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Nossa Senhora dos Remédios de Parati

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Quinta, 22 de Fevereiro de 2018, 13h20 | Última atualização em Quinta, 22 de Fevereiro de 2018, 13h22

Vahya Monteiro reclama Paraty

Relato do governador do Rio de Janeiro, Luiz Vahya Monteiro sobre a viagem feita a Parati, Ilha Grande e Angra dos Reis em que denuncia as fraudes frequentes nesses locais e a dificuldade de resolvê-las uma vez que Parati pertence à capitania de São Paulo e Angra dos Reis ao Rio de Janeiro. Sugere que as duas capitanias fiquem sob a responsabilidade de um único governador, que teria poder para evitar as referidas ilegalidades - no caso, o comércio com embarcações estrangeiras.

 

Conjunto documental: Correspondência ativa e passiva dos governadores do Rio de Janeiro com a Corte. Registro original
Notação: Códice 80, volume 02
Datas-limite: 1725-1730
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Nossa Senhora dos Remédios de Parati, vila de
Data: 3 de julho de 1725
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 4

 

Parati e Ilha Grande

Entre a Ilha Grande e terra firme está um dilatado porto onde os navios estrangeiros dão fundo e fazem escala quase sempre com fim de negócio, ainda que não seja mais dando [ilegível] a troco dos refrescos que pedem, de fronte desta Ilha estão duas vilas a saber a de Angra dos Reis[1] da jurisdição desta capitania[2], e a de Parati[3] do governador de São Paulo[4], que dista daquela cidade quinze dias de jornada, e desta quatro, advertindo que a Ilha Grande é desabitada, os moradores da Vila de Angra dos Reis são todos pobres, e sem possibilidades para fazerem negociação nesta vila por ser desta jurisdição, assiste uma companhia de infantaria a que só pode remediar as fraudes que nela se intentarem fazer, porém nem há modo de impedir os de Parati que donde sempre se fizeram porque ali há casas ricas que engrossaram com esses tratos, os quais nem o governador[5] ou capitão geral[6] de São Paulo podem evitar pela distância em que se acha, ficando por este modo exposto este governo ao injusto [ilegível] de se fazerem negociação pela Ilha Grande, que se concedem todos por ser fora da minha jurisdição e a vista de tão `purificadas] razões que meu antecessor tem representado a Vossa Real Majestade em carta de 9 de Outubro do ano passado, cuja cópia remeto inclusas me faz preciso representar a Vossa Real Majestade[7] que se convém muito a seu real serviço, que estas duas Vilas, com a Ilha Grande fiquem sujeitas a governo da Capitania de São Paulo, ou a desta, para que um só governador responda pelas fraudes, que ali se fazem, e que fiquem sujeitas a jurisdição deste governo. A real pessoa de V. Real Majestade que Deus guarde como seus vassalos havemos mister. Rio de Janeiro. A 3 de julho de 1725.

Luiz Vahya Monteiro[8].

 

[1] ANGRA DOS REIS: o povoamento dessa região litorânea da capitania do Rio de Janeiro deu-se a partir de 1556, com a fundação de um povoado pela família do capitão-mor Antônio de Oliveira e a vinda de colonizadores açorianos enviados na esperança de coibir a atuação do corso, que o acidentado contorno da costa tornava propício. Em 1608, ganhou o nome de Vila dos Reis Magos da Ilha Grande. O chamado Caminho Novo – uma nova rota que integrava São Paulo, Minas Gerais e o Rio de Janeiro, alternativa ao antigo caminho que passava pelo vulnerável entreposto de Paraty – foi aberto em 1728 e contribuiu, de forma decisiva, para o crescimento do porto de Angra, já que a estrada que descia a serra a partir do interior aí iniciava o percurso por terra até o Rio de Janeiro.

[2] CAPITANIA: também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (Org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou.” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.

[3] PARATY: o primeiro registro oficial do povoado data de 1597, quando da expedição de Martim Correia de Sá. Na época, o vilarejo pertencia à capitania de São Vicente. Em 1667, Parati fica independente de Angra dos Reis, em função de seguidas rebeliões dos moradores, passando a pertencer à capitania do Rio de Janeiro. Seu porto tornar-se-ia de importância central para a exportação do ouro nos primeiros anos da atividade mineradora. Logo, entretanto, o Caminho Velho, que ligava o litoral à região das minas e que se iniciava em Parati e cruzava o vale do Paraíba, foi substituído pelo Caminho Novo, que levava da serra, no interior a Angra dos Reis, e daí, por terra, ao Rio de Janeiro. Em 1720, a vila ficou sob a jurisdição da capitania de São Paulo, mas, em 1726, uma carta régia determina a volta da vila para o domínio da capitania do Rio de Janeiro. Embora o desvio do percurso do ouro tenha esvaziado a região, o declínio de fato se acentuou em meados do século XIX. Naquela época, parte da produção de café que começava a crescer no vale do Paraíba era escoada pelo porto de Parati. Com a chegada da estrada de ferro à Piraí, o produto passou a ser transportado por uma outra rota. A região voltou-se para as lavouras de cana-de-açúcar e para a produção de aguardente.

[4]  SÃO PAULO, CAPITANIA DE: ao final do século XVII, período da descoberta do ouro no interior da região sudeste do Brasil, a administração das terras encontrava-se pulverizada entre as capitanias de São Vicente, Rio de Janeiro, e territórios em seu entorno. Em 1693, criou-se a capitania de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas do Ouro, o que se mostrou ineficaz para organizar as atividades decorrentes da exploração do ouro. Considera-se ainda que a Guerra dos Emboabas – conflito que envolveu "paulistas", os primeiros descobridores das minas de ouro no sertão brasileiro, e reinóis e seus aliados, pelo controle da região, levou à fundação da capitania de São Paulo em 1709. Os territórios das capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram anexados, por meio de compra, aos territórios da Coroa e a então formada capitania de São Paulo passou a integrar, juntamente com a região das minas, a capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Esta abrangia um território bastante extenso, incorporado a partir da fundação de missões religiosas e das explorações de sertanistas e bandeirantes do planalto na região de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo de Piratininga – fundada ainda no século XVI nos arredores do colégio dos jesuítas. A relação entre bandeirantes e jesuítas resultou em um conflito que marcou a história da capitania de São Paulo. A Companhia de Jesus, tanto na América espanhola quanto na portuguesa, investia na arregimentação de índios como forma de garantir a ocupação e presença da Igreja nas colônias. Suas missões agrupavam milhares de índios que viviam da sua própria produção agrícola, produziam artesanato, aprendiam música sacra e eram forçados à conversão ao cristianismo. Uma vez que o objetivo das entradas era a captura de nativos para o trabalho nas minas e lavouras (até o momento em que a mão de obra africana substituísse a local, que acabou sendo legalmente abolida entre 1755 e 1758), o conflito com a Companhia de Jesus se tornou inevitável. As tensões só tiveram fim com a expulsão dos jesuítas em 1759. A capitania deu origem a um grupo social bastante típico, que criou raízes no planalto, se acostumou a sobreviver por conta própria, devido às distâncias em relação ao litoral e ao descaso da administração metropolitana, e desenvolveu uma percepção aguda da necessidade de se explorar o vasto território desconhecido como única forma de encontrar novas riquezas. Estes exploradores abriam entradas e organizavam bandeiras, expedições de exploração territorial, busca de ouro e captura de escravos indígenas. Taubaté, São Paulo, São Vicente (a vila), Itu e Sorocaba se tornaram centros irradiadores deste movimento. Com a promessa de títulos e riquezas, os colonos investiam intensamente na busca de minérios, sonho alimentado pelas descobertas, ainda que limitadas, do mineral em ribeirões na região do vale do Ribeira e Santana do Parnaíba. O solo inadequado ao cultivo de produtos de exportação e o isolamento comercial condenaram a região a ocupar uma posição secundária nos interesses dos colonizadores. Até o século XVIII, São Paulo representou no cenário luso-brasileiro uma espécie de ponto estratégico de passagem e de organização das bandeiras, responsáveis pela descoberta do ouro, na região mais à noroeste, para além da serra da Mantiqueira, que ficaria conhecida como minas gerais, região que seria, a partir de então, o centro das atenções da metrópole e polo dinamizador da economia colonial. Em 1720, a capitania de São Paulo e Minas do Ouro seria desmembrada dando origem a duas capitanias: de São Paulo e de Minas Gerais. A primeira, após um processo de desmembramento que criou ainda as capitanias de Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande, Goiás e Mato Grosso, foi extinta e incorporada à capitania do Rio de Janeiro em 1748. Voltaria a ganhar autonomia somente em 1765, no contexto de medidas da metrópole que visavam fortalecer a região centro-sul da colônia, objetivando manter a irradiação da colonização para além dos limites estabelecidos pelo tratado de Tordesilhas (movimento para o qual a tradição sertanista dos paulistas se mostrava indispensável).

