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Alimentação na américa Portuguesa

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 19h11 | Última atualização em Sexta, 15 de Junho de 2018, 13h02

Balanço de importações e exportações de Portugal e seus domínios

Resumo do balanço geral das importações e exportações de Portugal com suas colônias e nações estrangeiras, elaborado pelo contador geral Maurício José Teixeira de Moraes. De acordo com o documento, Portugal exportou farinha, bolacha, bacalhau, queijo e vinho para suprir as carências do Brasil, decorrentes da escassez de colheitas e do aumento populacional. Quanto às nações estrangeiras, Portugal estabeleceu relações comercias com a Inglaterra, a Rússia e os Estados Unidos, que importaram produtos como bacalhau, manteiga, queijo, carnes, drogas do sertão, vinhos, frutas e sal. Em anexo, Teixeira de Moraes apresenta uma tabela contendo as exportações de vinho destinadas ao Brasil, domínios e nações estrangeiras após a Restauração de Portugal.

 

Conjunto documental: Resumo da balança geral do comércio do reino de Portugal com o Brasil, domínios e nações estrangeiras
Notação: códice 731, vol. 01
Datas-limite: 1816-1816
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Portugal, produtos, bacalhau
Data do documento: 27 de setembro de 1817
Local: s.l.
Folha(s): - 

 

Resumo da Balança Geral do Comércio[1] do Reino de Portugal com o Reino do Brasil[2], Domínios, e Nações Estrangeiras, no ano de 1816. (...)

Vou portanto tratar da Balança Geral do Comércio do Ano de 1816 dividindo-a em duas partes: mostrando na Primeira o Comércio que fez este Reino com o do Brasil, e Seus Domínios, explicando os seus resultados, e o total de Importações, e Exportações: a Segunda parte compreende o Comércio com as Potências Estrangeiras, e conclui com as duas tabelas dos Câmbios, e Navios que entraram com carga pelas Barras de Lisboa, e Porto.

 

Primeira Parte

O Comércio deste Reino é balanceado com o Reino do Brasil (pelas suas Capitanias) em Segundo lugar com a Ásia, em Terceiro com a África (a), e em último com as Ilhas da Madeira, e Açores, e dos Saldos destas quatro Balanças que vão a f. 8, 9,10 e 11, formo a Balança Geral com o Brasil, e Domínios a f. 12, onde se vê sermos Credores de 4 Milhões 327 mil cruzados e 91$075 réis, saindo o Avanço, ou diferença da maior Exportação á Importação a razão de 12 por cento. [...]

Dois foram os Artigos que aumentaram extraordinariamente a Exportação: Primeiro = Mantimentos = que pela carência, e necessidade de comestíveis a que tem chegado as Capitanias do Brasil, pelo aumento da sua População, e escassez de colheitas, convidaram os exportadores aos grandes fornecimentos de Farinha, Bolacha, (a) Bacalhau[3], Manteiga[4], Queijo[5], e Vinho[6], que montou a 8 Milhões de cruzados: o Segundo foi = Ouro e Prata em Moeda = que passou de 17 Milhões, quando nos anos passados andou por 2, a 5, e já em 1815 passou de 11 Milhões, compreendendo-se nos 17, quase 8 para os Portos da Ásia; isto é Manifestado.

(a) Angola, Bissau, Cacheu, e Cabo Verde.

(a) Bacalhau, Manteiga, e Queijo é pedido de todos os anos a Portugal com preferência ao que levam as Nações ao Brasil, pelo bom estado do seu preparo no acondicionamento.

 

Segunda Parte

Vou nesta Segunda parte mostrar o Comércio em resumo que fez Portugal com as Nações Estrangeiras, no mesmo ano de 1816.

É balanceado este Reino com a Grande Bretanha, e seus Domínios, e sucessivamente com os Reinos de Castela, França, Rússia, Holanda, Suécia, Prússia, Dinamarca, Hamburgo, Itália, Estados Unidos, e Barbaria. [...]

Inglaterra. Importou quase 25 Milhões: a saber em Mantimentos 8 Milhões, que se dividem 4 Milhões de Bacalhau, 2 e ½ de Manteiga, e Queijo, 1 e ½ de Farinha, Carnes, [sinal público] em Tecidos de Algodão 8 Milhões, em Manufaturas de lã 5, e em linho, Sedas, Metais, e Drogas[7] 4 [milhões]. A Exportação andou por 10 Milhões e meio, a saber 6 e ¾ de Produções do Reino, 1 de Gêneros Coloniais, e da Ásia; e mais de 2 e ½ de Mercadorias Estrangeiras reexportadas. [...]

A França, a f. 19, Despachou nas Alfândegas[8] por entrada o valor somente de Um Milhão, e 196 mil cruzados, e Exportou mais de 6 Milhões, e nesta conformidade Somos Credores de quase 5 Milhões: Podemos dizer que este Avanço é para pagar o que nos introduziu clandestinamente em Mercadorias de luxo, perda real do Estado, e nos anos passados foi a Despacho o valor de 3, e 5 Milhões das suas Fazendas de Lei. Pede muita vigilância este Comércio.

O Comércio da Rússia a f. 20: Importou 3 Milhões, e 891 mil cruzados, e levou o valor de um Milhão, e 132 mil cruzados em Vinhos, Frutas[9], e Sal[10], ficamos no Alcance de 2 Milhões, e 759 mil cruzados: Este Império sempre será Credor a Portugal, uma vez que precisamos dos seus linhos em rama, tecidos de lonas, Brins, e Massames, para uso da Marinha.

A Praça de Hamburgo, a f. 25, vai aumentando o seu Comércio de Importação, e Exportação, neste ano foi a sua entrada o valor de 2 Milhões, e Exportou mais de 6 Milhões, em que se compreendem 5, e ½ de Gêneros Coloniais: esta Praça na Época passada, levou dos mesmos Efeitos 13, 14 e 20 Milhões de cruzados, e sempre éramos credores.

Depois da Paz geral de 1814[11], as Praças da Itália têm feito diretamente o seu negócio com Portugal, como o fazia nos tempos passados, e é constantemente sabido o sermos Credores, bem como sucedida com a Praça de Hamburgo: Neste Ano temos um Crédito de 4 Milhões, e 783 mil cruzados, provenientes dos Efeitos do Brasil, e Produções da Ásia.

Os Estados Unidos da América a f. 27, importaram 2 Milhões, e Exportaram Um Milhão, e 438 mil cruzados, ficamos Devedores de 723 mil cruzados: esta República fez a sua fortuna nos anos da Guerra, importando os seus Mantimentos no valor de 15, 32, e 34 Milhões de cruzados nesta Capital, e Porto, levando somente algum Vinho, Fruta e Sal em muito pouco valor, e realizando a sua venda a troco de Moeda Metal.

O Comércio que fizemos com a Suécia, Dinamarca, Prússia, e Barbaria, não foi de consideração. [...]

Julgo não ser incompatível dizer aqui o seguinte.

Queixam-se os Negociantes das Praças de Lisboa, e Porto, não terem saída os Vinhos de Portugal no Brasil, e que este ramo de Comércio ativo vai aparecer: vemos de fato que a Exportação deste mesmo gênero, nos quatro anos mais próximos, tem ido sempre em aumento: deste resultado concluímos ser fictício o que alegam; e por isso lembro, que o Político deve conversar os Negociantes para adquirir certos conhecimentos, e poder deliberar maduramente; porém não deve adaptar os seus conselhos, sem os examinar com circunspeção, e grandes precauções.

Contadoria da Superintendência Geral dos Contrabandos dos Reais Direitos a 27 de setembro de 1817.

O Contador Geral Maurício José Teixeira de Moraes. [sinal público]

 

[1] BALANÇA GERAL DO COMÉRCIO: as balanças de comércio de Portugal, com seus domínios e nações estrangeiras, conformavam mapas estatísticos criados pelo alvará de 20 de maio de 1774, durante o período pombalino, como parte das medidas modernizadoras do Estado português. Pretendiam formalizar um conjunto estatístico das importações e exportações de todo o reino, de 1796 a 1830, visando ao maior controle da economia. Parte destas estatísticas serviu a estudiosos, como o geógrafo italiano Adriano Balbi, que elaborou os primeiros censos estatísticos de Portugal, nos quais fica demonstrada a grande dependência que Portugal tinha com relação ao Brasil em termos econômicos e comerciais.

