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Bens de Ana Jacinta

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 12 de Janeiro de 2017, 16h51 | Última atualização em Segunda, 04 de Janeiro de 2021, 05h26

Inventário dos bens de Ana Jacinta Teodora de Bastos. Entre as peças de vestuário encontram-se uma saia de cetim branco bordado de matizes, velha, avaliada em mil e seiscentos réis; uma jaqueta de casimira alvadia de duzentos réis; dois vestidos de chita diferentes, no valor de dois mil réis; um chapéu de mulher avaliado em quatro mil réis; sapatos de cetim cor de cana, entre outros artigos. Ainda possuía joias de grande valor, como um anel com 38 diamantes em prata e ouro avaliado em trinta e dois mil réis, cordões, rosários, brincos, entre outras peças.

Conjunto documental: Ana Jacinta Teodósia de Bastos
Notação: maço 466, proc. 8902
Datas-limite: 1808-1808
Título do fundo ou coleção: Inventários
Código do fundo ou coleção: 3J
Argumento de pesquisa: habitação, vestuário
Data do documento: 7 de dezembro de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 4-9 e 19-19v

ROUPA
[...]
Uma saia de cetim branco bordado de matizes velha avaliada na quantia de mil e seiscentos réis........1#600
[...]
Uma saia de gala preta avaliada na quantia de dois mil réis........2#000
Um cortinado de damasco[1] carmesim avaliado na quantia de vinte e cinco mil e seiscentos réis........25#600
Uma jaqueta de casimira[2] alvadia[3] avaliada na quantia de duzentos réis........#200
Dois vestidos de chita[4] diferentes avaliados na quantia de dois mil réis........2#000
Um vestido de cassa[5] bordado avaliado na quantia de mil duzentos e oitenta réis........1#280
Um dito de dito liso avaliado na quantia de mil e duzentos réis........1#200
Quatro ditos de dito diferentes avaliados na quantia de quatro mil réis........4#000
Um dito de dito com franja avaliado na quantia de mil duzentos e oitenta réis........1#280
Um dito de paninho[6] avaliado na quantia de mil duzentos e oitenta réis........1#280
Uma saia de cassa bordada avaliada na quantia de oitocentos réis........#800
[...]
Uma saia de pano de linho ... avaliada na quantia de quatro mil e oitocentos réis........4#800
Uma camisa[7] de cassa avaliada na quantia de mil réis........1#000
Cinco ditas de bretanha[8] velhas e rotas avaliadas na quantia de oitocentos réis........#800
Uma dita sem valor
[...]
Quatro xales de cassa, e paninho avaliados na quantia de mil duzentos e oitenta réis........1#280
[...]
Um xale de seda bordada marcada avaliado na quantia de três mil e duzentos réis........3#200
Um chapéu de mulher avaliado na quantia de quatro mil réis........4#000
Uns sapatos[9] de cetim cor de cana avaliados na quantia de cento e sessenta réis........#160
Duas camisas de cassa por fazer avaliadas na quantia de seiscentos e quarenta réis........#640
Um lenço de garça[10] velho avaliado na quantia de cento e sessenta réis........#160
[...]
Um macaquinho de baeta[11] [...] avaliado na quantia de duzentos e quarenta réis........#240
[...]
Uma saia de droguete[12] [...] avaliada na quantia de mil e seiscentos réis........1#600
Uma dita de ganga[13] azul avaliada na quantia de mil e duzentos réis........1#200
[...]
Duas saias de chita diferentes avaliadas na quantia de seiscentos e quarenta réis........#640
Uma dita de riscado[14] azul velha avaliada na quantia de quatrocentos e oitenta réis........#480
[...]
Sete camisas diferentes velhas e rotas[15] todas na quantia de mil cento e vinte réis........1#120
[...]
Dois lenços encarnados[16] avaliados na quantia de quatrocentos e oitenta réis........#480
[...]
Uma cinta de tafetá rosa velha avaliada na quantia de cem réis........#100
Um par de sapatos de ganga de festa avaliado na quantia de sessenta réis........#60
Um colete de pano de linho avaliado na quantia de quarenta réis........#40

MAIS AVALIAÇÃO

OURO
Luís José Ferreira da Silva contraste de ouro desta Corte do Rio de Janeiro e sua comarca. Certifico que pesei e avaliei as peças abaixo declaradas da falecida Ana Jacinta de quem é inventariante Valeriano José Pinto Campelo. As seguintes