 

 

[5] GOVERNO-GERAL: criado em 1548 em substituição ao sistema de capitanias hereditárias, tinha como finalidade a centralização administrativa e a organização da colônia, bem como auxiliar e proteger todas as capitanias. O primeiro governador-geral foi Tomé de Souza (1549-1553). A cidade de Salvador foi escolhida como sede do governo-geral, por localizar-se em um ponto médio do litoral, o que facilitaria a comunicação com as demais regiões da colônia. Junto ao governador-geral, indicado pelo rei de Portugal, outros cargos foram criados: ouvidor-mor (assuntos judiciais), provedor-mor (questões financeiras), alcaide-mor (funções de organização, administração e defesa militar) e capitão-mor (questões jurídicas e de defesa). Em 1572, o rei de Portugal dividiu o governo-geral em dois centros: um ao norte, com sede na Bahia, e um ao sul, com sede no Rio de Janeiro, na tentativa de aumentar os lucros com o monopólio do açúcar. Essa divisão, entretanto, não surtiu os resultados esperados, tornando-se Salvador, novamente, o único centro administrativo do Brasil em 1578. A partir de 1720, os governadores receberam o título de vice-rei, persistindo o cargo até a vinda da família real para o Brasil em 1808, quando se encerrou esse sistema.

[6] CAPITÃO-GENERAL: era responsável pelo governo de uma capitania geral, territórios administrados diretamente pela Coroa, em contraste com as donatárias, atribuídas a particulares, como Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo. Em tese, seria subordinado ao vice-rei, mas, como a autoridade deste se diluía com as distâncias e a presença dos governadores e capitães-generais que se comunicavam diretamente com a metrópole, na prática tal subordinação não funcionou na maioria das capitanias da América portuguesa.

[7] JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

 

[8] MONTEIRO, LUIZ VAHIA (1660?-1732): governador do Rio de Janeiro entre 1725 e 1732, substituído interinamente por Manoel de Freitas da Fonseca (1732-1733) em consequência de problemas, na época, descritos por demência. Foi o primeiro a alertar a Coroa para a existência de intensa atividade comercial ilegal na região de Angra dos Reis (incluindo Parati e Ilha Grande), incluindo descaminho do ouro, comercialização de gêneros que só poderiam ser vendidos pela metrópole e pirataria. Sua forma rígida de governar valeu-lhe o apelido de “o Onça,” fama esta que conseguiu ao não compactuar com o que considerava desvios de conduta das elites locais, que a seu ver, acobertavam o contrabando. Envolveu-se em conflitos com o Senado da Câmara, com os Beneditinos e outras figuras proeminentes no governo colonial, todos acusados de desvios de conduta ou facilitação do contrabando. Acusado de possuir “maus modos” e de intolerância extrema, dizia-se rígido no cumprimento dos regulamentos e ordens régias e acusava seus detratores de difamarem seu caráter de forma a que não fossem levadas a sério suas investigações de irregularidades.

Registro de Paraty

Carta do governador do Rio de Janeiro, Luiz Vahya Monteiro, para a Sua Majestade relatando que quando de sua visita a parte sul da Vila de Parati encontrou Manuel Dias de Meneses, provedor do registro, estando ele sem exercício efetivo por não ter como evitar os descaminhos do ouro. Diz ter solucionado em parte o problema com o envio de soldados para guarda do posto de fiscalização. Acrescenta que existem fraudes realizadas por pessoas que não pagam o imposto devido em função de desavenças entre autoridades locais.

 

Conjunto documental: Correspondência ativa e passiva dos governadores do Rio de Janeiro com a Corte. Registro original
Notação: Códice 80, volume 02
Datas-limite: 1725-1730
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Nossa Senhora dos Remédios de Parati, vila de
Data: 31 de julho de 1727
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 114v

Segue o ofício da Provedoria do registro[1] da Vª de Parati[2]

Quando o ano passado fui visitar esta costa para a parte sul como dei conta a Vossa Majestade[3] chegando a Vila de Parati incorporada até então no governo de São Paulo[4] achei nela o Coronel M. Dias de Menezes nomeado por aquele governo provisório do registro, mas este um exercício algum porque não tinha escrivão, nem havia providência alguma para evitar os descaminhos[5] do ouro porque aquele caminho chamado velho[6] vem das Minas Gerais[7] e de São Paulo pelas vias de Taubaté e Guaratinguetá, e reconhecendo no dito coronel todas as circunstâncias de zelo e inteligência e mandei continuar na mesma ocupação de provedor e ao da fazenda mandei nomear-se escrivão por me dizer tinha ordem de Vossa Majestade. Para nomear escrivão do registro como achei fazendo no caminho novo[8], e por esta causa sem ter pago os novos direitos, de que me não escaparia se eu `ilegível] a provisão, e logo mandei um sargento com 12 soldados para a guarda do 2º registro, como se pratica no caminho novo. E fiz regimento por donde se haviam de governar concedendo-lhes os mesmos direitos que se costumam pagar no de registro do caminho novo, de que se resulta tão possuía utilidade até o presente que apenas tem convivência a quem assiste naquela Vila mais a inveja [ilegível] do provedor por algum seu desafeto, suscitando várias quimeras, principalmente a de persuadir os moradores da Vila de São Paulo a não pagarem na passagem do registro, como [ilegível] não trouxeram ouro, elevassem negros e fizessem outras fraudes mas sobretudo Vossa Majestade mandara o que foi mais conveniente a sua real pessoa. A Real pessoa de Vossa Majestade. Que Deus guarde como seus vassalos havemos mister. Rio de Janeiro, 31 de julho de 1727.

Luiz Vahya Monteiro[9]

 

[1] REGISTRO: posto de fiscalização fazendária onde eram cobrados o imposto e o pedágio sobre a mercadoria sujeita a tributação que circulava pela Estrada Real.

[2] PARATY: o primeiro registro oficial do povoado data de 1597, quando da expedição de Martim Correia de Sá. Na época, o vilarejo pertencia à capitania de São Vicente. Em 1667, Parati fica independente de Angra dos Reis, em função de seguidas rebeliões dos moradores, passando a pertencer à capitania do Rio de Janeiro. Seu porto tornar-se-ia de importância central para a exportação do ouro nos primeiros anos da atividade mineradora. Logo, entretanto, o Caminho Velho, que ligava o litoral à região das minas e que se iniciava em Parati e cruzava o vale do Paraíba, foi substituído pelo Caminho Novo, que levava da serra, no interior a Angra dos Reis, e daí, por terra, ao Rio de Janeiro. Em 1720, a vila ficou sob a jurisdição da capitania de São Paulo, mas, em 1726, uma carta régia determina a volta da vila para o domínio da capitania do Rio de Janeiro. Embora o desvio do percurso do ouro tenha esvaziado a região, o declínio de fato se acentuou em meados do século XIX. Naquela época, parte da produção de café que começava a crescer no vale do Paraíba era escoada pelo porto de Parati. Com a chegada da estrada de ferro à Piraí, o produto passou a ser transportado por uma outra rota. A região voltou-se para as lavouras de cana-de-açúcar e para a produção de aguardente.