[2] BRASIL: colônia portuguesa na América que foi com a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral, chamada de Ilha de Vera Cruz, teve seu nome alterado para Terra de Santa Cruz, mas era mais conhecida pelos marinheiros como Terra dos Papagaios. A abundância e o comércio intenso de um “pau de tinta” – o pau-brasil – acabaram por dar a denominação definitiva à nova colônia: Brasil. No início do século XX, autores como Adolfo Varnhagen e Capistrano de Abreu contestaram a versão original de que o nome Brasil teria surgido em virtude da extração de pau-brasil. Na concepção de Capistrano, a origem do termo relaciona-se à existência de um arquipélago imaginário na costa da Irlanda, representado diversas vezes em cartografias medievais e cuja existência não foi comprovada. O primeiro mapa conhecido a colocar o nome Brasil, designando a América Austral, foi o Planisfério de Jerônimo Marini, de 1511. Contudo, o Atlas de Albernaz, cartógrafo oficial de Portugal, de 1640, registrou que Brazil era o nome vulgar da Terra de Santa Cruz. A criação do governo geral, em 1548, englobando as capitanias hereditárias distribuídas na década de 1530, conformou o Estado do Brasil, que, a princípio, não passava de uma estreita faixa de terra no litoral ocupada descontinuamente entre o Nordeste e São Vicente, mas que procedeu uma progressiva expansão. Com a vinda da corte do rei d. João VI, em 1808, o Brasil passou a integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, nome oficializado em 1815. A Independência, em 1822, levou o país à condição de império, mudando seu nome para Império do Brasil, que prevaleceu até 1889, quando, por força da Proclamação da República, adotou a denominação República dos Estados Unidos do Brazil. Atualmente, o nome oficial é República Federativa do Brasil.

[3] BACALHAU: durante séculos, o autêntico bacalhau era o Gadus morhua L, cujos cardumes eram abundantes nas águas geladas do Atlântico Norte. Os povos noruegueses, dinamarqueses e suecos (vikings) foram os pioneiros na pesca do Gadus morhua conservando-o seco, ao ar livre, para ser consumido aos pedaços, bastante endurecidos durante as longas viagens marítimas que realizavam. A comercialização do bacalhau em larga escala, iniciada por volta do ano 1000, pelos bascos só foi possível graças ao conhecimento que possuíam da técnica de conservação de salga e secagem. Foi na Espanha, no século XVI, que surgiu o termo “bacalao” para designar o peixe Gadus morhua. Chegou ao Brasil trazido pelos portugueses, que o consumiam durante a travessia marítima. No início do século XIX, com a chegada da corte portuguesa, seu consumo se difundiu entre os brasileiros. Alimento barato, incorporou-se facilmente à dieta alimentar local, principalmente nos dias santos, feriados e às sextas-feiras. Em 1843, ocorreu a primeira exportação oficial de bacalhau da Noruega para o Brasil. Vários outros peixes de qualidade inferior passaram a ser assim chamados, vendidos salgados e curados.

[4]  MANTEIGA: Embora a palavra manteiga possa se referir a vários compostos de gordura e água, como a manteiga de amendoim, manteiga de jabuti – comum no interior do Brasil na época colonial – e manteiga de cacau, o termo sozinho designa o produto derivado do leite extraído da vaca. Surgida cerca de 3.000 anos antes de Cristo, era utilizada por gregos e romanos como unguento ou medicamento de uso externo. Ingrediente fundamental na culinária portuguesa, em especial nos doces e sobremesas, a manteiga durante muito tempo foi artigo raro no Brasil colônia, mesmo entre as elites. A manteiga consumida no Rio de Janeiro no início do século XIX ainda era rançosa, do tipo vermelha importada da Inglaterra e precisava ser lavada antes do consumo.

[5] QUEIJO: produto derivado do leite (de vaca, cabra, ovelha, búfala), há registro de blocos de leite sólido e fermentado desde o neolítico, e atualmente é consumido sob uma enorme variedade de formas, texturas, gostos e consistências. A produção de queijo coincide com a domesticação e criação de animais produtores de leite. Os relatos de viajantes que passaram pelo Brasil desde a época da colônia, registram, ainda que parcialmente, a produção e o consumo de queijo por aqui. A pecuária começou a se desenvolver na América portuguesa desde a primeira metade do século XVI, mas os animais eram preferencialmente usados para o leite e a tração animal nos engenhos. Até o século XVIII, a maior parte do queijo que se consumia aqui vinha de Portugal, e chegava bastante curado quando não velho ou rançoso. Foi com o desenvolvimento das minas e a interiorização do território em busca de ouro que a produção do queijo (e também da manteiga) começou a se desenvolver, graças ao aumento dos rebanhos no interior para suprir as necessidades de alimentação de uma população que se concentrava ao redor das minas, e à carência de conservação do leite produzido. Um dos problemas para a sua produção na época colonial era a escassez de sal, que chegava importado de Portugal e alcançava, aqui, preços muito altos para os pequenos produtores. Até o século XVIII, o consumo de queijo pela população mais pobre era bastante limitado por todo o país, mantendo-se, como dizia o padre José de Anchieta, “um alimento só para os ricos”. Apenas a partir do início do século XIX, com a presença da nobreza portuguesa e os hábitos alimentares trazidos por ela da Europa, o queijo começou a se tornar um alimento mais acessível e conhecido, indispensável nas mesas mais abastadas.

[6] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.

[7]  DROGAS DO SERTÃO: a necessidade do uso de especiarias e outros gêneros na alimentação e conservação foi um dos motores das grandes navegações no século XVI, em busca de novos caminhos para o Oriente e de terras onde se pudessem explorar essa e outras riquezas. As então chamadas “drogas” eram “todo o gênero de especiaria aromática; tintas, óleos [...]”, conforme o dicionarista Morais e Silva de 1798 (baseado na definição de Raphael Bluteau), e ficaram conhecidas na historiografia brasileira como drogas do sertão ou do mato, produtos nativos ou aclimatados, vindos do norte da colônia, onde se localizam atualmente os estados do Amazonas, Pará e Maranhão. Na prática, referiam-se a especiarias, castanhas, frutas, ervas, sementes, tintas e também animais originários da Amazônia. O início da exploração das drogas no Brasil combinou a necessidade de Portugal conter o avanço de estrangeiros nas colônias do norte e recuperar o comércio de especiarias, a esta altura interrompido com o Oriente, aclimatando espécies de outros continentes e colhendo as nativas que poderiam substituir as tradicionais. Apoiada mais na extração do que no cultivo, a produção de drogas floresceu no norte do Brasil e tornou-se a atividade econômica mais importante da região, baseada na mão-de-obra indígena, e até 1759, controlada pela Companhia de Jesus. Foi das trocas com as populações autóctones que os portugueses tiraram o conhecimento das drogas e aprenderam a usá-las na alimentação. Belém foi a base para o escoamento da produção e para o comércio com o restante da colônia e com a metrópole, sendo que muitas vezes não eram vendidas, mas trocadas por outros produtos inexistentes no local. Durante a governação pombalina, foi criada a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755), com a finalidade de impulsionar e controlar melhor a extração e o comércio das drogas, bem como introduzir novas culturas no norte/nordeste, como o arroz e o algodão. Apesar do progresso obtido pela Companhia, esta acabou extinta em 1777, durante o reinado mariano, trazendo um período de declínio para a produção dos gêneros. As drogas do sertão tiveram um papel importante na alimentação e no paladar dos habitantes da colônia, combinando produtos da terra com ingredientes e receitas vindas da Europa e criando uma culinária própria, mistura de hábitos indígenas, africanos e europeus. Entre os alimentos nativos destacavam-se o peixe-boi, muito apreciado pela carne e pela gordura, e a tartaruga e seus ovos, considerados iguarias, e que forneciam um tipo de manteiga, artigo raro na colônia. As drogas que se tornaram mais conhecidas e foram mais amplamente consumidas eram as variadas pimentas, as castanhas, o urucum, o gengibre, a salsaparrilha, o cacau e os animais – entre as nativas –, e o cravo, a canela, a urzela e o anil, que se adaptaram bem em terras brasileiras.

