Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página

Comentário

Publicado: Terça, 24 de Janeiro de 2017, 13h02 | Última atualização em Segunda, 06 de Agosto de 2018, 18h51
Impostos, contrabando e revoltas no setecentos colonial

Angelo Alves Carrara
Professor adjunto do Departamento de História (UFJF)

 

Simeão Ribeiro Pires talvez tenha sido quem primeiro compreendeu, a meu juízo muito acertadamente, que os motins ocorridos em Minas, entre 1708 e 1724, um dos quais a Guerra dos Emboabas, eram itens da disputa jurisdicional tanto por personagens da Bahia quanto pelos habitantes das minas gerais egressos principalmente de São Paulo. A história dessa disputa tem raízes fincadas no século XVII, e se confunde com a história do Morgado Guedes de Brito em Minas - mais tarde incorporado ao patrimônio da Casa da Ponte. Trata-se de um dos capítulos mais importantes para a compreensão das disputas de jurisdição entre a autoridade régia e a senhora da, senão a maior, sem dúvida uma das maiores propriedades rurais do Brasil em todos os tempos.

Instituído o morgado por Antônio Guedes de Brito Correia e sua mulher dona Maria Guedes, seu primeiro sucessor, o capitão Antônio Guedes de Brito, filho do casal, de fato cumpriu a condição da verba testamentária dos pais de que fosse "obrigado, assim ele como os possuidores que depois deles sucederem no dito morgado, a vincular a ele a metade da terça que por sua morte lhe ficar de seus bens, para que assim vá aumentando o dito morgado". Ao morgado foram incorporadas as terras obtidas em sesmaria em 1663 e em 1684. Em 1663 obteve as "terras que principiam nas divisas do `rio] Itapicuru até o rio São Francisco, e por este acima tantas léguas quantas há da própria nascença do Itapicuru até o de Paraguaçu, e dela à do Itapicuru com todos os matos, pastos e enseadas, salinas e brejos e tudo o mais que fica dentro dessas demarcações". Em 1684 obteve as terras "das cabeceiras da sua data no rio São Francisco dito da terra que havia por este rio acima até o rio Vainhu e sua nascença, com águas vertentes de uma e outra banda e na nascença do dito rio Vainhu até a do rio Paraguaçu, toda a terra que entre estas nascenças houvesse pelo rumo que diretamente lhe tocasse". O rio Vainhu, segundo o conde de Assumar, "na sua nascente se chama Pará". Isto fazia de Guedes de Brito proprietário de toda a margem direita do São Francisco até o arraial de Pitangui, além da maior parte do sertão baiano. Foram exatamente esses dois documentos que fundamentaram a afirmação de Antonil, de que "os herdeiros do mestre de campo Antônio Guedes de Brito possuem, desde o Morro do Chapéu até a nascença do rio das Velhas, cento e sessenta léguas".

Descobertas as minas, e iniciada a ocupação dos vales dos rios Pará e das Velhas, os conflitos foram inevitáveis, em relação aos quais os eventos ocorridos em Minas entre 1708 e 1711 não devem ser apartados. Não é à toa que o personagem central da Guerra dos Emboabas era justamente o procurador de dona Isabel Guedes de Brito, Manuel Nunes Viana, responsável pela cobrança dos foros aos moradores das minas na área que a proprietária considerava suas.

A definição da propriedade, contudo, só ocorreu mais tarde, entre 1718 e 1724, e colocou em campos opostos o então governador da capitania, o conde de Assumar, e dona Isabel Guedes de Brito. As últimas palavras de Assumar foram decisivas para o julgamento final: "como as vertentes do rio das Velhas é `sic] no coração destas minas, conseguindo a dita dona Isabel o pôr-se-lhe foro de todas as fazendas, fará uma renda tão extraordinária que seja desigual ao ser de vassalo, e causará uma perturbação nestas minas que possa prejudicar ao sossego público e pelo que eu entendo todo o continente destas minas não deve ter mais senhorio do que a Vossa Majestade". No final, só se reconheceu como propriedade dos Guedes de Brito a porção do território mineiro contígua à Bahia.

