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Ouro e Diamantes na Colônia Americana

O Mão de Luva

Publicado: Quarta, 23 de Mai de 2018, 12h48 | Última atualização em Quarta, 18 de Agosto de 2021, 17h53

Carta régia a Luiz de Cunha Menezes dando detalhes das investigações sobre os contrabandistas do rio Macacu, chefiados por Manoel Henriques, o "Mão-de-luva". Ordena um ataque ao comboio dos contrabandistas. Ao final da carta, repreende Menezes pelas licenças que havia dado a alguns mineradores, e envia em anexo uma parte do decreto de regulações das minas para sua consulta.

 

Conjunto documental: Correspondência da corte com o Vice-reinado
Notação: códice 67, vol. 13
Datas-limite: 1785-1785
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: ouro
Data do documento: 10 de janeiro de 1785
Local: Lisboa
Folha (s): 39-42

 

Em carta que o vice-rei do Estado do Brasil[1] dirigiu a esta secretaria de Estado[2], foi presente à Sua Majestade[3] a participação que V.S. lhe fez por carta de 19 de maio do ano próximo passado, das entradas clandestinas que se haviam descoberto nessa capitania pelos matos denominados Áreas proibidas, e que mandando fazer sobre este importante negócio, mais circunspeto exame, resultou dele o que consta da informação que V.S. remeteu, dada pelo sargento-mor da cavalaria, Pedro Alfonço Galvão de S. Martinho, incumbido desta diligência.
A dita informação e os interrogatórios a que o mesmo sargento-mor procedeu, combinados com outras notícias anteriores, daqueles distritos fazem demonstrativamente ver: que um grande número de contrabandistas e extraviadores tendo por chefe, ou cabeça, um chamado Manoel Henrique por alcunha o, Mão de luva[4] que por diferentes entradas se tinham introduzido no vedado sertão[5] de Macacu, pertencendo à capitania do Rio de janeiro, confinante com essa capitania pelo Rio Parahyba, vendo talvez as providências que o vice-rei do Brasil mandara dar para os fazer sair daquele sertão, e querendo as iludir, foram abrir uma comunicação dele para Minas Gerais[6], com tão bom sucesso que as estabeleceram, não por caminho oculto ou escondido, nem com as mínimas cautelas que os culpados costuma tomar em semelhantes transgressões, mas com toda franqueza, publicidade, segurança e desenvoltura que o dito chefe, mão de luva e os coligados com ele, tendo suas próprias casas e famílias nessa capitania, aí mesmo compram a escravatura que lhes é necessária e as provisões e mantimentos de que também precisam, aí mesmo alugam bestas a diferentes particulares, e se servem das suas próprias, carregando-as todas com os ditos mantimentos e provisões e fazendo-os conduzir até um certo distrito, onde se carregam para depois as transportarem eles mesmos com a sua escravatura aos ranchos e lavras que têm estabelecido no referido sertão, sendo tal a liberdade com que estes fatos se praticam, que atém os próprios pais, persuadidos da tolerância ou consentimento deles, mandam sem algum rebuço ou disfarce, seus filhos com provimentos e escravos[7] para o novo descoberto, como eles lhe chamam, tudo na forma que se depriende da própria confissão dos comboieiros[8] que os conduziam e das mais pessoas que depuseram aos interrogatórios do sobredito sargento-mor.
Nestas circunstâncias, não se devendo tolerar de modo algum semelhantes atentados pelas perniciosíssimas e fatais consequências que deles se tem resultado e podem resultar, e achando-se os estabelecimentos dos referidos contrabandistas muito mais próximos de Minas Gerais, que da capital do Rio de Janeiro, tendo-se valido e aproveitado dessa mesma capitania para se sustentarem nas suas transgressões pelos inauditos modos que ficam acima referidos, e sendo certo que pelos mesmos caminhos e picadas de que eles se servem para a frequente comunicação que tem com essa capitania e por onde conduziram trinta e cinco bestas de carga com provisões e mantimentos para seus ranchos e lavras[9], pode marchar tropa para os ir atacar neles e nelas.
