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Irmandades

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 17h18 | Última atualização em Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 17h18

Casas de Misericórdia

Provisão de d. João V ao vice-rei e capitão-geral do Brasil Conde das Galvêas, André de Melo e Castro, sobre a eleição da Mesa da Misericórdia da Bahia. Este documento é revelador da  forma ilegal como o processo eleitoral estava sendo conduzido, posto que os votos estavam sendo subornados por pessoas de fora da Irmandade. Mediante o pedido do Provedor e dos Irmãos da Mesa da Misericórdia da Bahia, o rei ordena que esta seja governada de acordo com a Corte, sendo as eleições assistidas por um ministro de Vara. Determinava ainda que fosse efetuado anualmente uma devassa dos subornos, com a devida punição dos culpados. Outrossim, permite conhecer um pouco de uma das mais importantes irmandades do período colonial.

 

Conjunto documental: Registro de Provisões, alvarás, leis, portarias e cartas régias da Relação da Bahia.

Notação: Códice 542, vol. 01

Datas-limite: 1735-1759

Título do fundo ou coleção: Relação da Bahia

Código do fundo: 83

Argumento de pesquisa: Irmandades

Data do documento: 26 de março de 1740

Local: Lisboa

Folha(s): 9 e 9v

 

Leia esse documento na íntegra

 

“Registro da provisão de S. Majestade sobre a eleição da Mesa da Misericórdia para se devassar todos os anos em o mês de junho, e tudo o mais que se declara.

Dom João[1]por graça de Deus Rei de Portugal. Faço saber a vós Conde das Galvêas[2], Vice-rei e Capitão general de mar e terra do Estado do Brasil, que o provedor, e irmãos da Mesa da Misericórdia[3] dessa Cidade da Bahia[4] me representaram, que por não ter aquela Casa compromisso próprio para o seu governo, se regulara pelo da Misericórdia desta Corte, principalmente no que respeita à forma da eleição ..., fazendo-se por eleitores votos de toda a irmandade[5]; mas que o abuso, e malícia tinha pervertido aquela determinada forma, subornando-se os votos, ainda por pessoas de fora para a eleição de Provedor e irmãos da Mesa de sua parcialidade, em ordem a que os que são devedores à mesma casa tenham nela quem os alivie de pagarem o que devem, seguindo-se disto a total decadência em que hoje se ache o patrimônio e rendas que administra a dita Casa .... E atendendo a que é preciso atalharem-se os distúrbios, e desordens que se obram nas ditas eleições: Fui servido ordenar por resolução de oito de Fevereiro deste presente ano, tomada em consulta do meu Conselho Ultramarino[6], que a dita Irmandade da Misericórdia[7] dessa cidade se governe pelo compromisso da desta corte, e que vós, e vossos sucessores mandeis sempre assistir um ministro de Vara à eleição, e os chanceleres[8] tirem todos os anos no mês de Junho devassa dos subornos, pronunciando e prendendo os culpados ... e que antes de se fazer eleição da Mesa se ponha em público uma lista de todos os devedores da dita casa, para que destes não possam ser eleitos para seguirem cargo algum na mesma Mesa .... Luiz Manoel a fez em Lisboa[9] Ocidental a 26 de Março de 1740 ....”

 

[1] JOÃO V, D. (1689-1750): Conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

[2] CASTRO, ANDRÉ DE MELO E (1668-1753): 4º conde das Galveias, foi embaixador junto à Santa Sé no governo de d. João V, nomeado governador e capitão-general de Minas Gerais em 1732. Quatro anos depois, 1736, foi nomeado vice-rei do Estado do Brasil, cargo que ocupou até 1749. Logo no início de seu governo, a colônia de Sacramento foi invadida pelos espanhóis, mas, com seu apoio, conseguiu resistir ao cerco até 1737, quando foi novamente retomada. Promoveu a criação de tropas na Bahia e o povoamento dos sertões, como Minas Gerais e Goiás, e do sul, no Paraná e Rio Grande do Sul.

[3] MESA DA MISERICÓRDIA: Como era designada a reunião do corpo diretivo da irmandade da Santa Casa da Misericórdia, responsável pela administração desta associação.

[4] BAHIA, CAPITANIA DA: Estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[5] IRMANDADES: Associações de fiéis devotos a um santo, surgidas na Idade Média para valorização da religiosidade leiga e difusão do culto aos santos, somadas aos esforços de evangelização das populações pagãs. Presentes em Portugal na época da expansão marítima foram transplantadas para África e depois para a América também em um esforço de reforço da fé católica abalada com a reforma religiosa. As irmandades eram laicas – promoviam o culto aos santos, mas encarregavam-se de tarefas terrenas, como a assistência e a caridade com os desvalidos e doentes, garantindo aos irmanados além de sustento, um enterro cristão, com todos os ritos fúnebres católicos. Empenhavam-se também na materialidade da devoção, em promover a construção de igrejas e capelas, na aquisição de adornos, terrenos, materiais para liturgias além da promoção de festividades em louvor aos padroeiros. Eram regidas por estatutos conhecidos como compromissos, que estabeleciam a missão, as funções, o funcionamento, a administração e precisavam ser aprovados pela Mesa de Consciência e Ordens. As irmandades distinguiam-se das Ordens Terceiras porque não eram ligadas a nenhuma ordem regular como no caso das segundas, por essa razão eram também mais frequentes nas cidades e vilas de Portugal e da América Portuguesa. No geral, no território brasileiro algumas irmandades eram mais destacadas do que outras, como as dedicadas ao culto a Nossa Senhora do Rosário, ao Santíssimo Sacramento e as Santas Casas de Misericórdia, responsáveis pelos hospitais na colônia e por toda uma rede de assistência aos mais pobres. As irmandades reproduziam as hierarquias, diferenças e desigualdades da sociedade do Antigo Regime. Havia as exclusivas de brancos, negros, pardos, específicas de certos ofícios (continuando o papel das corporações europeias), como comerciantes, artesãos e músicos, por exemplo, e ainda havia as mistas, as quais, embora mais de um segmento da sociedade fosse aceito, a hierarquia interna ou administrativa reproduzia a pirâmide social de brancos no comando, e pardos e libertos ocupando os lugares mais baixos como membros. As irmandades negras eram muito numerosas no ultramar e além do papel de culto tinham a função de auxílio em necessidades, de espaço de sociabilidade e de quase reprodução de um vínculo familiar perdido na vinda do continente africano para a América. Eram também frequentes o sincretismo religioso e a prática de rituais associados às formas de devoção e culturas africanas nas festas. Embora fossem organismos de resistência – sabe-se de movimentos que surgiram a partir da articulação possível com as irmandades – além de cooperarem para a libertação de escravos com a arrecadação para compra de alforrias, também é preciso assinalar o papel aculturador e de certa forma opressor que essas associações representavam ao forçar os africanos e seus descendentes na liturgia e religião católicas, abandonando parte de suas culturas primitivas, além de disciplinarem as práticas de sociabilidade e a construção de identidades, controladas nas festividades e na prática cotidiana de sua devoção. As principais irmandades que reuniam a população branca eram as do Santíssimo Sacramento, da Misericórdia e da Santa Cruz dos Militares. As dos negros, pardos e mulatos eram as de Santo Elesbão e Santa Efigênia, do Rosário, do Amparo, dos Remédios, de São Benedito, de São Gonçalo, entre outras.