[3] JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

[4] SÃO PAULO, CAPITANIA DE: ao final do século XVII, período da descoberta do ouro no interior da região sudeste do Brasil, a administração das terras encontrava-se pulverizada entre as capitanias de São Vicente, Rio de Janeiro, e territórios em seu entorno. Em 1693, criou-se a capitania de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas do Ouro, o que se mostrou ineficaz para organizar as atividades decorrentes da exploração do ouro. Considera-se ainda que a Guerra dos Emboabas – conflito que envolveu "paulistas", os primeiros descobridores das minas de ouro no sertão brasileiro, e reinóis e seus aliados, pelo controle da região, levou à fundação da capitania de São Paulo em 1709. Os territórios das capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram anexados, por meio de compra, aos territórios da Coroa e a então formada capitania de São Paulo passou a integrar, juntamente com a região das minas, a capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Esta abrangia um território bastante extenso, incorporado a partir da fundação de missões religiosas e das explorações de sertanistas e bandeirantes do planalto na região de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo de Piratininga – fundada ainda no século XVI nos arredores do colégio dos jesuítas. A relação entre bandeirantes e jesuítas resultou em um conflito que marcou a história da capitania de São Paulo. A Companhia de Jesus, tanto na América espanhola quanto na portuguesa, investia na arregimentação de índios como forma de garantir a ocupação e presença da Igreja nas colônias. Suas missões agrupavam milhares de índios que viviam da sua própria produção agrícola, produziam artesanato, aprendiam música sacra e eram forçados à conversão ao cristianismo. Uma vez que o objetivo das entradas era a captura de nativos para o trabalho nas minas e lavouras (até o momento em que a mão de obra africana substituísse a local, que acabou sendo legalmente abolida entre 1755 e 1758), o conflito com a Companhia de Jesus se tornou inevitável. As tensões só tiveram fim com a expulsão dos jesuítas em 1759. A capitania deu origem a um grupo social bastante típico, que criou raízes no planalto, se acostumou a sobreviver por conta própria, devido às distâncias em relação ao litoral e ao descaso da administração metropolitana, e desenvolveu uma percepção aguda da necessidade de se explorar o vasto território desconhecido como única forma de encontrar novas riquezas. Estes exploradores abriam entradas e organizavam bandeiras, expedições de exploração territorial, busca de ouro e captura de escravos indígenas. Taubaté, São Paulo, São Vicente (a vila), Itu e Sorocaba se tornaram centros irradiadores deste movimento. Com a promessa de títulos e riquezas, os colonos investiam intensamente na busca de minérios, sonho alimentado pelas descobertas, ainda que limitadas, do mineral em ribeirões na região do vale do Ribeira e Santana do Parnaíba. O solo inadequado ao cultivo de produtos de exportação e o isolamento comercial condenaram a região a ocupar uma posição secundária nos interesses dos colonizadores. Até o século XVIII, São Paulo representou no cenário luso-brasileiro uma espécie de ponto estratégico de passagem e de organização das bandeiras, responsáveis pela descoberta do ouro, na região mais à noroeste, para além da serra da Mantiqueira, que ficaria conhecida como minas gerais, região que seria, a partir de então, o centro das atenções da metrópole e polo dinamizador da economia colonial. Em 1720, a capitania de São Paulo e Minas do Ouro seria desmembrada dando origem a duas capitanias: de São Paulo e de Minas Gerais. A primeira, após um processo de desmembramento que criou ainda as capitanias de Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande, Goiás e Mato Grosso, foi extinta e incorporada à capitania do Rio de Janeiro em 1748. Voltaria a ganhar autonomia somente em 1765, no contexto de medidas da metrópole que visavam fortalecer a região centro-sul da colônia, objetivando manter a irradiação da colonização para além dos limites estabelecidos pelo tratado de Tordesilhas (movimento para o qual a tradição sertanista dos paulistas se mostrava indispensável).

[5] DESCAMINHOS: em seu dicionário, o padre Rafael Bluteau define descaminho como a “má aplicação ou nenhuma aplicação das rendas públicas, distraídas e desviadas do fim para que estavam deputadas”. O descaminho ou contrabando sempre foi um problema enfrentado pela Coroa em relação aos produtos com grande peso para a economia colonial. Pau-brasil, vinho e, em especial, o ouro foram alvo de medidas que coibissem os descaminhos frequentes. Em 1702, foi baixado o Regimento das Minas que, junto a outras determinações oficiais, buscava controlar a circulação do ouro e fazer com que os impostos exigidos pela Coroa fossem coletados. Apesar das penas severas para quem falsificasse os cunhos oficiais utilizados para a marcação do ouro e para aqueles que desviassem esta riqueza, o contrabando – nos termos da época, descaminho – jamais deixou de ocorrer. Os contrabandistas criaram meios, os mais criativos, para escapar, desde inserindo ouro em estátuas religiosas até, acintosamente, montando casas de fundição, onde forjavam o selo de quintação da Coroa portuguesa. O contrabando apresentava-se como um negócio lucrativo, sustentado por uma rede que incluía contratadores e oficiais da própria Coroa. O chamado descaminho baseava-se também, em grande medida, na dificuldade de controlar o vasto e ainda selvagem território de escoamento da produção e fornecimento de víveres. Apesar dos esforços da Coroa para que apenas determinados caminhos fossem utilizados, os habitantes locais possuíam o conhecimento de vias alternativas, que escapavam ao controle oficia

[6] CAMINHO CHAMADO VELHO: os primeiros caminhos construídos para melhorar a exploração dos recursos naturais do Brasil datam da segunda metade do século XVI. Localizam-se, principalmente, próximo às serras sob a proteção dos paredões rochosos, como a serra da Mantiqueira, onde se escondiam depósitos de ouro e diamantes. Foi daí que surgiu, a partir das antigas trilhas indígenas, nos últimos anos do século XVI, o Caminho Velho, que interligava tais trilhas a caminhos abertos por expedições de paulistas, em busca de índios e riquezas no sertão, até a região de Parati. Atravessar o caminho velho era difícil: entre os muitos problemas estavam o frio e a umidade, o terreno extremamente acidentado, os preços exorbitantes dos gêneros que eram vendidos nas paradas, além dos piratas da baía de Angra. Gastavam-se em torno de 73 dias para completar o percurso. Apenas a Coroa portuguesa tinha autorização para abrir novos caminhos para as minas na intenção de melhor controlar o fluxo de mercadorias e pessoas: a ida de escravos e víveres e o retorno da carga preciosa (ouro e pedras preciosas). Foi com a intenção de exercer este controle e na tentativa de diminuir os riscos envolvidos na travessia pelo caminho velho que uma rota seria aberta após a descoberta do ouro, ligando a região das minas ao porto do Rio de Janeiro, sem a necessidade da travessia marítima Parati-Rio de Janeiro.

[7] MINAS GERAIS, CAPITANIA DE: nascida a partir do desmembramento da capitania de São Paulo e Minas do Ouro, ocorrido em 1720, Minas Gerais foi o foco da exploração de ouro e pedras preciosas – inclusive diamantes – ao longo do século XVIII. O início da exploração do ouro em fins do século XVII faria com que a metrópole implementasse reformas administrativas e legislativas com o intuito de estabelecer um maior controle sobre o território e sobre a exploração das suas riquezas, processo acentuado com a descoberta de diamantes na década de 1720. Em 1709, a crise causada pelo confronto entre os primeiros exploradores da região das minas e os “aventureiros” que chegaram posteriormente resultou no conflito conhecido por Guerra dos Emboabas e foi uma das causas para a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Em 1720, a revolta de Felipe dos Santos (ou de Vila Rica), que questionava a forma de tributação sobre o ouro e a intensificação do controle da coroa sobre as atividades locais sob a forma da criação das casas de fundição oficiais contribuiu para novo desmembramento, e a criação da capitania de Minas Gerais. O levante de 1720 não seria o último a opor a coroa aos colonos em torno da exploração e taxação das riquezas da região; em 1789 – no período de decadência da exploração colonial do ouro, diametralmente oposto ao do movimento de Felipe dos Santos – ocorreu a Conjuração Mineira, já sob a influência das ideias liberais e da revolução americana. Tornada polo dinamizador da economia colonial, a capitania das Minas (agora, Gerais, e não apenas do ouro) desenvolve, na sua rede de povoados, vilas e cidades uma sociedade mais urbana e dinâmica do que a que caracterizava a economia agrícola, cuja exclusividade marcou os primeiros dois séculos da colonização. À medida que ouro e diamantes jorravam, as cidades se desenvolviam e sofisticavam, a sociedade se diversificava, assim como as atividades econômicas, a despeito da repressão da metrópole que não via com bons olhos a produção local de bens necessários ao dia a dia dos colonos e à própria atividade mineradora. Neste painel variado, a massa de escravos e o pequeno grupo de senhores – molas mestras da produção de riquezas –  dividiam espaço com artistas, intelectuais, comerciantes de víveres, e um sem número de “sem destinos”, indivíduos que vagavam à margem da sociedade e da riqueza da qual se apossavam poucos privilegiados. De forma não muito diferente do que ocorre nos dias de hoje, em regiões em que uma fonte potencial de riqueza é subitamente descoberta e explorada, os lucros e benefícios da nova atividade tendem a se concentrar de forma intensa, deixando à margem uma quase horda de excluídos, muitos deles vivendo a vã esperança de partilhar as sobras possíveis. Não é à toa que a paisagem arquitetônica desenvolvida ao longo do século XVIII impressiona até os dias de hoje, e lançou para a história nomes como Manuel Francisco Lisboa, que planejou a igreja do Carmo, em Ouro Preto (antiga Vila Rica). Artistas locais, como Aleijadinho e Mestre Ataíde, desenvolveram uma versão nativa de barroco/ rococó e beneficiavam-se do grande afluxo de riquezas. Patrocinadas pelas irmandades e ordens terceiras – organizações religiosas de indivíduos sem vínculo com a Igreja, mas que se dedicam a um culto específico –, que tiveram um papel crucial na vida social da região das minas, as opulentas igrejas se multiplicaram, exibindo o esplendor de uma era que chegaria ao fim com o século XVIII. Após a década de 1760 percebe-se que a comarca do Rio das Mortes passou a apresentar um crescimento demográfico substancial, em oposição à comarca de Vila Rica, que começava a perder população. Isso se deveu ao declínio da produção de ouro – estreitamente relacionada à Vila Rica – e a diversificação e florescimento da agricultura, da pecuária e até mesmo, em certa medida, da nascente produção manufatureira em Rio das Mortes. Esta transformação marca o início da queda da produção de ouro na região e indica a diversificação de atividades para além da mineração.