Ordena Sua Majestade que tirando V.S. do Regimento de Cavalaria[10] dessa guarnição e dos corpos auxiliares[11] e pedestres que estão debaixo do seu comando, aquele número de gente escolhida que lhe parecer suficiente para segurar a diligência de que se trata, confiando a um oficial de préstimo e atividade capaz de dar conta dela, e dando, além disto, todas as mais providências precisas para que ela se não malogre, faça marchar o dito corpo a atacar os mencionados contrabandistas, extraviadores nos seus próprios alojamentos, não obstante serem estes no Distrito da capitania do Rio de Janeiro, prendendo os que se puderem colher à mão, muito particularmente os principais cabeças para se remeter àquela capital e ali serem processados como for justo.
Todo o bom sucesso de semelhantes comissões depende essencialmente do segredo e disfarce com que se dispõem e executa, e se por este meio, e em algumas das passagens do sertão para Minas Gerais, ou em outro encontro se puderem antecipadamente prender o principal cabeça, Mão de luva, e com ele seus coligados, ou algum deles, ainda que se prometa um bom prêmio a quem os segurar, isto valerá uma boa tarde da diligência e contribuirá muito para mais facilitar o feliz êxito deles.
Nada, porém, deve executar V.S. executar, quanto à entrada, quanto à entrada no sertão de que se trata sem o comunicar primeiro ao vice-rei[12] do Brasil, participando-lhes todas as suas disposições, para que ele, da sua parte mande fazer as que lhe parecerem mais próprias e que melhor correspondam ao fim de se coajudarem mutuamente neste importante negócio. E logo que se tivesse concluído, desterrando-se inteiramente do mencionado sertão, os contrabandistas e extraviadores que o tem infestado e infestam ao mesmo vice-rei, tem Sua Majestade expedido ordens para o que o mesmo vice-rei deve obrar.
Devo também dizer à V.S. que dos interrogatórios acima indicados, consta que alguns mineiros e outras pessoas obtiveram licença de V.S., por meio de portarias suas para fazer novos descobrimentos em toda a capitania que V.S. comanda, e que o mesmo haviam praticado alguns dos seus predecessores.
Sobre o que manda S. Majestade lembrará V.S. que semelhantes licenças são contrárias ao disposto na carta régia de 8 de fevereiro de 1730[13], de que lhe remeto cópia na qual se defendem as ditas explorações sem expressa ordem de S. Majestade, fora dos distritos das Minas já descobertas pelos inconvenientes já apontados na mesma carta régia. E ainda que no parágrafo 5 do capítulo IX do Alvará de 3 de dezembro de 1750[14], se manda premiar os habitantes de minas que descobrirem alguma nova Beta ou Pinta fértil e rica, este descobrimento se entende nos mesmos distritos das minas e não fora nem distante deles.
Pelo que é Sua Majestade servida que V.S. mande logo recolher não só as sobreditas portarias e licenças que tiver dado, mas as que houver dos seus predecessores, fazendo literalmente executar o que se acha determinado na sobredita carta régia.
Quando, porém, V.S. tiver notícia de que algum sítios que devam ser explorados, ou que se façam representação a este respeito, deve V.S. informar-se da situação [...] dos ditos sítios, da comunicação fácil ou dificultosa que deles pode haver para outras partes, principalmente para os portos do mar e da facilidade com que se lhes pode pôr as cautelas indispensavelmente necessárias para se evitarem os contrabandos e extravios, dando de tudo uma circunstanciada e individual conta à Sua Majestade para que a vista das certas, verídicas e se for possível, oculares informações de V.S. para a mesma Senhora resolver o que for servido.
Sendo V.S. entendido que as riquezas do Brasil, reguladas e dirigidas pela inviolável observância das ordens e das leis e pelo vigilante cuidado, zelo e desinteresse dos governadores, fazem a prosperidade deste reino e deste Estado, e que expostas as ditas riquezas a se apoderarem delas os contrabandistas, extraviadores como acontece no sertão do Macacu, são a ruína de Portugal e do Brasil.
Deus guarde V.S. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda em 10 de janeiro de 1785 / Martinho de Melo e Castro[15]/ Senhor Luiz de Cunha Menezes[16].