[6] CONSELHO DAS ÍNDIAS: Fundado em 1604 no reinado de Filipe III de Espanha, o órgão foi criado para organizar e centralizar a administração do império ultramarino português (Brasil, Estado da Índia, Guiné, São Tomé e Cabo Verde) que, desde 1581, estava inserido no vasto leque de territórios da monarquia dos Áustrias. Era formado por nove membros que se reuniam diariamente no Paço da Ribeira para analisar a correspondência proveniente das colônias portuguesas que chagavam aos portos lusitanos e elaborar pareceres que seriam enviados ao vice-rei de Lisboa. Este encaminharia sua avaliação ao Conselho de Portugal em Madrid, responsável pelo envio das diversas opiniões ao monarca. O conselho foi extinto em 1614.

[7] SANTA CASA DA MISERICÓRDIA: Irmandade religiosa portuguesa criada em 1498, em Lisboa, pela rainha Leonor de Lencastre. Era composta, inicialmente, por cem irmãos, sendo metade nobres e os demais plebeus. Dedicada à Virgem Maria da Piedade, a irmandade adotou como símbolo a virgem com o manto aberto, representando proteção aos poderes temporal e secular e aos necessitados. Funcionava como uma organização de caridade prestando auxílio aos doentes e desamparados, como órfãos, viúvas, presos, escravos e mendigos. Entre as suas realizações, destaca-se a fundação de hospitais. Segundo o historiador Charles Boxer, eram sete os deveres da Irmandade: “dar de comer a quem tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nus; visitar os doentes e presos; dar abrigo a todos os viajantes; resgatar os cativos e enterrar os mortos” (O império marítimo português. 2ª ed., Lisboa: Edições 70, 1996, p. 280). A instituição contou com a proteção da Coroa portuguesa que, além do auxílio financeiro, lhe conferiu privilégios, como o direito de sepultar os mortos. Enfrentando dificuldades financeiras, a Mesa da Misericórdia e os Hospitais Reais de Enfermos e Expostos conseguiram que a rainha d. Maria I lhes concedesse a mercê de instituir uma loteria anual, através do decreto de 18 de novembro de 1783. Cabe destacar que os lucros das loterias se destinavam, também, as outras instituições pias e científicas. Inúmeras filiais da Santa Casa de Misericórdia foram criadas nas colônias do Império português, todas com a mesma estrutura administrativa e os mesmos regulamentos. A primeira Santa Casa do Brasil foi fundada na Bahia, ainda no século XVI. No Rio de Janeiro, atribui-se a criação da Santa Casa ao padre jesuíta José de Anchieta, por volta de 1582, para socorrer a frota espanhola de Diogo Flores de Valdez atacada por enfermidades. A irmandade esteve presente, também, em Santos, Espírito Santo, Vitória, Olinda, Ilhéus, São Paulo, Porto Seguro, Sergipe, Paraíba, Itamaracá, Belém, Igarassu e São Luís do Maranhão. A Santa Casa constituiu a mais prestigiada irmandade branca dedicada à ajuda dos doentes e necessitados no Império luso-brasileiro, desempenhando serviços socais como a concessão de dotes, o abrandamento das prisões e a organização de sepultamentos. Os principais hospitais foram construídos e administrados por essa irmandade, sendo esta iniciativa gerada pelas precárias condições em que viviam os colonos durante o período inicial da ocupação territorial brasileira. A reunião do corpo diretivo da irmandade da Santa Casa da Misericórdia, responsável pela administração desta associação, era chamada Mesa da Misericórdia.

[8] CHANCELER: Guarda-selos. Funcionário do governo encarregado de chancelar documentos ou diplomas tornando-os autênticos. Era o magistrado responsável pela guarda do selo real.

[9] LISBOA: Capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008. http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/86/86). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

 

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
-  Ao trabalhar o tema transversal “Pluralidade cultural” 
-  No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder” 

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- Homem e a cultura
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais 
- As relações sociais de dominação na América
- Brasil colonial: organizações religiosas

Devotos de São Miguel

Requerimento de moradores da cidade de Sergipe para que o rei autorizasse a criação de uma capela filial à igreja matriz da cidade.  A capela seria fundada no local onde existia um santuário em homenagem a São Miguel Arcanjo no subúrbio de Sergipe.  Por este documento, pode-se conhecer algumas das atividades desenvolvidas pelas instituições desse gênero, como os festejos, os quais marcaram o cenário colonial.

 

Conjunto documental: Mesa da Consciência e Ordens
Notação: Caixa 291, pct. 5.
Datas-limite: 1786-1828
Título do fundo ou coleção: Mesa da Consciência e Ordens
Código do fundo: 4J
Argumento de pesquisa: Irmandades
Data do documento: s.d.
Local: s.l.
Folha(s): Documento 82

 

“Dizem os Devotos de São Miguel Arcanjo[1], moradores da cidade de Sergipe[2] de El Rei; do Arcebispado[3] da Bahia[4], que os suplicantes pela muita devoção que tem com o mesmo Santo fizeram um nicho nos subúrbios da mesma cidade aonde lhe chamam ilegível, que tem de fundo dezesseis palmos, fechado com sua grade e aonde tem um altar, com cruz e estampa do mesmo Santo e os mesmos moradores costumam diariamente cantarem o terço de Nossa Senhora e atualmente as Novenas[5] do mesmo Santo e no ilegível de Setembro fazem celebrar a sua Festividade[6] em honra e louvor do mesmo Santo ilegível prosa e documento junto; mas Real Senhor e grande ilegível e zelo que tem ilegível de dia em dia nos Devotos, humildes Vas. De Vossa Majestade, pretendem elevar aquele nicho a capela filial da Matriz daquela cidade, sem prejuízo dos Direitos Paroquiais e fazerem sua confraria e como o não podemos fazer sem o Real Consentimento de Vossa Majestade se digna, pela sua real clemência concede-lhes aos suplicantes Provisão Régia de erguerem a dita capela como mesmo título de arcanjo São Miguel. Por sua graça.” Assinatura Ilegível

 

[1] SÃO MIGUEL DE ARCANJO: cujo nome significa “o que é um com Deus”, é considerado o chefe dos exércitos celestiais e o padroeiro da Igreja Católica Universal. É o anjo do arrependimento e da justiça e é invocado para coragem, defesa forte e proteção divina.  O dia 29 de setembro é o dia de devoção ao anjo.