[8] CAMINHO NOVO: os riscos da parte marítima do Caminho Velho levaram à construção de uma nova rota mais rápida e segura para a região das minas. Em carta régia de 1698, foi estabelecida a construção do novo caminho, que ficou a cargo do bandeirante Garcia Rodrigues Pais, filho do notório bandeirante Fernão Dias Paes. Quando totalmente pronto, o Caminho Novo ligou o cais da Praia dos Mineiros (Praça XV) ao Arraial do Tejuco (Diamantina), encontrando-se com o Caminho Velho em Vila Rica (Ouro Preto), passando por algumas povoações e vilas como as atuais cidades de Petrópolis e Barbacena. Apesar da redução do tempo de viagem para apenas um terço do Caminho Velho, o bandeirante havia escolhido um trecho difícil para a travessia da Serra do Mar, o que levou a Coroa portuguesa a encomendar novos desvios para a transposição da serra, que se encontravam novamente nas margens do Rio Paraibuna. A partir da década de 1720, o antigo caminho deixa de ser o caminho oficial da rota do ouro, servindo apenas como via de escoamento de produtos de consumo entre as regiões do Sudeste. O Caminho Novo foi certamente o mais importante para a colônia, tanto pela maior circulação de pessoas quanto pelo maior detalhamento de sua geografia. O caminho ainda teve vital importância na Guerra dos Emboabas, em 1707, pois facilitou o transporte de pessoal e armamento, que fez pender o conflito para o lado dos portugueses. A modificação do caminho marcou o esvaziamento da cidade de Paraty, embora sua decadência de fato só viesse a ocorrer no século seguinte.

[9] MONTEIRO, LUIZ VAHIA (1660?-1732): governador do Rio de Janeiro entre 1725 e 1732, substituído interinamente por Manoel de Freitas da Fonseca (1732-1733) em consequência de problemas, na época, descritos por demência. Foi o primeiro a alertar a Coroa para a existência de intensa atividade comercial ilegal na região de Angra dos Reis (incluindo Parati e Ilha Grande), incluindo descaminho do ouro, comercialização de gêneros que só poderiam ser vendidos pela metrópole e pirataria. Sua forma rígida de governar valeu-lhe o apelido de “o Onça,” fama esta que conseguiu ao não compactuar com o que considerava desvios de conduta das elites locais, que a seu ver, acobertavam o contrabando. Envolveu-se em conflitos com o Senado da Câmara, com os Beneditinos e outras figuras proeminentes no governo colonial, todos acusados de desvios de conduta ou facilitação do contrabando. Acusado de possuir “maus modos” e de intolerância extrema, dizia-se rígido no cumprimento dos regulamentos e ordens régias e acusava seus detratores de difamarem seu caráter de forma a que não fossem levadas a sério suas investigações de irregularidades.

Dificuldades nas Estradas Reais

Carta de Luis Vahya Monteiro, governador da capitania do Rio de Janeiro, à Coroa, sobre os fatos ocorridos após o recebimento da ordem para a abertura do caminho da São Paulo para o Rio de Janeiro. O governador relata os entraves encontrados devido ao fato de muitas terras serem administradas pelos padres da Companhia de Jesus, e também pelas congregações do Carmo e São Bento, em especial na região no entorno de Sepetiba. Segundo ele, estes opõem grandes obstáculos às demarcações das terras, às atividades realizadas no rio Guandu (em especial, a pesca, fundamental para a sobrevivência da população mais pobre), e à passagem para a vila de Paraty e outras regiões. As dificuldades colocadas pelos religiosos acabam por incentivar a utilização de caminhos não oficiais, além de atrasar a abertura de novos caminhos reais.

 

Conjunto documental: Correspondência ativa e passiva dos governadores do Rio de Janeiro com a corte. Registro Geral
Notação: códice 80 - volume 04
Datas: 1730 - 1731
Fundo ou coleção: Secretaria de estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Nossa Senhora dos Remédios de Parati, vila de
Data: 3 de janeiro de 1730
Local: Paraty
Folhas: 10 e 11.

 

 

"Sobre a abertura do caminho de São Paulo para o Rio de Janeiro[1]

 

Senhor

Depois de responder a ordem de V. Magestade[2] em carta de dezessete de agosto do ano passado sobre a abertura do caminho novo de São Paulo[3], para esta cidade, dizendo que me tinham pedido várias sesmarias[4]nele, sobre o que o que o provedor da fazenda dilatou as informações, pedindo depois uma em nome de seu filho, do que eu nunca podia entender o fim, vem agora a penetrar que tudo fora idéias dos Padres da Companhia[5], fazendo pedir ao provedor a dita sesmaria imediata as terras, que os padres possuem em Santa Cruz, não porque o provedor queria tal sesmaria, mas afim de que ela ficasse servindo de demarcação as terras, que eles quisessem eleger, e chamar suas acomodações a tudo o filho do provedor, ou seu pai, como `ilegível] não queria tal sesmaria porque se quisessem terras não venderia as que tem, e por este modo afastarão de si em tanta distância e demarcação das [ilegível] sesmarias que se haviam de seguir, que nenhum dos sesmeiros as quis tirar, sem embargo de se acharem despachadas na secretaria, e a título de abrirem os ditos padres o caminho na estrada das suas terras com a [ilegivel] e aparente zelo, abrirem uma picada fantástica por alagadiços e partes intratáveis, devendo com efeito seguir-se o caminho da parte donde o deixaram os paulistas, e por junto de uma Aldeia de Índios chamada Itinga da administração dos mesmos padres, que por seus particulares interesses mudarão do sítio em que foi fundada para dentro desta mesma fazenda por donde a estrada deve ir em direitura a ponte que eles tem sobre o Rio Guandu, e passando por fora do cercado fechado em que tem os seus escravos fechados remete na Estrada Real[6] desta cidade, que principia na pescaria e barra da Sepetiba a donde vem todas as embarcações de Paraty e mais vilas do Sul.

E não só querem tolher os ditos Padres o caminho novo[7] de São Paulo mas também este de terra que vai em direitura a Sepetiba, a donde desembarca todo o mundo para as vilas do Sul, São Paulo, MInas Gerais, [ilegível] os moradores de Sepetiba, que são pobres, e vivem de suas pescarias, a título de estarem nas costas das suas praias para o que se pedem excessivo foro, encaminhado tudo, aqui não havendo ali moradores, não acharam [ilegível] Vealugue Canoas, que são embarcações em que passam a Paraty por dentro da Ilha Grande e Marambaia cujo estímulo se despertou mas a guarnição, que naquela costa mandei por este ano para guarda do muito ouro, que por ali se furta, aos Reais quintos[8] sobre que são inevitáveis os descaminhos[9] pela autoridade dos ditos padres, e ainda temor, que as mesmas guardas tem de tocar na cruz que eles põem por marca em todos os seus fardos e até eu receio que pareça encarecimento alguma coisa das que digo a seu respeito a sim da soberba, ambição, e sufocação com que levam tudo sem embargo de se poderem reduzir a exata informação os seus procedimentos.

As terras que possuem em Santa Cruz[10], com outras que tem a religião do Carmo, e os moradores de Guaratiba, foram dadas a um Manoel Vellozo de Espinha pedidas industriozamente por duas vezes na mesma parte, mas ainda, que se contém as duas datas distintas , nunca excedem de cinco légoas de Costa, e três de `ilegível`, a qual data se repartio pelas três possessões virando os religiosos do Carmo entre os moradores de Guaratiba, e o padres da Companhia que com o despertador do caminho novo, provizão que tem para atombar o puzeram em execução com o Ouvidor a passagem que fez para a vila de Paraty e me seguram, que dá outra parte do Rio Guandu, que é a demarcação das ditas terras, como vi na sesmaria, se estendem os padres mais de trinta légoas como me afirmou o capitão de Cavallos Fernando Cabral a quem encarreguei a guarda do ouro, que me disse gastaria dois dias e meio para ir meter uma guarda `ilegível] de São Paulo até a donde os padres querem que seja seu, ainda que tenho esta medição por nula, assim porque o ministro não acompanhou os medidores até onde vão pregar os marcos para a banda das terras marinhas, para donde se estendem os padres da Companhia como porque a respeito destas terras devia ser citado o Procurador da Coroa, por não haver quem impugne daquela parte a liberdade do ditos padres, e como os frades do Carmo estando no meio, se não podem estender pela costa a imitação dos padres da Companhia, e com inveja puxarão para o sertão, o que deu motivo ao requerimento incluso, que me fizeram os moradores ofendidos, que ponho na Real notícia de V. Magestade de catorze de outubro de mil seiscentos noventa e nove de que remeto cópia, a examinei,em sua observância determino mandar notificar as três religiões, da Companhia, Carmo[11] e São Bento[12] para que a executem, e porque estou certo, que se não desapropriarão dos muitos bens que possuem fora das suas `ilegível]. V. Magestade me ordena, que os obrigue a fazê-lo, e eu não sei como os devo obrigar, espero que V. Magestade me declare, porque a necessidade desta providência é grande, e com a pocessão das religiões se impossibilitam todos os meios do aumento desta conquista, e com modo dos vassalos [13] pobres, principalmente pelo que tem abarcado os padres da Companhia, porque já a título de pocessão dos Índios[14], ou de suas próprias, não há a donde por pé na distância de perto de cem légoas que correm desde o Rio Guandu referido para a parte do Sul desta cidade, até o Rio Paraíba nos campos dos Goytacazes para a parte do Norte, além de serem senhores de muita parte das caras desta cidade por título de compra e se continuarem do modo que são em poucos anos são senhores de todo o domínio útil desta capitania[13] sem que os moradores se possam dar remédio, porque todos se acovardaram com o poder de tão fortes partes, o que não podem resistir pelos poucos meios e além disto o grande prejuízo que tem a fazenda de V. Majestade na diminuição dos dízimos sobre tem havido antigas e modernas queixas sem remédio e ficasse (?) tudo V. Majestade resolverá o que mais conveniente for ao seu real serviço.