Um laço e fita do pescoço e brincos pulseiras tudo com quatrocentos e noventa e cinco diamantes rosas entre maiores e menores em prata vale o dito adereço cento e dois mil e quatrocentos réis........102#400
Um anel com uma cifra e 38 diamantes rosas miúdos em prata e fundos de ouro vale trinta e dois mil réis........32#000
Um dito com vidro azul e vinte e nove grizolitas [crisólitas][17], vale seis mil e quatrocentos réis........6#400
Um par de argolas de orelhas com oitenta e duas pedras águas marinhas em prata e ouro encobrado valem dezesseis mil réis........16#000
Um par de estrelas das orelhas com trinta grizolitas (crisólitas) em prata valem três mil e duzentos réis........3#200
Um pente de tartaruga[18] guarnecido com cinquenta e sete grizolitas (crisólitas) com prata e ouro encobrado vale dezenove mil e duzentos réis........19#200
Uma fivela de cinto com trinta e oito pedras águas marinhas em prata vale mil novecentos e vinte réis........1#920
Dois cordões de ouro com seis pérolas pesa dezenove digo dezesseis oitavas, e doze grãos a mil e quatrocentos réis importa vinte e dois mil seiscentos e quarenta réis........22#640
Um relicário[19] de ouro com o cordão pesa descontando os vidros nove oitavas a mil e quatrocentos réis importa em doze mil e seiscentos réis........12#600
Um rosário de ouro crees e laço do mesmo, e algumas contas de vidro vale onze mil e duzentos réis........11#200
Um rosarinho de pescoço de granadas[20] padre nossos de ouro e crees do mesmo vale mil novecentos e vinte réis........1#920
Um dedal de ouro pesa oitava e meia e vinte e quatro grãos a mil e quatrocentos importa dois mil quinhentos e oitenta réis........2#580
Um chave [sic] de relógio por uma face com um retrato e de outra vinte e sete grizolitas em prata e ouro encobrado vale dez mil réis........10#000

 

[1] Tecido de origem chinesa, chegou à Europa através do explorador e mercador veneziano Marco Polo. Seu nome provém da cidade de Damasco, centro do mercado de tecidos entre o Oriente e o Ocidente. O damasco se caracteriza por uma elaborada combinação de formas e fios que fazem desenhos inspirados em elementos da natureza. Por sua composição de efeito de fundo e efeito de desenho, constituído pela face teia e pela face trama de um mesmo ponto, tem a particularidade de ser reversível, apresentando numa das faces o fundo opaco e os motivos brilhantes e na outra o fundo brilhante e os motivos opacos. Foi usado no período colonial para confeção de roupas masculinas e femininas, colchas, cortinas, tapeçaria, toalhas de mesa e almofadas e, ainda, na ornamentação das casas mais abastadas.

[2] Tecido espesso de lã suave e macia, usado na confecção de vestimentas masculinas e femininas. Com a vinda da família real para o Brasil, os ingleses concentraram o comércio de produtos masculinos, incluindo a venda de tecidos, tal qual a casimira, para a confecção de coletes, calças, calções e macaquinhos. Os trajes femininos, como xales e mantilhas eram feitos também desse tecido.

[3] Cinza.

[4] Tecido de grande circulação e usos variados, tido contemporaneamente como representativo da cultura brasileira por suas estampas coloridas e tropicais, a chita é feita de algodão rústico, acabamento engomado e tramas simples. Originaria da Índia, de onde provém o nome chitra, que significa “matizado” em sânscrito, a chita teria chegado a Europa a partir da expedição de Vasco da Gama e foi utilizada na confecção de roupas para os escravos e na produção de saias para as mulheres brancas no uso privado. A manufatura e exportação da chita e do algodão devem também ser compreendidas na perspectiva do exclusivo colonial e do comércio entre a praça do Rio de Janeiro e o reino, uma vez que é a partir da metrópole que se dá a sua distribuição na Europa. Como indica o historiador João Fragoso, em um quadro no qual a América portuguesa era o principal comprador dos produtos do reino, em 1815, mais da metade da produção de chita e saias era comprada fora de Portugal. Obtido a partir do filamento sedoso que envolve as sementes do algodoeiro, o algodão está na base da fabricação de diversos tipos de tecidos, tanto de alta, quanto de baixa qualidade. Tecidos grosseiros de algodão foram empregados para ensacar gêneros agrícolas ou para o vestuário dos escravos, respeitando o alvará de 1785, de d. Maria I, que liberou essa produção e, em contrapartida, proibiu as manufaturas de tecidos finos no Brasil, incluída aí a chita. Chita e algodão participam ainda do processo de trocas que se faz do Brasil para a costa africana e que envolve o comércio atlântico de escravos. Ainda na perspectiva do ultramar e de sua participação no motor da economia portuguesa, os panos de algodão, provenientes da Índia, foram matéria prima para a primeira fase da revolução industrial, no final do século XVIII. (FRAGOSO, João. Mercados e negociantes imperiais: um ensaio sobre a economia do império português (séculos XVII e XIX). História: Questões & Debates, Curitiba, n. 36, p. 99-127, 2002). [Ver também BELBUTES, CHITAS, BOMBAZINAS, FUSTÕES]