[2] SERGIPE, CAPITANIA DE: localizada no litoral brasileiro, entre os atuais estados da Bahia e de Alagoas, o nome Sergipe tem origem tupi, vindo das palavras si´ri u pe, que significa “rio dos siris”, e mais tarde de Cirizipe ou Cerigipe, que significava o “ferrão de siri”, denominação de um dos chefes indígenas que se opuseram ao domínio português. A região é cortada pelos rios São Francisco, o rio Vasa-Barris, Real, Sergipe e afluentes que foram importantes para a metrópole portuguesa, facilitando a comunicação e o fluxo de mercadorias e metais preciosos e articulando os centros produtores de açúcar, a exemplo de Pernambuco e a Bahia, centro administrativo do Estado do Brasil na época. Sergipe del Rei teve como donatário Francisco Pereira Coutinho e o povoamento teve início, em 1590 com a fundação de São Cristóvão que foi sede da capitania. Ao longo de sua história, Sergipe sofreu uma série de intervenções tanto internas como estrangeiras. A primeira redução do território sergipano se deu em 1698, quando o desembargador Estevão Ferraz, governador geral do Brasil criou a vila de Cachoeira na Bahia, transferindo a fronteira de Sergipe para acima do rio Subaúma. Uma segunda diminuição ocorreu mais tarde quando parcela do seu território compôs a capitania de Jacobina. Sergipe também foi alvo da ação de piratas e contrabandistas de pau-brasil e invadida pelos holandeses no período de 1637 a 1645. Em 1763, seu território foi unido a Bahia, Ilhéus e Porto Seguro, formando uma única província. A partir do século XIX, sua economia destacou-se na produção de açúcar que, junto a outros produtos como algodão, couro, fumo [tabaco] e gado, era exportado para as capitanias vizinhas. Somente por meio da carta régia de 8 de julho de 1820, Sergipe foi elevado à condição de capitania independente da Bahia, sendo esta decisão confirmada em dezembro de 1822 por d. Pedro I.

[3] ARCEBISPADO: também chamado arquidiocese, trata-se de uma circunscrição eclesiástica da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa, cuja autoridade máxima é exercida por um arcebispo. Na Igreja Católica também pode ser designado por Metrópoles Eclesiásticas, com outros bispados sufragâneos. Um arcebispado pode abranger vastos territórios, a exemplo do arcebispado de Goa que se estendeu desde o Cabo da Boa Esperança até a China.

[4] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[5] NOVENAS: a palavra designa as preces repetidas durante nove dias. Teve sua origem na tradição católica, os noves dias seriam o intervalo de tempo entre a ascensão de Jesus Cristo ao céu e a descida do Espírito Santo, quando a comunidade cristã ficou reunida em torno de Maria. Todavia, também, significava o castigo de açoites públicos, aplicado aos escravos insubordinados por nove dias seguidos.

[6] FESTEJOS COLONIAIS: no primeiro século da colonização, as festividades seguiam os rituais religiosos do calendário cristão e movimentavam toda a população, caracterizando-se por uma europeização dos costumes nas terras americanas. Ocupando posição de destaque na sociedade, as festas integravam diferentes estratos sociais, etnias e religiosidades no Brasil colonial. De uma maneira geral, as festas dividiam-se entre as religiosas e as públicas: as religiosas dedicavam-se ao culto a Jesus Cristo (nascimento, morte e ressurreição) e aos santos padroeiros e mártires, sendo promovidas pelas igrejas e irmandades; já as públicas eram organizadas pelas autoridades portuguesas e coloniais, celebrando, sobretudo, a coroação de reis, batismos e casamentos dos membros da família real. Tais festejos podem ser vistos como um modo de consolidar os vínculos coloniais, fortalecendo a monarquia e sua burocracia. Eram também uma forma de introjetar a cultura católica no seio de uma sociedade mestiça, disseminando as práticas e costumes brancos, estimulando a devoção popular. O poder exercido através das festas acontecia em tal grau, que a recusa em participar destes eventos poderia resultar em acusações de heresias ou subversões, coagindo a participação efetiva de todos os membros da comunidade. As festividades, religiosas e públicas, serviam também como momento da manifestação de rebeldia e protesto contra os poderosos. No entanto, dentro deste espaço delimitado, possibilitava a manutenção da ordem colonial. Aos poucos, as festividades foram abrindo espaço para o lúdico e o profano, seduzindo cada vez mais os colonos. Entre as principais manifestações, estavam as festas do calendário religioso (abarcando cerca de um terço do ano), as congadas negras e as cavalhadas dos brancos luso-brasileiros (representação da rivalidade entre mouros e cristãos).

 

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- Ao trabalhar o tema transversal "Pluralidade cultural"
- No eixo temático sobre a "História das representações e das relações de poder"


Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- O Homem e a cultura
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais
- As relações sociais de dominação na América
- Brasil colonial: organizações religiosas

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário

Carta de Joaquim Guilherme da Costa Sosser, representante da irmandade de Nossa Senhora do Rosário, sobre o compromisso apresentado na Secretaria de Estado de Negócios do Reino.  Por essa carta,  os membros da irmandade solicitaram à Família Real  sua adesão à instituição como irmãos e juízes perpétuos, de forma a  aumentar o culto à santa.  O documento traz informações importantes sobre essa irmandade,  permitindo conhecer um pouco dos mecanismos utilizados por esse tipo de instituição.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: Caixa 638
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Irmandades
Data do documento:  28 de junho de 1820
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): Pacotilha 1, 104; documento 3

 

 

“Il.mo e Ex.mo Senhor

Tendo sido apresentado nesta secretaria de Estado dos Negócios do Reino, o compromisso[1] da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário[2] ereta do Colégio dos Padres Dominicanos[3] Irlandeses desta cidade, confirmado pela provisão de 4 de maio de 1781, expedido pela real resolução de 22 de março do mesmo ano tomada em consulta da Mesa do Desembargo do Paço[4], se acha o capítulo do teor seguinte:

“Como a Rainha fidelíssima Nossa Senhora[5], que Deus guarde, se dignou por efeitos da sua real piedade e devoção não só assentar por irmã  da nossa irmandade, e a sua imitação o Senhor Rei Dom José Primeiro[6], que Santa Glória haja, e toda a Família Real, mas também o ser Juíza Perpétua, terão muito cuidado os irmãos que pelo tempo adiante servirem em Mesa solicitar, que os Senhores Reis que foram destes reinos sejam sempre  Juízes Perpétuos da Nossa Irmandade, e as Senhoras Rainhas Juízas Perpétuas, pois de assim o conseguirem resultar honra para nossa irmandade, e um estímulo mui forte para o aumento do culto de Nossa Senhora do Rosário.”

Igualmente foi apresentado outro livro de assentos dos irmãos e irmãs da dita irmandade, e nele estão o assento do Senhor Rei Dom José, que Santa Glória haja, assinado pela Sua Real Mão em 20 de abril de 1764 como irmão da irmandade, assim o da Senhora Rainha Dona Mariana Victória em 28 do mesmo mês e ano.

O assento lavrado em 3 de outubro de 1777, assinado pela Real Mão da Augusta Rainha a Senhora Dona Maria[7] que está no céu, é do teor seguinte:

“A augustíssima Senhora Rainha Nossa Senhora Dona Maria Primeira que Deus Guarde tendo sido irmã desta nossa irmandade por suceder no Reino a seu pai o Senhor Rei Dom José o Primeiro, que era Juiz Perpétuo também se dignou de ser perpétuo juiz sic da mesma irmandade, em testemunho do que abaixo assinou aos 3 de outubro de 1777; E na mesma data outro assinado pelo Senhor Rei Dom Pedro Terceiro[8], como Perpétuo Juiz da irmandade.