[8] ALFÂNDEGAS: organismo da administração fazendária responsável pela arrecadação e fiscalização dos tributos provenientes do comércio de importação e exportação. Entre 1530 e 1548, não havia uma estrutura administrativa fazendária, somente um funcionário régio em cada capitania, o feitor e o almoxarife. Porém, com a implantação do governo-geral, em 1548, o sistema fazendário foi instituído no Brasil com a criação dos cargos de provedor-mor – autoridade central – e de provedor, instalado em cada capitania. Durante o período colonial, foram estabelecidas casas de alfândega, que ficaram sob controle do Conselho de Fazenda até a criação do Real Erário em 1761, que passou a cobrar as chamadas “dízimas alfandegárias”. Estas, no entanto, mudaram com a vinda da família real em 1808 e a consequente abertura dos portos brasileiros. Por esta medida, quaisquer gêneros, mercadorias ou fazendas que entrassem no país, transportadas em navios portugueses ou em navios estrangeiros que não estivessem em guerra com Portugal, pagariam por direitos de entrada 24%, com exceção dos produtos ingleses que pagariam apenas 15%. Os chamados gêneros molhados, por sua vez, pagariam o dobro desse valor. Quanto à exportação, qualquer produto colonial (com exceção do pau-brasil ou outros produtos “estancados”) pagaria nas alfândegas os mesmos direitos que até então vigoravam nas diversas colônias.

[9] FRUTAS: desde os relatos dos primeiros cronistas, as plantas e frutos encontrados no Novo Mundo foram valorizados pela sua variedade e abundância. Se por um lado o colonizador português procurou transpor para os trópicos nomes e usos conhecidos na Europa, simultaneamente interessou-se pelo uso que as populações indígenas faziam das espécies nativas. Consumidas ao natural pelos índios, as frutas eram transformadas pelos colonos, com o açúcar de cana, em refrescos, doces e frutas secas, conforme as tradições portuguesa e árabe. Além das espécies nativas, de vários pontos do Império e do reino vieram a bordo das expedições sementes ou propágulos (elementos para a propagação vegetativa) de frutas que atendiam ao gosto dos portugueses. Em Notícia do Brasil, Gabriel Soares de Sousa cita figueiras, romeiras, laranjeiras, as limas doces, cidreiras, limões franceses, as palmeiras, tamareiras, e no início do século XVIII uma relação de frutas “estrangeiras” é apresentada por Sebastião da Rocha Pitta, tais como pêssegos, marmelos, peras, uvas, melancias, melões. Objeto do interesse de viajantes naturalistas e de artistas, as frutas tropicais, muitas de origem americana, foram representadas como naturezas-mortas ou em desenhos científicos, visando a sua classificação e denominação científica. Destacaram-se o abacaxi ou ananás, (Ananás comosus (L) Merril) da família das bromeliáceas, definido, em princípio do século XVII, como “a melhor fruta desta terra” por frei Cristóvão de Lisboa; o cacaueiro (Theobroma cação L.), da família das Esterculiáceas, cujas primeiras tentativas de cultivo no Brasil só ocorreram no nordeste em meados do século XVII; o cajueiro (Anacardium occidentale L.), da família das Anacardiáceas, que tem em André Thevet (1558) a mais remota menção, e ainda os maracujazeiros, pertencentes ao gênero Passiflora, da família das Passifloráceas, que compreende mais de 400 espécies, a maioria de origem na América tropical e das quais pelo menos sessenta dão frutos comestíveis, como assinala José E. Mendes Ferrão autor de A aventura das plantas e os Descobrimentos portugueses (2005). A chegada da corte de d. João ao Rio de Janeiro, deu lugar a uma maior influência europeia nos costumes alimentares: nesse caso, doces de ginja, damasco, pera, pêssego, figo e frutas conservadas em aguardente disputaram as preferências com goiabas, melancias, e as mais populares entre as camadas pobres da colônia, as asiáticas bananas e laranjas.

[10] SAL: desde o início da colonização, os indígenas que habitavam o litoral, e também os jesuítas retiravam o sal do mar para consumo. Durante a ocupação holandesa em Pernambuco, foram descobertas salinas de grande rendimento, o que provocou, em 1655, a proibição pela metrópole da atividade de extração de sal no litoral brasileiro, com vistas a evitar a concorrência com o sal metropolitano, produto estancado e comercializado somente pelo governo português, monopólio régio estabelecido em 28 de fevereiro de 1690. No século XVIII, foi permitida a produção de sal em Pernambuco, em Cabo Frio e no Rio Grande, mas este não poderia ser comercializado internamente entre as capitanias. Destinava-se apenas ao consumo das áreas produtoras, enquanto as outras regiões da colônia precisariam comprar o sal que vinha de Portugal. A interiorização da colonização e o crescimento populacional, intensificados pela busca do ouro nas minas gerais, aumentaram a demanda do produto, levando à escassez e à carestia. A capitania que mais sofria com a falta de sal era a de São Vicente, onde ocorreram diversos conflitos pelo produto e debates na Câmara Municipal. Essa situação foi ficando insustentável, o que levou a assaltos aos armazéns das alfândegas, onde ficava guardado o sal extraído para ser enviado a Portugal. O produto era extremamente importante para a atividade da pecuária e produção de charque e carnes salgadas nas regiões do interior da colônia. O sal possibilitava a conservação de carnes e peixes, essenciais para a alimentação. Seu abastecimento ao longo dos séculos XVII e XVIII foi um constante ponto de atrito entre as autoridades régias e os colonos e ensejou o alvará de 1801, que extinguiu definitivamente o monopólio do sal.

[11] CONGRESSO DE VIENA (1814-1815): em setembro de 1812, Napoleão Bonaparte ocupa a capital russa, Moscou, certo de que seria o primeiro passo para uma dominação sobre o Império czarista. No entanto, o czar Alexandre recusa a rendição, e os invasores franceses logo se viram em uma cidade abandonada por seus habitantes e deliberadamente queimada por eles. Com sérios problemas de abastecimento e escassez crônica de víveres, encurralado pela chegada iminente do inverno, ao exército francês não resta outro meio a não ser a retirada em uma situação cada vez pior: a saída deu-se com as armas inimigas em seu encalço. A perseguição se estendeu por meses a fio e, enquanto o exército russo atravessava a Europa Oriental e Central a caminho da França, uma aliança de apoio começou a se formar, liderada pela Áustria e Prússia e com o apoio da Grã-Bretanha. Assolados pelo frio e pela fome, perseguidos pelos inimigos russos, os soldados chegam de volta à pátria em reduzido número, esfomeados e maltrapilhos. Em março de 1814, o exército de Alexandre entra em Paris e sela o desastre bonapartista. Apesar do seu breve retorno durante alguns meses no ano seguinte, a era de guerras e política imperialista promovidas pelo monarca francês chegava ao fim. Napoleão parte para o exílio na ilha de Elba, de onde sairia no ano seguinte para tentar retomar seu império. O período de ilusão durou cem dias, interrompido pela derrota em Waterloo diante dos britânicos, depois da qual partiria para seu último exílio na ilha de Santa Helena. A aliança formada em torno da Rússia atuou no Congresso de Viena, iniciado em setembro de 1814, tomando para si a tarefa de “reconstruir a Europa”, muito nos moldes do que havia sido antes da ascensão de Napoleão. O objetivo do congresso era, além de reorganizar o mapa político europeu, reestruturar as relações entre seus diversos estados, incluindo aí suas colônias e políticas comerciais. Determinava, então, que as antigas monarquias europeias depostas por Napoleão reassumissem seus tronos, no entanto a monarquia portuguesa estava estabelecida no Rio de Janeiro desde 1808, uma situação considerada ilegítima, sendo Lisboa a sede do governo reconhecida pelo congresso. Para contornar tal objeção, foi necessária a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarve. Além disso, encerrou a chamada “Questão Caiena”, marcada pela discussão entre Portugal e França acerca da delimitação de suas possessões na América pelo rio Oiapoque. Como resultado das discussões em Viena, a França concordou em recuar os limites de sua colônia até a divisa proposta pelo governo português. Entretanto, somente em 1817, Caiena foi realmente devolvida à França, após a assinatura de um convênio entre este país e o novo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. A questão do tráfico de escravos africanos, também foi abordada pelo congresso. A pressão inglesa contra o comércio da escravatura, iniciada em inícios do século XIX, resultou na interrupção do tráfico ao norte da linha do Equador. Esse acordo comprometia áreas importantes de abastecimento de mão de obra escrava na América portuguesa. Em 1817, d. João VI ratificou a decisão e, por um novo acordo, concedeu à Inglaterra o direito de visita e busca nos navios suspeitos de tráfico em alto-mar, sob pena de terem sua carga jogada no oceano. O tom do congresso, como não podia deixar de ser, era abertamente conservador. As nações mais apegadas às fórmulas do Antigo Regime (Portugal, então metrópole do Brasil, entre elas) apostaram em um recuo das ideias liberais e no fortalecimento do colonialismo. Contudo, se uma onda conservadora varreria a Europa, ela não foi capaz de impedir o desenvolvimento e avanço do liberalismo político por muito tempo e muito menos o de conter o movimento de libertação das antigas colônias, em especial, nas Américas. O colonialismo ganharia outras feições, teria outros senhores a comandar de forma diferente antigos territórios, mas o modelo ibérico encontrava-se esgotado.

