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Sociedade do Açúcar

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 18h54 | Última atualização em Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 18h54

Carta do conde de Resende

Ofício do conde de Resende, d. José Luís de Castro, para d. Rodrigo de Souza Coutinho, sobre o incentivo aos agricultores de cana de açúcar para queimarem a cana moída nas fornalhas com a promessa de prêmios oferecidos pelas Câmaras.

Conjunto documental: Registro da correspondência do vice-reinado para a Corte
Notação: códice 69, vol. 8
Datas-limite: 1798-1798
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo ou coleção: 86
Argumento de pesquisa: açúcar, cana de
Data do documento: 12 de novembro de 1798
Local: Lisboa
Folha(s): -

 

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor. Unindo as minhas diligências, e a minha eficácia aos reais desejos de sua majestade em promover por todos os meios a felicidade dos seus vassalos, procurei dar o possível impulso a recomendação da mesma senhoria, a fim de persuadir aos agricultores desta capitania o uso de bois e arados para cultivar as terras, e o método de queimar nas fornalhas dos engenhos de açúcar[1] as canas[2] já moídas. E como um dos meios mais acertados para animar aos mesmos agricultores seria a esperança de prêmios prometidos pelas Câmaras àqueles que primeiro introduzissem as referidas práticas, escrevi a todas sobre estes objetos tão úteis para o aumento da agricultura[3] e prosperidade destes povos, como recomendados por sua majestade. As respostas de algumas, que envio a vossa excelência contém as razões gerais em que se fundam os lavradores para se não aplicarem aos usos acima indicados sendo a [vossa] a necessidade que eles tem de escolherem os terrenos montuosos [sic] para a plantação das mandiocas, e a 2ª a precisão de fazerem novas e anuais derrubadas de matos virgens onde ficam grandes madeiras, cepos, e raízes, que embaraçam a passagem do arado. Os que trabalham em fábricas de açúcar intentam persuadir que o fogo das canas moídas, ou do bagaço[4] não tem a intensidade necessária para a depuração do mesmo açúcar como alguns segundo dizem, já o experimentaram. Porém eu creio, que quando se consiga dar às fornalhas outra forma, diferente da atual, de cujos defeitos provavelmente procederá a falta de atividade que se observa no fogo do bagaço, quando os lavradores não poderem estender as suas derrubadas, e forem constrangidos a beneficiar as terras velhas, e já cansadas, e quando finalmente se lhes faça sumamente onerosa a compra dos escravos[5] pelo excesso do preço, porque se vão reputando cada vez mais; então a necessidade os fará industriosos, e porão em uso aqueles mesmos recursos, que hoje lhes parecem impraticáveis. Não deixo contudo de fazer novos esforços, inspirando em algumas pessoas o gosto de se aplicarem a tentativas sobre os mesmo objetos, sempre na esperança de que elas ainda poderão a vir ser de suma utilidade aos fins propostos.
Em execução do que vossa excelência me participa no mesmo ofício de 4 de janeiro deste ano, ordenei a Mesa da Inspeção[6] remetesse uma descrição dos métodos que atualmente se praticam para a cultura, e manipulação dos gêneros, que se exportam das colônias, assim como das máquinas de que se servem para limpar, e descascar o algodão[7], e café[8], e particularmente de tudo o que diz respeito aos engenhos de açúcar; e como até o presente  se não tem concluído por aquela Mesa a descrição ordenada, por este motivo me é impossível dirigi-la a vossa excelência nesta ocasião.
Deus guarde a vossa excelência. Rio de Janeiro doze de novembro de mil setecentos e noventa e oito. Conde de Resende[9].

Senhor d. Rodrigo de Souza Coutinho[10].

 

[1] Durante o período colonial o termo “engenho” designava o mecanismo usado para moer a cana, no início do processo de preparo do açúcar. Passa a referir-se ao complexo no qual se fabricava açúcar e toda área da fazenda – as terras, as plantações, a capela, a casa senhorial, a senzala, as ferramentas, e a moenda – posteriormente, desde a segunda metade do século XIX, conceito cunhado por historiadores e estudiosos da agricultura e economia coloniais. Os engenhos de cana (moendas) se dividiam em dois tipos: os engenhos reais, movidos a água – que apresentavam maior riqueza e complexidade, empregavam um grande número de oficiais de serviço e trabalhadores especializados, contavam com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuíam toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo – e os movidos a tração animal – menores em tamanho e capacidade de produção, exigiam investimentos inferiores, também chamados engenhocas ou trapiches, e mais utilizados na produção de aguardente. Os engenhos, como unidades produtivas, tiveram um papel central na colonização, ocupação e povoamento do território da colônia. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo, a expansão do açúcar e o consequente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os engenhos constituíam verdadeiros núcleos populacionais, em torno dos quais e de suas capelas, se formavam vilas e se construíam as defesas das fronteiras das capitanias. Os grandes engenhos tinham em torno de 60 a 100 escravos, e muito poucos ultrapassavam a marca de 150-200 cativos, dos quais, em média, 75% trabalhavam nos campos, 10% na manufatura do açúcar, e o restante dedicava-se a atividades domésticas ou não relacionadas ao trato açucareiro. Os engenhos, assim como o açúcar, tinham grande valor, mas um alto custo: as terras, o beneficiamento, os instrumentos, os escravos, as construções encareciam a produção, que apresentava, em geral, baixos rendimentos, descontados os gastos do senhor. A maior parte dos engenhos era muito pouco ou não lucrativa, fazia o suficiente para sua subsistência, ou lucrava mesmo com a produção da aguardente. Algumas poucas unidades geraram fortunas; a maioria rendia pouco e muitos acumularam grandes dívidas. Ao contrário do que comumente se pensa, a capitania que mais concentrava engenhos, em quantidade e grandeza, era a Bahia, e não Pernambuco, seguida pelo Rio de Janeiro, e então por aquela. A lucratividade variava muito, de acordo com: a safra de cana (influenciada pelas condições climáticas e de solo); as epidemias que assolavam vez ou outra a população escrava e de trabalhadores pobres; a falta de gêneros (como lenha, água, animais) e as dívidas que se acumulavam. Apesar das dificuldades, os engenhos não eram abandonados, e a produção açucareira, embora oscilasse de acordo com as ofertas e demandas do mercado europeu e suas colônias, não perdeu sua importância no Brasil. Os engenhos representavam um microcosmo da sociedade aristocrática rural, apoiada no poder patriarcal e político do senhor, base da sociedade brasileira em construção, bem analisada por Gilberto Freyre em sua obra. Mais do que representação de riqueza, o engenho tinha grande importância simbólica, um signo de poder e um sinal de distinção. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas e, até o século XVIII, ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.

