retirarem as impurezas e para clareá-lo. Quando pronto, era retirado das formas, colocado para secar no sol, e então separado por cor (branco, mascavo, escuro) e tipo (fino, grosso) antes de ser enviado para a casa de ensacar.

[13] As formas para colocar o melaço e transformá-lo em açúcar eram vasos de barro, normalmente fabricadas nas olarias que costumavam haver nos engenhos de cana. Os vasos tinham o formato de “sinos”, de cones, estreitos em cima e largos na base. Havia um furo em cima por onde entraria a água que era usada para lavar e purificar o açúcar. O fundo e a tampa eram cobertos com um barro mais fino e folhas de bananeira, por onde passava a água, que escorria por entre os grãos do mel açucarado e o clareava com o passar do dia. Assim que colocado na forma, aguardava-se que o melado açucarasse e endurecesse. Depois, o “pão de açúcar” era perfurado no meio, e o mel que não havia endurecido, de qualidade inferior, escorria, durante alguns dias, em um cocho que o aparava e era reaproveitado para alimentação dos escravos, para fabricação de açúcar de baixa qualidade ou para destilar em aguardente. Uma vez escorrido o mel, passava-se ao procedimento de purgar o açúcar, ou seja, limpá-lo e clareá-lo com água, processo que variava de duração de acordo com a qualidade do mel, que dependia do tipo da cana, da precisão do cozimento e do ponto do melaço.

[14] Local na casa de engenho onde o açúcar era embalado e encaixotado para seguir para os portos e para o comércio.

[15] O tendal, ou estendal, era o local nos engenhos de açúcar onde se colocavam as formas, com o caldo da cana cozido, para purgar e secar.

[16] Último processo da produção do açúcar: depois de purgado os pães de açúcar eram colocados em tendais no pátio para secar ao sol, perder a água que foi usada na limpeza e purificação. Somente então ficavam prontos para serem cortados e encaixotados.

[17] Grande recipiente utilizado para colocar o açúcar depois de retirado das formas.

[18] Eram ajudantes dos mestres de açúcar nas casas de caldeiras dos engenhos. Realizavam praticamente o mesmo trabalho que aqueles, mas no período noturno, já que o cozimento dos caldos era demorado e se estendia noite adentro. Também cuidavam de repartir o açúcar nas formas e colocá-las no tendal para escorrer. Eram, normalmente, escravos, auxiliados pelos soto-banqueiros, seus ajudantes, e recebiam um soldo que variava entre 30 e 40 mil réis, ou parte do pagamento em açúcar de boa qualidade.

[19] Nos dizeres de Antonil, em seu Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, o mestre era o grande responsável por toda a produção do açúcar. Era o trabalhador que dominava todas as etapas da produção, desde o corte da cana até a secagem, lhe cabia responder pela qualidade do produto e pela supervisão de todos os trabalhadores, livres ou escravos, envolvidos no processo produtivo, como caldeireiros, banqueiros, feitores da moenda, purgadores, entre outros. Os mestres de açúcar não eram comumente escravos, mas trabalhadores livres, brancos ou mestiços. Alguns escravos destacavam-se no domínio das técnicas do açúcar e chegavam a mestres, como no caso do engenho de Ribeiro de Avelar, que tinha mais de um mestre de açúcar escravo. Na fase inicial, da moagem da cana, cuidavam de verificar os tipos e a qualidade das canas das lavouras que serviam o engenho, a quantidade a ser moída e o emprego do caldo antes que viesse a estragar. Quando chegava à casa das caldeiras, verificavam o ponto dos caldos e do melaço, se tinham sido corretamente coados, apurados e retiradas as impurezas, e eram responsáveis pela última caldeira, a que preparava o mel do açúcar, para garantir o ponto correto do caldo. Cuidavam da limpeza dos ambientes de produção, do controle da água, da manutenção de utensílios e instrumentos; vigiavam também a divisão do açúcar pelos tipos e a repartição dos lotes. Ainda segundo Antonil, um bom mestre de açúcar de engenhos de grande porte chegava a receber até 120 mil réis de ordenado. Eram auxiliados pelo soto-mestre, que era uma espécie de substituto e subordinado direto no trabalho e, abaixo deste, estariam os banqueiros e soto-banqueiros de açúcar.