El Rei Nosso Senhor sendo infante[9], e os mais senhores da Família Real, estão assinados como irmãos da irmandade.

A Augustíssima Rainha a Senhora Dona Maria, que está no céu mandava pagar a sua joia de vinte mil réis[10] por ano como Juíza Perpétua, pelo comprador da Casa Real Francisco José de Almeida, e deve-se desde 1805 em diante.

El Rei Nosso Senhor mandava como irmão, pagar pelo cofre do Sereníssimo Estado, e Casas de Infantado[11] a Joia de 6.400 réis cada ano, e recebeu a irmandade até 1816.

As Sereníssimas Senhoras devem as suas respectivas joias de irmãs desde 1806 em diante.” Secretaria de Estado dos Negócios do Reino em 28 de junho de 1820. Joaquim Guilherme da Costa Sosser.

 

[1] COMPROMISSO: estatuto que regia as irmandades católicas. Os compromissos eram documentos juridicamente reconhecidos, nos quais vinham prescritas as normas, os deveres e as obrigações que implicavam a associação a essas instituições. Cada irmandade possuía um compromisso próprio, com suas especificidades.

[2] IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO: o culto a N. S. do Rosário foi introduzido por São Domingos de Gusmão e foi difundido pelos dominicanos a partir do século XIII. As irmandades criadas em devoção a Nossa Senhora do Rosário apareceram em Lisboa em meados do século XV e rapidamente se disseminaram pelo império português, África e América. A irmandade chegou ao Brasil em meados do XVI tendo sido a primeira a Irmandade dos Homens Pretos de Olinda e o culto foi difundido principalmente pelos jesuítas e franciscanos, representando uma forma poderosa de evangelização e controle da população, sobretudo a mais pobre, pela Igreja católica. As irmandades do Rosário costumavam ser compostas por brancos e negros e algumas vezes por ambos, sendo que neste caso cabiam aos brancos as posições administrativas e de liderança. Com o passar dos séculos os negros, cativos ou livres, africanos ou brasileiros passaram a ser maioria nas irmandades do Rosário. No caso desses, a irmandade tinha especial importância, para além do culto ao orago, das liturgias e festividades, pela importante assistência prestada a escravos e libertos em situação de dificuldades e doenças, além de assegurar os enterros em locais santos e garantir as missas e orações póstumas que encomendassem as almas. Não custa lembrar que os escravos eram enterrados em covas rasas e coletivas sem os ritos fúnebres, nesse caso católicos, ou de suas religiões pregressas. Para além das questões devocionais e de ordem prática, as irmandades do Rosário de homens pretos tinham um importante calendário festivo que promovia interação, integração e reconstrução na América de vínculos familiares perdidos na diáspora, sociabilização e formação de redes de apoio e auxílio. Eram importantes no sincretismo de elementos das culturas africanas com a religião católica, resultando numa religiosidade particularmente brasileira, o que se refletia principalmente nas festas, sendo comum a sagração de reis e rainhas, tal como acontecia em alguns reinos no continente de origem, além da mistura das danças, músicas, congadas, além obviamente das missas e procissões. As irmandades em geral, mas sobretudo as do Rosário e de santos negros, ajudaram a promover um importante elo entre os irmãos que ajudavam na reconstrução das identidades na nova terra e significavam também formas de existir e resistir na sociedade e suportar os suplícios da escravidão, a miséria e o abandono dos governos.

[3] ORDEM DOMINICANA: originalmente conhecida por Ordem dos frades pregadores, foi fundada por São Domingos de Gusmão no século XIII. Tratava-se de uma ordem regular da Igreja Católica que exigia de seus membros uma dedicação especial à oração, ao estudo e ao ensino. O objetivo principal desta ordem era a pregação do evangelho e a conversão ao cristianismo. Em seus votos estavam incluídos a pobreza e a castidade. Possuía aspectos essencialmente urbanos, como a vida em comunidade e a itinerância, ao contrário de outras ordens dedicadas ao isolamento, ao trabalho manual e agrícola. Constituía uma congregação bastante influente no meio religioso, sendo utilizada em algumas missões diplomáticas eclesiásticas. A ordem dominicana chegou ao Brasil somente em fins do século XIX. A primeira fundação foi obra de dominicanos franceses da Província de Tolosa, na cidade de Uberaba, no sul de Minas Gerais. Tinham como propósito atender à população do interior de Minas e Goiás e fundar uma missão junto aos índios do Araguaia.

[4] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (LISBOA): também chamada de Tribunal do Desembargo do Paço, foi o mais alto órgão da administração central portuguesa até o século XIX, que regia o Reino, e não o Ultramar. Este tribunal, estabelecido no reinado de d. João II (1481-1495) mas somente efetivado no período de d. Manuel I (1495-1521), era o tribunal supremo da monarquia, responsável por questões relativas à justiça e à administração civil do reino no âmbito da Graça. Tornou-se autônomo em relação à Casa de Suplicação em 1521, recebendo novo regimento. Até o reinado de d. Sebastião I, suspenso em 1578, quem presidia o Tribunal era o próprio rei, o que passou a não ser mais obrigatório com uma mudança instituída durante os reinados Filipinos (1580-1640). Constituído por um corpo de magistrados, já então denominados desembargadores do Paço, recrutados principalmente entre os eclesiásticos, teólogos e juristas experientes, este órgão da administração central da coroa, possuía uma grande variedade de incumbências, tendo suas funções revistas e ampliadas por sucessivas alterações de regimento, dentre as quais compreendiam: a concessão de cartas de perdão e cartas de privilégio; concessão de perdões reais, suspensão de degredos; a dispensa de idade e de nobreza para servir nos cargos de governo; comutação de pena aos criminosos; restituição de fama e outras mercês semelhantes; a legitimação e emancipação de filhos; a concessão de licença para impressão de livros; deliberando, ainda, sobre o recrutamento e provimento de juízes e arbitrando conflitos entre os demais tribunais da Coroa; entre outras questões. A vinda da corte para o Brasil em 1808 acarretou a criação da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, por meio do alvará de 22 de abril daquele ano, que incorporou parte dos encargos da Mesa da Consciência e Ordens de Lisboa. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço do Reino continuou a existir, sendo extinta apenas em 1833, no âmbito da guerra civil entre liberais e absolutistas, suas atribuições passando para as Secretarias de Estado do Reino e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

[5] MARIANA VITÓRIA, D. (1718-1781): a princesa espanhola d. Mariana Vitória era filha de Filipe V e da sua segunda esposa, a rainha d. Isabel Farnésio. Com o propósito de selar uma aliança entre as Coroas ibéricas, como era de costume no período colonial, foram acertados dois casamentos: o de d. Mariana Vitória com o herdeiro do trono lusitano, d. José, e do herdeiro do trono de Espanha, d. Fernando, com a infanta portuguesa d. Maria Bárbara. Os acordos nupciais se concretizaram em 1729, ficando a troca das princesas conhecida por “troca de Caia” (já que as princesas foram entregues aos seus respectivos pretendentes às margens do rio Caia). A cerimônia nupcial de d. Mariana Vitória e d. José foi celebrada em 19 de janeiro daquele ano. Como rainha, d. Mariana contribuiu para o desenvolvimento das artes em Portugal, assumindo a regência do reino em 1776, diante do agravamento da doença de d. José I. Durante o ano em que esteve à frente do poder (1776-1777), manteve o marquês de Pombal em suas funções. Foi sucedida por sua filha d. Maria I.

