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Música na Bahia

Publicado: Sexta, 03 de Fevereiro de 2017, 16h04 | Última atualização em Quinta, 06 de Mai de 2021, 20h24

Requerimento de Joaquim de Souza Negrão ao príncipe regente em que defende a necessidade e utilidade de criar uma cadeira de música nos lugares mais povoados da colônia, sustentando que na sua cidade mais antiga é admirável o abandono em que se encontra a música. O autor do requerimento se  oferece para o cargo desta cadeira, alegando sua competência para este.  


 
Conjunto documental: Ministério do Império. Correspondência do presidente da província
Notação: IJJ9 325
Data-limite: 1817-1817
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo: AA
Argumento de pesquisa:
Data do documento: s.d
Local: Bahia
Folha(s): 44

Leia esse documento na íntegra

 

Diz José Joaquim de Souza Negrão, que influindo na civilização dos povos a cultura das artes, ainda as de mero gosto, como, poesia, pintura, música, e sendo da benévola intenção de vossa majestade promovê-las como se prova do estabelecimento de cadeiras régias de desenho[1], e de poética; parece, que uma cadeira de música[2], estabelecida ao menos nos pontos mais povoados de um país nascente, e tão útil, como necessária não só para conseguir os fins que resultam de se promoverem as artes liberais[3], como para obviar os vícios, que procedem de uma indolência ociosa; pois que a mocidade grosseira, e inerte, em vez de amaciar a aspereza dos costumes, adoçando-os com a suavidade da música, embota o gênio com o suco das paixões, e quebra os laços mais santos, que ligam os homens a sociedade. Se a política, e a religião dependem da cultura do ânimo, é de admirar, que na mais antiga cidade do Brasil[4] exista numa espécie de abandono a música, esta arte amiga e filha de coração humano! Nos teatros é frio o louvor da virtude, inconsequente a correção do vício, quando as artes se desligam do centro comum a que tendem por natureza. E o que é mais, os cânticos devidos ao criador do Universo ressoam nos templos sem estro, e quase sem harmonia, quando sobem ao céu por meio de vozes incultas, ou contrafeitas, o que não, seria, havendo mocidade que logo nos primeiros anos se dê a música por princípios. E por que no suplicante concorrem conhecimentos teóricos, e práticos desta arte; e é superabundante a coleta do subsídio literário; por tanto, recorre a Vossa Majestade pedindo, que a bem da mocidade da Bahia, e utilidade do teatro, como escola civil do Estado, e mais que tudo para Glória da religião se digne fazer criar nesta cidade uma cadeira de música, a qual a suplicante Seja promovido com o mesmo ordenado das outras cadeiras régias[5]. Pelo que R.M.

ilegível Negrão

 

[1]DESENHADORES:  desenhistas e pintores ocuparam, durante a maior parte do período colonial, um papel secundário na produção artística da época. As atividades que eles desenvolviam se enquadravam nas mais variadas atividades “mecânicas”, desde a elaboração de descrições topográficas para a construção de fortalezas, até a pintura de tábuas das bocas das sepulturas, havendo, portanto, uma fronteira muito tênue entre o que hoje chamaríamos arte (belas artes) e os ofícios mecânicos e artesanatos diversos. O estudo do desenho era requisito apenas para quem fosse trabalhar nas áreas de construção e engenharia, mas em outras áreas de estudo o suporte dado por esta atividade mostrou-se indispensável. É o caso, por exemplo, da História Natural, que contava com a fidelidade da reprodução dos elementos da natureza para a precisão dos seus estudos. Integrantes das viagens e expedições filosóficas, os desenhistas ou riscadores foram fundamentais para o desenvolvimento desse campo de conhecimento, em especial a botânica. Eram incumbidos de desenhar as espécies encontradas, como forma de complementar as descrições textuais, preservando texturas, cores e formas anatômicas alteradas nos preparos da viagem à metrópole. Paisagens, animais e árvores de grande porte, além de povos indígenas, eram “transportados” aos gabinetes por meio da representação gráfica. Muitos desenhos esboçados in loco eram finalizados em Portugal, com material adequado, na Casa do Desenho do Real Museu da Ajuda, onde também eram produzidas cópias das imagens. Também conhecida como Casa do Risco, a instituição, criada em 1780, formou alguns dos riscadores designados para as viagens filosóficas idealizadas por Domenico Vandelli, que deveriam apreender conhecimentos básicos de História Natural no Gabinete de História Natural e no Jardim Botânico da Ajuda. Cabe destacar que boa parte dos desenhistas que integraram as expedições eram engenheiros militares, uma vez que a técnica do desenho era transmitida nos cursos de engenharia militar. Suas obras buscavam criar um quadro objetivo e realista daquilo que retratavam, com o intuito de melhor aproveitar os elementos da nova terra, ao mesmo tempo em que indicavam quais os seus maiores perigos e ameaças. No final do século XVIII, muitos artistas viajaram para a Europa e trouxeram para a colônia técnicas mais aperfeiçoadas que seriam transmitidas para seus aprendizes. Foi o caso de Manuel Dias de Oliveira, fundador da primeira Aula Pública de Desenho e Figura no ano de 1800. Mas apenas com a chegada da Família Real, se deram as condições básicas para que a arte do desenho assumisse um papel primordial no aprendizado das belas-artes. Com a vinda da comissão de artistas franceses e a necessidade do estabelecimento do ensino de artes e ofícios no meio acadêmico, seriam também regularizados os ensinamentos básicos de desenho em vista de sua aplicação nos estudos de escultura, gravura, arquitetura, entre outras modalidades.

