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Sociedade do Açúcar

Máquina a vapor nos engenhos

Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 19h00 | Última atualização em Sexta, 22 de Janeiro de 2021, 21h46

Carta do conde dos Arcos, governador da Bahia, para o marquês de Aguiar, ministro dos Negócios do Reino, na qual relata a compra de um exemplar de uma máquina a vapor para o engenho de açúcar do coronel de milícias Pedro Antônio Cardoso. O conde descreve as vantagens de ter esse invento nos engenhos, que pode ampliar em muito a arrecadação de impostos, devido o aumento da produção. Também aconselha que o maquinista, Mr. Falkner, que veio ao Brasil instalar a máquina, seja contratado, dessa maneira estimulando a fabricação das peças da máquina que, além de expandir os lucros da Real Fazenda, podem produzir peças de artilharia para a defesa da província.

Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província  
Notação: IJJ9 324
Datas-limite: 1814-1816
Título do fundo ou coleção: Série Interior
Código do fundo ou coleção: AA
Argumento de pesquisa: açúcar, engenho de  
Data do documento: 2 de abril de 1815
Local: Bahia
Folha(s): 81 a 83v doc. n° 36

Leia o documento na íntegra

 

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor,

Sendo a máquina de vapor[1] de todas as descobertas dos homens aquela que, no meu fraco modo de entender, pode ser a mais útil ao Brasil; e tendo o coronel de milícias de Itaparica Pedro Antônio Cardoso mandado vir uma de Inglaterra para aplicar ao seu engenho de açúcar[2], e com ela o hábil maquinista - Mr. Falkner - para a assentar, e mostrar o modo de a dirigir; julguei de meu dever ir assistir ao primeiro trabalho da referida máquina, e daí todos os sinais que em mim coubessem de estimação, e aplauso pela introdução de um invento cujas utilidades depassam muito a força de minha expressão.
Fui efetivamente ao engenho do referido Pedro Antônio, e levei comigo alguns senhores de engenho[3] que vissem com seus olhos as vantagens daquela máquina, e não tenho dúvida de declarar a vossa excelência que meti as primeiras canas[4] na moenda[5], que convidei todos os senhores de engenho meus conhecidos para jantarem comigo em obséquio da introdução de tão preciosa máquina, e que enfim tenho feito quanto posso para propagar o uso daquela mais que todas útil invenção.
Por esta ocasião assim o meu emprego, como o zelo que cordialmente tenho pelo aumento desta província obrigam-me a levar ante o augusto trono de sua alteza real[6] duas petições ambas que em minha consciência se me representam justíssimas. A primeira é implorar da infinita justiça do mesmo augusto senhor um prêmio para o introdutor; promete-lho a lei, e quando assim não fora o ato de remunerar um serviço de onde infalivelmente vai proceder uma aumentação incalculável da fortuna pública, e com esta outra semelhante da Fazenda Real[7], é um ato de tão luzente justiça que fica supérflua toda a prova que aqui se ajuntasse.
A segunda é que sua alteza real se digne por bem destes seus fiéis vassalos, e para incalculável aumento de sua Real Fazenda afixar aqui aquele maquinista - Mr. Falkner - no emprego de diretor do Trem Militar com um conto de réis, ou mesmo três mil cruzados de ordenado com a condição expressa de poder ir assentar, e dirigir os primeiros trabalhos de qualquer máquina de vapor quando algum senhor de engenho o convide a esse fim.
Para evidenciar a justiça desta petição seria necessário que eu pudesse aqui mencionar todas as vantagens que se seguem da propagação do uso desta máquina, o que é impossível; apontarei contudo algumas razões que decerto bastam para ver que a todo o preço convém afixar aqui este hábil maquinista. Coar, e fundir ferro, e outros metais pode dizer-se que é matéria desconhecida na Bahia[8]; e que vantagem tira a defesa desta província se no Trem se construírem fornos de revérbero, se se fundirem por bom preço bombas, se se vazarem peças de artilharia, morteiros, etc.
O grande obstáculo que encontro à propagação do uso da máquina consiste na dificuldade dos consertos das diferentes peças que a compõem. Tem ela tubos, válvulas, lâminas de condensar, e outras peças de que nem sequer há a mais remota ideia na Bahia, e dizem a senhores de engenho "de que serve mandarmos vir a máquina se não temos quem a conserte quando alguma de suas peças se desmanche" e estando o referido Falkner empregado no Trem aí pode haver um sortimento de tais peças que a justo preço podem servir para desfazer aquele de outro modo indestrutível obstáculo.
Não deve esquecer quanto os nossos artífices vão ganhar na parte prática de mecânica vendo o referido Falkner não só ocupando-se nos trabalhos já ditos, mas instituindo novas máquinas a que a situação do Trem se presta tendo água alta sobre a montanha que lhe fica próxima; o que tudo junto prova, a meu ver, que até mercantilmente é útil ficar por qualquer preço ao serviço de sua alteza real o sobredito Falkner.