[2] Saccharum Officinarum, tipo de gramínea utilizada na fabricação do açúcar e derivados, como melaço e aguardente, é originária da Índia, alcançou a Pérsia e foi levada pelos árabes à costa oriental do Mediterrâneo, sendo introduzida na Sicília e na Península Ibérica. Em 1300, vendia-se em Bruges (Bélgica) o açúcar produzido na Espanha. No século XV, a produção das várzeas irrigadas de Valência e do Algarve (sul de Portugal) era comercializada no sul da Alemanha, nos Países Baixos e na Inglaterra. Portugal já plantava cana na Ilha da Madeira e, dado o alto valor alcançado pelo açúcar nos mercados europeus, ampliou a produção em sua maior colônia, o Brasil, primeiramente nas costas das capitanias de São Vicente e Rio de Janeiro. Logo depois da introdução no sudeste brasileiro, a cultura começou a ser transferida para o nordeste, tendo florescido com maior vigor nas capitanias de Pernambuco e Bahia, onde encontrou clima e solos adequados ao plantio. Outra razão para o sucesso da lavoura canavieira nesta região era sua proximidade com a Europa, que diminuía os custos e os riscos do transporte marítimo do produto, facilitando o escoamento da produção. Cultivada em grandes latifúndios, principalmente com mão de obra escrava, a cultura da cana e do açúcar foi, durante muito tempo, a mais lucrativa da América luso-brasileira, tendo, ao longo do período colonial, perdido o status de principal produto agrícola, mas não a importância para a economia, constituindo o principal modelo da plantation definida por Caio Prado Júnior. Divididas em “partidos”, que equivaliam aos lotes, as terras eram cultivadas por escravos da propriedade ou por trabalhadores livres, que podiam plantar nas terras do engenho ou próprias, utilizando seus instrumentos ou de propriedade do senhor, em um sistema semelhante ao de meiagem. O cultivo da cana no Brasil era bastante rudimentar. A preparação do solo era feita a partir da derrubada da mata e queimadas. Na época das colheitas utilizava-se o fogo novamente na plantação, para diminuir as folhas e facilitar o corte. Um canavial rendia aproximadamente seis boas colheitas, já que o solo se esgotava rapidamente com este método agressivo de plantio. Até hoje a cana-de-açúcar ocupa um espaço importante na economia brasileira.

[3] Durante a maior parte do período colonial o sistema agrícola brasileiro se caracterizou pela grande lavoura monocultora e escravista voltada para exportação, definida por Caio Prado Junior pelo conceito de plantation. Entretanto, podiam ser encontradas também em menor escala as pequenas lavouras, policultoras e de trabalho familiar. Com a chegada da família real e toda a estrutura do Estado português, houve a necessidade de incremento no abastecimento de gêneros agrícolas especificamente para o mercado interno. À época, a estrutura agrária brasileira era pautada pela rusticidade dos meios de produção, pela adubação imprópria e falta da prática do arado, enfim, o que havia era a presença modesta de técnicas modernas de cultivo. D. João VI, atento a essa situação emergencial, criou, em 1812, o primeiro curso de agricultura na Bahia e, em 1814, no Rio de Janeiro, uma cadeira de botânica e agricultura, entregue a frei Leandro do Sacramento. O objetivo era o melhor conhecimento das espécies nativas, não apenas para descrição e classificação, mas também para descobrir seus usos alimentares, curativos e tecnológicos. Mais do que isso, a incentivo aos estudos botânicos e agrícolas era parte de uma nova mentalidade de promoção das ideias científicas, que já vinha sendo implementada em Portugal desde o final do século XVIII. A agricultura era vista como uma verdadeira “arte”, pois era o melhor exemplo de como o homem era capaz de “domesticar” a natureza e fazê-la produzir a partir das necessidades humanas. Significava a interferência do Estado em prol do aproveitamento racional das riquezas naturais, orientado pelas experimentações e pela própria razão.

[4] O bagaço, subproduto obtido a partir da moagem da cana-de-açúcar, era utilizado para alimentação do gado e como “combustível” para queimar nas fornalhas do engenho. Seu uso era incentivado pelas autoridades como forma de se pouparem as florestas de serem derrubadas para se obter lenha. Contudo, muitos acreditavam que a palha da cana produzia um fogo mais fraco e menos eficiente para aquecer as caldeiras e preparar o açúcar. A queima do bagaço no processo de produção açucareira passou a ser mais habitual a partir de fins do século XIX.

[5] Pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de JaneiroBahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[6] As Mesas de Inspeção da Agricultura e do Comércio, ou Mesas de Inspeção do Açúcar e do Tabaco, começaram a ser implementadas no Brasil a partir de 1751 como parte da política iniciada pelo primeiro ministro do Império português, o marquês de Pombal, visando ao controle e revitalização do comércio entre colônia e metrópole, constituindo um instrumento importante da política mercantilista da Coroa. Foram criadas nas capitanias da BahiaPernambucoRio de Janeiro Maranhão, inicialmente como um órgão independente do sistema fazendário e, depois de 1756, sob a jurisdição da Junta de Comércio de Lisboa, posteriormente Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. A Mesa da Bahia contava com a maior estrutura interna e era responsável pela inspeção de um volume maior da produção colonial de açúcar e tabaco. As principais funções das Mesas consistiam no controle e fiscalização da produção e qualidade do açúcar e tabaco, pela taxação dos produtos (incluindo valores de frete e armazenamento nos portos) e pelo combate ao contrabando. Aos fiscais, cabia: examinar os produtos; classificá-los conforme o tipo e qualidade; estabelecer o preço a ser cobrado, que deveria ser fixo para a praça de comércio; determinar os valores dos impostos e direitos a serem pagos; fiscalizar os pagamentos e confiscar os gêneros que não estivessem de acordo com o estabelecido pela Mesa. Competia ainda embalar as mercadorias, distribuir o carregamento entre os negociantes e gerir outras atividades ligadas ao comércio. Em decorrência dessas atividades, a Mesa vivia em constante conflito com os senhores de engenho e agricultores das capitanias, que reclamavam dos valores que eram obrigados a pagar por transporte e armazenamento, e dos preços fixados para o açúcar e o tabaco, sempre considerado baixo e deficitário para os produtores. No tocante ao progresso da agricultura, as Mesas se encarregariam de promover um estímulo à modernização da lavoura, propondo a introdução de novas técnicas e instrumentos, e implementando novas culturas. Eram compostas, salvo algumas variações, por um desembargador no cargo de presidente; dois inspetores – deputados da Junta – um do açúcar e outro do tabaco; dois deputados, negociantes da praça de comércio; além de um oficial régio, como secretário. A partir do final do século XVIII, com o crescimento da cultura de algodão, este produto também passou a estar sob fiscalização da Mesa, que também exercia fiscalização sobre o movimento portuário. Um dos desembargadores que assumiu a Mesa da Inspeção da Bahia foi José da Silva Lisboa, visconde de Cairu, indicado para o cargo por d. Rodrigo de Souza Coutinho em 1797. À frente da Mesa, o ilustrado procurou adequá-la aos novos preceitos da economia política, em acordo com o iluminismo português, e chegou a escrever uma memória sobre a situação da Mesa propondo melhoramentos na organização do comércio na capitania e uma reforma na estrutura do órgão.