[2] MÚSICA: a música foi uma forma de expressão artística muito popular no Brasil colonial. Talvez os gêneros musicais mais conhecidos e difundidos entre as elites fossem a ópera, apresentada em alguns poucos teatros no final do século XVIII, e a música sacra, ensinada e tocada pelos jesuítas, que mesmo reclusa aos colégios e aldeamentos indígenas, caiu no gosto do povo e se desmembrou em belas canções entoadas nas danças e festas de rua. D. João VI, ao chegar ao Brasil, encontrou um terreno fértil para a difusão da música, mesmo com influências europeias. Logo tomou duas importantes medidas: a criação da Capela Real e a criação do Real Teatro de São João. Tanto a ópera quanto os cânticos religiosos estavam ligados diretamente às elites aristocráticas, simbolizando o poder, o luxo, a opulência da corte. Para a Coroa era necessária a criação de condições para a propagação de um estilo de música que proporcionasse à população um “maior grau de elevação e de grandeza” característicos da civilização europeia. Apesar dos esforços da monarquia de utilizar as operetas em comemorações e celebrações ligadas à família real, esses gêneros musicais se mesclaram às modinhas, lundus, chulas, fofas, entre outros estilos de música popular, produzindo gêneros operísticos originais que repercutiriam durante todo o século XIX. No Império português, os músicos, formavam-se nos conventos, mosteiros, quartéis, igrejas e, eventualmente, em casas particulares. Tinham grande acolhida nas igrejas e associações católicas, devendo, necessariamente, pertencer à Irmandade de Santa Cecília. As congregações religiosas mais ricas contratavam diversos profissionais para celebrarem a festa de seus padroeiros, indo desde compositores, aos intérpretes, coristas e instrumentistas. No Rio de Janeiro, além de serem contratados pelas irmandades, os músicos também trabalhavam junto a Câmara municipal – órgão que custeava as festas oficiais da cidade, como a de São Sebastião, a do Anjo Custódio do Reino e a de Corpus Christi. Ressalte-se, também, a participação destes profissionais nas comemorações pelo nascimento de príncipes, casamentos reais, ofícios fúnebres e, ainda, nas apresentações nas casas das famílias mais abastadas. Grande parte dos músicos, regentes e compositores deste período, eram considerados mulatos dentre os quais pode-se citar Caetano de Melo Jesus, Luís Álvares Pinto, Manuel Dias de Oliveira, e sobretudo, o padre José Maurício Nunes Garcia, músico, compositor, professor e diretor da Capela Real, grande compositor que desfrutava da admiração de d. João VI e prosperou durante os primeiros anos do período joanino. Foi perdendo seu prestígio desde a chegada do compositor e organista Marcos Portugal ao Rio de Janeiro, que caiu nos favores e nas graças da Corte.

[3] ARTES LIBERAIS: no início do século XIX, as chamadas “artes mecânicas” eram as mais difundidas entre a população colonial e popularmente conhecidas por “artes úteis”. Compreendiam atividades ligadas diretamente aos ofícios mecânicos tais como marcenaria, ourivesaria, construção de maquinário para produção de açúcar, entre outros. Após a chegada da família real, em 1808, deu-se início a uma política de valorização e propagação das chamadas “belas-artes” ou “artes liberais”. O novo Estado português nos trópicos passava a incentivar atividades artísticas mais variadas tais como pintura, desenho, escultura, teatro, poesia, música, entre tantas outras. Aconselhado por seu ministro Antônio de Araújo Azevedo, o conde da Barca, um dos homens mais cultos de sua época, d. João contratou um grupo de artistas franceses com o objetivo de organizar uma Escola de Artes e Ofícios em terras brasileiras. A Missão Artística, como ficou conhecida, era liderada por Joachim Lebreton, antigo secretário das Belas-Artes do Instituto da França. A Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios foi criada através de um decreto de agosto de 1816. As medidas da Coroa revelavam, no entanto, um conflito entre os artistas estrangeiros, que desejavam a implementação de uma política estatal de propagação das belas-artes, e os partidários da ideia de que estas “artes de luxo” deveriam se submeter às “artes úteis e necessárias”, necessárias no caso para o desenvolvimento de atividades econômicas ou ao menos de caráter mais prático.