A Real pessoa de V. Magestade Guarde Deus Sr. muitos anos como seus vassalos havemos mister

Rio de Janeiro

 

[1] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[2] JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

[3] SÃO PAULO, CAPITANIA DE: ao final do século XVII, período da descoberta do ouro no interior da região sudeste do Brasil, a administração das terras encontrava-se pulverizada entre as capitanias de São Vicente, Rio de Janeiro, e territórios em seu entorno. Em 1693, criou-se a capitania de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas do Ouro, o que se mostrou ineficaz para organizar as atividades decorrentes da exploração do ouro. Considera-se ainda que a Guerra dos Emboabas – conflito que envolveu "paulistas", os primeiros descobridores das minas de ouro no sertão brasileiro, e reinóis e seus aliados, pelo controle da região, levou à fundação da capitania de São Paulo em 1709. Os territórios das capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram anexados, por meio de compra, aos territórios da Coroa e a então formada capitania de São Paulo passou a integrar, juntamente com a região das minas, a capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Esta abrangia um território bastante extenso, incorporado a partir da fundação de missões religiosas e das explorações de sertanistas e bandeirantes do planalto na região de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo de Piratininga – fundada ainda no século XVI nos arredores do colégio dos jesuítas. A relação entre bandeirantes e jesuítas resultou em um conflito que marcou a história da capitania de São Paulo. A Companhia de Jesus, tanto na América espanhola quanto na portuguesa, investia na arregimentação de índios como forma de garantir a ocupação e presença da Igreja nas colônias. Suas missões agrupavam milhares de índios que viviam da sua própria produção agrícola, produziam artesanato, aprendiam música sacra e eram forçados à conversão ao cristianismo. Uma vez que o objetivo das entradas era a captura de nativos para o trabalho nas minas e lavouras (até o momento em que a mão de obra africana substituísse a local, que acabou sendo legalmente abolida entre 1755 e 1758), o conflito com a Companhia de Jesus se tornou inevitável. As tensões só tiveram fim com a expulsão dos jesuítas em 1759. A capitania deu origem a um grupo social bastante típico, que criou raízes no planalto, se acostumou a sobreviver por conta própria, devido às distâncias em relação ao litoral e ao descaso da administração metropolitana, e desenvolveu uma percepção aguda da necessidade de se explorar o vasto território desconhecido como única forma de encontrar novas riquezas. Estes exploradores abriam entradas e organizavam bandeiras, expedições de exploração territorial, busca de ouro e captura de escravos indígenas. Taubaté, São Paulo, São Vicente (a vila), Itu e Sorocaba se tornaram centros irradiadores deste movimento. Com a promessa de títulos e riquezas, os colonos investiam intensamente na busca de minérios, sonho alimentado pelas descobertas, ainda que limitadas, do mineral em ribeirões na região do vale do Ribeira e Santana do Parnaíba. O solo inadequado ao cultivo de produtos de exportação e o isolamento comercial condenaram a região a ocupar uma posição secundária nos interesses dos colonizadores. Até o século XVIII, São Paulo representou no cenário luso-brasileiro uma espécie de ponto estratégico de passagem e de organização das bandeiras, responsáveis pela descoberta do ouro, na região mais à noroeste, para além da serra da Mantiqueira, que ficaria conhecida como minas gerais, região que seria, a partir de então, o centro das atenções da metrópole e polo dinamizador da economia colonial. Em 1720, a capitania de São Paulo e Minas do Ouro seria desmembrada dando origem a duas capitanias: de São Paulo e de Minas Gerais. A primeira, após um processo de desmembramento que criou ainda as capitanias de Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande, Goiás e Mato Grosso, foi extinta e incorporada à capitania do Rio de Janeiro em 1748. Voltaria a ganhar autonomia somente em 1765, no contexto de medidas da metrópole que visavam fortalecer a região centro-sul da colônia, objetivando manter a irradiação da colonização para além dos limites estabelecidos pelo tratado de Tordesilhas (movimento para o qual a tradição sertanista dos paulistas se mostrava indispensável).

[4] SESMARIAS: a lei de sesmarias foi criada em 1375, no reinado de d. Fernando, com a finalidade de pôr em produção todas as terras férteis do reino, visando diminuir a importação de grãos. Todas as terras selvagens ou já demarcadas que não estivessem em uso poderiam ser convertidas em sesmarias e, caso o recebedor não as cultivasse dentro de um certo período, perderia a concessão. D. João III foi o responsável pela implantação do sistema no Brasil, encarregando, a princípio, os donatários a concedê-las, por meio de forais, aos colonos, que pagariam apenas o dízimo para a Ordem de Cristo. Com a criação do Governo Geral e a edição do regimento de Tomé de Souza em 1548, os governadores das capitanias passaram a conceder os benefícios e, uma vez investido da carta, o sesmeiro teria totais poderes sobre a terra, inclusive arrendá-la, desde que a explorasse e nela produzisse. Até o século XVII não havia limites precisos para as terras, variando quase sempre entre uma e cinco léguas. O marquês de Pombal, primeiro ministro de d. José I, fixou regras mais específicas para a concessão, limitando a uma a quantidade de sesmarias que poderiam ser dadas a um colono, salvo exceções estabelecidas pelo próprio rei. A intenção da Coroa ao confiar as terras aos sesmeiros era ocupar o território da colônia, fazê-lo produzir, arrecadar impostos sobre a produção e demarcar (e alargar) as fronteiras. Por esta razão, sempre que havia alguma contenda, a Coroa tendia a favorecer o arrendatário, o produtor, em detrimento do proprietário da terra.

[5] COMPANHIA DE JESUS: Ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[6] ESTRADA REAL: vias terrestres que, à época do Brasil colônia, eram percorridas no processo de povoamento e exploração econômica de seus recursos. Tradicionalmente, as Estradas Reais se caracterizavam pela sua natureza oficial, utilização exclusiva e vínculo com a mineração. A abertura de vias alternativas constituía crime e originou a expressão descaminho, usado como sinônimo de contrabando. No entanto, atualmente a definição tornou-se mais elástica em consequência, principalmente, da percepção de usos mais amplos dos caminhos oficiais, qual seja, para escoamento da produção agrícola e pecuária, circulação de pessoas independente dos seus vínculos e atividades. No contexto mais restrito da mineração, necessariamente, as Estradas Reais eram as vias por onde teria que passar o ouro e as pedras preciosas extraídas na colônia, para serem registradas nos devidos postos de fiscalização.

[7] CAMINHO NOVO: os riscos da parte marítima do Caminho Velho levaram à construção de uma nova rota mais rápida e segura para a região das minas. Em carta régia de 1698, foi estabelecida a construção do novo caminho, que ficou a cargo do bandeirante Garcia Rodrigues Pais, filho do notório bandeirante Fernão Dias Paes. Quando totalmente pronto, o Caminho Novo ligou o cais da Praia dos Mineiros (Praça XV) ao Arraial do Tejuco (Diamantina), encontrando-se com o Caminho Velho em Vila Rica (Ouro Preto), passando por algumas povoações e vilas como as atuais cidades de Petrópolis e Barbacena. Apesar da redução do tempo de viagem para apenas um terço do Caminho Velho, o bandeirante havia escolhido um trecho difícil para a travessia da Serra do Mar, o que levou a Coroa portuguesa a encomendar novos desvios para a transposição da serra, que se encontravam novamente nas margens do Rio Paraibuna. A partir da década de 1720, o antigo caminho deixa de ser o caminho oficial da rota do ouro, servindo apenas como via de escoamento de produtos de consumo entre as regiões do Sudeste. O Caminho Novo foi certamente o mais importante para a colônia, tanto pela maior circulação de pessoas quanto pelo maior detalhamento de sua geografia. O caminho ainda teve vital importância na Guerra dos Emboabas, em 1707, pois facilitou o transporte de pessoal e armamento, que fez pender o conflito para o lado dos portugueses. A modificação do caminho marcou o esvaziamento da cidade de Paraty, embora sua decadência de fato só viesse a ocorrer no século seguinte.