Deus Guarde a vossa excelência. Bahia 2 de abril de 1815.

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor marquês de Aguiar[9].

Conde dos Arcos[10]

 

[1] A ideia de criação de uma máquina que substituísse a força humana ou animal em trabalhos braçais existe desde a Antiguidade. A máquina a vapor desenvolvida por James Watt em 1769 era, na verdade, um motor movido a vapor de água, que revolucionou a manufatura e a indústria nos séculos XVIII e XIX. Uma das primeiras aplicações da “máquina” foi na indústria têxtil, quando os teares deixaram de ser manuais, isto é, movidos pela força de quem os manipulava, para serem mecânicos, acionados pela energia produzida pelo motor. Na prática, essa invenção proporcionou, de imediato, um aumento de produtividade, e consequentemente da produção, diminuindo o uso de mão de obra. Esteve na base da revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha nos setecentos e foi sendo paulatinamente utilizada nos outros setores da indústria e expandindo-se por toda Europa. Em linhas gerais, o motor funcionava utilizando o vapor de água em ebulição como “combustível”. Para gerar a combustão, inicialmente, se usou lenha e depois o carvão. No século XIX, as máquinas foram inventadas com diversos propósitos, mas foram especialmente úteis e usadas no processo agrícola, para beneficiar matérias-primas. A partir da descoberta da eletricidade, e posteriormente do uso de outros combustíveis, como gases, óleos e o diesel, na segunda revolução industrial, a partir de fins do oitocentos e já no século XX, a tecnologia do vapor tornou-se obsoleta. Nos engenhos, teria a função de acelerar a moagem da cana-de-açúcar, substituindo a tração animal, as rodas d’água, e mesmo a força de trabalho escrava.

[2] Durante o período colonial o termo “engenho” designava o mecanismo usado para moer a cana, no início do processo de preparo do açúcar. Passa a referir-se ao complexo no qual se fabricava açúcar e toda área da fazenda – as terras, as plantações, a capela, a casa senhorial, a senzala, as ferramentas, e a moenda – posteriormente, desde a segunda metade do século XIX, conceito cunhado por historiadores e estudiosos da agricultura e economia coloniais. Os engenhos de cana (moendas) se dividiam em dois tipos: os engenhos reais, movidos a água – que apresentavam maior riqueza e complexidade, empregavam um grande número de oficiais de serviço e trabalhadores especializados, contavam com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuíam toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo – e os movidos a tração animal – menores em tamanho e capacidade de produção, exigiam investimentos inferiores, também chamados engenhocas ou trapiches, e mais utilizados na produção de aguardente. Os engenhos, como unidades produtivas, tiveram um papel central na colonização, ocupação e povoamento do território da colônia. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo, a expansão do açúcar e o consequente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os engenhos constituíam verdadeiros núcleos populacionais, em torno dos quais e de suas capelas, se formavam vilas e se construíam as defesas das fronteiras das capitanias. Os grandes engenhos tinham em torno de 60 a 100 escravos, e muito poucos ultrapassavam a marca de 150-200 cativos, dos quais, em média, 75% trabalhavam nos campos, 10% na manufatura do açúcar, e o restante dedicava-se a atividades domésticas ou não relacionadas ao trato açucareiro. Os engenhos, assim como o açúcar, tinham grande valor, mas um alto custo: as terras, o beneficiamento, os instrumentos, os escravos, as construções encareciam a produção, que apresentava, em geral, baixos rendimentos, descontados os gastos do senhor. A maior parte dos engenhos era muito pouco ou não lucrativa, fazia o suficiente para sua subsistência, ou lucrava mesmo com a produção da aguardente. Algumas poucas unidades geraram fortunas; a maioria rendia pouco e muitos acumularam grandes dívidas. Ao contrário do que comumente se pensa, a capitania que mais concentrava engenhos, em quantidade e grandeza, era a Bahia, e não Pernambuco, seguida pelo Rio de Janeiro, e então por aquela. A lucratividade variava muito, de acordo com: a safra de cana (influenciada pelas condições climáticas e de solo); as epidemias que assolavam vez ou outra a população escrava e de trabalhadores pobres; a falta de gêneros (como lenha, água, animais) e as dívidas que se acumulavam. Apesar das dificuldades, os engenhos não eram abandonados, e a produção açucareira, embora oscilasse de acordo com as ofertas e demandas do mercado europeu e suas colônias, não perdeu sua importância no Brasil. Os engenhos representavam um microcosmo da sociedade aristocrática rural, apoiada no poder patriarcal e político do senhor, base da sociedade brasileira em construção, bem analisada por Gilberto Freyre em sua obra. Mais do que representação de riqueza, o engenho tinha grande importância simbólica, um signo de poder e um sinal de distinção. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas e, até o século XVIII, ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.

