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Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 26 de Fevereiro de 2018, 13h52 | Última atualização em Segunda, 26 de Fevereiro de 2018, 13h59

A censura e os escritos religiosos

Entre as atribuições da Mesa Censória, estavam aquelas destinadas a controlar a publicação e a circulação de livros e periódicos doutrinários. Um dos principais focos da Mesa foram os escritos e autores religiosos que pudessem causar danos à religião como um todo e fomentar críticas quanto à conduta do governo sobre a expulsão dos jesuítas. O documento sugere a forma como funcionava a censura, um instrumento de manutenção da administração real e do funcionamento da ordem vigente.



Conjunto documental: Livro da administração de Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal, Secretário de Estado e Primeiro Ministro de d. José.
Notação: Códice 1129
Datas-limite: 1792-1792
Título do fundo: Diversos Códices - SDH
Código: NP
Argumento de Pesquisa: censura
Local: Lisboa
Data: s.d.
Folha(s): tomo 9, livro 9, cap. 12, pág. 30

Leia esse documento na íntegra

 

“... A Mesa Censória[1] estabelecida para vigiar os escritos perigosos[2], principalmente aqueles que podem atacar a autoridade real, ou a do Ministério; devia ter também a vista atenta sobre os livros, que havia em Estado de causar algum cisma em matéria de religião; como sobre as obras de partido que condenavam a conduta do governo sobre a expulsão dos jesuítas.

Não bastava vê-los recambiados era necessário ainda os impedir de tornarem a vir e aparecerem. O ministro tinha diante dos olhos a história do seu desterro em muitos Estados da Europa e da sua nova introdução.

A árvore jesuítica estava derrubada, mas tinha muitas raízes que a podiam fazer renascer. Apareceram duas brochuras[3] sobre a sociedade que lembraram os rigores que se tinham exercido sobre ela, particularmente sobre a sentença e processo do Padre Malagrida[4]. Isto não era senão repetições do que se tinha dito e escrito muitas vezes, mas era necessário tirá-lo da vista de um povo prevenido a favor destes padres.

O Ministro fez lançar um edital pela Mesa Censória que proibia a leitura do primeiro e condenava o segundo às chamas.

Foi queimado publicamente por mão do algoz em 30 de abril de 1764. A Mesa Censória se estendeu mais longe abraçou as diferentes partes da moral, que conduz sobre diversos exercícios da religião. Por sua ordem a Mesa declarou nulo um breve do Papa Clemente XIV[5], que concedia um júbilo e muitas indulgências aos eremitas conhecidos como Eremitas do Senhor Bom Jesus, que habitam sobre uma montanha às portas da cidade de Braga.

Os que se encaminham a Roma para obter estas sortes de breves[6] , expõem ordinariamente ao chefe da Igreja novos exercícios de piedade, e que não têm outro efeito se não exceder as práticas da religião.

É a doença da maior parte dos homens, de quererem ser mais que cristãos, o que faz com que eles não sejam bem.

Quase todas as heresias têm saído deste falso princípio. Se ... analisar os diferentes erros que tem dividido a Igreja, se achará que eles têm vindo da condescendência que se tem tido, de permitir certos exercícios que não entram na hierarquia da catolicidade.

Estes eremitas eram muito religiosos para conhecerem a verdadeira religião. Eles se perderam em vãos deveres exteriores de religião, que lhes fazem esquecer os principais. Tem-se condenado o Ministro por ter passado os limites do seu ministério, importando-lhe com coisas que não são da sua jurisdição; porém esta arguição é mal fundada. O primeiro dever de um Ministro é obrar de sorte que cada indivíduo seja cidadão, e não hipócrita ou supersticioso.”

 

[1] REAL MESA CENSÓRIA: instituição criada pelo alvará de 5 de abril de 1768, durante as reformas pombalinas, com o objetivo de transferir para o Estado a atribuição de fiscalizar, em Portugal e suas colônias, “a estampa, a impressão, as oficinas, as vendas e comércios de livros e papéis” contrários à moral, à religião e à ordem estabelecida, papel que até então pertencia ao Tribunal do Santo Ofício, ao Desembargo do Paço e às autoridades episcopais. O primeiro presidente da Real Mesa Censória foi o cardeal José Cosme da Cunha, arcebispo de Évora, do Conselho de Estado do Rei e apontado inquisidor-geral em 1770. Ao novo Tribunal cabia o exame e aprovação (ou reprovação) de livros e papeis que se encontrassem em circulação no país, e dos que pretendessem entrar e comercializar, cabia também a concessão de licenças de comercialização, impressão, reimpressão e encadernação de livros ou outros papeis avulsos, além da autorização para posse e leitura de livros proibidos, considerados “perigosos”. Devia ainda informar, atualizar e divulgar a lista com o Índice Expurgatório, composto em sua maioria de livros que versassem sobre a filosofia das Luzes, como os de Voltaire, Hobbes e Rousseau, por exemplo. O regimento da Mesa, elaborado em 1769, previa que fosse composta de presidente, deputados (lentes, doutores e opositores da Universidade de Coimbra, preferencialmente oriundos do clero), secretário, porteiro e contínuo, e os altos cargos na Mesa eram cobiçados por trazerem altos privilégios e recebimentos. Pelo alvará de 4 de junho de 1771 coube também à Real Mesa Censória a administração das escolas menores do Reino, incluindo o Colégio dos Nobres. Em 1787, em decreto de d. Maria I, a instituição passou a se chamar Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros e funcionou até 1794, quando foi abolida. A censura de livros voltou a ser exercida pelo Tribunal do Santo Ofício e o Desembargo do Paço. A Real Mesa Censória desempenhou importante papel na política cultural pombalina, influindo na cultura letrada do Reino e ultramar, no ensino público, na constituição de bibliotecas e na formação intelectual das elites.