A violência do conflito entre paulistas e emboabas produziu um primeiro e imediato efeito: após o perdão aos revoltosos, à exceção dos líderes, Manuel Nunes Viana e Bento do Amaral,[1] começou a ser feita a distribuição de terras em sesmaria pelo governo da então capitania de São Paulo e Minas Gerais, por meio da ordem régia de 30 de maio de 1711. Em setembro do ano anterior, os oficiais da Câmara de São Paulo haviam se queixado ao governador de que, estando os paulistas senhores de várias terras nos sertões das minas, na sublevação que houve entre os reinóis e paulistas foram estes expulsos de tais terras, senhoreando-se os forasteiros. Poucos dias após a ordem da Câmara de São Paulo, iniciou-se o processo de concessão de cartas aos paulistas.

Quando o superintendente das Casas da Moeda e Fundição das Minas chegou a Vila Rica, em 1720, encontrou um ambiente carregado de descontentamento. Já se passavam dez anos, mas talvez houvesse algo de correto na avaliação de que "a luta dos emboabas deixara atrás de si uma atmosfera envenenada de ódios e vinganças". Poucas semanas após a chegada do superintendente, explodiu a revolta de Vila Rica, esta sim, ligada diretamente à questão fiscal e tendo como objetivo o fim das casas de fundição.

Nos dois anos anteriores, havia sido relatada a presença de um navio francês na costa da Ilha Grande e a possibilidade de ele ter como carga bens especificamente destinados às minas.[2] No ano seguinte o fato parece ter-se repetido (documento de 1719). É nesse contexto que os administradores metropolitanos começaram a cogitar a hipótese de criação de um imposto que custeasse navios para guardar a costa brasileira e defender o porto do Rio de Janeiro do ataque de piratas.[3] Em 1720 institui-se no Rio de Janeiro o tributo da guarda-costa, incidindo:

a) sobre a importação de escravos (mil réis cada um);
b) sobre navios ou outras embarcações chegadas fora do corpo da frota em companhia do comboio (400 réis por cada pipa, 100 réis por cada barril, 200 réis por cada barrica ou por cada volume de pacote ou fardo, caixão, fecho, baú, ou outro qualquer volume, e 40 réis por cada quintal de cobre, ferro, ou qualquer outro metal vendido a granel, desde que as mercadorias viessem destinadas à venda);
c) sobre as embarcações de cabotagem (o mesmo valor de mil réis por cada escravo desembarcado, 4.800 réis por conta da embarcação, além de 50 réis por cada peça de pano de algodão e 200 réis por cada dúzia de `cosueiras]`sic`);
d) sobre as lanchas que entrarem no porto (640 réis por cada viagem).

Na segunda metade do século XVIII, esse tributo rendeu em média dez contos de réis, conforme a tabela abaixo:

Tabela 1

Rendimento da guarda-costa da cidade do Rio de Janeiro, 1762-1791 

Ano

A

B

C

D

total

1762

7:350$000

88$320

364$800

546$860

8:349$980

1763

8:236$000

81$280

398$400

885$670

9:601$350

1764

7:917$000

93$440

412$800

1:303$725

9:726$965

1765

11:834$000

120$960

393$600

857$305

13:205$865

1766

8:103$000

133$760

494$400

1:995$805

10:726$965

1767

10:653$000

112$640

412$800

915$840

12:094$280

1768

 

 

 

 

10:406$035

1769

 

 

 

 

9:466$295

1770

7:977$000

196$480

460$800

947$595

9:581$875

1771

9:381$000

209$920

391$600

1:127$280

11:109$800

1772

 

 

 

 

12:399$000

1773

 

 

 

 

9:524$890

1774

 

 

 

 

10:417$775

1775

 

 

 

 

7:791$540

1776

 

 

 

 

8:534$870

1777

 

 

 

 

5:967$765

1778

 

 

 

 

7:504$185

1779

 

 

 

 

9:519$580

1780

 

 

 

 

8:453$325

1781

 

 

 

 

10:352$425

1782

 

 

 