[7] Diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

[8] Planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[9] D. José Luís de Castro, o 2º conde de Resende, foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.

[10] Afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

 

Um engenho de açúcar

Inventário de Antônio Ribeiro de Avelar, proprietário do maior engenho de açúcar da capitania do Rio de Janeiro. As listagens incluem as terras do engenho, com grandes quantidades de cana pronta para o corte, ferramentas e instrumentos; as casas, com mobiliário e itens; e uma quantidade grande de escravos, muitos dos quais especializados na produção de açúcar e aguardente, entre outros, como carpinteiros, ferreiros, pedreiros, e de tropa. Destaca-se a listagem dos instrumentos, ferramentas e utensílios utilizados na produção do açúcar e que faziam parte do engenho.

Conjunto documental: Antônio Ribeiro de Avelar
Notação: caixa 1135, pct. 9606
Datas-limite: 1794-1794
Título do fundo ou coleção: Inventários
Código do fundo ou coleção: 3J
Argumento de pesquisa: açúcar, engenho de
Data do documento: 1796
Local: Freguesia da Nossa Senhora da Conceição do Alferes
Folha(s): 18 a 51

 

Engenho

Um engenho[1] com vinte e três lanços que tem de frente quatrocentos e cinquenta e dois palmos e meio, e de largura cento e quatro palmos onde se incluem as varandas.

[...]

Quatro lanços que ocupa no engenho de cana[2]
e seus pertences que são os seguintes:

Uma roda de água[3]
Um torno de moendas[4] a trabalhar
Um dito de reserva
[...]

Casa de caldeira[5] avarandada por dentro com grades de balaústres e tendal das formas
lajeado de tijolo tem seis lanços e nela se acha a fábrica seguinte:

Uma dorna[6] de aparar água avaliada na quantia de quatro mil e quinhentos réis..................................................4$500
Três paróis[7] de madeiras
Um cocho[8] que serve de bater barro
Uma caldeira de cobre com vinte e duas arrobas avaliada a quatrocentos réis cada libra que importa na quantia de duzentos e oitenta e um mil e seiscentos réis..................................................281$600
Uma dita com vinte e duas arrobas avaliada a trezentos réis a libra que importa na quantia de duzentos e onze mil e duzentos réis..................................................211$200
Uma dita velha com vinte arrobas avaliado a duzentos réis a libra que importa na quantia de cento e vinte e oito mil réis..................................................128$000
Dez tachos[9] de ferro com dez arrobas cada um que fazem cem arrobas avaliadas a cento e dez réis cada libra que importa na quantia de trezentos e cinquenta e dois mil réis..................................................352$000
Uma resfriadeira[10] de cobre com uma arroba e vinte libras, avaliada a quatrocentos réis a libra que importa na quantia de vinte mil e oitocentos réis..................................................20$800
[...]
Cinco escumadeiras de cobre com vinte e nove libras avaliadas a quatrocentos réis a libra que importa na quantia de onze mil e seiscentos réis..................................................11$600
Três repartideiras[11] com vinte e três libras avaliada a quatrocentos réis a libra que importa na quantia de nove mil e duzentos réis..................................................9$200
Duas batedeiras do mesmo com oito libras avaliadas a quatrocentos réis a libra que importa na quantia de três mil e duzentos réis..................................................3$200
[...]

Casa de purgar[12] com quatro lanços de sobrado com o seguinte:

Duzentos e cinquenta formas[13] de madeira
Quinhentos e sessenta e uma ditas mais pequenas
Um cocho de aparar mel
Dois ditos do mesmo
Noventa e seis bicas de aparar mel

Casa do encaixe[14] tem dois lanços de sobrado com seu tendal[15] de sobrado
na frente para enxugar o açúcar[16] e nela se acha o seguinte:

Uma tulha[17] grande de madeira para o açúcar
[...]
Um caixão grande com chave
[...]
Vinte tabuleiros de enxugar açúcar
Oito ditos de rodas para o mesmo
Um braço de balança e conchas avaliado em oito mil réis..................................................8$000
Um peso de ferro de duas arrobas avaliado em três mil e duzentos réis..................................................3$200
Um dito de arroba avaliado em mil e seiscentos réis..................................................1$600
Um dito de arroba avaliado em oitocentos réis..................................................$800
Um dito de oito libras avaliado em quatrocentos réis..................................................$400
[...]
Quatro facões de cortar açúcar a quatrocentos réis que importa na quantia de mil e seiscentos réis..................................................1$600
Cinco cavadeiras de ferro para o açúcar avaliados a cento e vinte réis que importam na quantia de seiscentos réis..................................................$600
[...]

Os escravos

Carpinteiros

Francisco José pardo de idade de trinta e quatro anos segundo banqueiro de açúcar[18] avaliado em trezentos e cinquenta mil réis..................................................350$000
Manoel Maria cabra de cinquenta anos de idade primeiro mestre de açúcar[19] avaliado em cento e oitenta mil réis..................................................180$000
Francisca Conga sua mulher tecedeira de idade de vinte e quatro anos avaliada em cento e trinta mil réis..................................................130$000
[...]
Antônio Angola de idade de vinte anos carpinteiro e barqueiro de açúcar avaliado em cento e oitenta mil réis..................................................180$000
[...]
Luis Carapina Benguela de idade de cinquenta anos caldeireiro[20] de açúcar avaliado em cem mil réis..................................................100$000
[...]
Francisco pardo primeiro mestre de açúcar doente com sessenta anos de idade avaliado em sessenta e quatro mil réis..................................................64$000
[...]
Aniceto crioulo pedreiro e caldeireiro de açúcar de idade de quarenta anos avaliado em cento e vinte e oito mil réis..................................................128$000
Joaquim crioulo de idade de vinte anos aprendiz de pedreiro avaliado em cento e quarenta mil réis..................................................140$000
Bento mina de idade de quarenta e quatro anos cavouqueiro e caldeireiro de açúcar avaliado em cento e vinte mil réis..................................................120$000
[...] 

Aguardenteiros

Manoel crioulo de idade de trinta anos avaliado em cento e quarenta mil réis..................................................140$000
[...]
João Cabunda [sic] de idade de cinquenta e cinco anos avaliado em sessenta e quatro mil réis..................................................64$000
[...]
Valentim mina barcador das formas de idade de cinquenta anos avaliado em cento e dez mil réis..................................................110$000

[...]