 

[1]ESTADO DO BRASIL: uma das antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Criados em 1621, ainda sob o reinado de Filipe III da Espanha (durante a União Ibérica), vigoraram até meados do século XVIII, quando a governação pombalina promoveu a centralização administrativa da colônia. O Estado do Brasil compreendia capitanias de particulares e capitanias reais (incorporadas à Coroa por abandono, compra ou confisco), e um conjunto de órgãos da administração colonial, semi burocrático que passa a se tornar mais profissional depois da segunda metade do século XVIII, com competências fazendária, civil, militar, eclesiástica, judiciária e política. O Estado do Maranhão existiu com esta denominação entre 1621 e 1652, e 1654 e 1772, e foi criado para suprir as dificuldades de comunicação com a sede do Estado do Brasil, a cidade de Salvador, aproveitando sua proximidade geográfica com Lisboa, e diminuir as ameaças de ataque estrangeiro à foz do rio Amazonas. Em 1772 o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas: Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam o Brasil como um todo e não percebiam unidade na colônia. Apesar de "Brasil" ser, nos dias de hoje, corriqueiramente usado para denominar as colônias portuguesas na América, durante o período colonial, o termo referia-se somente às capitanias que faziam parte do Estado do Brasil, onde ficava o governo-geral das colônias, primeiro na cidade da Bahia e depois no Rio de Janeiro. As capitanias que compunham o Estado do Brasil, depois da separação do Maranhão e suas subalternas, eram do sul para o norte: capitania de Santana, de São Vicente, de Santo Amaro, de São Tomé, do Espírito Santo, de Porto Seguro, de Ilhéus, da Baía de Todos os Santos, de Pernambuco, de Itamaracá, do Rio Grande e do Ceará. No início do século XIX, o Brasil, já sem as divisões de Estado internas, era formado pelas seguintes capitanias: São José do Rio Negro, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande. Em 1821, quase todas as capitanias se tornaram províncias e algumas capitanias foram agregadas em só território, deixaram de existir ou foram renomeadas. A partir daí, tivemos as províncias do Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Cisplatina.

[2]SECRETARIAS DE ESTADO DO REINO: em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.

[3]MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[4]MANOEL HENRIQUES, POR ALCUNHA O MÃO DE LUVA: a região dos “sertões de Macacu”, nas cercanias do que atualmente compreende os municípios de Cantagalo e Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, foi interditada à ocupação humana durante o período de exploração das minas. Povoada pelos nativos, a região, entretanto passou a receber fluxos de indivíduos considerados marginais, que chegaram a estabelecer um povoado com mais de 200 homens brancos, sem contar escravos e libertos. A liderança desse povoado, cujos integrantes agiam como uma tropa (ou quadrilha) bem organizada e voltada para atividades ilícitas, em especial a faiscação e o comércio ilegais de ouro era o português Manoel Henriques, vulgarmente conhecido por Mão de Luva. O pequeno povoado possuía uma rede de relações com comerciantes locais, soldados, e até mesmo indígenas. A partir de 1779, o governo passou a tomar providências no sentido de coibir a ação da quadrilha, tentando isolar a região e impedir que víveres chegassem aos clandestinos. Durante a administração do governador Cunha Menezes, a situação chegou ao limite: acusado pelo vice-rei de agir em conluio com o Mão de Luva, o governador de Minas se defendeu dizendo que a sua estratégia era, por um lado, ocupar pontos estratégicos da região, de forma a inibir a atuação de grupos ilegais, e por outro, prender os contrabandistas no "sistema de engano" (infiltração de agentes do governo no bando). Em 1786, um ataque organizado pelo governador resultou no desbaratamento da quadrilha. Seu destino e maiores detalhes dessa história nunca foram esclarecidos, e o Mão de Luva tornou-se uma lenda no interior do estado do Rio de Janeiro.