[6] JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[7] MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[8] PEDRO III, D. (1717-1786): Pedro Clemente Francisco José era filho de d. João V e d. Maria Ana da Áustria. Tornou-se príncipe do Brasil e rei consorte de Portugal em 1777, em razão do seu casamento com sua sobrinha d. Maria I (1760), herdeira de d. José I, quando esta ascendeu ao trono. Figura sem expressão na política portuguesa, credita-se a d. Pedro III a iniciativa para construção do Palácio de Queluz.

[9] INFANTE: título de nobreza concedido aos filhos legítimos dos reis da Espanha e Portugal que não eram herdeiros da Coroa, bem como aos filhos do herdeiro presuntivo – o príncipe – do trono português.

JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[10] RÉIS: moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

[11] CASA DO INFANTADO: foi criada em 1654 em Portugal por ordem do rei d. João IV, com o objetivo de assegurar o futuro econômico aos filhos segundos dos monarcas. Buscava-se, assim, evitar conflitos entre os primogênitos com direito ao trono e os segundos filhos, assegurando o mantimento dos últimos que teriam sua casa própria, além de outras propriedades e os rendimentos a elas relacionados. Era formada pela estrutura da “casa”, propriamente dita e toda corte do Infante, bem como uma estrutura administrativa para seu funcionamento e arrecadação. Ao longo do tempo, a casa foi recebendo novas doações e mercês da Coroa portuguesa e rapidamente se transformou na segunda maior casa senhorial portuguesa.


Sugestões de uso em sala de aula:

Utilizações possíveis:
- Ao trabalhar o tema transversal “Pluralidade cultural” 
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”


Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- O Homem e a cultura
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais 
- As relações sociais de dominação na América
- Brasil colonial: organizações religiosas

Irmandade de Santa Cecília

Registro de compromisso da Irmandade da gloriosa virgem e mártir Santa Cecília  para aqueles desejosos de ingressar como membro da irmandade. Dividido em dezesseis capítulos, esse documento é interessante por revelar, desde as exigências requeridas para se efetuar a adesão,  até as normas que regulavam a vida de um membro dessa instituição.  Desse modo, permite uma maior compreensão do cotidiano dessas instituições.

 

Conjunto documental: Registro Geral de Ordens Régias

Notação: códice 64, vol. 20

Datas-limite: 1753-1794

Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil

Código do fundo: 86

Argumento de pesquisa: Irmandade

Data do documento: 8 de outubro de 1787

Local: Rio de Janeiro

Folha(s): 46v a 63v

 

 

“Registro do Compromisso[1] da Irmandade[2] da Gloriosa Virgem e mártir Santa Cecília[3] sita na igreja de N. S. do Parto[4] da cidade do Rio de Janeiro[5] de que é protetor o Il.mo e Ex.mo senhor vice-rei do Estado.

 

Capítulo Primeiro ...

 

1°- Toda a pessoa que quiser exercitar a profissão de músico[6], ou seja cantor, ou instrumentista será obrigado a entrar nesta confraria[7]; e para ser admitido por confrade representará à Mesa declarando a qualidade do seu estado a sua naturalidade para que a Mesa o possa admitir ou excluir sendo notoriamente inábil, ou publicamente escandaloso pelo seu mau procedimento. ...

 

3°- Não serão admitidos na Irmandade senão os professores[8] que tiverem verdadeira inteligência da música ... excluindo toda a pessoa que exercitar ofício mecânico[9]. Poderão porém ser admitidos todos os que exercitarem ofícios nobres pela utilidade que destes pode resultar a confraria. ...

 

4°- No ato de entrada de todo o que quiser ser irmão da confraria que não seja professor de música dará dois mil e quatrocentos réis[10]. ...

 

Capítulo Segundo

 

Da obrigação de todos os novos irmãos em geral.

 

1°- Serão obrigados os irmãos músicos a contribuírem para o cofre da Irmandade anualmente com um vintém[11] de cada pataca[12] que ganharem de todas as funções que forem cantar ou tanger[13]. ...

 

3°- Assistirão todos os nossos irmãos professores a festa da nossa Santa, e o que faltar sem ser por causa de moléstia, será multado por cada vez em dois arratéis[14] de cera. ...

 

4°- Falecendo qualquer dos nossos irmãos ou a mulher, filhos, ou pais de cada um deles devem os mais por ato de caridade achar-se na igreja onde vai a sepultar para ali rogarem a Deus N. Senhor pelas suas almas ....

 

5°- Nenhum dos nossos irmãos devem ensinar a profissão a pessoas que não sejam dignas de a exercitar e capazes de entrar na nossa irmandade ....

 

Cumpra-se como S. Majestade[15] manda registre-se aonde tocar. Rio 8 de Outubro de 1787. Luis de Vasconcelos e Souza[16].”

 

[1]COMPROMISSO: estatuto que regia as irmandades católicas. Os compromissos eram documentos juridicamente reconhecidos, nos quais vinham prescritas as normas, os deveres e as obrigações que implicavam a associação a essas instituições. Cada irmandade possuía um compromisso próprio, com suas especificidades.