Nós abaixo assinados avaliadores da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Alferes[21], certificamos que em virtude do mandado que nos apresentou José Rodrigues da Cruz do meritíssimo senhor doutor juiz dos órfãos fomos a fazenda do Engenho do Pau Grande[22] e nela fizemos as avaliações acima declaradas em virtude do que passamos e [ilegível] nós somente assinado. Freguesia da Nossa Senhora da Conceição do Alferes vinte e oito de maio de mil setecentos e noventa e seis. João de Souza Vieira, Antônio Borges de Carvalho, Antônio Francisco Coelho, Domingos Lopes de Carvalho.

 

[1] Durante o período colonial o termo “engenho” designava o mecanismo usado para moer a cana, no início do processo de preparo do açúcar. Passa a referir-se ao complexo no qual se fabricava açúcar e toda área da fazenda – as terras, as plantações, a capela, a casa senhorial, a senzala, as ferramentas, e a moenda – posteriormente, desde a segunda metade do século XIX, conceito cunhado por historiadores e estudiosos da agricultura e economia coloniais. Os engenhos de cana (moendas) se dividiam em dois tipos: os engenhos reais, movidos a água – que apresentavam maior riqueza e complexidade, empregavam um grande número de oficiais de serviço e trabalhadores especializados, contavam com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuíam toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo – e os movidos a tração animal – menores em tamanho e capacidade de produção, exigiam investimentos inferiores, também chamados engenhocas ou trapiches, e mais utilizados na produção de aguardente. Os engenhos, como unidades produtivas, tiveram um papel central na colonização, ocupação e povoamento do território da colônia. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo, a expansão do açúcar e o consequente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os engenhos constituíam verdadeiros núcleos populacionais, em torno dos quais e de suas capelas, se formavam vilas e se construíam as defesas das fronteiras das capitanias. Os grandes engenhos tinham em torno de 60 a 100 escravos, e muito poucos ultrapassavam a marca de 150-200 cativos, dos quais, em média, 75% trabalhavam nos campos, 10% na manufatura do açúcar, e o restante dedicava-se a atividades domésticas ou não relacionadas ao trato açucareiro. Os engenhos, assim como o açúcar, tinham grande valor, mas um alto custo: as terras, o beneficiamento, os instrumentos, os escravos, as construções encareciam a produção, que apresentava, em geral, baixos rendimentos, descontados os gastos do senhor. A maior parte dos engenhos era muito pouco ou não lucrativa, fazia o suficiente para sua subsistência, ou lucrava mesmo com a produção da aguardente. Algumas poucas unidades geraram fortunas; a maioria rendia pouco e muitos acumularam grandes dívidas. Ao contrário do que comumente se pensa, a capitania que mais concentrava engenhos, em quantidade e grandeza, era a Bahia, e não Pernambuco, seguida pelo Rio de Janeiro, e então por aquela. A lucratividade variava muito, de acordo com: a safra de cana (influenciada pelas condições climáticas e de solo); as epidemias que assolavam vez ou outra a população escrava e de trabalhadores pobres; a falta de gêneros (como lenha, água, animais) e as dívidas que se acumulavam. Apesar das dificuldades, os engenhos não eram abandonados, e a produção açucareira, embora oscilasse de acordo com as ofertas e demandas do mercado europeu e suas colônias, não perdeu sua importância no Brasil. Os engenhos representavam um microcosmo da sociedade aristocrática rural, apoiada no poder patriarcal e político do senhor, base da sociedade brasileira em construção, bem analisada por Gilberto Freyre em sua obra. Mais do que representação de riqueza, o engenho tinha grande importância simbólica, um signo de poder e um sinal de distinção. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas e, até o século XVIII, ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.

[2] A casa de engenho, como também era conhecido, faz referência as dependências e maquinários usados na fabricação do açúcar, que se dividia em: corpo do engenho, casa de caldeiras, casa de purga e casa de ensacar. No corpo do engenho ficava a maquinaria da moagem e o local chamado de picadeiro, onde as canas colhidas eram alojadas antes da moeção. A casa de caldeiras era onde o açúcar seria produzido e a casa de purgar onde seria limpo e beneficiado. Já na casa de ensacar o açúcar seria embalado e encaixotado para venda. A casa de engenho era um edifício grande, como um barracão, formado de pilares com telhado e chaminé e um amplo pátio. A parte reservada às caldeiras era aberta de paredes, enquanto a de purgar e ensacar eram fechadas.

[3] A roda d’água é um instrumento utilizado para produzir energia mecânica a partir do movimento da água. Geralmente são rodas de madeira presas a um eixo que giram em cursos de água e aproveitam ora a força, ora a velocidade da água para mover um motor ou um mecanismo rudimentar. Nos engenhos de açúcar brasileiros, até princípios do século XIX, a roda d’água servia para mover a moenda, que extraía da cana o caldo. Os engenhos movidos à água eram poucos e de grande monta; mais comuns eram os engenhos movidos à tração animal – bois ou cavalos produziam a força para mover as moendas – ou por trabalho manual, dos escravos.

[4] A moenda é o mecanismo utilizado no engenho para moer ou espremer a cana-de-açúcar. Nela se realiza a primeira etapa da produção do açúcar, o beneficiamento da cana. Depois de cortada e limpa, a cana era passada nas moendas para se extrair o caldo, que seria cozido para a preparação do melaço. As moendas mais comuns na maioria dos engenhos do Brasil, até o início do século XIX, eram as de madeira, movidas a tração animal. Houve pequena evolução no processo de moagem, mais significativa com a adoção das mós feitas de ferro (mais resistentes e eficazes) e do vapor como força motriz, embora essas inovações tenham sido muito lentamente incorporadas, quando chegaram a ser. De modo geral, até fins do século XIX, a produção dos engenhos brasileiros não mudou muito e as moendas de madeira movidas a tração animal ainda eram numerosas.

[5] As caldeiras eram grandes recipientes, normalmente de ferro ou cobre, utilizados para ferver o caldo extraído da cana, até o ponto de se tornar o mel que se tornaria o açúcar. A casa das caldeiras era o local na casa de engenho onde ficavam as fornalhas, a chaminé e as caldeiras ou tachas. Era o local onde se produzia, efetivamente, o açúcar a partir do caldo da cana. Depois de passar pela casa de caldeira, o melaço era levado para a casa de purgar.

[6] Recipiente de madeira, que também pode ser encontrado em outros materiais, utilizado para armazenar bebidas, água ou aguardente. Tem o formato semelhante a um barril de pé, e até hoje é usado para guardar cachaça no processo de envelhecimento. Na produção de vinho, a dorna serve tanto para armazenar a uva e pisar pequenas quantidades, quanto para depositar o mosto para fermentação.

[7] O parol é um grande cocho de madeira de variadas funções. O parol de engenho servia para depositar o caldo da cana que acabava de sair da moenda, antes de ser colocado para ferver nas caldeiras ou tachas. O parol de escuma era o recipiente utilizado para recolher a espuma e as impurezas retiradas ao longo do processo de cozimento do caldo da cana.