[2] ESCRITOS PERIGOSOS: eram os livros, sobretudo de autores franceses, que se propunham a discutir e propagar as ideias iluministas, liberais e revolucionárias, estimulando o questionamento das bases do Antigo Regime. Mesmo listados pelos censores régios e proibidos de circularem no reino e nas colônias, obras como as de Mably, Raynal, Montesquieu, Rousseau, Voltaire e Dupradt foram encontradas em algumas bibliotecas particulares no final do século XVIII. Apesar de todas as medidas adotadas para impedir o acesso a estes livros, os autores revolucionários e suas ideias chegavam até o Brasil através de licenças concedidas aos chamados “homens de bem”, de um comércio lícito e restrito das obras e ainda através do contrabando, entrando na colônia “sob o capote”.

[3] BROCHURAS: Tipo de encadernação simples em que o miolo do livro é coberto por uma capa mole, geralmente feita de papel ou cartolina, que é colada ou cosida na lombada. O termo também se aplica aos folhetos ou livretos de poucas páginas.

[4] MALAGRIDA, PADRE GABRIEL (1689-1761):  jesuíta italiano, nascido Gabriele Malagrida, na vila de Menaggio, região de Milão, atual Itália. O padre Malagrida ficou conhecido como “apóstolo do Brasil” por ter se dedicado por muito anos a missões destinadas à catequização das tribos do Pará e do Maranhão, e mesmo depois de ter sido retirado das missões nos aldeamentos, ter peregrinado por todo o interior da atual região Nordeste do Brasil, pregando e convertendo à fé católica. Em 1750 foi a Portugal pela primeira vez, mas logo retornou ao Maranhão e às suas atividades apostólicas, voltando a Lisboa, em definitivo, apenas em 1754. Em decorrência do terremoto de Lisboa, publicou um folheto intitulado Juízo da verdadeira causa do terremoto que padeceu a corte de Lisboa no 1º de novembro de 1755, no qual defendia a ideia de que a tragédia teria sido castigo de Deus, causado pela modernização e racionalização do Estado e da sociedade portuguesa, contrariando o marquês de Pombal que procurava atribuir as causas do desastre a razões naturais e não ao misticismo religioso. Citando profecias e alegando “ouvir os anjos” o padre condenava severamente os que trabalhavam na reconstrução da cidade e recomendava procissões, penitências e, sobretudo, recolhimento e meditação nos seis dias dos exercícios de Santo Inácio de Loyola. Após ser desterrado para Setúbal, por ordem do ministro de d. José I, foi preso e transferido para Lisboa, sendo entregue à Inquisição e condenado a ser garroteado (estrangulado) e queimado em um auto-de-fé. Foi a última execução pública em fogueira pelo Tribunal do Santo Ofício em Lisboa, tendo sido uma condenação muito mais política do que por razões religiosas.

[5] GANGANELLI, GIOVANNI VICENZO (1705-1774): eleito papa com o título de Clemente XIV, em 1769, seu pontificado compreendeu o período de 1769 até o ano de 1774. Frade da Ordem dos Menores Conventuais, professor de teologia, diretor do colégio São Boaventura (1740) e consultor do Santo Ofício (1746), tornou-se cardeal em 1759. Como papa, ocupou-se da questão da extinção da ordem dos jesuítas, que se estendia desde o pontificado de seu predecessor, Clemente XIII. Diante da solicitação feita pelos Estados católicos, Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus em 1773, por meio da bula Dominus ac Redemptor noster.

[6] BREVES: surgiram como documentos pontifícios a partir do século XV, durante o pontificado de Eugénio IV. Distinguem-se das bulas por serem instrumentos destinados a comunicar resoluções com mais rapidez e menos formalismos. Um breve apostólico ou breve pontifício é um tipo de documento circular assinado pelo Papa e referendado com a impressão do Anel do Pescador. Refere em geral atos administrativos da Santa Sé. Geralmente os breves não contêm nem preâmbulo nem prefácio e tratam de um único tema.


Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”.

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Práticas e costumes no Brasil de d. João VI
Estrutura administrativa colonial
O Rio de Janeiro colonial

A Real Mesa Censória

Relato da criação de um tribunal da Mesa Censória pelo conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo. Com base na necessidade de impor limites à circulação de ideias, este tribunal deveria permitir a difusão de obras consideradas úteis e proibir àquelas que comprometessem a ordem vigente. A ideia de censura como algo necessário à manutenção da ordem no Reino foi extremamente difundida durante o século XIX no Brasil.

 

Conjunto documental: Livro com 12 capítulos da administração de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, Secretário de Estado e 1º Ministro de D. José, rei de Portugal
Notação: Códice 1129
Datas – limite: 1792-1792
Título do fundo: Diversos Códices - SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: censura
Data do documento: s.d.
Local: Lisboa
Folha (s): tomo 3, livro 8 cap.24; fls. 78 a 81

 

“O Conde de Oeiras[1] estabelece um Tribunal Real de Censura

 

Já se viu no prospecto desta obra que a liberdade da imprensa[2] é necessária para animar as ciências, e as Artes, que a seu tempo dão emulação à indústria econômica, que é a base do poder político; porém é necessário que esta liberdade tenha seus limites, sem o que ela degenera em desordem, que pode causar mais mal, do que fazer bem.

Erigiu um Conselho Real com o nome de Mesa Censória[3]; Tribunal Supremo que devia permitir as Obras úteis, e proibir as que fossem perigosas. Este Senado literário era composto de sete Deputados ordinários, e dez extraordinários. Entre estes devia sempre se achar um dos Membros do Santo Ofício[4], nomeado todos os anos pelo Inquisidor geral[5] . Pode ser que, para restabelecer o império das letras em Portugal, não houvesse necessidade de um conselheiro tirado deste Tribunal; mas os fiéis Portugueses dedicados ao Santo Ofício, julgariam tudo perdido, se a arte de pensar, e escrever tivesse escapado à sua jurisdição.

Há preocupações nacionais, que os ministros, qualquer poder que tenham, devem respeitar. Além disto era de presumir, que este conselho sendo composto de dezessete Membros mais aclarados que este Censor, o Santo Ofício para o futuro não influiria se não fracamente nas deliberações literárias.

O Ministro não se desfazia da Inquisição; porém diminuiu-lhe a influência. Não se examinará aqui se Portugal está mais aclarado depois deste estabelecimento. Há muitas vezes causas particulares que impedem que uma nação faça progressos nas Artes liberais, e estas causas procedem sempre do Governo político.

Um Estado que não floresce quanto o seu Comércio deveria fazê-lo florescer; um Estado cuja terra fornece, apenas, de que fazer subsistir seus habitantes; um Estado que não tem senão uma indústria fraca, e lânguida; em uma palavra, uma Nação que é subordinada a outra por suas primeiras necessidades físicas, não gozará nunca do primeiro papel na República das Letras; o que prova que o Estado moral tira a sua origem, assim como os seus princípios do Governo econômico, e que uma Monarquia não será filósofa enquanto não for econômica.

Quando Luiz XIV[6] animou as Artes, Colbert[7] lançou os fundamentos da indústria prática; o que fez ao mesmo tempo se vissem hábeis Manufatores, como grandes Generais: assim as outras Artes Liberais que tiram o seu recurso das mecânicas.”

 

[1]MELO, SEBASTIÃO JOSÉ DE CARVALHO E (1699-1782):  estadista português, nascido em Lisboa, destacou-se como principal ministro no reinado de d. José I (1750-1777). Filho do fidalgo da Casa Real Manuel de Carvalho e Ataíde e de d. Teresa Luísa de Mendonça e Melo, Sebastião José de Carvalho e Melo frequentou a Universidade de Coimbra; foi sócio da Academia Real da História Portuguesa (1733); ministro plenipotenciário de Portugal em Londres e Viena entre os anos de 1738 e 1749, sendo nomeado secretário de Estado dos Negócios do Reino de Portugal com a ascensão de d. José I ao poder. Ficou no governo durante 27 anos, período em que realizou uma série de reformas que alteraram sobremaneira a natureza do Estado português. As reformas pombalinas, como ficaram conhecidas, em consonância com a Ilustração ibérica, marcaram um período da história luso-brasileira, caracterizadas pelo despotismo esclarecido de Pombal – uma conciliação entre a política absolutista e os ideais do Iluminismo. Preocupado em modernizar o Estado português e tirar o Império do atraso econômico em relação a outras potências europeias, o primeiro-ministro buscou reestabelecer o controle das finanças, controlando todo comércio ultramarino, além de fortalecer o poder estatal, consolidando a supremacia da Coroa perante a nobreza e a Igreja. Entre as principais medidas empreendidas por Pombal durante seu governo, podemos destacar: a criação de companhias de comércio, como a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778) e a de Pernambuco e Paraíba (1759-1780); a expulsão dos jesuítas do reino e domínios portugueses (1759); a reorganização do exército; a transferência da capital do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (1763) e a reforma do ensino, em especial a da Universidade de Coimbra (1772). Pombal sobressaiu-se, ainda, por ter sido o responsável pela reconstrução de Lisboa, destruída por um terremoto em 1755. Foi agraciado com o título de conde de Oeiras, em 1759, e de marquês de Pombal em 1769. Com a morte de d. José I e a consequente coroação de d. Maria I, Pombal foi afastado de suas funções e condenado ao desterro. Em decorrência de sua idade avançada, Carvalho e Melo recolheu-se à sua Quinta de Oeiras, onde permaneceu até sua morte.