Carta de lorde Strangford ao conde de Linhares

Cópia da carta de lorde Strangford, representante da coroa britânica no Brasil, ao conde de Linhares, d. Rodrigo de Souza Coutinho, na qual solicita plenos poderes a Guilherme Tidoe, para que este possa comprar, criar e matar 240 cabeças de gado e 600 de carneiro, a fim de fornecer a carne necessária ao consumo dos ingleses que residiam no Rio de Janeiro.

 

Conjunto documental: Generalidades
Notação: IJJ1 702
Datas-limite: 1811-1811
Título do fundo: Série Interior - gabinete do ministro
Código do fundo: A6
Argumento de pesquisa: alimentação
Data do documento: 26 de novembro de 1811
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 36-37

Leia o documento na íntegra

 

Meu caro conde de Linhares[1]

 

O portador desta carta é o homem a quem os ingleses aqui residentes escolheram para lhes darem carne. Eu rogo a vossa excelência que se lembre quanto é essencial para os ingleses a boa carne assada[2]. Sem ela nós não podemos viver. Portanto se vossa excelência não nos socorre, morremos de fome, e então adeus comércio[3].

O que peço a vossa excelência, seriamente, é um aviso para dar poder a este homem, a fim de obrar conforme as expressas estipulações da nossa convenção; isto é para matar 240 cabeças de gado[4], e 600 de carneiro, e comprá-los no sítio em que quiser, sem algum empecilho do Rangel. Este homem Guilherme Tidoe está pronto a pagar os direitos no primeiro dia de cada mês, se for assim necessário. Ele comprou um pedaço de terreno, onde intenta engordar o gado à inglesa.

Suplico a vossa excelência da maneira mais viva a dar uma plena execução a nossa convenção sobre a carne de vaca. Tende compaixão dos nossos estômagos, e da carne de defunto do senhor Rangel, libera nos domine. = de vossa excelência = fidelíssimo, e afeiçoado criado e amigo. = Strangford[5].

 

My dear Count de Linhares,

 

The bearer of this letter is the man whom the English residents here have selected to kill meat for them. I beseech your Excellency to recollect how essential good roast beef is to Englishmen. We cannot live without it; therefore if your Excellency does not help us, we must die of hunger, and then, adieu commerce!

Seriously what I ask of your Excellency is an aviso empowering this man to act according to the express stipulations of our agreement, to kill 240 head of cattle, and 600 sheep, and to buy them in the country  where he pleases, without any impediment from Rangel, this man William Tidoe, is ready to pay the duties on the first day of every month, if it should be so required. He has bought a piece of ground where he means to fatten the cattle à l'anglaise.

I beseech you in the most `?] manner to give a full execution to our convention about the beef.

Ayez pitié de nos estomacs, et de la charogne de M. Rangel, Libera nos Domine!

 

De votre

Le très fidèle et `?] et amie

 

Strangford

 

[1] COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[2] CARNE ASSADA: A expressão foi usada como tradução do original em inglês, roast beef – prato típico da culinária inglesa e também de suas colônias preparado com um corte de carne bovina, geralmente lagarto ou contra-filé, assado no forno ao ponto de ficar cozido por fora e malpassado no interior, era fatiado e servido acompanhado de batatas ou legumes cozidos.

[3] COMÉRCIO: o controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie falhas e brechas no sistema. Tratado como um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a Coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Essa estrutura seria invertida com a chegada da Corte joanina e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, com efeito, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura, em 1810, do Tratado de Navegação e Comércio [ver Tratados de 1810], que estabeleceu uma série de medidas que dariam vantagens a este país sobre outras nações no comércio com o Brasil e Portugal.

[4] PECUÁRIA: a expansão da pecuária foi de grande importância no processo de ocupação do interior do território luso americano e no abastecimento do mercado interno, unindo diferentes áreas geoeconômicas. Considerada pela historiografia tradicional como atividade econômica secundária diante das grandes culturas monocultoras, a pecuária gerou acumulação de volumosos cabedais endógenos e movimentou um importante mercado consumidor interno. Sua introdução no Brasil deu-se no século XVI na capitania de São Vicente, seguindo logo depois para a Bahia. No período colonial, esteve relacionada à produção açucareira, no litoral nordestino, e à mineração, favorecendo a ocupação do interior do Brasil. Devido aos danos que o gado provocava na lavoura, surgiram conflitos entre pecuaristas e plantadores de cana, o que deu origem à carta régia de 1701 que estipulava uma distância de 10 léguas entre as plantações e o pasto. O gado, além de servir para alimentação, também entrava no ciclo produtivo da cana como força de tração e para transporte. Desenvolvida, a princípio, no litoral para abastecer os núcleos urbanos, logo adentrou os sertões. No Nordeste, o gado passou a ser criado solto em pastagens naturais, atingindo as províncias do Ceará, Piauí e Maranhão. No século XVIII, o sertão nordestino alcançou o seu apogeu no desenvolvimento pecuário. Já no sul do Brasil, a criação de bovinos foi desenvolvida, inicialmente, pelos jesuítas, nas missões próximas ao rio Uruguai. No século XVII, os bandeirantes atacaram algumas das reduções jesuítas, o gado foi deixado para trás e passou a se reproduzir naturalmente na região, formando grandes rebanhos selvagens. Logo a atividade verteu-se por toda a região, promovendo a instalação de várias estâncias. No Rio Grande do Sul, estâncias reais foram criadas em 1737 e sesmarias doadas para a criação do gado, sempre no intuito de reforçar a ocupação. Com enorme irradiação espacial, pois ocupava extensas áreas de norte a sul da América portuguesa, a pecuária foi uma atividade constante e diversificada, formada sobretudo por bovinos, mas também suínos e caprinos. Com a abertura dos portos, foi desenvolvida criação do gado inglês – Durham, Hereford, Polled Angus - a fim de fornecer carne necessária ao consumo dos britânicos estabelecidos nas grandes cidades do litoral brasileiro.