[8] Grande tronco escavado onde se depositavam as impurezas retiradas do primeiro estágio de cozimento do açúcar. Esse caldo era utilizado para alimentação dos animais, assim como parte do bagaço da cana, ou para a fabricação de aguardente ou de açúcar de qualidade bem inferior.

[9] Tachos ou tachas eram grandes vasilhas, normalmente de cobre ou ferro, usadas na casa de caldeiras, onde se inicia o processo de produção do açúcar. Utilizavam-se quatro tachos na produção. Depois de moída a cana-de-açúcar, seu caldo ia para o primeiro tacho, no qual se iniciava o processo de purificação: era aquecido, sem ferver, para a retirada das impurezas, que formavam uma “espuma”. Para isso, os caldereiros usavam escumadeiras, ou espumadeiras. Passava-se, então, o caldo para a segunda tacha, onde este recebia água, era aquecido e se repetia o procedimento de limpeza. Na terceira tacha (ainda chamada de caldeira) o caldo era fervido para apurar e ganhar a consistência de um xarope. Na última tacha – de cozimento – o caldo era cozido até se tornar um “mel” e depois até ficar em ponto de “puxa-puxa”, quando começava a açucarar e seria retirado e colocado nas formas.

[10] Grande tanque, de cobre ou de barro, usado nos engenhos de açúcar, onde se colocava o melaço retirado do último tacho ou caldeira para resfriar antes de ser colocado nas formas de barro para cristalizar e purgar.

[11] Pequenos tachos de cobre com um cabo, usados nos engenhos de açúcar. Com a repartideira, o melado apurado no cozimento era levado às formas de barro para cristalizar.

[12] Dependência na casa de engenho reservada ao trabalho de purificar o açúcar. Depois de colocado nas formas de barro, o açúcar era “lavado” com água, para se lhe retirarem as impurezas e para clareá-lo. Quando pronto, era retirado das formas, colocado para secar no sol, e então separado por cor (branco, mascavo, escuro) e tipo (fino, grosso) antes de ser enviado para a casa de ensacar.

[13] As formas para colocar o melaço e transformá-lo em açúcar eram vasos de barro, normalmente fabricadas nas olarias que costumavam haver nos engenhos de cana. Os vasos tinham o formato de “sinos”, de cones, estreitos em cima e largos na base. Havia um furo em cima por onde entraria a água que era usada para lavar e purificar o açúcar. O fundo e a tampa eram cobertos com um barro mais fino e folhas de bananeira, por onde passava a água, que escorria por entre os grãos do mel açucarado e o clareava com o passar do dia. Assim que colocado na forma, aguardava-se que o melado açucarasse e endurecesse. Depois, o “pão de açúcar” era perfurado no meio, e o mel que não havia endurecido, de qualidade inferior, escorria, durante alguns dias, em um cocho que o aparava e era reaproveitado para alimentação dos escravos, para fabricação de açúcar de baixa qualidade ou para destilar em aguardente. Uma vez escorrido o mel, passava-se ao procedimento de purgar o açúcar, ou seja, limpá-lo e clareá-lo com água, processo que variava de duração de acordo com a qualidade do mel, que dependia do tipo da cana, da precisão do cozimento e do ponto do melaço.

[14] Local na casa de engenho onde o açúcar era embalado e encaixotado para seguir para os portos e para o comércio.

[15] O tendal, ou estendal, era o local nos engenhos de açúcar onde se colocavam as formas, com o caldo da cana cozido, para purgar e secar.

[16] Último processo da produção do açúcar: depois de purgado os pães de açúcar eram colocados em tendais no pátio para secar ao sol, perder a água que foi usada na limpeza e purificação. Somente então ficavam prontos para serem cortados e encaixotados.

[17] Grande recipiente utilizado para colocar o açúcar depois de retirado das formas.

[18] Eram ajudantes dos mestres de açúcar nas casas de caldeiras dos engenhos. Realizavam praticamente o mesmo trabalho que aqueles, mas no período noturno, já que o cozimento dos caldos era demorado e se estendia noite adentro. Também cuidavam de repartir o açúcar nas formas e colocá-las no tendal para escorrer. Eram, normalmente, escravos, auxiliados pelos soto-banqueiros, seus ajudantes, e recebiam um soldo que variava entre 30 e 40 mil réis, ou parte do pagamento em açúcar de boa qualidade.

[19] Nos dizeres de Antonil, em seu Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, o mestre era o grande responsável por toda a produção do açúcar. Era o trabalhador que dominava todas as etapas da produção, desde o corte da cana até a secagem, lhe cabia responder pela qualidade do produto e pela supervisão de todos os trabalhadores, livres ou escravos, envolvidos no processo produtivo, como caldeireiros, banqueiros, feitores da moenda, purgadores, entre outros. Os mestres de açúcar não eram comumente escravos, mas trabalhadores livres, brancos ou mestiços. Alguns escravos destacavam-se no domínio das técnicas do açúcar e chegavam a mestres, como no caso do engenho de Ribeiro de Avelar, que tinha mais de um mestre de açúcar escravo. Na fase inicial, da moagem da cana, cuidavam de verificar os tipos e a qualidade das canas das lavouras que serviam o engenho, a quantidade a ser moída e o emprego do caldo antes que viesse a estragar. Quando chegava à casa das caldeiras, verificavam o ponto dos caldos e do melaço, se tinham sido corretamente coados, apurados e retiradas as impurezas, e eram responsáveis pela última caldeira, a que preparava o mel do açúcar, para garantir o ponto correto do caldo. Cuidavam da limpeza dos ambientes de produção, do controle da água, da manutenção de utensílios e instrumentos; vigiavam também a divisão do açúcar pelos tipos e a repartição dos lotes. Ainda segundo Antonil, um bom mestre de açúcar de engenhos de grande porte chegava a receber até 120 mil réis de ordenado. Eram auxiliados pelo soto-mestre, que era uma espécie de substituto e subordinado direto no trabalho e, abaixo deste, estariam os banqueiros e soto-banqueiros de açúcar.

[20] Conhecidos também como tacheiros, eram trabalhadores, normalmente escravos, encarregados de cuidar das caldeiras e tachos, onde o caldo da cana-de-açúcar seria fervido e apurado até se tornar o melaço. Normalmente, os caldeireiros eram aqueles que tomavam conta das três primeiras etapas do caldo nos tachos. Num processo de limpeza e evaporação, eram encarregados de mexer o caldo sem deixar ferver e remover com as escumadeiras as impurezas para os cochos. O último tacho era atribuição direta do mestre do açúcar, responsável pelo cozimento e pelo “ponto” do melaço. O trabalho de um caldeireiro era pesado e difícil, mas não tanto quanto o dos escravos que ficavam nas fornalhas alimentando o fogo, que não podia apagar, mas também não podia ser muito forte. Esse trabalho, considerado um dos piores num engenho, era reservado, muitas vezes, a escravos rebeldes ou em punição, que trabalhavam portando ferros, colares e gargalheiras, num ambiente quente e abafado.