[20] Conhecidos também como tacheiros, eram trabalhadores, normalmente escravos, encarregados de cuidar das caldeiras e tachos, onde o caldo da cana-de-açúcar seria fervido e apurado até se tornar o melaço. Normalmente, os caldeireiros eram aqueles que tomavam conta das três primeiras etapas do caldo nos tachos. Num processo de limpeza e evaporação, eram encarregados de mexer o caldo sem deixar ferver e remover com as escumadeiras as impurezas para os cochos. O último tacho era atribuição direta do mestre do açúcar, responsável pelo cozimento e pelo “ponto” do melaço. O trabalho de um caldeireiro era pesado e difícil, mas não tanto quanto o dos escravos que ficavam nas fornalhas alimentando o fogo, que não podia apagar, mas também não podia ser muito forte. Esse trabalho, considerado um dos piores num engenho, era reservado, muitas vezes, a escravos rebeldes ou em punição, que trabalhavam portando ferros, colares e gargalheiras, num ambiente quente e abafado.

[21] Referências à localidade de Nossa Senhora da Conceição do Alferes (ou do Paty) remontam ao início do século XVII, quando começam a chegar os primeiros pioneiros para ocupar a região com a abertura do Caminho Novo para as minas de ouro. A região teve, desde o início, uma vocação agrícola, voltada para a produção de gêneros de abastecimento interno e de açúcar para exportação. Plantava-se mandioca para a produção de farinha, cana para a produção de açúcar, milho, fubá, legumes, feijão e tabaco. Criava-se porcos para abate e produzia-se carne seca e couro. Somente nos anos 1830, a cultura do café começa a florescer e dominar as paisagens no Vale do Paraíba, tornando-se o principal produto de exportação do Brasil. A vila de Paty do Alferes foi criada em 1820 por decreto do rei d. João VI, dada a importância de suas fazendas e engenhos de açúcar, e das tradicionais famílias que ocupavam a região, mas só se efetivaria em 1823. No entanto, a vila recém-fundada não teria vida longa, em 1833, tornou-se uma freguesia da vizinha Vassouras, localidade mais expressiva na região do Vale do Paraíba fluminense, já que a vila de Paty não progrediu desde sua fundação, e só seria emancipada em 1987. Mesmo com a transferência de sede, as casas senhoriais da região, como os Werneck e os Ribeiro de Avelar, continuaram a ser importantes no cenário político, econômico e nobiliárquico do Império, ditando o padrão de comportamento da nobreza da terra e ocupando cargos no governo.

[22] Originou-se na sesmaria concedida a Martim Correa de Sá em 1714, na região do vale do Rio Paraíba, hoje Vassouras. Na década de 1740, as terras passaram para as mãos da família Ribeiro de Avellar, posteriormente desmembradas em outras propriedades, até o século XIX. Pau Grande ficava às margens do caminho novo para as minas, o que propiciou o início da ocupação e desenvolvimento daquela região, desde fins do XVII. A fazenda, já na década de 1790, prosperava como engenho de açúcar, sua principal atividade, mas também se dedicava à agricultura de abastecimento. Produzia feijão, milhotabacofarinha, fubá e possuía criações de gado e porcos. No início do oitocentos, era um dos maiores e mais prósperos engenhos de açúcar da província fluminense. Depois da morte de Antônio Ribeiro de Avellar, as terras da família se desmembraram nas fazendas Pau Grande, Ubá, Guaribu, entre outras, mas permaneceram na família, tornando-se, ao mesmo tempo, fonte geradora de renda e moradia, dedicadas, quase exclusivamente, à produção do açúcar e de aguardente. Foi um dos primeiros engenhos movidos à água no Brasil, projetado por um engenheiro enviado pelo marquês de Pombal. O botânico Saint-Hilaire encontrou as terras de Pau Grande na primeira de suas viagens às minas e a qualificou como o “engenho de açúcar mais importante que vi[u] no Brasil”: “após ter percorrido uma região onde apenas de longe em longe se descobrem alguns vestígios da mão do homem, é admirável avistar de repente um edifício imenso, rodeado de vastas usinas”. Descreveu a casa grande como um prédio de dois andares, com mais de 15 janelas frontais em vidro e ferro, e certo luxo na decoração para o padrão das fazendas da época. A partir dos anos 1830-1840, Pau Grande passou a produzir café, tornando-se umas as pioneiras e das maiores no auge da riqueza do Vale do Paraíba fluminense, perdurando até a década de 1860, ainda pertencente aos Ribeiro de Avellar.

 

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