[5] SMITH, PERCY CLINTON SYDNEY (1780-1855): Lord Strangford, diplomata, sexto visconde de Strangford, em 1801, foi o enviado britânico que negociou diretamente com o príncipe d. João a proposta de transferência da corte portuguesa para o Brasil. Cumprindo os interesses britânicos, trabalhava secretamente pela independência das colônias espanholas. Negociou, junto ao conde de Linhares, os tratados de 1810, também conhecidos como tratado/convênio Linhares-Strangford. Por sua constante intromissão em assuntos de administração da colônia, perdeu prestígio junto ao príncipe regente, sendo nomeado, em março de 1817, para servir em Estocolmo como representante da coroa britânica. O cônsul geral Sir Henry Chamberlain substituiu-o no posto interinamente junto a d. João VI. Dado à literatura, chegou a publicar, em 1803, um livro com traduções para o inglês de poemas de Luís de Camões. Deve-se também à ação de Lord Srangford a doação por d. João VI de um terreno na Gamboa onde foi construído o cemitério dos ingleses onde eram sepultados cidadãos britânicos.

 

 

Mapa das importações da capitania do Maranhão

Mapa dos produtos alimentares – aguardente, azeite, cerveja, manteiga etc. – importados dos domínios portugueses, de Lisboa, do Porto e da Inglaterra pela capitania do Maranhão, no ano de 1813, elaborado por João José Moraeslio, administrador da alfândega.

 

Conjunto documental: Ministério do Reino. Maranhão. Correspondência do presidente da província
Notação: IJJ9 129
Datas-limite: 1788-1816
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo: AA
Argumento de pesquisa: Portugal, azeite
Data do documento: 1813
Local: Maranhão
Folha(s): 245

 

Mapa ou relação das diversas mercadorias, gêneros e artigos importados dos domínios portugueses e de diferentes reinos estrangeiros nesta capitania do Maranhão[1] no ano de 1813 conforme os despachos feitos na respectiva alfândega.

Da Costa do Brasil até o Rio Grande do Sul

Produtos

Quantidades

Peso / Medida

Preço

Importância

Aguardente[2] Cachaça do Pará

263 pipas

14 barris

70#000

18:578#000

Açúcar[3]

181 caixas
14 faixo

11702@
327 barricas

2#000

20:501#550

Carne Seca[4]

480 peças

16.496 ditas

1500

24:744#000

Chocolate[5]

"

6 arrobas

6400

38#400

Cocos de comer

18.093

"

30

542#790

Ditos de beber água

200

"

30

6#000

Guaraná do Pará[6]

"

32 arrobas

25#600

824#800

Peixe Seco e Salgado

"

4100@

1200

4:920#000

Toucinho[7]

"

423@

3#200

1:353#000

Lisboa

Produtos

Quantidades

Peso / Medida

Preço

Importância

Azeite doce[8]

31 1/2 pipas

"

180.000

5.670#000

Bacalhau[9]

274 barricas

249 ditos

8000

1:994#000

Bolacha e Biscoito

3302 barris

138099@

1600

22:086#000

Marmelada em Bocetas e caixas

"

159 ditas

9600

1.531#000

Massas aletria e macarrão

116 volumes

212 arrobas

3200

678#400

Presuntos

"

149 @ 25 alt

9000

1:348#031

Vinho[10]

600 ditos e 6 ditos

"

100.000

60:020#000

Porto

Produtos

Quantidades

Peso / Medida

Preço

Importância

Azeitona

457 ancoretas

"

1200

548#400

Farinha do Norte

1135 barricas

6537@

200

1:374#000

Figo

"

77@

3200

246#400

Vinagre

3 pipas e 3 almoedas

"

50.000

155#000

Vinho

452 pipas

"

110:000

5:005#000

Inglaterra

Produtos

Quantidades

Peso / Medida

Preço

Importância

Farinha de Trigo

219 barricas

234993 @

8000

1:878#000

Manteiga[11]

2109 barris

120.368

240

28:888#320

Queijos londrinos e de pinha

672

212@26

6400

1:362#000

Garrafas de Cerveja[12]

1654 dúzias

"

2000

3:290#000

Vinagre

1 pipa

26 almoedes

1700

2:874#700

O Administrador da Alfândega
João José Moraeslio"

 

[1] MARANHÃO: os primeiros europeus a chegarem à região onde hoje se encontra o estado do Maranhão foram os espanhóis em 1500. A capitania originou-se a partir do sistema de capitanias hereditárias implantado por d. João III em 1534 e sua colonização coube ao tesoureiro e cronista português, João de Barros. No entanto, foram os franceses que realizaram a ocupação efetiva do território, iniciada em 1612, quando 500 deles, comandados por Daniel de la Touche, senhor de La Ravardière, chegaram em três navios e fundaram a França Equinocial diante das tentativas fracassadas de Portugal. Os franceses construíram na região o forte e vila de São Luís, batizados com este nome em homenagem ao seu rei Luís XIII, originando a cidade que se tornaria a capital do Maranhão. Seguiram-se lutas e tréguas entre portugueses e franceses até 1615, quando os primeiros retomaram definitivamente a colônia. Assim, em 1621, foi instituído o estado do Maranhão e Grão-Pará, com o objetivo de proteger a costa e facilitar os contatos diretamente com a metrópole, uma vez que as relações com a capital da colônia eram difíceis. Em 1641, os holandeses invadiram a região e ocuparam a ilha de São Luís. Três anos depois, foram expulsos pelos portugueses. Durante o século XVII, o Maranhão mostrou-se uma região relativamente lucrativa para o comércio internacional, dada a presença das chamadas drogas do sertão e de alguns produtos agrícolas, bastante valorizados para fins de exportação. Em 1751, devido ao florescimento econômico impulsionado pela produção de açúcar, algodão, tabaco e das drogas do sertão (sobretudo na capitania do Pará), o nome do Estado mudou para Grão-Pará e Maranhão, e intensificaram-se as disputas pela exploração e comércio, sobretudo das drogas, que culminaram na expulsão dos jesuítas, que controlavam estas atividades, em 1759. Em 1772, o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas, Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, como uma grande colônia, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam este todo, o Brasil, e não percebiam unidade na colônia. Dessa forma, a forte influência portuguesa no Maranhão fez com que o estado apoiasse a metrópole contra a independência do Brasil, e só viesse a aceitá-la após intervenção armada em 1823.

[2] AGUARDENTE: bebida derivada da fermentação e destilação do caldo ou do melaço da cana-de-açúcar, conhecida também como jeribita, táfia, cachaça, vinho de mel, ou ainda garapa azeda. Foi introduzida no Brasil pelos primeiros colonizadores portugueses, surgindo como subproduto dos engenhos de açúcar. Destinada inicialmente ao consumo local, ficou conhecida por muito tempo como bebida de escravo. Entretanto, pelo altíssimo teor alcoólico e baixo preço em relação ao vinho português, sua venda disseminou-se não só na América, como também em outras colônias portuguesas, de maneira que, no século XVII, já era utilizada como moeda de troca na compra de escravos na costa africana. A concorrência com a produção das Antilhas no Seiscentos fez despencar o preço do açúcar brasileiro no mercado internacional, forçando a procura por outros gêneros com características semelhantes. Foi nessa conjuntura que a aguardente ganhou espaço, sendo considerada como produto compensador da economia açucareira. Mesmo nas fases favoráveis, o açúcar possuía uma grande desvantagem em relação à aguardente: a baixa lucratividade para os seus produtores. Sendo um derivado da cana-de-açúcar, a aguardente era a grande responsável pelos ganhos dos engenhos brasílicos (25%), pois não estava atrelada ao dízimo e não era mercadoria dividida com os lavradores de cana. Devido à alta lucratividade dada aos senhores de engenho na colônia e ao temor da concorrência com o vinho português, a Coroa passou a tributar o produto e proibir sua comercialização. Apesar disso, as engenhocas, que oficialmente fabricavam rapadura, e os alambiques continuaram a produzir aguardente, o que contribuiu para disseminar a expressão a “salvação da lavoura”. Baixo custeio da produção e alta lucratividade fizeram da bebida, tipicamente tropical, o recurso acionado em momentos de dificuldades.