[3] O engenho era uma unidade de produção açucareira que conferia status no Brasil colonial. Ele incorporava a propriedade, a produção e a difusão de um modo de vida senhorial, e imprimia poder e prestígio ao proprietário, por vezes levava à nobreza da terra, e riqueza, muito embora esses elementos simbólicos não dependam exclusivamente das posses dos senhores. Até o século XVIII, ser proprietário de engenho era a maior aspiração dos colonos que ascendiam e enriqueciam. No dizer de um personagem da época, o jesuíta João Antônio Antonioni, pseudônimo André João Antonil, que escreveu Cultura e Opulência no Brasil, 1711, o senhor de engenho "traz consigo, o ser servido, obedecido, e respeitado de muitos." Os senhores de engenho variavam de prestígio e riqueza, de acordo, principalmente, com o tamanho e importância de suas propriedades. Os senhores dos maiores engenhos – chamados de reais, detentores de maior número de escravos, trabalhadores livres, dependentes e agregados, e maior produção de açúcar e aguardente – tinham mais poder e prestígio junto ao reino. Exerciam influência e poder na região de sua propriedade, embora este não fosse ilimitado, e administravam a produção bem como a casa, a família, os agregados, os escravos. Os proprietários dos engenhos menores, ou engenhocas, tinham uma esfera de ação mais restrita, mas, ainda assim, desfrutavam de alguma importância. Mesmo que os engenhos fossem um símbolo de riqueza, na maior parte das vezes os senhores tinham prejuízo ou muito pouco lucro. Seu prestígio advinha de uma relevância mais simbólica do que propriamente ligada a seus rendimentos e, frequentemente, os engenhos, quando passados de pais para filhos, pouco rendiam, a não ser esse legado de status e muitas vezes de títulos de nobreza. O século XIX assistiu a um renascimento da importância do engenho, já que o açúcar brasileiro voltou a ter aceitação no mercado europeu depois da independência e das guerras civis no Haiti. Não durou muito devido à baixa produtividade, ao arcaísmo da empresa açucareira brasileira e ao advento de uma nova cultura, mais barata e simples, e muito mais lucrativa: o café. No oitocentos brasileiro, melhor do que ser senhor de engenho, tal como no século XVIII, era ser barão do café.