[8] QUINTO: tributo devido à coroa correspondente a 20% (ou seja, 1/5, um quinto) sobre as riquezas adquiridas. Incidia sobre os produtos como ouro, prata, diamantes, couro, entre outros. O imposto remonta ao alvará de 1557 e visava taxar riquezas que ainda nem haviam sido detectadas na América portuguesa: determinava que aqueles que descobrissem veios de metais preciosos deveriam pagar o quinto a Coroa, depois que estes tivessem sido fundidos. Para a arrecadação do tributo, a coroa estabeleceu os chamados registros, que funcionavam como alfândegas e ficavam em pontos estratégicos localizados nas estradas do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Para a área mineradora, foram designados funcionários especiais: provedores das minas, superintendentes, ouvidores e guardas-mores, buscando uma melhor fiscalização da atividade mineradora. A primeira forma de arrecadação do quinto ocorreu pelo sistema “de bateia”, entre 1711 e 1713, que consistia no pagamento de dez oitavas (35 gramas) de ouro por bateia (tipo de prato cônico utilizado na mineração). Depois, instalou-se a arrecadação por fintas e avenças, entre 1713 e 1719, ou seja, uma taxa anual repartida entre as comarcas, que contribuíam com uma cota proporcional a sua produção. Em 1719, foram instaladas as oficinas dos quintos, ou casas de fundição, onde o ouro extraído era fundido e reduzido a barras marcadas com o selo real, indicando peso, quilate e ano de fundição, e onde o quinto era recolhido. Durante este período, a porcentagem tributada ao rei variou entre 12 e 20%, por vezes sendo adotada uma taxa fixa resultado de cálculos das médias. Em 1735, foi instituído um sistema de capitação e censo de indústria, baseado na contagem de braços que produziam. Em 1750, a coroa novamente volta ao sistema de cobrança nas casas de fundição, forma definitiva de recolhimento do quinto.

[9] DESCAMINHOS: em seu dicionário, o padre Rafael Bluteau define descaminho como a “má aplicação ou nenhuma aplicação das rendas públicas, distraídas e desviadas do fim para que estavam deputadas”. O descaminho ou contrabando sempre foi um problema enfrentado pela Coroa em relação aos produtos com grande peso para a economia colonial. Pau-brasil, vinho e, em especial, o ouro foram alvo de medidas que coibissem os descaminhos frequentes. Em 1702, foi baixado o Regimento das Minas que, junto a outras determinações oficiais, buscava controlar a circulação do ouro e fazer com que os impostos exigidos pela Coroa fossem coletados. Apesar das penas severas para quem falsificasse os cunhos oficiais utilizados para a marcação do ouro e para aqueles que desviassem esta riqueza, o contrabando – nos termos da época, descaminho – jamais deixou de ocorrer. Os contrabandistas criaram meios, os mais criativos, para escapar, desde inserindo ouro em estátuas religiosas até, acintosamente, montando casas de fundição, onde forjavam o selo de quintação da Coroa portuguesa. O contrabando apresentava-se como um negócio lucrativo, sustentado por uma rede que incluía contratadores e oficiais da própria Coroa. O chamado descaminho baseava-se também, em grande medida, na dificuldade de controlar o vasto e ainda selvagem território de escoamento da produção e fornecimento de víveres. Apesar dos esforços da Coroa para que apenas determinados caminhos fossem utilizados, os habitantes locais possuíam o conhecimento de vias alternativas, que escapavam ao controle oficial.

[10] SANTA CRUZ: a fazenda de Santa Cruz teve origem na sesmaria de quatro léguas quadradas doada, em 1567, ao primeiro ouvidor do Rio de Janeiro, Cristóvão Monteiro, que recebeu as terras em retribuição aos serviços prestados na luta contra os invasores franceses na Guanabara. Com a morte de Cristóvão Monteiro, as terras foram doadas por sua viúva aos jesuítas em 1589 e anexadas a duas outras fazendas, perfazendo dez léguas quadradas de terras férteis, entrecortadas pelos rios Guandu e Itaguaí e que se estendiam pelas regiões que conhecemos hoje como Barra de Guaratiba, Mangaratiba até Vassouras. Localizada em uma região estratégica, ligava o Rio de Janeiro aos sertões, tornando-se importante rota para o escoamento do ouro das minas. A fazenda foi um grande centro de atividades agrícolas e pecuárias no final do século XVIII, fornecendo gêneros alimentícios tanto para o colégio dos jesuítas em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, quanto para o mercado local e o europeu. Abrigava dois engenhos de açúcar, fábrica de farinha de mandioca, grandes plantações de café e algodão, além de dispor de abundante quantidade de madeiras nobres. A fazenda também possuía igreja, vasta residência de sobrado, hospedaria, escola de rudimentos e catequese para meninos, hospital, cadeia e diversas oficinas de trabalho: ferraria, tecelagem, carpintaria, olaria, fábrica de cal, descasca de arroz, curtume, engenhoca de aguardente, estaleiro onde se fabricavam canoas; um açougue, uma pescaria na Ilha da Pescaria, onde havia grande quantidade de ostras e mariscos utilizáveis no fabrico da cal, além de mais duas pescarias, uma na barra do rio Guandu e outra na foz do Itaguaí. Como exemplo de um grande latifúndio colonial, Santa Cruz utilizava sobretudo a mão-de-obra escrava indígena e, principalmente, negra africana, chegando a reunir em seus limites cerca de 1.500 escravos para as mais diferentes atividades não só relacionadas diretamente à produção, como também nas tarefas de pedreiros, carpinteiros, serralheiros, estucadores, pintores, músicos, parteiras. Em 1759, com a expulsão dos jesuítas, a propriedade foi incorporada à Coroa portuguesa, experimentando um período de decadência. Diferentes administrações propuseram medidas a fim de restaurar a fazenda como empreendimento economicamente viável. Além das terras cultivadas diretamente pela administração, das concedidas aos escravos para fazerem suas roças e das concessões a foreiros nacionais ou imigrantes, a venda de terras a particulares foi uma alternativa da Coroa para arrecadar fundos para o abatimento da dívida real. A chegada da família real ao Brasil, em 1808, e seu estabelecimento na cidade trouxeram uma ocupação de caráter mais urbano para região e a fazenda foi escolhida como local de veraneio da realeza, ganhando o nome de Real Fazenda de Santa Cruz.

[11] ORDEM DO CARMO: a ordem dos Carmelitas surgiu no século XII, por volta de 1177, na região de Monte Carmelo, na Palestina, região onde o profeta Elias teria se estabelecido, seguindo uma vida eremítica de oração e silêncio. Sua migração para o Ocidente ocorreu no século XIII, quando foi elevada à categoria de ordem mendicante pelo papa Inocêncio IV. Além de tomar como exemplo o ideal de vida simples representado pelo profeta, adota a Virgem Maria com símbolo. A Ordem é dividida em quatro segmentos: a dos Frades, Ordem Primeira; a das Monjas, Ordem Segunda; e a dos Terceiros, os quais são divididos em seculares, sendo compostos também por leigos, e por fim os regulares. Os Carmelitas passaram, na Espanha, por um movimento de renovação com Santa Tereza de Prea e São João da Cruz no século XVI, o que ocasionou a divisão da Ordem em Carmelitas Calçados, que seguiam a norma antiga, e os Carmelitas Descalços, seguidores do novo movimento. A Ordem Terceira do Carmo, ramo composto pelo grupo de membros leigos dos carmelitas da Antiga Observância ou Carmelitas Calçados, tem como finalidade ajudar os seus membros em âmbito universal, ou seja, independe da localidade da filial, esteja ela na América portuguesa ou em Portugal. Entretanto, para serem recebidos nas diferentes localidades, os seus membros deveriam pagar uma taxa. A ajuda da Ordem não se limitava apenas ao aspecto espiritual, mas também ao material, devendo os membros contribuírem com tais obrigações. A Ordem veio para o Brasil com a aprovação do cardeal d. Henrique, rei de Portugal, em 1580. O objetivo inicial era fortalecer a colonização da Paraíba, como forma de evitar possíveis invasões de franceses e outros estrangeiros através da Baía da Traição. Apesar do fracasso dos cinco primeiros freis, a Ordem Carmelita se manteve na província, fundando, em 1583, o primeiro convento em Olinda, seguido pelas fundações da Bahia (1586), Santos (1589), Rio de Janeiro (1590) e São Paulo (1596). Por sua vez, a instalação das Ordens Terceiras, durante o período colonial, estava relacionada à fundação dos conventos da Ordem Primeira do Carmo. Para entrar na Ordem Terceira era necessário entregar um formulário contendo informações da sua vida e costumes ao secretário da congregação. Além disso, eram excluídos da Ordem pessoas de baixa condição e que possuíssem ascendência negra, escrava, forra ou mulata. Excluíam-se também adeptos à religião judaica. O processo seletivo para o ingresso nessas ordens eram aqueles colocados pelo estatuto de “limpeza de sangue”. No caso das mulheres, era necessário que apresentassem uma licença de seus maridos para ingressarem à ordem, caso fossem solteiras a aprovação era de seu pai. Após a aprovação era preciso que o futuro membro passasse por um período denominado noviciado, no qual eram ensinadas as regras da associação e educação religiosa.

