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Carlota Joaquina e o Rio da Prata

Publicado: Segunda, 03 de Abril de 2017, 11h34 | Última atualização em Terça, 17 de Agosto de 2021, 21h26

Carta dirigida a princesa Calota Joaquina, escrita por d. João VI, na qual ela é aconselhada a repensar os planos de invasão e tomada do Rio da Prata, evitando assim uma indisposição com o governo estabelecido na Espanha e a monarquia Britânica.

 

Conjunto documental: Alberto do Rego Rangel
Notação: Ap-54 cx11
Data-limite: `1818-1821]
Título do fundo: Alberto do Rego Rangel
Código do fundo: OS
Argumento de pesquisa: relações exteriores

 

Princesa[1],

Não ignora a parte que tanto deve interessá-la, seja pelos interesses de sua Real família[2], seja pelos dos meus amados filhos. Por este motivo não pode admirar-se que lhe diga que sobre as suas relações com os espanhóis do Rio da Prata[3], e da América espanhola nada devo decidir ou obrar sem ir de acordo com sua Majestade Britânica e com o governo estabelecido em Espanha, e pode acreditar que em tempo oportuno nada lhe [ilegível] ignorar, para que possa tomar medidas sábias, prudentes, e que não comprometam a dignidade, e interesses da minha real Coroa. O seu plano de uma aparição no Rio da Prata, para segurar aquelas províncias à monarquia espanhola, além de fazer sofrer o meu coração pela ideia, a que necessariamente reúne de separar-nos por algum tempo, tem também contra si o que justamente `ilegível`, e com toda prudência, e moderação representa o ministro do meu antigo e fiel aliado Sua Majestade Britânica, acreditado junto a minha real pessoa; e por consequência é absolutamente inadmissível; nem por ora o estado e aquelas províncias exigem uma resolução tão decidida, e que pelo necessário aparato, com que deveria tomar-se, ofenderia os olhos de gente tímida, e daria lugar aos discursos dos mal-intencionados que procurariam envenenar a pureza das nossas intenções e nos atribuiriam vistas, e planos ambiciosos, bem alheios aos princípios, que animam os nossos sensíveis corações. Estes são os meus sentimentos, que estou certo servirão de norma a sua conduta e o `ilegível] de abençoar resoluções tão moderadas, tão despidas de toda ambição, e não há de esquecer-se nem de favorecer ainda a Real Casa de Bourbon, nem de proteger os direitos da nossa Real família[4].

Sem remetente, sem destinatário e sem data.

 

[1]CARLOTA JOAQUINA, D. (1775-1830): Carlota Joaquina Teresa Caetana de Bourbon e Bourbon era a filha primogênita do rei Carlos IV da Espanha e de sua esposa Maria Luísa de Parma. Casou-se em 1785, então com apenas 10 anos de idade, com o príncipe d. João, segundo filho da rainha de Portugal, d. Maria I. O primogênito da Coroa portuguesa, d. José, príncipe da Beira, veio a falecer em 1788, fazendo, assim, com que d. João se tornasse o primeiro na linha de sucessão ao trono Português; d. João tornou-se regente de fato em 1792, elevando Carlota à condição de princesa consorte de Portugal. Seu casamento com o príncipe herdeiro de Portugal foi marcado por desavenças, intrigas e boatos. Um dos momentos mais delicados desta relação deu-se em 1806, quando ocorre uma conspiração – chamada Conspiração de Alfeite – cuja intenção seria levá-la ao comando de Portugal. Aqueles que participaram e apoiaram a princesa alegavam que d. João se encontrava em meio a uma crise de profunda depressão, e como a Europa passava por uma crise política seria mais conveniente que a princesa assumisse o poder. Quando a conspiração veio a tona, ela foi considerada traidora e mantida em cárcere privado. Carlota Joaquina geralmente é descrita pelos que a estudam como uma personagem de temperamento forte, ambiciosa e com acentuada vocação política, uma mulher que não se enquadrava nos parâmetros conservadores da Corte lusitana. Nas questões relativas ao rio da Prata, teve uma participação forte e efetiva, defendendo os interesses coloniais de seus pais, chegando a idealizar a sua coroação em Buenos Aires. Cultivou muitos inimigos, como d. Rodrigo de Souza Coutinho, o conde de Linhares, encarregado das secretarias da Guerra e Negócios Estrangeiros; lorde Strangford, embaixador inglês em Lisboa; e lorde Canning, ministro das Relações Exteriores da Inglaterra. Estes tinham um projeto de construção de um amplo império na América do Sul, onde tornariam o Brasil um “empório” para mercadorias inglesas, destinadas ao consumo de todo o continente. Strangford não confiava em Carlota e, com o apoio do conde de Linhares, tentava afastar a sua influência do regente, boicotando qualquer atitude que a favorecesse politicamente. Carlota pretendia envolver seu marido na política colonial espanhola, atuando em seu próprio interesse e aproveitando-se das circunstâncias provocadas pela usurpação da Coroa espanhola por parte de Napoleão. Com o apoio do oficial da marinha inglesa Sidney Smith, ela elaborou um plano de tornar-se regente da Espanha, tendo o vice-reino do rio da Prata como sede da monarquia, plano este que nunca chegou a ser executado.