 

9:090$931

1783

 

 

 

 

9:277$495

1784

 

 

 

 

8:532$965

1785

 

 

 

 

11:908$154

1786

 

 

 

 

11:793$655

1787

 

 

 

 

10:620$510

1788

 

 

 

 

11:135$965

1789

 

 

 

 

9:090$485

1790

 

 

 

 

9:289$220

1791

 

 

 

 

10:681$600

Abreviaturas: A: direitos que pagam os escravos que entram na Alfândega; B: imposição que paga cada lancha por entrada; C: imposição que paga cada galera; D: importância que paga cada volume conforme o seu tamanho.
Fonte: Arquivo Histórico do Tribunal de Contas de Lisboa/Erário Régio, códice 4057.

A preocupação com a segurança na costa articulava-se com outra, voltada para a construção e manutenção de fortalezas nos principais portos de mar. Mas em alguns casos esse esforço não era fácil. Em 1704, a Coroa se defrontou com as queixas contra as despesas da construção do presídio em Santos e da vila de São Paulo. Os moradores não queriam que as obras fossem custeadas por eles próprios, e sim por qualquer outra fonte. Obviamente, os administradores régios buscaram argumentar que a construção da cadeia representava maior proteção aos próprios moradores.[4] Nesse mesmo ano, as autoridades régias se viram às voltas com as mesmas dificuldades nas obras de construção de trincheiras e redutos no litoral sul fluminense e no norte paulista. Devido à recusa das vilas vizinhas em contribuir para tais obras, à exceção de alguns particulares, buscava-se convencer os moradores das vilas de Parati e Taubaté a contribuírem para as fortificações com o fim de protegê-las contra invasões estrangeiras. A resposta a essas gestões em 1708 é de fato curiosa: os moradores alegaram que se houvesse necessidade, defenderiam eles mesmos as vilas com suas armas e seus escravos.

Já num âmbito ainda mais interno na colônia, desde muito cedo a Coroa tomou medidas relativas ao controle da circulação interna do ouro recém-descoberto, e que evitassem a sonegação fiscal, e muito particularmente, o não pagamento dos quintos reais. Ao contrário dos demais tributos, sobre o ouro incidia um direito régio, quer dizer, o produto arrecadado ia diretamente para as arcas de Sua Majestade. É o que revela o documento de 1703,[5] em que se determinava a proibição de qualquer trabalho com ouro sem que este antes fosse quintado. Essas preocupações nunca desaparecerão, como mostram os documentos de 1727 e 1728.[6]

A apreensão da Coroa quanto à segurança da costa não era vã. Em 1721 chegaram a ocorrer combates com vários corsários franceses que costumavam comerciar na costa da Ilha Grande com moradores locais. Outras vezes, eram os holandeses que ofereciam perigo.[7]

Se o ouro atraía a maior parte das atenções, outros gêneros fundamentais da economia brasileira não eram esquecidos. Assim é que a lei de 15 de dezembro de 1727 determinava que o preço dos açúcares não fosse objeto de qualquer intervenção por parte das comarcas, e que fossem vendidos livremente "segundo a venda das partes e que todo açúcar que das tais conquistas for comprado para o reino se pese em um trapiche".[8] No entanto, o mais importante era a necessidade de assegurar a qualidade do produto, razão pela qual se determinou que os diferentes tipos fossem identificados com precisão, para evitar a falsificação, porque se achando açúcar falsificado o senhor de engenho receberia pena de degredo por dois anos para uma das capitanias do Estado do Brasil, além da multa de quarenta mil réis em dinheiro; já o caixeiro do engenho pagaria a mesma pena pecuniária, e ainda seria degredado para Angola.