[3] AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[4]  CARNE-SECA: também denominada jabá, carne de sol, carne do sertão ou carne do Ceará consiste na carne bovina cortada em mantas (grandes pedaços), salgada e seca ao sol. A pecuária do interior nordestino, nos primeiros séculos da colonização, serviu também para abastecer o mercado alimentício interno, produzindo um tipo de carne em conserva, a carne-seca, destinada aos escravos da grande lavoura de açúcar do litoral. No entanto, sua produção não resistiu ao flagelo das secas que assolaram a região durante os séculos XVII, XVIII e XIX. No século XVIII, surgiu então a produção de carne-seca no Rio Grande do Sul que se beneficiou da abundância de carne bovina na região. A carne-seca do sul resistia mais de um ano sem estragar. Continha mais sal, com secagem mais intensa ao sol e ao vento e recebeu o nome de charque, nome de origem quíchua. Os charqueados gaúchos passaram então a escoar sua produção nos mercados consumidores, antes abastecidos pela produção nordestina: Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. O charque gaúcho também foi exportado para Havana. No início do século XIX, no entanto, o produto sulino passou a sofrer a concorrência do charque platino, que aqui chegava por meio do contrabando da Banda oriental. A carne-seca foi um alimento de primeira necessidade no Brasil. Junto com o feijão e a farinha, a carne-seca, compunha o tripé alimentar da América portuguesa. A paçoca nordestina, por exemplo, feita com a carne-seca frita na gordura do porco, misturada à farinha de mandioca e socada no pilão de madeira até virar pó, foi largamente consumida pelos bandeirantes, viajantes e tropeiros em suas viagens, por ser um alimento que se conservava por muito tempo, sem se estragar.

[5] CHOCOLATE: fabricado pelos maias, foi levado para a Europa por frades dominicanos ainda em inícios do século XVI, e encontrou boa aceitação. Nas regiões hoje correspondentes aos territórios do México e da Guatemala, começou o cultivo do cacau, a fabricação e consumo do chocolate em forma líquida pelas populações maias e astecas, que o chamavam de cacahuatl. O primeiro uso da bebida na Europa, ainda no século XVI, era para fins medicinais. Em 1737, o cacaueiro foi classificado por Lineu e recebeu o nome científico de Theobroma cacao L., sendo o próprio naturalista um apreciador da bebida. Em fins do XVII, o consumo de chocolate, até então uma bebida fria, grossa, amarga e bastante gordurosa, receberia uma grande melhora e incentivo. A adição do açúcar, que se produzia em larga escala nas Américas, passou a adoçar a mistura e torná-la mais agradável ao paladar, além de receber água quente, o que promoveu um aumento no consumo e, consequentemente, na produção e comércio. O processo de preparação do chocolate envolvia a separação das sementes da polpa do cacau, a secagem e torração destas, a posterior separação das amêndoas das cascas, e a prensagem da massa, geralmente em forma de bolo, cilindro ou tijolo, ao qual se acrescentava água quente. O líquido costumava ser mexido constantemente para se obter espuma e era servido em pequenas cuias. Ainda no século XVII, o chocolate era a bebida das elites europeias e hispano-americanas. O quadro mudaria no Setecentos. O chocolate já era abundantemente produzido na Amazônia brasileira pelos jesuítas, que o consumiam bastante, e também lucravam muito com este comércio. Essa associação entre a bebida e os jesuítas acabou por ganhar ares negativos quando os padres da Companhia de Jesus foram expulsos do império português, e o chocolate passou a ser tratado como uma bebida decadente. Já no século XIX, o consumo e comércio do chocolate tomaram outro rumo. Na década de 1820, a modernização do processo de fabricação permitiu a produção em pó, com menos gordura e mais fácil de preparar e consumir. Em 1849, apareceu o primeiro chocolate sólido comestível e, desde então, o chocolate ficou mais barato, mais popular e espalhou-se pelo mundo, fazendo parte dos hábitos alimentares de pessoas em todos os continentes. A introdução do cacau na África promoveu o desenvolvimento de um chocolate de qualidade superior, sendo este continente atualmente o maior produtor mundial de cacau e chocolate.

[6] GUARANÁ DO PARÁ: planta originária da floresta amazônica, o guaraná (Paullinia cupana H.B.K.) foi posteriormente adaptado e cultivado nas demais regiões do país. Narrativas de viagens realizadas no Brasil do século XVIII já registravam a existência da bebida feita do guaraná, destacando seu efeito estimulante e refrescante, bem como suas qualidades fitoterápicas. Mas foi o botânico Carl Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) que descreveu em Viagens pelo Brasil (Amazonas, Pará, 1819) o preparo da bebida de guaraná realizado pelos índios Sateré-Maué, também chamados “povo do guaraná”, que foram os pioneiros na sua domesticação e cultivo. Os Sateré-Maué (Amazonas) tomavam o guaraná reduzido a um pó bastante fino acrescido de água. Só depois, o consumo da bebida se generalizou, passando a fazer parte da dieta alimentar das demais tribos indígenas e dos colonos do Pará, que ralavam o pão de guaraná usando o osso do pirarucu (hióide). O guaraná é um cipó lenhoso (trepadeira) que cresce sobre as árvores, podendo atingir até dez metros de altura. Cultivado possui porte de arbusto em forma de moita, com apenas três metros. As flores são brancas, ou amarelas claras, e os frutos se aglomeram em cachos compridos que, maduros, possuem cor avermelhada e se apresentam entreabertos, exibindo sementes negras. As sementes maduras do guaraná são torradas e moídas, formando uma massa moldável e homogênea de cor cinzenta que, depois da defumação para secagem, escurece com o tempo, devido à oxidação. A partir dessa massa, se produzem os “pães” de forma cilíndrica, elíptica ou oval de consistência duríssima que precisam ser limados para consumo. Pesquisas médicas divulgaram as propriedades medicinais do fruto amazônico: antitérmico, antineurálgico, antidiarréico, estimulante, analgésico e antigripal. O guaraná é hoje comercializado em quatro formas: em rama, em pó, em xaropes e essências para refrigerantes, e o Brasil é praticamente o único produtor do mundo seguido por uma pequena produção comercial realizada na Venezuela e no Peru.

[7] TOUCINHO: gordura localizada abaixo da pele do porco, com o respectivo couro. A criação de suínos e a produção de toucinho destinavam-se ao consumo familiar e ao abastecimento dos mercados locais. O toucinho era o mais importante subproduto da criação de suínos. Alimento utilizado no preparo de todas as comidas, servia para cozinhar, untar e preservar os alimentos. Foi utilizado também para substituir a manteiga e o azeite. Separado da carne, o toucinho podia ser conservado por meio da salga, depois encaixotado e comercializado. A carne também podia ser salgada para a venda. Indispensável na dieta alimentar dos habitantes da colônia, o toucinho integrava obrigatoriamente o farnel de bandeirantes, tropeiros e viajantes, principalmente na sua versão salgada. Os escravos e a população pobre consumiam diariamente, acompanhado de feijão-preto e farinha de mandioca.

[8] AZEITE: óleo extraído do fruto das oliveiras: a azeitona. Os povos mediterrâneos iniciaram o cultivo para a extração do azeite por volta de 3.000 a.C. e a expansão do Império Romano foi fundamental na dispersão dessa cultura. Em algumas regiões do litoral do Brasil, o azeite de oliva puro de origem portuguesa era chamado de azeite doce. Por ser um produto de importação, foi sempre objeto de impostos firmados por meio de contratos entre particulares e a metrópole. Em 1640, com o fim da união entre as Coroas ibéricas e a retomada de sua independência política, Portugal precisou reorganizar seu sistema de monopólios comerciais. Assim, criou em 1649 a Companhia Geral do Brasil concedendo-lhe o monopólio da venda (estanco) do azeite doce, do vinho, da farinha e do bacalhau que eram produtos importados de Portugal. Já a gordura extraída da baleia, também chamada azeite de peixe, processada e transformada em óleo, foi utilizada até o século XIX na iluminação de ruas e residências e na fabricação de sabão. [Ver também PESCA DE BALEIAS].