[5]SERTÃO: categoria que povoa há muito a historiografia brasileira, desde os primeiros cronistas e viajantes dos séculos XVI ao XIX, até historiadores dos séculos XIX e XX, que o elegeram como objeto de estudo, entre eles Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda. É um conceito chave na construção do imaginário regional, na relação de alteridade com o litoral – na qual um define ao outro – e na construção do conceito de nação. Há uma extensa discussão filológica acerca da origem da palavra sertão, e de qual termo latino ela deriva. De deserto ou de certão, em ambas acepções, a ideia que encerra é sempre do interior, local vazio, despovoado, selvagem, distante do litoral, região de fronteira, mas não necessariamente seca, como atualmente se usa para referir à região do semiárido nordestino. No Brasil, é preciso reforçar, não houve um só sertão, mas vários. Desde o início da colonização, o termo aparece no vocabulário daqueles que descreviam as novas terras desbravadas. Ora usado para o interior da capitania de São Vicente, ora para referir às minas gerais, ou para o centro-oeste, em Mato Grosso ou Goiás, era também o interior do Nordeste e as regiões quase inatingíveis da Amazônia. Durante o povoamento, o sertão estava sempre nas franjas das frentes que avançavam em direção ao oeste, se opondo ao litoral. Se a faixa litorânea, mais povoada, representava o ideal de “civilização” – as cidades, o local da administração colonial e do exercício do poder –, por oposição o sertão se definiria como a terra sem lei, inculta, das guerras contra o gentio selvagem, do vazio populacional. No entanto, para aqueles que não encontravam um lugar no mundo da ordem, o sertão também representou a terra promissora, das riquezas ainda inexploradas, da liberdade para escravos e condenados que para lá fugiam, da mestiçagem entre as “raças”, do encontro entre as culturas e línguas. Apesar de em princípio se situar fora da ordem colonial, o sertão estava sempre sendo conquistado, ocupado, em vias de se civilizar, e avançava: a expansão para dentro da colônia era constante e estava diretamente atrelada às atividades econômicas. A produção açucareira interiorizou os engenhos no Nordeste, a mineração promoveu a penetração desde as Minas Gerais até Goiás, os bandeirantes [bandeiras] também foram responsáveis pelo avanço mais ao Sul, desbravando terras e capturando índios, e a pecuária foi um instrumento importante na conquista dos territórios do interior, o gado e as tropas avançando junto com o povoamento. Nas províncias do Norte, a coleta das drogas “do sertão” foi fundamental para a abertura de novos caminhos e a ocupação de regiões distantes e de difícil acesso na mata. Para além de meramente espacial, o sertão é uma categoria cultural que influi até hoje na construção das identidades regionais Brasil afora, na música, na literatura e nas demais manifestações artísticas, seja no interior como no litoral.