[2] IRMANDADES: Associações de fiéis devotos a um santo, surgidas na Idade Média para valorização da religiosidade leiga e difusão do culto aos santos, somadas aos esforços de evangelização das populações pagãs. Presentes em Portugal na época da expansão marítima foram transplantadas para África e depois para a América também em um esforço de reforço da fé católica abalada com a reforma religiosa. As irmandades eram laicas – promoviam o culto aos santos, mas encarregavam-se de tarefas terrenas, como a assistência e a caridade com os desvalidos e doentes, garantindo aos irmanados além de sustento, um enterro cristão, com todos os ritos fúnebres católicos. Empenhavam-se também na materialidade da devoção, em promover a construção de igrejas e capelas, na aquisição de adornos, terrenos, materiais para liturgias além da promoção de festividades em louvor aos padroeiros. Eram regidas por estatutos conhecidos como compromissos, que estabeleciam a missão, as funções, o funcionamento, a administração e precisavam ser aprovados pela Mesa de Consciência e Ordens. As irmandades distinguiam-se das Ordens Terceiras porque não eram ligadas a nenhuma ordem regular como no caso das segundas, por essa razão eram também mais frequentes nas cidades e vilas de Portugal e da América Portuguesa. No geral, no território brasileiro algumas irmandades eram mais destacadas do que outras, como as dedicadas ao culto a Nossa Senhora do Rosário, ao Santíssimo Sacramento e as Santas Casas de Misericórdia, responsáveis pelos hospitais na colônia e por toda uma rede de assistência aos mais pobres. As irmandades reproduziam as hierarquias, diferenças e desigualdades da sociedade do Antigo Regime. Havia as exclusivas de brancos, negros, pardos, específicas de certos ofícios (continuando o papel das corporações europeias), como comerciantes, artesãos e músicos, por exemplo, e ainda havia as mistas, as quais, embora mais de um segmento da sociedade fosse aceito, a hierarquia interna ou administrativa reproduzia a pirâmide social de brancos no comando, e pardos e libertos ocupando os lugares mais baixos como membros. As irmandades negras eram muito numerosas no ultramar e além do papel de culto tinham a função de auxílio em necessidades, de espaço de sociabilidade e de quase reprodução de um vínculo familiar perdido na vinda do continente africano para a América. Eram também frequentes o sincretismo religioso e a prática de rituais associados às formas de devoção e culturas africanas nas festas. Embora fossem organismos de resistência – sabe-se de movimentos que surgiram a partir da articulação possível com as irmandades – além de cooperarem para a libertação de escravos com a arrecadação para compra de alforrias, também é preciso assinalar o papel aculturador e de certa forma opressor que essas associações representavam ao forçar os africanos e seus descendentes na liturgia e religião católicas, abandonando parte de suas culturas primitivas, além de disciplinarem as práticas de sociabilidade e a construção de identidades, controladas nas festividades e na prática cotidiana de sua devoção. As principais irmandades que reuniam a população branca eram as do Santíssimo Sacramento, da Misericórdia e da Santa Cruz dos Militares. As dos negros, pardos e mulatos eram as de Santo Elesbão e Santa Efigênia, do Rosário, do Amparo, dos Remédios, de São Benedito, de São Gonçalo, entre outras.

[3] IRMANDADE DE SANTA CECÍLIA: associação religiosa constituída em Lisboa provavelmente no início do século XVII, cuja primeira sede pegou fogo no Terremoto de 1755 e cujos primeiros documentos se perderam. Foi reconstruída em 1760 por alvará de d. José I, que atendeu ao pedido dos membros da irmandade que desapareceu. Essa nova versão da irmandade de Santa Cecília dos Músicos de Lisboa serviu de modelo para as irmandades de corporações que surgiram no Brasil durante o período colonial e o primeiro reinado, inclusive a própria irmandade de Santa Cecília, que só foi instalada por aqui na segunda metade do século XVIII. Antes disso os músicos se reuniam em outras irmandades, sobretudo as que aceitassem negros e mestiços, uma vez que muitos músicos da colônia eram forros, libertos e mulatos. A música era parte da educação das elites brancas coloniais, mas nunca como uma atividade laboral, ligada às artes liberais. Aos homens pobres, sobretudo de cor, restavam tais posições de trabalho que conferiam algum prestígio. Nas Minas Gerais, onde havia grande número de músicos, havia as irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte, de Nossa Senhora das Mercês, de Nossa Senhora do Rosário, que recebiam os músicos, irmandades voltadas para a devoção de negros, cativos ou livres. A primeira irmandade de Santa Cecília instituída no Brasil foi a de Olinda, em 1760, a do Rio de Janeiro ocorreu em julho de 1784, quando teve seu compromisso registrado oficialmente por um tabelião, na Igreja de Nossa Senhora do Parto. O compromisso, ou os estatutos de funcionamento da agremiação, estabelecia o controle do exercício da profissão de músico, já que somente os irmãos poderiam trabalhar na área profissionalmente, além de estabelecer a necessidade de provar o talento e capacidade para a música. Regulava a estrutura da irmandade / corporação, as ações sociais a que os irmãos tinham direito, como sepultamentos, missas e auxílios financeiros e caridade, a distinção entre os tipos de músicos, a rígida disciplina no exercício profissional bem como as penas para a infração das regras, a perda do título de irmão em caso de mau uso da profissão ou  mau comportamento, os preparativos necessários para a festa da padroeira, principal evento que conferia prestígio à irmandade e seus membros, além de tratar das questões administrativas internas.

[4] N. S. DO PARTO: trata-se de uma das manifestações de Nossa Senhora. De acordo com a Igreja Católica, as dores do trabalho de parto são parte do purgamento necessário às mulheres por terem consumado uma ação pecaminosa em essência: a relação sexual. Na história de Maria, por ser uma virgem, e, portanto, imaculada do pecado original, Deus a livrou das dores do parto. A mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, pura e imaculada, era assim invocada para amenizar as dores e a apreensão de todas as mulheres que estivessem em trabalho de parto.

[5] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[6] MÚSICO: trata-se do ofício de músico. Com relação à música no Brasil colonial, as irmandades religiosas viabilizaram a introdução dos instrumentos de corda no início do século XVIII. Conhecidos como “rabecas”, esses instrumentos eram utilizados nos festejos católicos. Por volta de 1750, a música sofreu mudanças, assumindo o estilo pré-clássico italiano, que então dominava a música portuguesa. Note-se que a grande maioria dos músicos, regentes e compositores deste período era constituída por mulatos, dentre os quais podemos citar Caetano de Melo Jesus, Luís Álvares Pinto e Manuel Dias de Oliveira. Na última década do século XVIII, houve a influência da música clássica italiana, cujos principais representantes foram Domênico Cimarosa e Giovanni Paisiello. Entre as músicas populares, existiam as modinhas e os lundus, sobretudo a partir da década de 1780, com acompanhamento de violas e guitarras.

[7] CONFRARIA: o termo tem origem na Idade Média, quando um grupo de pessoas se associa em torno de interesses ou objetivos comuns com vocação assistencial e espiritual. Podiam ser associações religiosas ou corporativas. Nascidas da solidariedade profissional, as confrarias laicas tinham como finalidades essenciais os socorros mútuos e defesa comum, a arbitragem corporativa, a assistência na doença, pobreza e velhice, assim como a velada, o sepultamento e o sufrágio das almas dos seus confrades. Já as de caráter religioso, eram associações de leigos que se reuniam para promover o culto a um santo, agrupando-se por vizinhança, foram extremamente importantes na América hispânica, fundamentais para a propagação da fé católica na colônia, devido ao precário número de missionários e paróquias para o vasto território.

[8] PROFESSOR: os jesuítas foram os primeiros professores da América portuguesa, atuando nas escolas de alfabetização para crianças e adultos, onde ensinavam leitura e religião a brancos e índios desde o século XVI. Com o crescimento populacional, a Coroa estendeu esta tarefa também aos profissionais laicos, aumentando a oferta do ensino escolar gratuito por meio das instituições militares, muito embora os colégios jesuítas fossem em muito maior número do que os estabelecimentos laicos. Através do alvará de 1759, d. José I, na figura de seu ministro Pombal, estabeleceu a reorientação do ensino luso, substituindo os métodos utilizados pelos jesuítas por outros que se faziam presentes no restante da Europa e que atendiam aos novos tempos ilustrados. Este novo método foi detalhado na instrução para “Professores de Gramática Latina e Hebraico” e por alguns livros recomendados, que deveriam ser seguidos pelos professores régios e particulares de instituições religiosas ou não.