[21] Referências à localidade de Nossa Senhora da Conceição do Alferes (ou do Paty) remontam ao início do século XVII, quando começam a chegar os primeiros pioneiros para ocupar a região com a abertura do Caminho Novo para as minas de ouro. A região teve, desde o início, uma vocação agrícola, voltada para a produção de gêneros de abastecimento interno e de açúcar para exportação. Plantava-se mandioca para a produção de farinha, cana para a produção de açúcar, milho, fubá, legumes, feijão e tabaco. Criava-se porcos para abate e produzia-se carne seca e couro. Somente nos anos 1830, a cultura do café começa a florescer e dominar as paisagens no Vale do Paraíba, tornando-se o principal produto de exportação do Brasil. A vila de Paty do Alferes foi criada em 1820 por decreto do rei d. João VI, dada a importância de suas fazendas e engenhos de açúcar, e das tradicionais famílias que ocupavam a região, mas só se efetivaria em 1823. No entanto, a vila recém-fundada não teria vida longa, em 1833, tornou-se uma freguesia da vizinha Vassouras, localidade mais expressiva na região do Vale do Paraíba fluminense, já que a vila de Paty não progrediu desde sua fundação, e só seria emancipada em 1987. Mesmo com a transferência de sede, as casas senhoriais da região, como os Werneck e os Ribeiro de Avelar, continuaram a ser importantes no cenário político, econômico e nobiliárquico do Império, ditando o padrão de comportamento da nobreza da terra e ocupando cargos no governo.

[22] Originou-se na sesmaria concedida a Martim Correa de Sá em 1714, na região do vale do Rio Paraíba, hoje Vassouras. Na década de 1740, as terras passaram para as mãos da família Ribeiro de Avellar, posteriormente desmembradas em outras propriedades, até o século XIX. Pau Grande ficava às margens do caminho novo para as minas, o que propiciou o início da ocupação e desenvolvimento daquela região, desde fins do XVII. A fazenda, já na década de 1790, prosperava como engenho de açúcar, sua principal atividade, mas também se dedicava à agricultura de abastecimento. Produzia feijão, milhotabacofarinha, fubá e possuía criações de gado e porcos. No início do oitocentos, era um dos maiores e mais prósperos engenhos de açúcar da província fluminense. Depois da morte de Antônio Ribeiro de Avellar, as terras da família se desmembraram nas fazendas Pau Grande, Ubá, Guaribu, entre outras, mas permaneceram na família, tornando-se, ao mesmo tempo, fonte geradora de renda e moradia, dedicadas, quase exclusivamente, à produção do açúcar e de aguardente. Foi um dos primeiros engenhos movidos à água no Brasil, projetado por um engenheiro enviado pelo marquês de Pombal. O botânico Saint-Hilaire encontrou as terras de Pau Grande na primeira de suas viagens às minas e a qualificou como o “engenho de açúcar mais importante que vi[u] no Brasil”: “após ter percorrido uma região onde apenas de longe em longe se descobrem alguns vestígios da mão do homem, é admirável avistar de repente um edifício imenso, rodeado de vastas usinas”. Descreveu a casa grande como um prédio de dois andares, com mais de 15 janelas frontais em vidro e ferro, e certo luxo na decoração para o padrão das fazendas da época. A partir dos anos 1830-1840, Pau Grande passou a produzir café, tornando-se umas as pioneiras e das maiores no auge da riqueza do Vale do Paraíba fluminense, perdurando até a década de 1860, ainda pertencente aos Ribeiro de Avellar.

 

Máquina a vapor nos engenhos

Carta do conde dos Arcos, governador da Bahia, para o marquês de Aguiar, ministro dos Negócios do Reino, na qual relata a compra de um exemplar de uma máquina a vapor para o engenho de açúcar do coronel de milícias Pedro Antônio Cardoso. O conde descreve as vantagens de ter esse invento nos engenhos, que pode ampliar em muito a arrecadação de impostos, devido o aumento da produção. Também aconselha que o maquinista, Mr. Falkner, que veio ao Brasil instalar a máquina, seja contratado, dessa maneira estimulando a fabricação das peças da máquina que, além de expandir os lucros da Real Fazenda, podem produzir peças de artilharia para a defesa da província.

Conjunto documental: Bahia. Ministério do Reino. Correspondência do presidente da província  
Notação: IJJ9 324
Datas-limite: 1814-1816
Título do fundo ou coleção: Série Interior
Código do fundo ou coleção: AA
Argumento de pesquisa: açúcar, engenho de  
Data do documento: 2 de abril de 1815
Local: Bahia
Folha(s): 81 a 83v doc. n° 36

Leia o documento na íntegra

 

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor,

Sendo a máquina de vapor[1] de todas as descobertas dos homens aquela que, no meu fraco modo de entender, pode ser a mais útil ao Brasil; e tendo o coronel de milícias de Itaparica Pedro Antônio Cardoso mandado vir uma de Inglaterra para aplicar ao seu engenho de açúcar[2], e com ela o hábil maquinista - Mr. Falkner - para a assentar, e mostrar o modo de a dirigir; julguei de meu dever ir assistir ao primeiro trabalho da referida máquina, e daí todos os sinais que em mim coubessem de estimação, e aplauso pela introdução de um invento cujas utilidades depassam muito a força de minha expressão.
Fui efetivamente ao engenho do referido Pedro Antônio, e levei comigo alguns senhores de engenho[3] que vissem com seus olhos as vantagens daquela máquina, e não tenho dúvida de declarar a vossa excelência que meti as primeiras canas[4] na moenda[5], que convidei todos os senhores de engenho meus conhecidos para jantarem comigo em obséquio da introdução de tão preciosa máquina, e que enfim tenho feito quanto posso para propagar o uso daquela mais que todas útil invenção.
Por esta ocasião assim o meu emprego, como o zelo que cordialmente tenho pelo aumento desta província obrigam-me a levar ante o augusto trono de sua alteza real[6] duas petições ambas que em minha consciência se me representam justíssimas. A primeira é implorar da infinita justiça do mesmo augusto senhor um prêmio para o introdutor; promete-lho a lei, e quando assim não fora o ato de remunerar um serviço de onde infalivelmente vai proceder uma aumentação incalculável da fortuna pública, e com esta outra semelhante da Fazenda Real[7], é um ato de tão luzente justiça que fica supérflua toda a prova que aqui se ajuntasse.
A segunda é que sua alteza real se digne por bem destes seus fiéis vassalos, e para incalculável aumento de sua Real Fazenda afixar aqui aquele maquinista - Mr. Falkner - no emprego de diretor do Trem Militar com um conto de réis, ou mesmo três mil cruzados de ordenado com a condição expressa de poder ir assentar, e dirigir os primeiros trabalhos de qualquer máquina de vapor quando algum senhor de engenho o convide a esse fim.
Para evidenciar a justiça desta petição seria necessário que eu pudesse aqui mencionar todas as vantagens que se seguem da propagação do uso desta máquina, o que é impossível; apontarei contudo algumas razões que decerto bastam para ver que a todo o preço convém afixar aqui este hábil maquinista. Coar, e fundir ferro, e outros metais pode dizer-se que é matéria desconhecida na Bahia[8]; e que vantagem tira a defesa desta província se no Trem se construírem fornos de revérbero, se se fundirem por bom preço bombas, se se vazarem peças de artilharia, morteiros, etc.
O grande obstáculo que encontro à propagação do uso da máquina consiste na dificuldade dos consertos das diferentes peças que a compõem. Tem ela tubos, válvulas, lâminas de condensar, e outras peças de que nem sequer há a mais remota ideia na Bahia, e dizem a senhores de engenho "de que serve mandarmos vir a máquina se não temos quem a conserte quando alguma de suas peças se desmanche" e estando o referido Falkner empregado no Trem aí pode haver um sortimento de tais peças que a justo preço podem servir para desfazer aquele de outro modo indestrutível obstáculo.
Não deve esquecer quanto os nossos artífices vão ganhar na parte prática de mecânica vendo o referido Falkner não só ocupando-se nos trabalhos já ditos, mas instituindo novas máquinas a que a situação do Trem se presta tendo água alta sobre a montanha que lhe fica próxima; o que tudo junto prova, a meu ver, que até mercantilmente é útil ficar por qualquer preço ao serviço de sua alteza real o sobredito Falkner.