[9] BACALHAU: durante séculos, o autêntico bacalhau era o Gadus morhua L, cujos cardumes eram abundantes nas águas geladas do Atlântico Norte. Os povos noruegueses, dinamarqueses e suecos (vikings) foram os pioneiros na pesca do Gadus morhua conservando-o seco, ao ar livre, para ser consumido aos pedaços, bastante endurecidos durante as longas viagens marítimas que realizavam. A comercialização do bacalhau em larga escala, iniciada por volta do ano 1000, pelos bascos só foi possível graças ao conhecimento que possuíam da técnica de conservação de salga e secagem. Foi na Espanha, no século XVI, que surgiu o termo “bacalao” para designar o peixe Gadus morhua. Chegou ao Brasil trazido pelos portugueses, que o consumiam durante a travessia marítima. No início do século XIX, com a chegada da corte portuguesa, seu consumo se difundiu entre os brasileiros. Alimento barato, incorporou-se facilmente à dieta alimentar local, principalmente nos dias santos, feriados e às sextas-feiras. Em 1843, ocorreu a primeira exportação oficial de bacalhau da Noruega para o Brasil. Vários outros peixes de qualidade inferior passaram a ser assim chamados, vendidos salgados e curados.

[10] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.

[11] MANTEIGA: embora a palavra manteiga possa se referir a vários compostos de gordura e água, como a manteiga de amendoim, manteiga de jabuti – comum no interior do Brasil na época colonial – e manteiga de cacau, o termo sozinho designa o produto derivado do leite extraído da vaca. Surgida cerca de 3.000 anos antes de Cristo, era utilizada por gregos e romanos como unguento ou medicamento de uso externo. Ingrediente fundamental na culinária portuguesa, em especial nos doces e sobremesas, a manteiga durante muito tempo foi artigo raro no Brasil colônia, mesmo entre as elites. A manteiga consumida no Rio de Janeiro no início do século XIX ainda era rançosa, do tipo vermelha importada da Inglaterra e precisava ser lavada antes do consumo.

[12] CERVEJA: consumida desde a Antiguidade, embora desprezada pelos gregos e romanos em favor do vinho, a cerveja era obtida a partir de grãos como o centeio, a aveia, o trigo e a cevada – grão que logo se tornou o preferido. Em 1516, o duque Guilherme IV da Baviera instituiu a Lei da Pureza, um dos mais antigos códigos de alimentos da história, determinando que apenas a água, o malte, o lúpulo e a levedura fossem utilizados na fabricação da bebida. Se a expansão marítima fomentou o comércio de cerveja, paralelamente fez emergir competidores não alcoólicos como o café e o chocolate. No século XVII a concorrência do vinho e de bebidas destiladas também foi enfrentada principalmente pelos holandeses, então à frente do negócio cervejeiro. No século seguinte os ingleses iriam impor medidas protecionistas contra o vinho francês, tornando-se uma “nação bebedora de cerveja”, segundo Matheus da Costa Lavinscky (Revista Mosaico, v. 10, jan./dez. 2017, p. 173-182). O hábito do consumo da cerveja demorou a chegar ao Brasil, já que muitos portugueses produtores de vinho temiam a concorrência com essa bebida. Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos em 1808, a cerveja, bem como outros produtos raramente tidos na colônia, passou a ser vendida e consumida por uma restrita parcela da população, tendo em vista que só existiam marcas importadas, principalmente inglesas. Passou a ser produzida no Brasil a partir da segunda metade do século XIX, por grupos imigrantes europeus.

 

 

Postura do Senado da Câmara da Bahia

Postura do Senado da Câmara da Bahia, que determinava a quantidade e o preço de uma variedade de alimentos consumidos na colônia, como arroz, banana, laranja, carneiro, galinha, leite, peru, pombo, entre outros; além de indicar as penas previstas nos casos de desrespeito a cada uma das determinações.

 

Conjunto documental: Cópia de Postura do Senado da Câmara da Bahia
Notação: códice 90
Datas-limite: 1716-1716
Título do fundo: Câmara de Salvador
Código do fundo: 8G
Argumento de pesquisa: abastecimento
Data do documento: 1785
Local: Salvador
Folha(s): -

 

Postura do Senado da Câmara[1] da Bahia

Fielmente copiado de um livro manuscrito que nela serve; o qual traz a inscrição = Cópia das posturas do Livro 3, aprovadas no ano de 1716. Em 1785.

28º

Que a mostarda em grão, gergelim e amendoins torrados se vendam pela dita chamada celamim[2] de arroz[3] pilado, pagando o povo 40$ cada medida. Pena de 2$000.

29º

Que o arroz pilado se venda seu celamim pondo a cada medida 30$. Pena de 2$000.

31º designação

Que o leite de vaca se venda por medida de vintém a razão de uma pataca a canada[4], e o mesmo se pratique nas azeitonas como é estilo. O leite de cabras, por ser medicinal, se venda a razão de duas patacas a canada, tudo por medidas afiladas. Pena de 6$000.

33º

Que nenhuma pessoa dê menos de vinte bananas[5] por um vintém; vinte laranjas da terra um vintém; vinte limões um vintém.

35º

Que nenhuma pessoa, de qualquer condição que seja, vá abordo dos barcos, lanchas, saveiros, canoas, de frutas ou de peixes, para comprar o dito peixe, legumes ou qualquer outro mantimento, sem que primeiro o povo compre o que necessitar para o seu sustento (...).

46º

Que nas tavernas e casa de pastos[6] em que se venda pão, se não venda ao povo o que não tiver o peso, que no Senado da Câmara se declarar, com pena de incorrer nos que são impostos na forma acima declarada. Pena de 6$000.

47º

Que todas as pessoas que amassarem pão em suas casas para vender, na consideração de que pelo que pesam a farinha que hão de vender ao povo, usem de peso oito libras[7] para baixo uma onça[8], sendo afiladas com sua balança; e a farinha que se venderem ao povo será almotaçado[9], assim como se almotaça os que se vende nas tavernas. Pena de 6$000.

76º

Que nenhuma pessoa venda carneiro senão a peso três vinténs a lavra, e os miúdos com a cabeça do dito carneiro à meia pataca, a qual se venderá no açougue público[10] desta cidade. Pena de 6$000.

85º

Que uma galinha grande de quintal nesta Cidade se não venda por mais preço que duas patacas.

87º

Que uma franga enfeitada nesta Cidade se não venda por mais de uma pataca. Sendo vendidas no termo desta Cidade, se não a venderá por mais de um vintém.

89º

Que os ovos se venderão nesta Cidade a três por dois vinténs, sendo no termo a dois o vintém.

[...]

S.L.

 

[1] CÂMARA MUNICIPAL: peças fundamentais da administração colonial, as câmaras municipais representam o poder local das vilas. Foram criadas em função da necessidade de a Coroa portuguesa controlar e organizar as cidades e vilas que se desenvolviam no Brasil. Por intermédio das câmaras municipais, as cidades se constituíam como cenário e veículo de interlocução com a metrópole nos espaços das relações políticas. Do ponto de vista da administração municipal e da gestão política, foram, durante muitos anos, a única instituição responsável pelo tratamento das questões locais. Desempenhavam desde funções executivas até policiais, em que se destacam resolução de problemas locais de ordem econômica, política e administrativa; gerenciamento dos gastos e rendas da administração pública; promoção de ações judiciais; construção de obras públicas necessárias ao desenvolvimento municipal a exemplo de pontes, ruas, estradas, prédios públicos, etc; criação de regras para o funcionamento do comércio local; conservação dos bens públicos e limpeza urbana. As câmaras municipais eram formadas por três ou quatro vereadores (homens bons), um procurador, dois fiscais (almotacéis), um tesoureiro e um escrivão, sendo presidida por um juiz de fora, ou ordinário empossado pela Coroa. Somente aos homens bons, pessoas influentes, em sua grande maioria proprietários de terras, integrantes da elite colonial, era creditado o direito de se elegerem e votarem para os cargos disponíveis nas câmaras municipais.

[2]CELAMIM: unidade de medida de capacidade de secos utilizada antes da adoção do sistema métrico, que foi decretado em Portugal em 1852 e no Brasil em 1862, muito embora o uso das medidas ainda tenha demorado a ser plenamente substituído. Usada para a pesagem de trigo, cevada, arroz e outros grãos, equivalia a 1/16 alqueire, ou 0,43 litro. Hoje em dia é usado no Brasil como unidade de medida agrária, variando os valores de acordo com o estado. 