Retornemos, então, ao ouro e aos diamantes. Numa carta ao vice-rei datada de 1730,[9] o governador do Rio de Janeiro apontava a inutilidade do estabelecimento de diferentes formas de cobrança de impostos sobre o ouro ou o diamante, por serem todas passíveis de engodo. Defendia o controle direto das minas por parte da Coroa, mantendo abertas apenas as que fossem convenientes ao reino e fechando as demais. De fato, durante toda a primeira metade do século XVIII, a Coroa não encontrou solução para a melhor forma de cobrança dos quintos. O exclusivo direito régio sobre as riquezas minerais foi afirmado a partir das Ordenações da Fazenda, dadas por d. Manuel a 17 de outubro de 1516, cujo capítulo 237 ("Dos direitos reais, que aos reis pertencem haver em seus reinos por direito comum") declara ser "direito real `...] `a] argentaria, que significa veias de ouro ou prata ou qualquer outro metal, os quais todo o homem em todo o lugar, com tanto que antes que o comece a cavar, de entrada pague a El-Rey".[10] Em seguida, d. João III fixou o imposto devido à Coroa em um quinto de toda a produção de metais e pedras preciosas que fossem introduzidas no circuito comercial. Igual medida seria aplicada ao comércio dos diamantes pelo alvará de 11 de agosto de 1753, que concentrou na Coroa todo o comércio de "diamantes em bruto", cuja circulação, desde então, seria proibida, ficando as condições referentes à extração e comércio dos diamantes em bruto expressas no texto do próprio contrato da Fazenda Real para a arrematação dos direitos da extração dos diamantes.

Não cabe aqui recontar uma vez mais história sobejamente conhecida desde o início do século XIX. Trato aqui tão somente das consequências que a adoção dos diferentes sistemas de cobrança dos quintos acarretou sobre as séries documentais.

1) De 1697 até 7 de dezembro de 1713

Em 1697, o governador Artur de Sá e Meneses estabeleceu a Provedoria e Casa de Moeda no Rio de Janeiro, e a Provedoria e Casa de Fundição em Santos. Durante esse período, o quinto podia ser recolhido tanto em Minas, pelos guardas-mores, como na Casa de Fundição de Taubaté, ou na de Santos. Em 19 de abril de 1702, instituiu o Regimento das Minas e dos Guardas-Mores, e em 1703, o cargo de superintendente-geral das Minas, extinto em 1711 com a nomeação de ouvidores para as comarcas nesse ano criadas.

2) De 7 de dezembro de 1713 a 30 de setembro de 1724

Em 7 de dezembro de 1713 foi estabelecida em junta (ratificada em 6 de janeiro de 1714) a cobrança dos quintos por bateias (o que na prática representava uma capitação) à razão de 12 oitavas por cabeça de escravo por ano, bem como a finta (ou contribuição fixa) de 30 arrobas anuais. Também acordou-se que o ouro teria livre circulação. Às câmaras ficaram pertencendo os rendimentos do tributo aduaneiro sobre a importação de escravos, gados, fazendas secas e molhadas. Esse sistema inaugurava na prática a "derrama por capitação", isto é, a distribuição da carga tributária correspondente aos quintos por todos os proprietários de escravos.

Contudo, em juntas de 1o, 2 e 3 de março de 1718, acordou-se com os procuradores das câmaras que a contribuição fixa do quinto seria de 25 arrobas acrescidas do rendimento dos direitos das entradas, que começariam a ser cobrados a partir de 1o de outubro de 1718. O mais importante é que às câmaras foi retirada a administração da cobrança dos quintos, que passou a ser feita pela Provedoria da Real Fazenda.

Foi então promulgada em 11 de fevereiro de 1719 uma carta de lei que estabelecia, para proteção do "quinto do ouro que me `a El-Rei] pertenciam pela regalia e senhoriagem das mesmas Minas", uma rede de casas de fundição em todos os distritos mineiros do Brasil, onde forçosamente teria de dar entrada todo o ouro em barra, do qual, depois de fundido e contrastado, se haveria "de arrecadar o quinto que me pertence".[11]

Em 25 de outubro de 1722, acordou-se que a contribuição fixa prometida para os quintos seria aumentada para 37 arrobas anuais.