[6]MINAS GERAIS, CAPITANIA DE: nascida a partir do desmembramento da capitania de São Paulo e Minas do Ouro, ocorrido em 1720, Minas Gerais foi o foco da exploração de ouro e pedras preciosas – inclusive diamantes – ao longo do século XVIII. O início da exploração do ouro em fins do século XVII faria com que a metrópole implementasse reformas administrativas e legislativas com o intuito de estabelecer um maior controle sobre o território e sobre a exploração das suas riquezas, processo acentuado com a descoberta de diamantes na década de 1720. Em 1709, a crise causada pelo confronto entre os primeiros exploradores da região das minas e os “aventureiros” que chegaram posteriormente resultou no conflito conhecido por Guerra dos Emboabas e foi uma das causas para a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Em 1720, a revolta de Felipe dos Santos (ou de Vila Rica), que questionava a forma de tributação sobre o ouro e a intensificação do controle da coroa sobre as atividades locais sob a forma da criação das casas de fundição oficiais contribuiu para novo desmembramento, e a criação da capitania de Minas Gerais. O levante de 1720 não seria o último a opor a coroa aos colonos em torno da exploração e taxação das riquezas da região; em 1789 – no período de decadência da exploração colonial do ouro, diametralmente oposto ao do movimento de Felipe dos Santos – ocorreu a Conjuração Mineira, já sob a influência das ideias liberais e da revolução americana. Tornada polo dinamizador da economia colonial, a capitania das Minas (agora, Gerais, e não apenas do ouro) desenvolve, na sua rede de povoados, vilas e cidades uma sociedade mais urbana e dinâmica do que a que caracterizava a economia agrícola, cuja exclusividade marcou os primeiros dois séculos da colonização. À medida que ouro e diamantes jorravam, as cidades se desenvolviam e sofisticavam, a sociedade se diversificava, assim como as atividades econômicas, a despeito da repressão da metrópole que não via com bons olhos a produção local de bens necessários ao dia a dia dos colonos e à própria atividade mineradora. Neste painel variado, a massa de escravos e o pequeno grupo de senhores – molas mestras da produção de riquezas –  dividiam espaço com artistas, intelectuais, comerciantes de víveres, e um sem número de “sem destinos”, indivíduos que vagavam à margem da sociedade e da riqueza da qual se apossavam poucos privilegiados. De forma não muito diferente do que ocorre nos dias de hoje, em regiões em que uma fonte potencial de riqueza é subitamente descoberta e explorada, os lucros e benefícios da nova atividade tendem a se concentrar de forma intensa, deixando à margem uma quase horda de excluídos, muitos deles vivendo a vã esperança de partilhar as sobras possíveis. Não é à toa que a paisagem arquitetônica desenvolvida ao longo do século XVIII impressiona até os dias de hoje, e lançou para a história nomes como Manuel Francisco Lisboa, que planejou a igreja do Carmo, em Ouro Preto (antiga Vila Rica). Artistas locais, como Aleijadinho e Mestre Ataíde, desenvolveram uma versão nativa de barroco/ rococó e beneficiavam-se do grande afluxo de riquezas. Patrocinadas pelas irmandades e ordens terceiras – organizações religiosas de indivíduos sem vínculo com a Igreja, mas que se dedicam a um culto específico –, que tiveram um papel crucial na vida social da região das minas, as opulentas igrejas se multiplicaram, exibindo o esplendor de uma era que chegaria ao fim com o século XVIII. Após a década de 1760 percebe-se que a comarca do Rio das Mortes passou a apresentar um crescimento demográfico substancial, em oposição à comarca de Vila Rica, que começava a perder população. Isso se deveu ao declínio da produção de ouro – estreitamente relacionada à Vila Rica – e a diversificação e florescimento da agricultura, da pecuária e até mesmo, em certa medida, da nascente produção manufatureira em Rio das Mortes. Esta transformação marca o início da queda da produção de ouro na região e indica a diversificação de atividades para além da mineração.

[7]ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[8]COMBOIEIRO: muito dos víveres e produtos necessários ao trabalho e às atividades produtivas no interior da colônia vinha da Europa e alcançava as regiões no interior depois de longas e penosas viagens. Estes comboios, de homens livres, escravos e animais de carga, atravessavam a serra e a mata fechada dias a fio, levando víveres, trazendo riquezas para o litoral a fim de serem levadas para a metrópole. O comboieiro era um homem de posses que montava tais caravanas.