[2]CASA DE BOURBON: originária da região da atual França, reinou também na Espanha, além de deter ducados e títulos de nobreza em diversos países da Europa. Sua ascensão em território hispânico deu-se antes mesmo da unificação do estado espanhol, com a conquista do reino de Navarra por Henrique IV, rei de França, que substituiu a Casa de Valois. A dinastia seria derrubada e restaurada na Espanha diversas vezes ao longo da história, desde a subida de Felipe V ao trono espanhol, no início do século XVIII, até os dias atuais. A ascensão de Felipe V representou a predominância da região de Castella sobre outros reinos hispânicos, assim como a vitória do modelo centralista que se impôs durante o século XVIII.

[3]PRATA, RIO DA: descoberto pelo navegador espanhol João Dias de Solis em 1515, na busca por uma comunicação entre o oceano Atlântico e o Pacífico. O rio, como também seu estuário – na região da tríplice fronteira entre os atuais países Brasil, Uruguai e Argentina – recebeu o nome de Prata por inspiração de Sebastião Caboto, navegador italiano a serviço da Coroa espanhola, impressionado pela abundância deste metal na localidade. A região do rio da Prata foi alvo, durante o período de dominação colonial ibérica nas Américas, de intensas disputas entre as duas metrópoles (Portugal e Espanha), em função de sua importância econômica – jazidas de prata – e estratégica – principal via de acesso ao interior da América. Uma das consequências dessas intensas disputas pela região foi a quase ausência de uma ocupação política efetiva, já que se alternavam invasões de um lado ou de outro do rio – nas províncias de São Pedro do Rio Grande e na Colônia do Sacramento – que mais se assemelhavam a incursões de pilhagem do que tentativas de estabelecimento de domínio de autoridade. A fundação de Sacramento por Portugal em 1680 representou uma iniciativa para apoiar a ampliação dos limites do império até o rio da Prata. No entanto, a região foi palco de inúmeros processos de ocupação e, até sua independência política em 1825, fez parte de diferentes nações ou confederação de estados. O Tratado de Madrid não conseguiu solucionar as questões em torno da região e os portugueses continuaram a insistir na ideia de uma “fronteira natural,” que os levaria até o lado esquerdo do estuário. Interesses da coroa britânica na região agiam como fator complicador nos litígios entre Portugal e Espanha, interesses estes registrados e documentados desde o século XVIII em função de atividades mercantis daquela que era, à época, a nação que mais produzia e comercializava produtos manufaturados. A participação da Inglaterra na concepção do projeto de transmigração da corte portuguesa para o Brasil integrava as tentativas de estender a influência inglesa a outras regiões da América do Sul, embora tal atuação não significasse o apoio à ideia de formação de um bloco coeso na região, supostamente sob influência de Portugal. A Inglaterra fez dura oposição ao projeto de anexação da região cisplatina ao Reino do Brasil, projeto levado a cabo por d. João VI em 1821, e apoiou o movimento de independência do atual Uruguai, interessada na liberação e fragmentação completa das colônias espanholas.

[4] CASA DE BRAGANÇA: linhagem de duques iniciada pelo 8º conde de Barcelos, d. Afonso I (1380-1461), filho bastardo de d. João I e de dona Inês Perez Esteves. A Casa de Bragança foi a quarta dinastia de reis portugueses e subiu ao trono logo depois da Restauração, com d. João IV, em 1640, permanecendo no poder até a derrubada da monarquia em 1910. A família Bragança deu fim ao domínio de 60 anos dos Reis de Espanha (Casa de Habsburgo) sobre Portugal com a Guerra de Aclamação. No Brasil, a dinastia dominou todo o período do Império, governado por d. Pedro I (1822-1831) e d. Pedro II (1841-1889). Mas, o primeiro rei de Bragança a governar a partir do país foi d. João VI, monarca do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1808-1821), que aportou no Rio de Janeiro em 1808, em consequência da invasão de Napoleão a Portugal.

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