O método de arrecadação pelo qual se procedia nos é apresentado por um livro de Caeté, onde, no dia 5 de maio de 1721, em presença dos oficiais da Câmara, do provedor e o tesoureiro da Fazenda Real, do tesoureiro da Câmara e de alguns homens bons da governança, pelo juiz ordinário, Manuel de Mendonça e Lima Corte Real, foi dito que "para a contribuição dos reais quintos que principiaram de julho de 1719 e acabaram em julho de 1720, pela obrigação que se fez, se achara haver em toda esta vila e seu distrito 8.031 escravos e 141 lojas e vendas e que para se pagarem de quintos 15.843 oitavas e três quartos de ouro". Desse modo, para o cumprimento da obrigação das 25 arrobas, "saiu cada um dos escravos a duas oitavas menos quatro vinténs de ouro e as lojas e vendas a sete oitavas", num total de 12 mil e 45 oitavas e um quarto, das quais, abatidas das 15.843 e três quartos da contribuição da vila, restavam para os falidos e alguns abatimentos de lojas novas que se cobraram a rol, 201 oitavas e meia, "como tudo consta do livro do lançamento". Todavia, "mandando o dito juiz fazer soma das cargas atrás feitas ao tesoureiro, `...] achou faltavam para ajustar as sobreditas 15.843 e três quartos, 186 e três quartos, `...] e para se inteirar os ditos quintos as pediram os oficiais da Câmara emprestadas para as pagarem, cobradas que sejam as dos ditos falidos".[12]

3) De 1o de outubro de 1724 até 1o de julho de 1735

Em 15 de janeiro de 1724, decidiu-se que a quintagem seria feita nas casas de fundição, a partir de 1o de outubro de 1724. Contudo, entre essa data e 31 de janeiro de 1725, fundiu-se o ouro sem quintar, porque a cota das 37 arrobas já havia sido satisfeita. Pagou-se o quinto de 20% até 21 de maio de 1730, quando o tributo passou a ser de 12%, o que durou até 4 de setembro de 1732.

4) De 1o de julho de 1735 até 1o de agosto de 1751

Por assento das câmaras de 20 e 24 de março de 1734, publicado por bando de 7 de abril do mesmo ano, estabeleceu-se a cobrança pela capitação, bem como a elevação da contribuição fixa para 100 arrobas, o que se iniciou a partir de 1o de julho de 1735. Contudo, é curioso que, em 21 de março, o secretário do governo, Antônio da Silva de Almeida, escrevesse a Diogo de Mendonça Corte Real, solicitando enviar bilhetes e livros impressos, em caixas "fechadas com todo o resguardo", ao governador do Rio de Janeiro, Luís Vaía Monteiro, para serem remetidos ao governador das Minas, André de Melo e Castro, conde das Galveas, "a fim de se iniciar uma nova forma da arrecadação da Fazenda Real nas Minas".
Em cada distrito haveria um intendente subordinado ao governador. Ao intendente subordinavam-se o tesoureiro, o fiscal, o escrivão e o meirinho. Na intendência seria mantido, para correição, o original dos livros da matrícula, devendo uma cópia ser remetida para o Conselho Ultramarino. Desse período, contudo, restaram meia dúzia de livros.

5) A partir de 1o de agosto de 1751

Finalmente, o alvará de 3 de dezembro de 1750 estabeleceu novamente as casas de fundição, que passaram a funcionar a partir de 1o de agosto do ano seguinte. O capítulo 4o do alvará rezava a proibição de circularem "dentro das Minas moeda alguma de ouro, nem ainda até o valor de 800 rs". Para o comércio miúdo deveria correr "moeda provincial de prata e de cobre, que para este efeito será cunhada nas Casas da Bahia e do Rio de Janeiro". No comércio grosso deveriam ser empregadas barras, e no miúdo, ouro em pó, "circulando moedas de prata e cobre provinciais para compra das coisas que não admitirem pesos de ouro".[13] Ao deixar as Minas, o viajante não poderia levar ouro sem licença do intendente e do fiscal da Casa de Fundição.