[5] Fazenda fina e transparente, geralmente de linho ou algodão, utilizada para confecção de fronhas, lençóis, toalhas, guardanapos, toalhas de mão, véstias, vestidos e saias, para uso das senhoras brancas no interior das casas e das escravas quando transitavam nas ruas.

[6] Pano fino de algodão utilizado na fabricação de lençóis, fronhas e vestimentas masculinas e femininas.

[7] Peça de vestuário masculino e feminino, tanto de brancos quanto de negros no Brasil, de tecido leve, confeccionada em algodãoseda, linho, bretanha, morim, entre outros, com mangas curtas ou compridas. As escravas usavam camisas largas e saias rodadas. Para ficar em casa, as mulheres brancas trajavam um tipo de camisolão ou camisa de mangas curtas e decotadas, também chamadas de “timão” ou “lavapeixe”, confeccionadas de tecido leve e transparente. A camisa branca, usada para fora dos calções, sem coletes, casacas ou capas, também fazia parte da indumentária masculina.

[8] Tecido muito fino de linho ou de algodão fabricado na região da Bretanha, França. Consumido por uma camada social mais restrita, com ele eram produzidos fronhas, lençóis, toalhas de mesa, guardanapos, toalhas de mão, camisas masculinas e femininas. O nome bretanha generalizou-se, designando também tecidos similares, mas de qualidade inferior, como a bretanha de Hamburgo, que era de uso exclusivo das escravas.

[9] Após a transferência da Corte portuguesa, a importação e a comercialização de calçados, produzidos, em geral, em cetim e veludo, ficaram a cargo dos ingleses. Fazer uso dessa peça de indumentária era um atributo de distinção social, demonstrando que o indivíduo integrava uma camada privilegiada da sociedade. Em contrapartida, os escravos geralmente andavam descalços e, tão logo alcançavam sua liberdade, adquiriam um par de sapatos exibindo a mudança de posição social. As botas trazidas pelos portugueses, os borzeguins, foram adotadas na colônia, porém aquelas de uso militar foram as mais usadas, com cano alto, reto ou virado, chamadas botifarras. Seu uso se restringia aos mais ricos. No sul da colônia, em especial durante as guerras luso-castelhanas, desde o século XVI, as botas de garrão de potro, feita com as patas cortadas do animal, eram utilizadas por índios, gaúchos e tropeiros. Os imigrantes alemães, em meados do século XIX, e, posteriormente, outros europeus, como ingleses e italianos, contribuíram para o aperfeiçoamento da técnica de fabricação dos calçados no Brasil.

[10] Também chamada talagarça. É um tecido cujos fios da trama e urdume são dispostos separadamente, dando a impressão duma tela de arame. É muito usada em bordados pela facilidade que apresenta à execução dos pontos.

[11] Tecido felpudo de lã de qualidade inferior, a baeta era usada na fabricação de roupas masculinas e femininas. Era comum as mulheres, durante o período colonial no Brasil, sobretudo nos séculos XVI e XVII, cobrirem a cabeça e parte do rosto com a mantilha (rebuço ou embuço) feitos com baeta. Este costume, de influência árabe, perdurou até o século XIX em São Paulo, sendo esse o tecido mais utilizado na capitania pela classe abastada. Posteriormente, passou também a fazer parte do vestuário das camadas mais pobres, incluindo os escravos. Desde meados do século XVIII, diversas leis proibiram o uso das mantilhas de baeta, que eram supostamente usadas por assassinos e ladrões para encobrirem seus crimes. Apesar disso, as mulheres continuaram a trajá-las, principalmente para esconder as marcas de varíola e a pobreza, apesar da ordem régia de d. João, de 30 de agosto de 1810, que determinou sua interdição proibindo “solenemente o andarem as mulheres nessa cidade embuçadas em baetas”. Seu uso só começou a cair no final do Império.

[12] Tecido acolchoado de lã, seda e algodão ou apenas de lã, utilizado para confeccionar cortinas, vestidos, mantilhas e xales. Após o decreto de abertura dos portos de 1808 e os tratados de 1810, as importações cresceram vertiginosamente no Brasil, sobretudo provenientes da Inglaterra, e artigos como o droguete passaram a ser vendidos em lojas comerciais do centro da cidade do Rio de Janeiro e de São Paulo.