[12] ORDEM DE SÃO BENTO: nascida na Itália no século VI, desde o princípio atuava como um centro de ensino e difusão de conhecimento. Ao lado dos seus mosteiros, havia sempre uma escola, além de abrigar em suas bibliotecas escritos herdados desde a Antiguidade. Os beneditinos têm vida monástica, onde o ritmo da vida deveria equilibrar o trabalho (corpo), a leitura (alma) e a oração (espírito). Seus primeiros membros chegaram ao Brasil na década de 1580 e logo fundaram o primeiro mosteiro em Salvador. Com a consolidação do mosteiro da Bahia, em torno de 1586, surgiram demandas para construção de edificações em outras cidades da colônia. Novas fundações de mesmo sucesso se repetiram no Rio de Janeiro, em Olinda, Paraíba e São Paulo. Os beneditinos foram grandes proprietários de terras e escravos no Brasil, adquirindo engenhos, fazendas e imóveis nas áreas urbanas, por meio de reciprocidades com outros vassalos e instituições. O mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, por exemplo, possuía, em fins do século XVIII, a maior fortuna da capitania.

[13] CAPITANIA: também conhecidas como capitanias-mores, compuseram o sistema administrativo que organizou o povoamento de domínios portugueses no ultramar. A partir do século XIII, seguindo um sistema já empregado sobre as terras reconquistadas, típico do senhorio português de fins da Idade Média Portugal utilizou-as amplamente para desenvolver seus territórios, fazendo concessões de jurisdição sobre extensas áreas aos capitães donatários. Essas doações eram formalizadas na Carta de Doação e reguladas pelo Foral, documento que estabelecia os direitos e deveres dos donatários. No Brasil, o sistema de capitanias foi implantado, em 1534, por d. João III, com a doação de 14 capitanias como solução para a falta de recursos da Coroa portuguesa para a ocupação efetiva de suas terras na América. Esse sistema não alcançou o sucesso esperado em função de diversos fatores, tais como: os constantes ataques indígenas, a enorme extensão das terras e a falta de recursos financeiros. Inicialmente, as capitanias eram hereditárias e constituíam a base de administração colonial proposta pela coroa portuguesa. O donatário tinha uma série de direitos, entre eles a criação de vilas e cidades e de superintender a eleição dos camaristas, além de doar terras e dar licença às melhorias de grande porte em instalações como nos engenhos. Também recebia uma parte dos impostos cobrados entre aqueles que seriam destinados à Coroa (Johnson, H. Capitania donatária. In: Silva, Mª B. Nizza da. (Org.). Dicionário da colonização portuguesa no Brasil,1994). Embora tenha sido aplicado com relativo sucesso em outros domínios portugueses, no Brasil, o sistema não funcionou bem e com o tempo a maioria delas voltou para a posse da Coroa, passando a denominar-se “capitanias reais.”. Em 1621, o território português na América dividia-se em Estado do Brasil e Estado do Maranhão, que reunia três capitanias reais (Maranhão, Ceará e Grão-Pará), além de seis hereditárias. A transferência da sede do Estado do Maranhão de São Luís para Belém e a mudança de nome para Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocorridas em 1737, atestam a valorização da região do Pará, fornecedora de drogas e especiarias nativas e exóticas. Entre 1752 e 1754, as seis capitanias hereditárias foram retomadas de seus donatários e incorporadas ao Estado, enquanto, em 1755, a parte oeste foi desmembrada em uma capitania subordinada: São José do Rio Negro. Em sua administração, o marquês de Pombal extinguiu definitivamente as capitanias hereditárias em 1759. Esta decisão fez parte de uma reforma administrativa, levada a cabo por Pombal, que visava erguer uma estrutura administrativa e política que atendesse aos desafios colocados pelo Tratado de Madri, de 1750, segundo o qual “cada um dos lados mantém o que ocupou.” Também era uma tentativa de resposta aos problemas de comunicação inerentes a um território tão extenso que, de forma cada vez mais premente, precisava ser ocupado e explorado em suas regiões mais limítrofes e interiores. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dissolvido em 1774. Suas capitanias foram depois transformadas em capitanias gerais (Pará e Maranhão) e subordinadas (São José do Rio Negro e Piauí), e integradas ao Estado do Brasil. Entre 1808 e 1821, os termos “capitania” e “província” apareciam na legislação e na documentação corrente para designar unidades territoriais e administrativas do império luso-brasileiro.

 

Prisão nos caminhos de Paraty

Carta de Gomes Freire de Andrade à corte informando seu sucesso em prender Antônio Pereira de Souza e seus sócios, responsáveis pela falsificação das moedas. Informa ainda o esforço de Fernando Leite Lobo, ouvidor geral da capitania para a mesma prisão. O padre Manoel Carneiro, conhecido sócio de Pereira também foi preso. Finaliza a carta com detalhes sobre a prisão.

 

Conjunto documental: Correspondência ativa e passiva dos governadores do Rio de Janeiro com a corte. Registro original.
Notação: cód. 80, vol. 06.
Datas-limite: 1733-1737
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: ouro
Data do documento: 19 de dezembro de 1733
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 15

 

Sobre Antônio Pereira e outros criminosos do ouro.

Senhor.

Em observância das reais ordens que tive de vossa majestade pela secretaria de estado, logo que tomei posse deste governo, pus maior cuidado e diligência em prender Antônio Pereira de Souza[1] e seus sócios nos altos delitos de fundir barras e fazer moedas. O primeiro que pude alcançar foi Christóvão Cordeiro de Castro em cuja diligência teve grande parte o ouvidor geral[2] desta capitania, Fernando Leite Lobo.. E tendo notícia que o padre Manoel Carneiro[3], sócio de Antônio Pereira vinha dos Goyazes[4], para onde se tinha retirado no tempo em que meu antecessor buscava, e que não entrando neste porto para onde vinha à vila de Paraty[5] arribava a [...]. e como eu tinha alguma suspeita de que o dito Antônio Pereira estava nesta capitania, pus toda atividade e cuidado em encontrar eu, o outro delinquente, não perdoando diligência alguma em alcançar tão importante fim, e assim foi uma noite encontrado o dito padre. No caminho desta cidade para onde vinha em um bom cavalo, armado de pistolas, e uma engatilhada na mão, sendo encontrado por uma esquadra de soldados e posto em custódia em uma das fortalezas da barra. Compareceram dois ministros que aqui se acham, foi emitida a ordem de vossa majestade na fragata Nossa Senhora das Ondas que fez comboio à frota da Bahia.

No dia 15 de outubro tive segura notícia de Antônio Pereira de Souza, e mandei o capitão tenente Dom Pedro de [Tre] a esta execução, que fez com valor, fortuna e acerto, trazendo preso o dito Antônio Pereira e seu companheiro, Manoel da Silva Soares, ambos recomendados nas reais ordens de vossa majestade e havendo-se mudado quatro dias antes da Serra dos Órgãos[6], aonde eu tinha espião [...] para uma [...], e nela se acham indícios de pertencerem ao grupo `...`, a nova fábrica, o que se justifica com mais alguns documentos, os quais estão com a frota, com os presos na forma da ordem de vossa majestade.

[...] contavam ser impossível a prisão deste homem, tanto pela aspereza do país, como pelo conhecimento que se tem de seu infernal espírito sobrenatural, viveza e forte desconfiança e também pelos valedores, que de sentinelas serviam nesta cidade, porém com alguma despeza grande, dissimulação e maior segredo, se manejou este negócio em forma que venceu o modo, e é certo que para terem [...] semelhantes dependências entre tantos inimigos da Real Fazenda[7] deve governá-las a arte, porque na América, em semelhantes casos, tem império a força.

Tendo notícia das diligências que meu antecessor havia feito por descobrir uma picada ou vereda, os metedores de ouro, com grande despeza e trabalho haviam feito das minas a atividade mais incógnita que se foi possível, o que não pode conseguir fazendo em vários destacamentos a seu descobrimento, tive a fortuna de dar nela. O mestre de campo da ordenança, Estevão Pinto com os seus negros e mais família, trabalhou com grande zelo do serviço de vossa majestade e alcançou encontrá-la, achando algumas canoas em que no rio faziam sua passagem, e eu entro pela devassa[8] a ver se posso descobrir os cabeças desta máquina, persuado-me a encontrar algumas delas. Ao conde de Galveas[9] avisei logo dando-lhe alguma notícia de quem manejava esta negócio daquela parte `...`, aqui não posso saber com certeza quem era seu correspondente desta.