[9] OFÍCIOS MECÂNICOS: o termo designa atividades relacionadas com trabalhos manuais. No Brasil colonial, tais ofícios eram considerados inferiores, dada a tradição cultural de valorização do ócio enquanto representação de nobreza, associando-os à escravidão. Com frequência esses ofícios se agruparam em irmandades como os ferralheiros, ferreiros, serralheiros e outros que se reuniram na Irmandade de São Jorge. Era tida como obrigatória tal filiação e, em alguns casos, as irmandades abrigaram a população negra e escravizada, a despeito das interdições decorrentes dos critérios da “limpeza de sangue”. A irmandade vedava em seu primeiro compromisso o acesso de “Judeu, Mouro, negro ou mulato ou de outra infecta nação”, observa Beatriz Catão. Mas, diante da intervenção da Coroa, iria admitir a presença tanto de irmãos proprietários de escravos quanto de forros e cativos, reunidos a partir do ofício exercido (Irmandades, ofícios e cidadania no Rio de Janeiro do século XVIII. IX Congresso Internacional da Brazilian Studies Association (BRASA),2008. Disponível em http://www.brasa.org/wordpress/Documents/BRASA_IX/Beatriz-Catao-Cruz-Santos.pdf). Já os ofícios nobres relacionavam-se às habilidades intelectuais, tais como as letras e as artes. No entanto, ao longo do século XIX, ofícios mecânicos prender-se-iam à ideia de “artes úteis”, permitindo uma aplicação concreta em campos como a guerra, a engenharia, ciências naturais, tipografia, ou seja, na produção de bens ou serviços públicos. Por serem considerados impulsionadores de atividades econômicas, os ofícios mecânicos ganhariam importância. Um exemplo foi a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios por d. João VI em 1816, com o objetivo de formar “homens destinados não só aos empregos públicos da administração do estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia, indústria e comércio de que resulta a subsistência, comodidade e civilização dos povos”. O decreto de criação da escola afirmava fazer-se “necessário aos habitantes o estudo das belas artes com aplicação e preferência aos ofícios mecânicos cuja prática, perfeição e utilidade dependem dos conhecimentos teóricos daquelas artes e difusivas luzes das ciências naturais, físicas e exatas”. As artes mecânicas incluíam ourivesaria, marcenaria e até concepção de inventos e máquinas destinados a melhorar algum aspecto da produção de bens.

[10] RÉIS: moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

[11] VINTÉM: antiga moeda equivalente a 20 réis.

[12] PATACA: moeda espanhola no valor de 420 réis, que circulou em Portugal e na América portuguesa durante a União Ibérica (1580-1640). Após a restauração do reino de Portugal lançou um apataca, em prata, correspondendo a 320 réis.

[13] TANGER: tocar instrumento musical

[14] REFORMA DOS PESOS E MEDIDAS: com a unificação do território português surge a necessidade de padronização dos pesos e medidas no reino. Posteriormente, com a incorporação de novos territórios decorrente da expansão marítima e comercial, dos séculos XV e XVI, a preocupação com a uniformização dos pesos e medidas se estende a todo império ultramarino. A imprecisão das unidades de medidas usuais, que permitia fraudes, opunha-se à crescente importância de um sistema unificado e científico de pesos e medidas que facilitasse as transações comerciais, tanto no interior do império como entre as diferentes nações europeias. Apontando para uma tendência de uniformização dos pesos e medidas a nível mundial, em função do comércio e das trocas científicas, é adotado o “marco” em Portugal, medida de peso de uso corrente na Europa, por provisão, em outubro de 1488. Assim, observam-se diversas reformas e regramentos no sentido de estabelecer uma uniformização, e a partir do século XIX, a Academia Real das Ciências de Lisboa toma parte em algumas das comissões encarregadas das reformas. Ainda em 1812, é criada uma Comissão para o exame dos forais e melhoramentos da agricultura que, em conjunto com a Academia Real, propõe uma reforma baseada no modelo francês, mas que mantinha a terminologia portuguesa, de forma a atenuar a mudança. Finalmente, através de decreto de d. Maria II, em meados do século XIX, é implantado o sistema métrico decimal adotando a nomenclatura francesa. Até então, as unidades de medidas mais usadas em Portugal e, por conseguinte, no Brasil, eram: para comprimento, a légua (6.600 m), a braça (2,2 m), a vara (1,1 m) e o palmo (0,22 m); para peso, a arroba (≈15 kg), o marco (≈230 g), o arratel (≈460 g), a onça (28,691 g), o grão (50g) e a oitava (3,586 g). Já na pesagem do açúcar, utilizava-se o pão (63,4 Kg); o saco (75 Kg); o barril, a barrica e o tonel (120Kg); a caixa (300 Kg) e a tonelada (1000 Kg). Por fim, como medidas de volume, temos a cuia (1,1 l), a canada (2,662 l), o quartilho (0,665 l), o almude (31,944 l), o alqueire (36,4 l) e a pipa (485 l).

[15] MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[16] SOUZA, LUÍS DE VASCONCELOS E (1742-1809): nasceu em Lisboa e se formou em bacharel em cânones pela Universidade de Coimbra. Ainda em Portugal, ocupou importantes cargos da magistratura. Entre os anos 1779 e 1790, foi vice-rei do Brasil, sucedendo o 2º marquês do Lavradio. Em seu governo criou uma prisão especial destinada à punição dos escravos, como alternativa aos violentos castigos impostos pelos seus senhores; promoveu a cultura do anil, do cânhamo e da cochonilha; apoiou as pesquisas botânicas realizadas por frei José Mariano da Conceição Veloso e patrocinou a criação de uma sociedade literária no Rio de Janeiro em 1786. Entre as melhorias realizadas na cidade do Rio de Janeiro durante sua administração, destacam-se a reforma do largo do Carmo; o aterro da lagoa do Boqueirão; a construção do Passeio Público – primeiro jardim público do país – em 1783 e de novas ruas para facilitar seu acesso, como a rua do Passeio e das Bellas Noutes – atual rua das Marrecas. Foi um incentivador das obras de Mestre Valentim – um dos principais artistas do período colonial – responsável pelo projeto do Passeio Público e de outras obras públicas na cidade. Destacou-se, ainda, na repressão à Inconfidência Mineira [conjuração mineira], sendo um dos interrogadores de Joaquim Silvério dos Reis. Pelos serviços prestados à Coroa portuguesa, recebeu a honraria da Grã-Cruz da Ordem de Santiago e o título de conde de Figueiró.

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):
- Ao trabalhar o tema transversal “Pluralidade cultural” 
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- O Homem e a cultura
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais 
- As relações sociais de dominação na América
- Brasil colonial: organizações religiosas

Irmandade do Santíssimo Sacramento

O documento trata do compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento da catedral do Rio de Janeiro, escrito em 1785. Era um estatuto completo, constando todos os direitos e deveres dos membros da irmandade. Através deste documento é possível observar a organização do universo religioso colonial.

 

Conjunto documental: Compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento da catedral do Rio de Janeiro
Notação: Códice 758
Datas-limite: 1785-1785
Título do fundo ou coleção: SDH – Diversos códices
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: Irmandades
Data: 1785
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 9 e 9v.