No capítulo 6o, realçava-se a proibição de saída das Minas do ouro em pó ou em barra que fosse fundido nas casas de fundição e que não fosse aprovado por legítimas guias. O decreto de 1o de janeiro de 1755, ampliado pelo alvará de 15 de janeiro de 1757, determinava a quantidade de ouro que poderia existir em cada distrito para ser trocada pela moeda dos que entravam, assim como a quantidade de dinheiro que deveria conservar-se para ser permutada pelo ouro dos que saíssem. Os fundos de permuta de cada casa de fundição equivaliam a 16:000$000.

Em 4 de março de 1751 foi publicado o regimento para as intendências do Ouro e casas de fundição. Em seu capítulo 2o, determinava-se que em cada casa de fundição deveriam servir o intendente, o fiscal, o meirinho, o escrivão, o tesoureiro, um escrivão da receita da tesouraria, outro para a intendência e outro ainda para as fundições, dois fundidores ou um fundidor e seu ajudante, um ensaiador e seu ajudante. Os capítulos 3o a 11o explicavam os pormenores das funções de cada um. Finalmente, o capítulo 12o ensinava a forma de se receberem as partes do ouro em pó, pesá-lo, fundi-lo em barra e escriturá-lo nas guias impressas.

Este sistema de cobrança durou até 26 de outubro de 1827, quando o quinto passou a "vigésima" (isto é, 5%).

Os documentos da década de 1730 relativos ao contrabando de cargas de ouro e de outras mercadorias se relacionam todos ao capítulo especial dos confiscos. Os confiscos eram a principal forma de punição:a saída de embarcações a partir da América e para a Costa da Mina só poderá ocorrer com licença do vice-rei ou do governador da capitania, após a inspeção das embarcações e verificação da quantidade exata de carregamento. Tudo que constar excedido na embarcação como escravos, mercadorias e outros, serão perdidos para a Fazenda Real, sendo os transgressores deportados para Angola[14]".

Os confiscos, aliás, foram a primeira fonte de rendas da Coroa em Minas, anterior à instalação das guardamorias, em 1702. A esse respeito, vale a pena conhecer a série custodiada pela Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro constituída de 55 "autos de denunciação e tomadia" de mercadorias transportadas pela estrada proibida que passava pelo interior da Bahia e pelo norte de Minas - a assim chamada "estrada proibida da Bahia" -, instruídos entre 1701 e 1716. Nesse sentido, o conjunto desses processos constitui uma subsérie dentro da série confiscos.
A proibição de transportar mercadorias por essa estrada data de 1699, mas foi a partir do momento em que Borba Gato, guarda-mor das minas do Rio das Velhas, recebeu, em 14 de outubro de 1701, a carta régia reafirmando a proibição, que os confiscos se iniciaram.[15] Esta proibição foi reafirmada no Regimento das Minas, de 19 de abril de 1702. Em seu artigo 14o, o regimento estabelecia que o gado da Bahia deveria ser registrado na Guardamoria, e que os escravos só poderiam vir do Rio de Janeiro. Desse modo, apenas ao gado era permitido dar entrada (art. 17o).
Esses processos referem o volume e o conteúdo das cargas, os caminhos usuais e as estalagens neles estabelecidas para guarida dos comboios e os personagens ligados a esses negócios. A carga usual compunha-se das "fazendas sertanejas" (i. e., compradas no sertão pelos comboioeiros - sal dos currais, ceras, solas, sabão, couros e peixe) e de fazenda seca (normalmente composta por objetos de vestuário, panos e linhas, de origem europeia, em sua maioria - aguardente, sal do reino, sabão do reino, melado, roupas, calçados, chapéus e panos).

Os meios empregados na repressão a essas "infidelidades" dos vassalos de Sua Majestade, contudo, parecem não ter sido muito ortodoxos, a julgar por um documento de 19 de junho de 1731 em que o governador do Rio de Janeiro vê-se obrigado a se defender de denúncias de crueldade, maus modos e incivilidade que, de acordo com os acusadores - membros da câmara da cidade e representantes graduados da Coroa, e também da região das minas -, vinha causando sublevações na colônia. O governador acusou seus inimigos - inclusive ouvidores e ministros - de corrupção e desvio de ouro, coniventes que eram com as falsas casas de fundição. De fato, os exemplos de abuso de poder nessas ocasiões não são incomuns.