[9]LAVRAS: terrenos em que se realiza a extração de minerais ou de pedras preciosas, as lavras eram concedidas a poucos privilegiados, que conseguiam provar sua capacidade de financiar a exploração das minas e que pagavam pelo direito de explorá-las. Há várias formas de extração de minerais de seus veios originais e, no Brasil colônia, consistia basicamente na utilização de bateias para separar os cascalhos do ouro e diamantes. O método exigia concentração acentuada de quem faz o garimpo, pois pedras menores poderiam, facilmente, passar despercebidas. O uso das bateias de madeira foi uma inovação atribuída aos escravos; antes disso eram usados pratos de estanho, de manuseio mais difícil. O uso das “canoas”, onde se estende um couro de boi ou uma flanela para reter o ouro apurado com a bateia, também é atribuído aos escravos. A princípio, o cascalho é levado a um local onde não possa ser carregado pela água, processo inicialmente feito com auxílio da bateia em crivos. Mas, por se perderem muitas pedras nesses crivos, passaram a utilizar mesas contendo bicas, onde se lançavam os cascalhos. Grades de ferro foram inseridas, após algum tempo, nesse processo, para conter pedras e areias grossas. O que passava por essas grades ficava em tabuleiros de madeira que serviam de canais para tanques e, em seguida, eram apurados nas canoas. Quando o cascalho era pobre, passava-se antes no bolinete (tabuleiro grande com vinte e cinco palmos de comprimento). Aos cativos que encontrassem boa quantidade dessas riquezas abria-se a possibilidade de ascensão e alforria.

[10]REGIMENTO DE CAVALARIA: um regimento é uma unidade militar composta por várias subunidades pertencentes à mesma arma. A palavra teve origem no exército francês no século XVI e acabou se disseminando por toda a Europa. Cada regimento era comandado por um coronel e incluía diversas companhias comandadas por capitães. A infantaria é a arma mais antiga das forças armadas, seguida da cavalaria. Inicialmente, esse regimento, destinava-se ao combate montado, além de missões de reconhecimento. Sua velocidade e mobilidade eram suas características e vantagens principais, e tais atributos determinaram a importância desta força durante a Antiguidade e Idade Média. Na Europa, durante o período medieval, a cavalaria era marcada também pela utilização de pesadas armaduras e armas de porte. A partir do século XVII o peso da unidade de cavalaria começou a diminuir, e no século XVIII poucas utilizavam armaduras tradicionais. Inicialmente a cavalaria era composta apenas por homens da nobreza que combatiam montados. Com o tempo surgiram tropas de soldados que faziam uso de cavalos para seu deslocamento, mas que combatiam no solo (inicialmente vinculados à infantaria), os chamados “dragões”, cujos soldados não partilhavam do mesmo estatuto da cavalaria tradicional, e passaram a ser considerados parte do regimento de cavalaria.

[11]CORPOS DE AUXILIARES: as Milícias ou Corpos de Auxiliares, criados em Portugal em 1641, eram tropas não-remuneradas, compostas por civis e de alistamento obrigatório entre a população da colônia. Funcionavam como forças de apoio as tropas pagas, e em geral eram treinadas e disciplinadas para substituí-las caso necessário.

[12]VICE-REI: até o ano de 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era habitualmente o de governador-geral, tendo sido por três vezes o título de vice-rei atribuído ao marquês de Montalvão (1640-1641), ao conde de Óbidos (1663-1667) e ao marquês de Angeja (1714-1718), homens de alta fidalguia no Reino. A partir de 1720, a denominação foi substituída definitivamente pelo de vice-rei, tendo sido o primeiro o conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735). O novo termo, tal como se usava já no estado da Índia desde o século XVI, deixava mais clara a ideia de um império português, constituído por territórios ultramarinos pertencentes a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado unificado e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto do Estado do Brasil (os estados do Grão-Pará e Maranhão tinham governadores independentes) expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, entre si e em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil passou a ser, em 1815, Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei, tendo o último sido o conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito (1806-1808).