[4]SALVADOR: a fundação da cidade de Salvador data de 1549, sendo, portanto, a primeira cidade administrativa criada por Portugal na América, com a instalação do governo-geral na capitania da Bahia. A 29 de março, data simbólica de aniversário da cidade, desembarcou na enseada do Porto da Barra, o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, que trouxe as instruções régias de como fundar uma cidade. Ficou a cargo do mestre Luiz Dias executar as primeiras construções. Inicialmente erguida sobre uma colina, visando a defesa contra-ataques de índios e estrangeiros, no século XVII, a cidade, embora ainda pequena, já se dividia entre a parte alta e a baixa. Contava apenas com uma praça, ao redor da qual se erguiam os prédios da administração colonial e o palácio do governador, depois vice-rei. Com auxílio de ordens religiosas como a dos jesuítas e beneditinos, que construíram igrejas, praças, capelas, escolas e conventos, os limites da cidade se ampliavam rapidamente. Salvador também foi a primeira diocese da América portuguesa. A cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, como era também chamada, tinha importância política, econômica e comercial de destaque devido a seu grande porto, por onde circulava intenso comércio transatlântico e interno, intensificado depois da abertura dos portos do Brasil. O viajante inglês Thomas Lindley refere-se à cidade como “empório do universo” dada sua centralidade econômica, local de encontro de rotas comerciais internas e externas à capitania e entreposto fundamental na redistribuição de produtos importados para outras capitanias e na saída de produtos locais para o exterior, uma face atlântica, que contemplava desde o comércio com a Europa, África e Ásia, como dizia Russell-Wood. Enquanto de Salvador eram exportadas mercadorias como o açúcar, o tabaco, couro, a aguardente, o melado, o algodão, o arroz, o cacau, o café, a madeira e o azeite de baleia, de Portugal, importavam-se gêneros manufaturados, como tecidos, louças, ferragens, pólvora, chumbo, alcatrão, farinha de trigo, vinho, vinagre e azeite de oliva; da Índia, tecidos e especiarias e, da África, escravos e cera. Salvador foi uma das principais cidades escravistas na América portuguesa, um dos principais eixos do tráfico com o golfo da Guiné, principalmente com a baía de Benim (ALENCASTRO, L. F. África, números do tráfico atlântico. In: SCHWARCZ, L. M., GOMES, F. (Orgs). Dicionário da escravidão e liberdade, 2018). As trocas inter-regionais, feitas com mercadorias importadas, sobretudo escravos, que chegavam através do porto de Salvador, empregavam navios e outras embarcações em número superior aos que faziam conexão com Lisboa. De acordo com Moema Angel, autora de Visitantes estrangeiros na Bahia Oitocentista (1980), chegando a Salvador, os viajantes dos séculos XVIII e XIX podiam evocar com admiração a beleza das igrejas e dos conventos, os palácios do governador, do arcebispo e da câmara, bem como a riqueza do seu comércio. Mas não deixavam de ver aí, também, uma “nova Guiné”, “uma cidade negra” (Souza, E., Marques, G. e Silva, H. (org.). Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica / Salvador, Lisboa: EDUFBA, CHAM, 2016). Com a chegada da Corte, algumas mudanças favoreceram a cidade, como a criação de manufaturas, da primeira tipografia e gazeta, e aumento das atividades culturais, como o teatro, a dança e a música. Salvador foi a capital do Brasil até 1763, quando a sede do vice-reinado foi transferida para o Rio de Janeiro.

[5] CADEIRAS RÉGIAS: as primeiras aulas lecionadas na colônia portuguesa nas Américas foram resultado das atividades realizadas pelos colégios da Companhia de Jesus, que detiveram o monopólio do ensino no Brasil durante quase todo o período colonial. Essa situação mudaria com a reforma pombalina que teve, basicamente, duas fases: a primeira logo após a expulsão dos jesuítas, quando foram criadas as aulas régias de Primeiras Letras e de Gramática Latina, mas o alcance dessas primeiras medidas foi muito limitado; a segunda fase da reforma, a partir de 1768, viabilizou um ensino regulado pela Coroa em várias capitanias da colônia. O sistema das Aulas Régias correspondia ao ensino primário e secundário, e suas características marcantes eram o seu caráter centralizador, a falta de autonomia pedagógica e o acesso à educação restrito a uma parcela da população, assim evidenciando o seu caráter excludente. Pombal transferiu a direção dos estudos para a Real Mesa Censória, criando um tributo específico para o financiamento dos professores, o subsídio literário. A abundância da arrecadação do imposto em algumas localidades estimulou o aparecimento de outras disciplinas. Surgiram, assim, as primeiras aulas de grego, filosofia, retórica e as relacionadas às belas-artes como desenho e figura. Com a presença da Corte no Brasil, as aulas passaram a ser denominadas “cadeiras régias”, que logo depois seriam absorvidas por academias e escolas financiadas pelo governo, como foi o caso da Real Academia de Desenho, Escultura e Arquitetura Civil, inaugurada em 1820.

 

 
Sugestões de uso
Eixo temático:
História das relações sociais da cultura e do trabalho
História das representações e relações de poder

Temas:
Práticas e costumes coloniais
Costumes no Brasil de d. João VI
O Rio de Janeiro colonial
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