[13] Tecido resistente de algodão, em geral na cor azul ou amarelo, comumente empregado na produção de vestidos para as negras escravas. Na indumentária masculina, era usado para confecção de coletes, calções e macaquinhos.

[14] Fazenda grosseira de linho ou de algodão, com riscos coloridos na trama. Era usada na composição de saias para as escravas. Confeccionavam-se também colchões com esta fazenda.

[15] Termos empregados nas descrições de bens de inventariados, demonstrando que, devido aos altos preços dos produtos manufaturados e à pequena circulação monetária, as roupas e tecidos eram utilizados por muito tempo, até ficarem gastos, ou “velhos e rotos". Até o século XIX, a produção manufatureira no Brasil era incipiente, já que a prática mercantilista não permitia a concorrência da colônia com a metrópole, a exemplo do alvará de 1785, pelo qual a rainha d. Maria I proibira o estabelecimento de manufaturas de produtos têxteis finos no Brasil. As importações se faziam principalmente da Inglaterra, cuja produção industrial estava em franco desenvolvimento, em especial, a indústria têxtil.

[16] Refere-se à cor vermelha, escarlate. Os corantes vermelhos mais usados nos séculos XVIII e XIX eram removidos da cochonilha e também do pau-brasil. Este, desde o século XVI, foi uma importante fonte de corante vermelho para o tingimento de tecidos. A cor era retirada da resina da madeira, conhecida pelos europeus antes de sua chegada ao território. Devido ao seu valor comercial e pela utilização da madeira na marcenaria, foi incessantemente explorado; sua exportação persistiu até o século XIX, chegando à quase extinção. Até 1856, os corantes eram extraídos das plantas e animais; a partir de então, foi desenvolvido o corante sintético, na Inglaterra. Os corantes vermelhos mais intensos e brilhosos na Antiguidade eram extraídos do molusco múrice, na Idade Média, do quermes, fêmea do pulgão, e no Renascimento, da cochonilha da Polônia e da Armênia.  A cochonilha, inseto encontrado no México, utilizado pelos astecas para tingimento de tecidos, alimentos, paredes e para colorir o corpo, possuía grande importância comercial para a coroa espanhola. No Brasil, a intensificação da produção do corante e a criação da cochonilha ocorreram no governo do marquês do Lavradio, dada sua relevância para a indústria alimentícia e têxtil. O corante, denominado atualmente de ácido carmínico, é extraído da carapaça dissecada da fêmea cozida em água.

[17] Pedra cuja cor varia do amarelo ao verde, conhecida como “pedra de ouro” pelos gregos antigos. Sua jazida mais importante localiza-se no mar Vermelho, na ilha vulcânica de Zebirget, chamada São João pelos cruzados. Na região de Minas Gerais também foram descobertas jazidas dessa gema, que era muito utilizada na arte da joalheria.

[18] Pente confeccionado com as placas da carapaça ou casco da tartaruga-de-pente, usado para asseio pessoal e como adorno por mulheres de diversas culturas. Durante o período colonial no Brasil, o pente foi bastante utilizado, revelando a preocupação das mulheres com os cabelos nos espaços públicos, onde eram exibidos variados tipos de penteados, como coques e tranças feitos à base de farinhas, osso seco, madeira em pó e amido, além do uso de arames, pentes e perucas. Os cabelos compridos eram tratados com leite de cabra e gordura de cavalo, pois se acreditava que garantiam a sua sedosidade.

[19] Objeto confeccionado em vários materiais, principalmente em ouro, sob a forma de caixa, bolsa ou medalha, usado para guardar as relíquias dos santos. Para o cristianismo, relíquia é um objeto ou parte do corpo atribuída a algum santo. No século XIX o relicário passou a ser usado além da esfera religiosa para guardar recordações de diferentes naturezas. 

[20] O nome não designa uma gema (pedra preciosa), mas um grupo de gemas, sendo as mais importantes, o piropo, a almandina, a espessartina, a grossulária e a andradita. Conforme a espécie, a granada pode ser incolor, vermelha – que é a mais comum – amarela, marrom, preta e até verde (chamada demantóide). A partir da descoberta de minas de ouro no Brasil, no final do século XVII, as pedras preciosas passaram a ser exploradas, dentre elas, a granada, utilizada na fabricação de joias, como rosários e pulseiras, intensificando o comércio dos ourives. A granada é também um mineral presente em rochas que foram muito utilizadas na construção e ornamentação de edificações.

 

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