[3] ARROZ: originário do sudeste asiático, já era cultivado no Oriente por volta de 3.000 a.C. Várias outras espécies são conhecidas e utilizadas na alimentação em todos os continentes, sendo a mais importante e hoje a mais vulgar o Oryza sativa L., ou arroz branco, Na carta de Pero Vaz de Caminha havia a menção à existência de tipos de arrozes utilizados pelas populações autóctones e introduzidos na alimentação dos primeiros colonos. Eram tipos silvestres do grão e acredita-se que fossem variações do arroz vermelho, ou Oryza mutica, descrito pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira no século XVIII e encontrado em grande abundância no Pará, embora de qualidade inferior ao o. sativa. O colono Gabriel Soares de Souza narra, em seu livro Notícia do Brasil do século XVI, que, já nesta época, a Bahia produzia o melhor arroz do Brasil, com grãos vindos de Cabo Verde, provavelmente o arroz branco, levado para lá pelos portugueses. No século XVIII, essa variedade de arroz chegou a São Paulo e Maranhão. Mas já havia o cultivo em outras partes da colônia, tendo sido fundado, no Rio de Janeiro, na década de 1750, o primeiro engenho de processamento. Foi durante o período pombalino que sementes das Carolinas na América do Norte foram trazidas para diversas localidades no Brasil. A rizicultura começou a florescer com maior incentivo e a produção a aumentar em quantidade e qualidade, tornando-se tema de memórias apresentadas à Academia Real das Ciências de Lisboa visando o melhoramento do cultivo. A maior parte da produção de arroz no Estado do Brasil era para consumo interno, apenas uma pequena parte destinava-se à metrópole. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão foi responsável pela disseminação da cultura do arroz no norte, especialmente no Maranhão, onde chegou a ser o 2º produto mais produzido, atrás somente do algodão, e, diferentemente do que acontecia nas capitanias do sul, o arroz maranhense era exportado em grandes quantidades para Portugal, sendo suficiente para suprir as necessidades de consumo da metrópole. Desde tempos remotos, o arroz fazia parte da alimentação de indígenas e africanos – que conheciam espécies próprias –, e de portugueses e brasileiros, a partir do início da colonização. Atualmente o Brasil aparece, junto com a Índia e a China, entre os principais consumidores e produtores mundiais do grão.

[4] CANADA: unidade de medida de volume de líquidos, utilizada em Portugal antes da adoção do Sistema Internacional de Unidades. Equivalia a 1,4 litro e era empregada para medir vinhos, azeites, leite e outros produtos molhados. [ver também REFORMA DOS PESOS E MEDIDAS]

[5] BANANA: essa fruta é uma das mais antigas plantas cultivadas. Originária do sudeste da Ásia, onde é cultivada há mais de 4 mil anos, chegou ao Ocidente, advinda da África, trazida pelos portugueses no século XVI. A banana já era conhecida na região mediterrânea antes dos descobrimentos. Há relatos de cronistas como Thevet, Léry e Gabriel Soares de Souza de que existiria no Brasil uma espécie de bananeira, chamada pacobeira, antes da chegada dos portugueses, cujo fruto era consumido cozido, frito ou assado, substituindo as batatas. As outras espécies, banana-prata, banana-figo, banana-ouro, banana-maçã, banana-nanica e banana-robusta, foram aclimatadas e adaptadas ao nosso território trazidas de outras colônias portuguesas (como os arquipélagos de Cabo Verde, Madeira ou Açores). Durante o oitocentos e boa parte do século XX, a região da América Central ficou conhecida como grande produtora e exportadora da fruta para o mundo. Hoje em dia, é o quarto alimento mais consumido, atrás somente de grãos como arroz, trigo e milho. O Brasil está entre os maiores produtores e consumidores mundiais.

[6] TAVERNAS E CASAS DE PASTO: o comércio de alimentos no período colonial envolveu várias modalidades, como vendas, armazéns, comércio das ruas, das quitandeiras, além de casas de pasto e tabernas. Esses espaços funcionaram também como um espaço de sociabilidade e para hospedagem, como se pode ver em diferentes narrativas dos que passaram pelo interior das capitanias, encontrando pouso em estalagens ou vendas e experimentando os mais diversos cardápios, alguns muito precários, outros reservados aos mais abastados. Mas, no início do século XIX, é na capital que as casas de pasto se multiplicam e, depois também, restaurantes de hotéis, que passam a servir refeições nas áreas nobres da cidade ou no centro. Assim, como descreve Maria Beatriz Nizza da Silva em Vida Privada e cotidiano no Brasil na época de d. Maria I e d. João VI, abriam-se mesas redondas onde se pagava semanalmente uma subscrição pelo jantar, única forma de admissão dos comensais. O jantar, que ocorria às 14 horas habitualmente poderia incluir vinho e em alguns casos também se poderia escolher não partilhar a mesa, ocupando um quarto fechado. Além dos portugueses, outros estrangeiros se ocuparam do negócio no Rio de Janeiro, como ingleses e franceses, em hotéis como o Royaume du Brésil. Comia-se nesses estabelecimentos sopas, cozidos, doces, e algumas receitas mais sofisticadas anotadas por Jean Baptiste Debret em sua Viagem pitoresca: “lembrarei, pois, que em 1817 a cidade do Rio de Janeiro já oferecia aos gastrônomos recursos bem satisfatórios, provenientes da afluência prevista dos estrangeiros por ocasião da elevação ao trono de d. João VI”. Era, segundo o artista francês, o paladar de comerciantes e viajantes ingleses e alemães que exigia os prazeres da mesa, atendidos pelos italianos que imperavam no comércio relacionado à alimentação, em restaurantes e casas de comestíveis que vendiam azeites finos, frios bem conservados, massas delicadas, frutas secas de primeira qualidade. Foram também os únicos padeiros da cidade então em atividade, na rua do Rosário, seguidos por outros concorrentes no abastecimento de pão.

[7] LIBRA: unidade de medida de massa utilizada antes da adoção do sistema métrico, decretado em Portugal em 1852 e no Brasil em 1862, muito embora o uso das medidas ainda tenha demorado para ser plenamente substituído. Equivalia a um arrátel, no antigo sistema português de medidas, ou 459 gramas, ou a 16 onças. Ver também REFORMA DE PESOS E MEDIDAS.

[8] ONÇA: unidade de medida de massa utilizada antes da adoção do sistema métrico, que foi decretado em Portugal em 1852 e no Brasil em 1862, muito embora o uso das medidas ainda tenha demorado para ser plenamente substituído. Equivalia a um arrátel no antigo sistema português de medidas, ou 459 gramas. Correspondia a 16 onças.

[9] ALMOTACEL: juiz eleito pela câmara municipal, encarregado da inspeção dos pesos e medidas, da regulamentação dos preços dos gêneros alimentícios, da limpeza da cidade e outras funções no âmbito da segurança pública. De acordo com o costume e as leis portuguesas, esse cargo só poderia ser ocupado pelos chamados homens bons.

[10] AÇOUGUE PÚBLICO: estabelecimento no qual os criadores levavam seus animais para serem abatidos, cortados e tratados. No açougue fazia-se também a venda de carne verde (fresca) consumida pela população dos núcleos urbanos. O corte do açougue, junto à produção de aguardente, os estancos e os secos e molhados, constituiu um dos ramos do comércio, que envolvia o município e suas freguesias, sob o controle das câmaras municipais. Entre outras atribuições, cabia às câmaras cuidar da conservação dos serviços básicos prestados à população urbana, como o abastecimento de gêneros, definir os preços e fiscalizar as condições dos alimentos. Para a obtenção do privilégio da exploração dos açougues, os comerciantes ou marchantes (profissional que abatia e tratava a carne das reses) podiam arrematar um dos seus talhos (direito de corte), sendo escolhidos pelos camaristas entre as pessoas com prestígio junto às autoridades coloniais e metropolitanas. Tal privilégio podia ser transferido de pai para filho, sendo, inclusive, incluído na lista de dotes matrimoniais.

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