 

"Item n.º 1 do capítulo 6º do compromisso[1] da Irmandade do Santíssimo Sacramento da catedral do Rio de Janeiro[2].

 

No Domingo seguinte a quinta-feira do corpo de Deus, dia em que se costuma celebrar a nossa festividade[3] se fará a festa do santíssimo sacramento[4]; com sacramento exposto, e com aquela grandeza que pede a mesma solenidade, e nos limites da razão, onde assistirá o Provedor da Irmandade com toda a mesa de Ópas[5]; e de tarde a procissão na forma praticada para o que fará o tesoureiro toda a despesa da Irmandade.

(...) Item n.º 3.

 

Falecido que seja algum Irmão[6], tendo pago os anuais terá pela sua alma vinte e cinco missas da obrigação da Irmandade, e se lhe dará sepultura se dela necessitar; o que também se praticará com suas mulheres se continuarem com o pagamento dos anuais, e caso que algum Irmão, pela sua indigência, e pobreza não pague os ditos anuais, pede a piedade se pratique com ele o mesmo que com os que pagam.

(...) Capítulo 7.

O andador[7] da Irmandade, terá obrigação de fazer prover a lampada, e observar algum descuido ou falta no altar do santíssimo sacramento, para fazer aviso a quem tocar, fazer as diligências que lhe são cometidas, assistir ao tesoureiro para que lhe encarregar, em negócio, benefício e obrigação da Irmandade. E se for descuidado das suas obrigações será admoestado pela Mesa; e ao depois de advertido não se reformando das missões; como também os que servem para ordenado, dará a mesa nesta parte a providência que for justa.”

 

 

 

[1]COMPROMISSO: estatuto que regia as irmandades católicas. Os compromissos eram documentos juridicamente reconhecidos, nos quais vinham prescritas as normas, os deveres e as obrigações que implicavam a associação a essas instituições. Cada irmandade possuía um compromisso próprio, com suas especificidades.

[2] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[3] FESTEJOS COLONIAIS: no primeiro século da colonização, as festividades seguiam os rituais religiosos do calendário cristão e movimentavam toda a população, caracterizando-se por uma europeização dos costumes nas terras americanas. Ocupando posição de destaque na sociedade, as festas integravam diferentes estratos sociais, etnias e religiosidades no Brasil colonial. De uma maneira geral, as festas dividiam-se entre as religiosas e as públicas: as religiosas dedicavam-se ao culto a Jesus Cristo (nascimento, morte e ressurreição) e aos santos padroeiros e mártires, sendo promovidas pelas igrejas e irmandades; já as públicas eram organizadas pelas autoridades portuguesas e coloniais, celebrando, sobretudo, a coroação de reis, batismos e casamentos dos membros da família real. Tais festejos podem ser vistos como um modo de consolidar os vínculos coloniais, fortalecendo a monarquia e sua burocracia. Eram também uma forma de introjetar a cultura católica no seio de uma sociedade mestiça, disseminando as práticas e costumes brancos, estimulando a devoção popular. O poder exercido através das festas acontecia em tal grau, que a recusa em participar destes eventos poderia resultar em acusações de heresias ou subversões, coagindo a participação efetiva de todos os membros da comunidade. As festividades, religiosas e públicas, serviam também como momento da manifestação de rebeldia e protesto contra os poderosos. No entanto, dentro deste espaço delimitado, possibilitava a manutenção da ordem colonial. Aos poucos, as festividades foram abrindo espaço para o lúdico e o profano, seduzindo cada vez mais os colonos. Entre as principais manifestações, estavam as festas do calendário religioso (abarcando cerca de um terço do ano), as congadas negras e as cavalhadas dos brancos luso-brasileiros (representação da rivalidade entre mouros e cristãos).

[4] FESTA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO: instituída em 1264 pelo Papa Urbano IV, em hora do Santíssimo Sacramento da Eucaristia. É comemorada no dia de Corpus Christi, quando se celebra a morte e ressurreição de Cristo. Era composta de uma missa, seguida de uma procissão, em que os devotos enfeitavam, como ainda hoje, as ruas com tapetes, feitos de areia ou serragem colorida, formando desenhos dedicados a Jesus Cristo.

[5] MESA DE OPAS: era a mesa administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento constituída pelos respectivos “dignitários”: juiz, tesoureiro, escrivão e procurador; três membros do conselho econômico e três membros da comissão de sindicância. Era assim designada em função das vestes comumente utilizadas por devotos e irmãos de confrarias em reuniões solenes, as opas – espécie de capa sem mangas.

[6] SEPULTAREM AOS MORTOS: a morte no Brasil colonial era marcada por um verdadeiro ritual – concebido de acordo com a concepção católica da tríade céu, purgatório e inferno –, buscando compensar os excessos dos fiéis em vida através de “estratégias de salvação”. Isto acabava por demarcar a camada social do falecido. O primeiro recurso utilizado era o testamento, verdadeiros tratados de arrependimento e reparações dos excessos. Em seguida vinham os velórios, muitas vezes com os detalhes predefinidos no testamento. Quanto maior fossem os gastos realizados para demonstrar o pesar do falecimento do cidadão, maior significava sua importância social. E se eram realizados à noite, expressavam o grande poder aquisitivo do falecido. Além disso, acreditava-se que, quanto maior os gastos na quantidade de liturgias oferecidas pelo falecimento do cidadão, maior seria a indulgência divina sobre seus pecados. As crenças populares predominavam nos velórios coloniais. Os cortejos fúnebres eram acompanhados por inúmeros personagens tais como as irmandades, parentes, amigos, curiosos, músicos e padres. Estes, por serem especialistas nas escrituras e na “salvação”, eram muito solicitados a comparecerem, e quanto mais fossem, melhor seria para o prestígio da alma perante Deus. Muitas vezes também, contavam com a presença de pessoas pobres pagas para assistirem e orarem por sua alma, aumentando o luxo do cortejo fúnebre e ajudando na redução de seus pecados. Finalmente, havia o sepultamento feito no interior das igrejas. Quanto mais próximo dos santos e do altar, maior o “status” da pessoa. No entanto, este ritual era permitido apenas para aqueles que tivessem condições de pagar por ele. Escravos e pessoas pobres contavam com a caridade das irmandades e na falta desta tinham seus corpos abandonados nos matagais e nos rios.  Essa prática deu origem à “procissão dos ossos”, realizada pela Santa Casa com o intuito de recolher os corpos que por ventura viessem a ser expostos.  Além disso, alguns colonos estavam previamente excluídos como: judeus, hereges, usurários, apóstatas, duelistas (bem como seus padrinhos), suicidas, ladrões e violadores dos bens da Igreja e excomungados. Para estes, não era permitido o sepultamento em solo sagrado ou mesmo celebrar missas por sua morte.

[7] ANDADOR: empregado subalterno da irmandade responsável por entregas e pequenas cobranças.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- Ao trabalhar o tema transversal “Pluralidade cultural” 
- No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Homem e a cultura
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais  
- As relações sociais de dominação na América
- Brasil colonial: organizações religiosas

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