A frota não é chegada a este porto. Dos governadores das Minas, São Paulo, Angola e Colônia tenho cartas e tudo se acha sem novidades.

À real pessoa de vossa majestade. Deus `...] como seus vassalos havemos mister. Rio de Janeiro, dezenove de dezemb

 

[1] SOUZA, ANTÔNIO PEREIRA DE: ocupou o cargo de abridor dos cunhos da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, responsável por moldar numa peça de ferro o molde para a cunhagem das moedas reais. A partir de 1730, entretanto, Antônio Pereira aparece nos registros oficiais como um falsário e contrabandista. Suas conexões com figuras envolvidas no comércio ilícito (indivíduos de várias origens, de escravos a clérigos) tornaram-se claras aos olhos das autoridades da metrópole e seu nome foi registrado em devassas realizadas entre 1730 e 1740. Parte do ouro vindo dos sertões era cunhado em moedas falsas que atravessavam as fronteiras da América portuguesa ou se dirigiam para outros reinos europeus. Por trabalhar na Casa da Moeda, o funcionário da Coroa encontrava-se em posição privilegiada, tanto para falsificar, como para desviar o ouro que vinha da região das minas. Inácio de Souza Jácome, juiz de fora da capitania do Rio de Janeiro, foi o primeiro a acusá-lo de falsário, em 1730. Ficou preso por ordem de Luís Vahia Monteiro no palácio dos Governadores, no Rio de Janeiro, com a justificativa da falta de segurança da cadeia pública da cidade. No entanto, Antônio Pereira logrou escapar, instalando-se nas cercanias da cidade, onde continuou a sua atividade de falsário. Tinha conexões com homens de negócios, religiosos e outros funcionários da Coroa. O depoimento de uma companheira sua, Brites Furtada, indicava, inclusive, que o próprio procurador da Coroa na época, Sebastião Dias da Silva e Caldas, integrava esta rede de corrupção, sem falar no juiz de órfãos Antonio Teles de Menezes, que o abrigou em sua propriedade após sua fuga. Foi preso por Gomes Freire em 1733, em meio a planos de construir uma fábrica de moeda e barras falsas em Itabera, capitania de Minas Gerais.

[2] OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

[3] CARNEIRO, MANOEL: o padre Manoel Carneiro é citado na documentação oficial como um dos cúmplices mais importantes do Mão de Luva. Oriundo do interior (Goyazes), o religioso foi preso por Gomes Freire, enquanto se encontrava a caminho do Rio de Janeiro, e a partir da região de Parati, onde se escondia.

[4] GOIÁS, CAPITANIA DE: região localizada no centro-oeste brasileiro, já era conhecida pelos portugueses desde o século XVI. No entanto, seu processo de colonização iniciou-se apenas no final do século XVII, a partir das descobertas de minas de ouro por bandeirantes paulistas – com destaque para Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, considerado o descobridor de Goiás. Entre 1590 e 1670, diversas bandeiras percorreram a região, vindas de São Paulo e, a partir de 1653, outras partiram de Belém pelo Amazonas e alcançaram a região dos rios Tocantins e Araguaia. Além de bandeirantes em busca de ouro e escravos, também jesuítas chegaram para catequizar, principalmente, os povos indígenas. Assim, em 1727 é fundado o arraial de Santana, que viria a se transformar na vila Boa de Goiás, próximo da fronteira com o atual estado do Mato Grosso. A exploração do cobiçado mineral na região ampliou as fronteiras ocupadas da América portuguesa, inicialmente com a chegada dos colonos de São Vicente, tradicionalmente berço de desbravadores e caçadores de riquezas, aos quais logo se seguiram reinóis e aventureiros de diversas capitanias. Índios chamados Goyazes habitavam a Serra Dourada e deram origem ao nome da capitania. Aparentemente, haviam migrado da região amazônica em tempos não muito remotos e juntaram-se a outros grupos em resistência às seguidas tentativas de extermínio e escravização pelos brancos que chegavam atrás do ouro. As “minas dos Goyazes” estiveram inicialmente subjugadas à jurisdição da capitania de São Paulo. No entanto, sua criação data de 9 de maio de 1748, quando a capitania de São Paulo foi desmembrada dando origem a três capitanias distintas: São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Foi o segundo maior produtor de ouro durante o período colonial, depois de Minas Gerais. Mas observa-se também a existência de uma economia de subsistência para alimentar os mineiros e escravos que trabalhavam nas minas. Com o declínio da mineração, em fins do século XVIII, os goianos passariam a se dedicar a atividades agropastoris, exportando gado e seus subprodutos, além de algodão e açúcar, para as capitanias vizinhas do Norte e Nordeste.

[5] PARATY: o primeiro registro oficial do povoado data de 1597, quando da expedição de Martim Correia de Sá. Na época, o vilarejo pertencia à capitania de São Vicente. Em 1667, Parati fica independente de Angra dos Reis, em função de seguidas rebeliões dos moradores, passando a pertencer à capitania do Rio de Janeiro. Seu porto tornar-se-ia de importância central para a exportação do ouro nos primeiros anos da atividade mineradora. Logo, entretanto, o Caminho Velho, que ligava o litoral à região das minas e que se iniciava em Parati e cruzava o vale do Paraíba, foi substituído pelo Caminho Novo, que levava da serra, no interior a Angra dos Reis, e daí, por terra, ao Rio de Janeiro. Em 1720, a vila ficou sob a jurisdição da capitania de São Paulo, mas, em 1726, uma carta régia determina a volta da vila para o domínio da capitania do Rio de Janeiro. Embora o desvio do percurso do ouro tenha esvaziado a região, o declínio de fato se acentuou em meados do século XIX. Naquela época, parte da produção de café que começava a crescer no vale do Paraíba era escoada pelo porto de Parati. Com a chegada da estrada de ferro à Piraí, o produto passou a ser transportado por uma outra rota. A região voltou-se para as lavouras de cana-de-açúcar e para a produção de aguardente.

[6] SERRA DOS ORGÃOS: localizada no estado do Rio de Janeiro, erguendo-se a partir do seu litoral e alcançando a divisa com o estado de Minas Gerais, integra a Serra do Mar, cadeia de montanhas que forma um obstáculo natural entre o mar e o interior da região sudeste do Brasil. Seu nome deve-se à semelhança percebida pelos primeiros portugueses que chegaram à região no século XVIII entre os picos e suas alturas e os tubos de órgãos encontrados nas igrejas da Europa. Durante o ciclo do ouro em Minas, havia um trecho do Caminho Novo, aberto nos anos 1720, que cruzava esta serra, encurtando o trajeto entre o Rio de Janeiro e a região das minas em 20 dias, quando em comparação com o Caminho Velho, que passava por Parati. Nessa época, as tropas que realizavam comércio entre Minas e Rio de Janeiro utilizavam pontos da serra para abastecimento e descanso.

[7]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[8] DEVASSA: a devassa era um processo ou rito processual judicial estabelecido nas Ordenações do Reino, de natureza criminal, com características inquisitoriais, que concedia pouco ou nenhum direito de defesa ao acusado. Esse rito processual vigorou no Brasil até a promulgação do Código Criminal do Império, em 1830. Nas Ordenações Filipinas, assim como previsto nas Manuelinas, as devassas se dividiam em gerais e especiais: as gerais versavam sobre delitos incertos e eram realizada anualmente, sendo de competência do juiz de fora, ordinários e corregedores; as devassas especiais supunham a existência de um delito já cometido, cuja a autoria era incerta. A primeira tinha por objetivo o delito de autor incerto e eram tiradas uma vez por ano; a segunda se ocupava somente da autoria incerta. (Lucas Moraes Martins. Uma Genealogia das Devassas na História do Brasil. http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3245.pdf) Havia também as devassas eclesiásticas, instrumento extrajudicial e temporário acionado por ocasião da presença do visitador do Tribunal Eclesiástico a uma localidade, em geral longe dos centros, com o objetivo de observar o controle dessa população no tocante ao cumprimento da doutrina católica e à conduta atentatória à família e aos bons costumes. Um Auto de Devassa é uma peça produzida no decorrer do processo judicial que reúne as petições, termos de audiências, certidões, entre outros itens.

[9] CASTRO, ANDRÉ DE MELO E (1668-1753): 4º conde das Galveias, foi embaixador junto à Santa Sé no governo de d. João V, nomeado governador e capitão-general de Minas Gerais em 1732. Quatro anos depois, 1736, foi nomeado vice-rei do Estado do Brasil, cargo que ocupou até 1749. Logo no início de seu governo, a colônia de Sacramento foi invadida pelos espanhóis, mas, com seu apoio, conseguiu resistir ao cerco até 1737, quando foi novamente retomada. Promoveu a criação de tropas na Bahia e o povoamento dos sertões, como Minas Gerais e Goiás, e do Sul, no Paraná e Rio Grande do Sul.

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