Deus Guarde a vossa excelência. Bahia 2 de abril de 1815.

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor marquês de Aguiar[9].

Conde dos Arcos[10]

 

[1] A ideia de criação de uma máquina que substituísse a força humana ou animal em trabalhos braçais existe desde a Antiguidade. A máquina a vapor desenvolvida por James Watt em 1769 era, na verdade, um motor movido a vapor de água, que revolucionou a manufatura e a indústria nos séculos XVIII e XIX. Uma das primeiras aplicações da “máquina” foi na indústria têxtil, quando os teares deixaram de ser manuais, isto é, movidos pela força de quem os manipulava, para serem mecânicos, acionados pela energia produzida pelo motor. Na prática, essa invenção proporcionou, de imediato, um aumento de produtividade, e consequentemente da produção, diminuindo o uso de mão de obra. Esteve na base da revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha nos setecentos e foi sendo paulatinamente utilizada nos outros setores da indústria e expandindo-se por toda Europa. Em linhas gerais, o motor funcionava utilizando o vapor de água em ebulição como “combustível”. Para gerar a combustão, inicialmente, se usou lenha e depois o carvão. No século XIX, as máquinas foram inventadas com diversos propósitos, mas foram especialmente úteis e usadas no processo agrícola, para beneficiar matérias-primas. A partir da descoberta da eletricidade, e posteriormente do uso de outros combustíveis, como gases, óleos e o diesel, na segunda revolução industrial, a partir de fins do oitocentos e já no século XX, a tecnologia do vapor tornou-se obsoleta. Nos engenhos, teria a função de acelerar a moagem da cana-de-açúcar, substituindo a tração animal, as rodas d’água, e mesmo a força de trabalho escrava.

[2] Durante o período colonial o termo “engenho” designava o mecanismo usado para moer a cana, no início do processo de preparo do açúcar. Passa a referir-se ao complexo no qual se fabricava açúcar e toda área da fazenda – as terras, as plantações, a capela, a casa senhorial, a senzala, as ferramentas, e a moenda – posteriormente, desde a segunda metade do século XIX, conceito cunhado por historiadores e estudiosos da agricultura e economia coloniais. Os engenhos de cana (moendas) se dividiam em dois tipos: os engenhos reais, movidos a água – que apresentavam maior riqueza e complexidade, empregavam um grande número de oficiais de serviço e trabalhadores especializados, contavam com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuíam toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo – e os movidos a tração animal – menores em tamanho e capacidade de produção, exigiam investimentos inferiores, também chamados engenhocas ou trapiches, e mais utilizados na produção de aguardente. Os engenhos, como unidades produtivas, tiveram um papel central na colonização, ocupação e povoamento do território da colônia. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo, a expansão do açúcar e o consequente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os engenhos constituíam verdadeiros núcleos populacionais, em torno dos quais e de suas capelas, se formavam vilas e se construíam as defesas das fronteiras das capitanias. Os grandes engenhos tinham em torno de 60 a 100 escravos, e muito poucos ultrapassavam a marca de 150-200 cativos, dos quais, em média, 75% trabalhavam nos campos, 10% na manufatura do açúcar, e o restante dedicava-se a atividades domésticas ou não relacionadas ao trato açucareiro. Os engenhos, assim como o açúcar, tinham grande valor, mas um alto custo: as terras, o beneficiamento, os instrumentos, os escravos, as construções encareciam a produção, que apresentava, em geral, baixos rendimentos, descontados os gastos do senhor. A maior parte dos engenhos era muito pouco ou não lucrativa, fazia o suficiente para sua subsistência, ou lucrava mesmo com a produção da aguardente. Algumas poucas unidades geraram fortunas; a maioria rendia pouco e muitos acumularam grandes dívidas. Ao contrário do que comumente se pensa, a capitania que mais concentrava engenhos, em quantidade e grandeza, era a Bahia, e não Pernambuco, seguida pelo Rio de Janeiro, e então por aquela. A lucratividade variava muito, de acordo com: a safra de cana (influenciada pelas condições climáticas e de solo); as epidemias que assolavam vez ou outra a população escrava e de trabalhadores pobres; a falta de gêneros (como lenha, água, animais) e as dívidas que se acumulavam. Apesar das dificuldades, os engenhos não eram abandonados, e a produção açucareira, embora oscilasse de acordo com as ofertas e demandas do mercado europeu e suas colônias, não perdeu sua importância no Brasil. Os engenhos representavam um microcosmo da sociedade aristocrática rural, apoiada no poder patriarcal e político do senhor, base da sociedade brasileira em construção, bem analisada por Gilberto Freyre em sua obra. Mais do que representação de riqueza, o engenho tinha grande importância simbólica, um signo de poder e um sinal de distinção. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas e, até o século XVIII, ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.