[4] Saccharum Officinarum, tipo de gramínea utilizada na fabricação do açúcar e derivados, como melaço e aguardente, é originária da Índia, alcançou a Pérsia e foi levada pelos árabes à costa oriental do Mediterrâneo, sendo introduzida na Sicília e na Península Ibérica. Em 1300, vendia-se em Bruges (Bélgica) o açúcar produzido na Espanha. No século XV, a produção das várzeas irrigadas de Valência e do Algarve (sul de Portugal) era comercializada no sul da Alemanha, nos Países Baixos e na Inglaterra. Portugal já plantava cana na Ilha da Madeira e, dado o alto valor alcançado pelo açúcar nos mercados europeus, ampliou a produção em sua maior colônia, o Brasil, primeiramente nas costas das capitanias de São Vicente e Rio de Janeiro. Logo depois da introdução no sudeste brasileiro, a cultura começou a ser transferida para o nordeste, tendo florescido com maior vigor nas capitanias de Pernambuco e Bahia, onde encontrou clima e solos adequados ao plantio. Outra razão para o sucesso da lavoura canavieira nesta região era sua proximidade com a Europa, que diminuía os custos e os riscos do transporte marítimo do produto, facilitando o escoamento da produção. Cultivada em grandes latifúndios, principalmente com mão de obra escrava, a cultura da cana e do açúcar foi, durante muito tempo, a mais lucrativa da América luso-brasileira, tendo, ao longo do período colonial, perdido o status de principal produto agrícola, mas não a importância para a economia, constituindo o principal modelo da plantation definida por Caio Prado Júnior. Divididas em “partidos”, que equivaliam aos lotes, as terras eram cultivadas por escravos da propriedade ou por trabalhadores livres, que podiam plantar nas terras do engenho ou próprias, utilizando seus instrumentos ou de propriedade do senhor, em um sistema semelhante ao de meiagem. O cultivo da cana no Brasil era bastante rudimentar. A preparação do solo era feita a partir da derrubada da mata e queimadas. Na época das colheitas utilizava-se o fogo novamente na plantação, para diminuir as folhas e facilitar o corte. Um canavial rendia aproximadamente seis boas colheitas, já que o solo se esgotava rapidamente com este método agressivo de plantio. Até hoje a cana-de-açúcar ocupa um espaço importante na economia brasileira.

[5] A moenda é o mecanismo utilizado no engenho para moer ou espremer a cana-de-açúcar. Nela se realiza a primeira etapa da produção do açúcar, o beneficiamento da cana. Depois de cortada e limpa, a cana era passada nas moendas para se extrair o caldo, que seria cozido para a preparação do melaço. As moendas mais comuns na maioria dos engenhos do Brasil, até o início do século XIX, eram as de madeira, movidas a tração animal. Houve pequena evolução no processo de moagem, mais significativa com a adoção das mós feitas de ferro (mais resistentes e eficazes) e do vapor como força motriz, embora essas inovações tenham sido muito lentamente incorporadas, quando chegaram a ser. De modo geral, até fins do século XIX, a produção dos engenhos brasileiros não mudou muito e as moendas de madeira movidas a tração animal ainda eram numerosas.

[6] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[7] Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[8] Estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[9] 1º conde de Aguiar e 2º marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

[10] Oitavo conde dos Arcos, nasceu em Lisboa e foi o último vice-rei do Brasil. Destacou-se, ainda em Portugal, na carreira militar, e chegou a atingir a patente de tenente-general em 1818. Chegou à América portuguesa em 1803 para ocupar o cargo de governador da capitania do Pará e Rio Negro, onde permaneceu até 1806, quando foi promovido para o cargo de vice-rei, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Ficou sob sua responsabilidade a preparação da cidade para ser a nova sede do Império português e receber a família real e a Corte. Em 1808, com a chegada do príncipe regente, findaram-se as funções de vice-rei, tendo sido nomeado, no ano seguinte, governador da Bahia, cargo que assumiu somente em 1810 e nele permaneceu até 1818. Neste período, ajudou a estabelecer a primeira tipografia e o jornal A Idade de Ouro na Bahia, fundou a Biblioteca Pública de Salvador e teve importante papel no combate a rebeliões e desordens causadas por escravos. Entrou em conflito algumas vezes com a classe senhorial local, que o considerava demasiadamente indulgente no trato com os escravos. O conde, por sua vez, acusava a elite baiana de ser selvagem, mesquinha e cruel com seus cativos, gerando sofrimento desnecessário e alimentando sentimentos de ódio e revolta. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, destacou-se na repressão ao movimento, impedindo-o de penetrar na capitania da Bahia. No ano seguinte, retornou ao Rio de Janeiro como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, cargo que ocupou até o retorno da Corte para Portugal. O conde, entretanto, permaneceu ainda no Brasil até depois de declarada a independência e, só então, retornou à Europa.

 

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