Além do contrabando, outro motivo de grande preocupação das autoridades régias, especialmente em Minas, eram as moedas falsas ou dobras de cobre douradas (cf. documentos de 1732 e 1733 sobre a "casa da moeda para currais da Bahia, em que se cunhava cobre ‘perfumado' de ouro" e sobre "o aparecimento de uma moeda falsa que apareceu nas minas e com a informação de que os fabricantes eram ourives que as fizeram por fundição, e que foram presos pelo ouvidor do Serro Frio").[16]

O maior problema com essas ilicitudes estava em que "contavam com a maciça e decisiva participação dos senhores de terra e poderosos", que através de escravos e empregados levavam sua produção pelos ditos "descaminhos".[17]

[1] ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de Estado do Brasil. Códice 952, v. 16, Cartas régias, provisões, alvarás e avisos. Lisboa, 22 de agosto de 1709.
[2] ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de Estado do Brasil. Códice 84, v. 1, Correspondência dos governadores do Rio de Janeiro com diversas autoridades. Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1718.
[3] Idem. Códice 85, Registro de cartas, provisões, ordens régias e alvarás ao governador do Rio de Janeiro, provedor e juiz da alfândega, e provedor da Fazenda Real. Rio de Janeiro, 22 de junho de 1719.
[4] ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de Estado do Brasil. Códice 952, v. 14, Cartas régias, provisões, alvarás e avisos. Lisboa, 11 de janeiro de 1704.
[5] Idem. Lisboa, 7 de maio de 1703.
[6] Cf. ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Vice-Reinado. Caixa 746, pct. 1, capitania do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 10 de março de 1727; Secretaria de Estado do Brasil. Códice 952, v. 24, Cartas régias, provisões, alvarás e avisos. Lisboa, 29 de novembro de 1728.
[7] Cf. ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de Estado do Brasil. Códice 61, v. 18, Registro original da Provedoria da Fazenda. Rio de Janeiro, 18 de junho de 1729; códice 84, v. 1, Correspondência dos governadores do Rio de Janeiro com diversas autoridades. Rio de Janeiro, 17 de maio de 1729.
[8] Cf. ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de Estado do Brasil. Códice 61, v. 18, Registro original da Provedoria da Fazenda. Rio de Janeiro, 24 de maio de 1730.
[9] ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Vice-Reinado. Caixa 495, pct. 1, Alfândega do Rio de Janeiro. Lisboa, 1º de julho de 1730.
[10] Apud CARRARA, Ângelo. A Real Fazenda de Minas Gerais: guia de pesquisa da coleção Casa dos Contos de Ouro Preto. Ouro Preto: UFOP, 2005, p. 11.
[11] Ibidem, p. 12-13.
[12] Idem.
[13] Ibidem, p. 14.
[14] Cf. ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de Estado do Brasil. Códice 61, v. 18, Registro original da Provedoria da Fazenda. Rio de Janeiro, 24 de maio de 1730; códice 84, v. 3, Correspondência dos governadores do Rio de Janeiro com diversas autoridades. Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1730; Códice 84, v. 3, Correspondência dos governadores do Rio de janeiro com diversas autoridades. Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1730; Vice-Reinado. Caixa 495, pct. 1, Alfândega do Rio de Janeiro. Lisboa, 1º de julho de 1730.
[15] BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Divisão de Manuscritos, I-10, 8, 2, folhas finais, 14 de outubro de 1701.
[16] Cf. ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de Estado do Brasil. Códice 84, v. 3, Correspondência dos governadores do Rio de Janeiro com diversas autoridades. Rio de Janeiro, 24 de março de 1732 e 25 de abril de 1732; e códice 80, v. 6, Correspondência ativa e passiva dos governadores do Rio de Janeiro com a Corte. Registro original. Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1733.
[17] Cf. ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Secretaria de Estado do Brasil. Códice 80, v. 6, Correspondência ativa e passiva dos governadores do Rio de Janeiro com a Corte. Registro original. Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1733.

Fim do conteúdo da página