[13]CARTA RÉGIA DE 8 DE FEVEREIRO DE 1730: estabelecia algumas medidas relativas a exploração de ouro e também dos recém-descobertos diamantes na região de Minas Gerais. Esta carta representou a primeira comunicação oficial de reconhecimento da existência e tentativa de regulamentação da extração dos diamantes da América portuguesa. Ficou estabelecido que a permissão para exploração das pedras seria concedida mediante pagamento por captação, ou seja, proporcional ao número de escravos empregados nessa mineração. Com relação à exploração do ouro, determina-se a construção de Casas de Fundição em comarcas além de Vila Rica, pois, para os mineradores de regiões mais distantes, a atividade acabava encarecida pelos custos de transporte.

[14]ALVARÁ DE 3 DE DEZEMBRO DE 1750: determina nova alteração no sistema tributário relativo à exploração de ouro na colônia portuguesa na América, com o retorno ao sistema de casas de fundição em detrimento do sistema de capitação. Orientava a respeito da cobrança do quinto e de como e em que situações deveria ser realizada a derrama.

[15]CASTRO, MARTINHO DE MELO E (1716-1795): nascido em Lisboa, foi secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1770 até sua morte. Estudou latinidade, filosofia e teologia na Universidade de Évora, além de direito canônico, em Coimbra, onde se formou bacharel em 1744. Diplomata, iniciou seus trabalhos em 1751, como embaixador em Haia, Holanda, e atuou de forma decisiva na solução de questões conflituosas entre Portugal e Inglaterra, decorrentes da Guerra dos Sete Anos, o que levou à sua nomeação para a Secretaria de Estado. Durante sua gestão como secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, desempenhou papel central no planejamento e execução das viagens e expedições filosóficas às colônias portuguesas. Melo e Castro foi o principal agente da Coroa envolvido no planejamento das viagens e na interlocução com os naturalistas e administradores locais, com vistas à solução de problemas no decurso das expedições. O secretário foi, ainda, diretor do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda e destinatário das remessas de produtos naturais provenientes das viagens, encaminhados aos museus de História Natural em Lisboa e Coimbra para sistematização, análise e classificação. Demonstrou habilidade na administração pública, muito embora seus escritos apontem que não foi um grande político ou teórico, não reconhecendo o início da crise do sistema colonial durante sua governação. Foi sob sua gestão que ocorreu a Conjuração Mineira (1789), tendo partido de Melo e Castro a ordem para que o governador da capitania de Minas Gerais, Luis Antonio Furtado de Castro, visconde de Barbacena, promovesse a devassa dos envolvidos.

[16]MENESES, LUÍS DA CUNHA (1743-1819): conde de Lumiares. Proveniente de uma importante família portuguesa, era filho de José Félix da Cunha Meneses e Constança Xavier de Meneses, e neto de Luís de Meneses (Marquês de Louriçal e Conde de Ericeira) e Ana Xavier de Rohan. No ano de 1777 foi nomeado governador da capitania de Goiás, cargo que ocupou entre 1778 e 1783, e no qual promoveu a exploração de metais, a “pacificação” de tribos indígenas e a criação de corpos militares para defesa das fronteiras. Como governador de Minas Gerais no período que precedeu a Conjuração Mineira, Luís da Cunha Meneses chegou à região em 1783. Trazia consigo uma fama de venal e de favorecer seus amigos portugueses: exonerou grande número de funcionários para entregar os cargos aos amigos, enquanto multiplicavam-se as extorsões a pretexto de cobrar taxas e impostos. Durante o período em que exerceu o cargo, até 1788, foi acusado de utilizar a estrutura administrativa da Coroa para praticar extorsão e de conceder graças e contratos a amigos seus, mesmo tendo que burlar a legislação vigente para tal. Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa tornaram-no para sempre infame em suas Cartas Chilenas, obra a eles atribuída, em que a personagem central, o Fanfarrão Minésio, claramente se baseia no governador. Cunha Meneses substituiu Rodrigo José de Meneses Castro, e viria a ser sucedido por Luís Antônio Furtado de Castro de Rio de Mendonça e Faro, visconde de Barbacena.

 

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