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Oriente

Comentário

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 14h16 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 18h53

Cláudia Heynemann
Editora do site
Doutora em História Social

Inaugurada com a viagem de Vasco da Gama, nos anos de 1497 e 1498 e a chegada a Calicute, na Índia, a expansão marítima portuguesa na Ásia introduziu no Ocidente um lugar até então vagamente designado como Índia-Índias. O conhecimento que agora se terá desse mundo será considerado moderno, diverso, portanto, daquele que provinha dos Antigos, prolongado nas sociedades medievais e na persistência da geografia ptlomaica. No “banco de dados” europeu sobre a Ásia, na expressão do historiador Luís Felipe Barreto, Portugal é, até cerca de 1630, o pólo central dessa revolução. O predomínio luso no Oriente se verifica, essencialmente, no século XVI, sendo percebido por muitos contemporâneos e também nos escritos dos séculos subseqüentes como uma das ruínas da história portuguesa: era o cheiro da canela que despovoava o Reino e relegava a colônia americana.

Pioneiramente, Portugal abre a carreira das Índias a outras potências européias que, a partir do século XVII, iriam deslocar o domínio luso daquelas regiões. A presença portuguesa na Índia, na Insulíndia e na China é mais pronunciada nos documentos do Arquivo Nacional no século XVIII, período no qual o declínio do Império se manifesta na correspondência que versa sobre o comércio, nos manuscritos da obra sobre o reinado de d. José I, na ação missionária, nos impasses diplomáticos continentais e, sem dúvida, na extensão geográfica. Na Índia, os portugueses puderam conservar, não sem muitas dificuldades, Goa, Damão, Diu e Bassain, enquanto na Insulíndia, controlada a partir de 1640 pelos holandeses, restaram as ilhas de Timor, Solor e Flores. Nos últimos anos do século XVIII, o arquipélago das Molucas entrava na pauta da política externa portuguesa com a França da Revolução. Tratava-se de ceder na Ásia com o fim de evitar a guerra e preservar os limites das colônias americanas, sobretudo detendo os franceses na região amazônica, pela Guiana. Esse foi um dos principais pontos do Tratado de Paris, assinado em 10 de agosto de 1797 pelas duas nações.

Diante dos conflitos que envolveram França, Grã-Bretanha, Portugal e Espanha, a diplomacia portuguesa procurava espaços para conciliar a integridade dos domínios e das rotas com a segurança da Metrópole. O tratado de 1797, além de conflitar com os interesses britânicos, não logrou que cessassem as ameaças do governo do Diretório. A extensa correspondência diplomática, organizada no fundo Negócios de Portugal, é exemplo das tentativas de renovação dos acordos de paz com a França.

Em Goa, conquistada em 1510 por Afonso de Albuquerque e, a partir de 1530, capital da Índia portuguesa, a dominação chegou ao fim 451 anos depois, em 1961. A forte presença das missões católicas se faz sentir desde o início, com a chegada, em 1542, do primeiro padre jesuíta e a instalação, em 1572, dos agostinianos. A cidade, que no século XVII contava com cerca de 60 mil habitantes, foi o pólo da ação colonial lusa. Foi também a sede da cristandade do Oriente, no âmbito de um projeto de conversão de toda a Ásia que, a despeito de haver fracassado, haveria de repercutir nas duas culturas. No setecentos, sob d. João V, e, sobretudo, na segunda metade do século, afirma-se a Congregação do Oratório, organizada em Portugal a partir de 1668 e que logo receberia proteção régia.

Em franca oposição aos jesuítas, sua primeira vitória, relativa ao status concedido aos colégios oratorianos, se dá em 1708, datando do ano seguinte a carta em que d. João V congratula a ação daqueles missionários no Ceilão, ocupado pelos holandeses. Seguem-se outros cumprimentos e incentivos, ainda nas primeiras décadas do setecentos, aos religiosos da Congregação por seu “trabalho de expansão da cristandade”. A presença dessa e de outras missões acentua-se com a expulsão dos jesuítas, do Reino e das colônias, em 1759. A capacidade de auto-organização da Igreja, por meio de seus corpos eclesiásticos – jesuítas, dominicanos, franciscanos – , foi, na avaliação de António Manuel Hespanha, um dos sustentáculos do caráter informal da ocupação portuguesa, em regiões nas quais o domínio territorial ou comercial não teria se consolidado, a exemplo, respectivamente, de Goa e Macau.

O poder da Coroa conviveu, habitualmente, com os poderes locais, atendendo ao caráter intermitente das viagens e da presença de magistrados régios e às diferenças políticas e jurídicas em relação ao modelo europeu que inviabilizariam uma administração formal. Assim, memórias e ofícios envolvendo Tonquim, Macau, Pequim e províncias da Índia tratam dos obstáculos encontrados na condução dos trabalhos religiosos e na convivência com os poderes locais, expressos no embate entre a orientação do bispado de Macau e aquela que emanaria do papado, reivindicada pelos religiosos portugueses, garantidos pelo padroado. Nas variadas formas de organização política e administrativa assumidas no Oriente, como capitanias ou feitorias, a rede de rotas comerciais desenha o império ultramarino e parte de sua dinâmica, traduzida na legislação, nas trocas efetuadas nos portos, nos produtos comercializados e mesmo nos riscos de ataques piratas.

Um dos efeitos da viagem moderna, o fluxo de contingentes humanos, culturas e hábitos na esfera intracolonial e com a Metrópole é um dos aspectos a serem ressaltados nos registros da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, que trazem mapas de importação e exportação de produtos como chá, escravos, algodão, sândalo, drogas, madeira e chumbo, entre a Índia, Moçambique e Lisboa. Também o comércio de fazendas pintadas, vindas do Oriente, nos portos de Portugal e do Brasil, será objeto de inúmeras consultas à Junta. O comércio ultramarino efetuou-se a partir de algumas estratégias, como o estabelecimento de contratos com particulares e a concessão de privilégios às companhias comerciais, mencionadas na história da administração de Sebastião José de Carvalho. Em 1628 era criada a Companhia das Índias Orientais, que viria a fracassar. No âmbito do programa reformista do marquês de Pombal, na segunda metade do XVIII, foram criadas três companhias de comércio, entre elas a Companhia da Ásia Oriental, em 1753, atendendo, segundo Francisco Falcon, a uma velha preocupação lusa – o comércio do Oriente e a “salvação do Estado da Índia”.

Entre os trinta e sete conjuntos documentais aqui selecionados, predominam aqueles integrantes do fundo Negócios de Portugal, composto, essencialmente, pelos arquivos vindos com a Corte em 1808 e pelos papéis da administração joanina no Brasil. Compreendendo a documentação política e diplomática, os negócios ultramarinos e do Reino, é um acervo privilegiado para uma abordagem mais abrangente do império, devendo-se observar, para este e demais fundos, a predominância da lógica colonizadora. Outras proveniências, como a série Interior, a coleção Vice-Reinado ou a Junta da Fazenda da Província de São Paulo, sinalizam para a relação entre as colônias na Ásia e a América, através dos órgãos da administração colonial ou daqueles criados no Brasil entre 1808 e 1821. Ainda que representados em menor escala no universo do acervo institucional concernente ao período colonial (limite dado pela perspectiva do Brasil), os registros relativos à ação colonizadora portuguesa na Ásia são significativos para a releitura do “banco de dados” sobre o Oriente.

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