[3] O engenho era uma unidade de produção açucareira que conferia status no Brasil colonial. Ele incorporava a propriedade, a produção e a difusão de um modo de vida senhorial, e imprimia poder e prestígio ao proprietário, por vezes levava à nobreza da terra, e riqueza, muito embora esses elementos simbólicos não dependam exclusivamente das posses dos senhores. Até o século XVIII, ser proprietário de engenho era a maior aspiração dos colonos que ascendiam e enriqueciam. No dizer de um personagem da época, o jesuíta João Antônio Antonioni, pseudônimo André João Antonil, que escreveu Cultura e Opulência no Brasil, 1711, o senhor de engenho "traz consigo, o ser servido, obedecido, e respeitado de muitos." Os senhores de engenho variavam de prestígio e riqueza, de acordo, principalmente, com o tamanho e importância de suas propriedades. Os senhores dos maiores engenhos – chamados de reais, detentores de maior número de escravos, trabalhadores livres, dependentes e agregados, e maior produção de açúcar e aguardente – tinham mais poder e prestígio junto ao reino. Exerciam influência e poder na região de sua propriedade, embora este não fosse ilimitado, e administravam a produção bem como a casa, a família, os agregados, os escravos. Os proprietários dos engenhos menores, ou engenhocas, tinham uma esfera de ação mais restrita, mas, ainda assim, desfrutavam de alguma importância. Mesmo que os engenhos fossem um símbolo de riqueza, na maior parte das vezes os senhores tinham prejuízo ou muito pouco lucro. Seu prestígio advinha de uma relevância mais simbólica do que propriamente ligada a seus rendimentos e, frequentemente, os engenhos, quando passados de pais para filhos, pouco rendiam, a não ser esse legado de status e muitas vezes de títulos de nobreza. O século XIX assistiu a um renascimento da importância do engenho, já que o açúcar brasileiro voltou a ter aceitação no mercado europeu depois da independência e das guerras civis no Haiti. Não durou muito devido à baixa produtividade, ao arcaísmo da empresa açucareira brasileira e ao advento de uma nova cultura, mais barata e simples, e muito mais lucrativa: o café. No oitocentos brasileiro, melhor do que ser senhor de engenho, tal como no século XVIII, era ser barão do café.

[4] Saccharum Officinarum, tipo de gramínea utilizada na fabricação do açúcar e derivados, como melaço e aguardente, é originária da Índia, alcançou a Pérsia e foi levada pelos árabes à costa oriental do Mediterrâneo, sendo introduzida na Sicília e na Península Ibérica. Em 1300, vendia-se em Bruges (Bélgica) o açúcar produzido na Espanha. No século XV, a produção das várzeas irrigadas de Valência e do Algarve (sul de Portugal) era comercializada no sul da Alemanha, nos Países Baixos e na Inglaterra. Portugal já plantava cana na Ilha da Madeira e, dado o alto valor alcançado pelo açúcar nos mercados europeus, ampliou a produção em sua maior colônia, o Brasil, primeiramente nas costas das capitanias de São Vicente e Rio de Janeiro. Logo depois da introdução no sudeste brasileiro, a cultura começou a ser transferida para o nordeste, tendo florescido com maior vigor nas capitanias de Pernambuco e Bahia, onde encontrou clima e solos adequados ao plantio. Outra razão para o sucesso da lavoura canavieira nesta região era sua proximidade com a Europa, que diminuía os custos e os riscos do transporte marítimo do produto, facilitando o escoamento da produção. Cultivada em grandes latifúndios, principalmente com mão de obra escrava, a cultura da cana e do açúcar foi, durante muito tempo, a mais lucrativa da América luso-brasileira, tendo, ao longo do período colonial, perdido o status de principal produto agrícola, mas não a importância para a economia, constituindo o principal modelo da plantation definida por Caio Prado Júnior. Divididas em “partidos”, que equivaliam aos lotes, as terras eram cultivadas por escravos da propriedade ou por trabalhadores livres, que podiam plantar nas terras do engenho ou próprias, utilizando seus instrumentos ou de propriedade do senhor, em um sistema semelhante ao de meiagem. O cultivo da cana no Brasil era bastante rudimentar. A preparação do solo era feita a partir da derrubada da mata e queimadas. Na época das colheitas utilizava-se o fogo novamente na plantação, para diminuir as folhas e facilitar o corte. Um canavial rendia aproximadamente seis boas colheitas, já que o solo se esgotava rapidamente com este método agressivo de plantio. Até hoje a cana-de-açúcar ocupa um espaço importante na economia brasileira.

[5] A moenda é o mecanismo utilizado no engenho para moer ou espremer a cana-de-açúcar. Nela se realiza a primeira etapa da produção do açúcar, o beneficiamento da cana. Depois de cortada e limpa, a cana era passada nas moendas para se extrair o caldo, que seria cozido para a preparação do melaço. As moendas mais comuns na maioria dos engenhos do Brasil, até o início do século XIX, eram as de madeira, movidas a tração animal. Houve pequena evolução no processo de moagem, mais significativa com a adoção das mós feitas de ferro (mais resistentes e eficazes) e do vapor como força motriz, embora essas inovações tenham sido muito lentamente incorporadas, quando chegaram a ser. De modo geral, até fins do século XIX, a produção dos engenhos brasileiros não mudou muito e as moendas de madeira movidas a tração animal ainda eram numerosas.

[6] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[7] Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[8] Estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[9] 1º conde de Aguiar e 2º marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

[10] Oitavo conde dos Arcos, nasceu em Lisboa e foi o último vice-rei do Brasil. Destacou-se, ainda em Portugal, na carreira militar, e chegou a atingir a patente de tenente-general em 1818. Chegou à América portuguesa em 1803 para ocupar o cargo de governador da capitania do Pará e Rio Negro, onde permaneceu até 1806, quando foi promovido para o cargo de vice-rei, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Ficou sob sua responsabilidade a preparação da cidade para ser a nova sede do Império português e receber a família real e a Corte. Em 1808, com a chegada do príncipe regente, findaram-se as funções de vice-rei, tendo sido nomeado, no ano seguinte, governador da Bahia, cargo que assumiu somente em 1810 e nele permaneceu até 1818. Neste período, ajudou a estabelecer a primeira tipografia e o jornal A Idade de Ouro na Bahia, fundou a Biblioteca Pública de Salvador e teve importante papel no combate a rebeliões e desordens causadas por escravos. Entrou em conflito algumas vezes com a classe senhorial local, que o considerava demasiadamente indulgente no trato com os escravos. O conde, por sua vez, acusava a elite baiana de ser selvagem, mesquinha e cruel com seus cativos, gerando sofrimento desnecessário e alimentando sentimentos de ódio e revolta. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, destacou-se na repressão ao movimento, impedindo-o de penetrar na capitania da Bahia. No ano seguinte, retornou ao Rio de Janeiro como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, cargo que ocupou até o retorno da Corte para Portugal. O conde, entretanto, permaneceu ainda no Brasil até depois de declarada a independência e, só então, retornou à Europa.

 

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