[2] IMPRENSA: o termo imprensa surgiu no século XV, com a criação da prensa móvel por Johannes Guttenberg (1390-1468) que imprimia, com caracteres móveis, palavras e frases em papel. A invenção da tipografia é considerada como marco fundamental que alicerçou e tornou possível a progressiva divulgação do conhecimento, até a sua massificação atual. Já a imprensa periódica, surge na Europa no século XVII, utilizando-se da mesma tecnologia para imprimir jornais, gazetas e pasquins. A primeira tipografia portuguesa surge no século XV e só em 1641 começa a circular o primeiro jornal periódico português: A Gazeta. No Brasil, a imprensa foi criada pelo decreto de 13 de maio 1808, por ocasião da transmigração da corte portuguesa. A Impressão Régia visou atender à necessidade de divulgação da legislação e atos governamentais, sendo facultada, na ausência destes, a impressão de obras variadas. Para administrar o novo estabelecimento, foi instituída uma junta diretora, composta por um oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e dois deputados da Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro e da Bahia. À Junta coube o exame dos papéis e livros a serem publicados até setembro de 1808, quando houve a nomeação dos primeiros censores régios. No entanto, o historiador Marco Morel chama atenção para a existência de impressos no Brasil antes mesmo de 1808, apesar de toda proibição e censura, como é o caso de um prelo no Recife; uma oficina tipográfica no Rio de Janeiro em meados do século XVIII; além de imprensas instaladas pelos jesuítas na região das Missões (MOREL, M. Os primeiros passos da palavra impressa. MARTINS, Ana Luiza e LUCA, Tânia Regina de (orgs.). Hino Campo de Santana, no Rio de Janeiro stória da imprensa no Brasil. São Paulo: editora Contexto, 2013. p. 24). Com relação aos impressos periódicos, há dois marcos fundadores: a criação, por Hipólito da Costa, do Correio Braziliense em Londres e o lançamento da Gazeta do Rio de Janeiro, ambos em 1808. Por ser publicado em Londres, o Correio Braziliense foi o primeiro periódico em língua portuguesa a circular sem censura. Já a Gazeta, era um jornal oficial, limitando-se aos comunicados do governo e impresso na tipografia régia. Em 1821, as restrições à imprensa diminuíram, devido a decisões das Cortes portugueses, aumentando o número de tipografias, jornais e panfletos no Brasil.

[3] REAL MESA CENSÓRIA: instituição criada pelo alvará de 5 de abril de 1768, durante as reformas pombalinas, com o objetivo de transferir para o Estado a atribuição de fiscalizar, em Portugal e suas colônias, “a estampa, a impressão, as oficinas, as vendas e comércios de livros e papéis” contrários à moral, à religião e à ordem estabelecida, papel que até então pertencia ao Tribunal do Santo Ofício, ao Desembargo do Paço e às autoridades episcopais. O primeiro presidente da Real Mesa Censória foi o cardeal José Cosme da Cunha, arcebispo de Évora, do Conselho de Estado do Rei e apontado inquisidor-geral em 1770. Ao novo Tribunal cabia o exame e aprovação (ou reprovação) de livros e papeis que se encontrassem em circulação no país, e dos que pretendessem entrar e comercializar, cabia também a concessão de licenças de comercialização, impressão, reimpressão e encadernação de livros ou outros papeis avulsos, além da autorização para posse e leitura de livros proibidos, considerados “perigosos”. Devia ainda informar, atualizar e divulgar a lista com o Índice Expurgatório, composto em sua maioria de livros que versassem sobre a filosofia das Luzes, como os de Voltaire, Hobbes e Rousseau, por exemplo. O regimento da Mesa, elaborado em 1769, previa que fosse composta de presidente, deputados (lentes, doutores e opositores da Universidade de Coimbra, preferencialmente oriundos do clero), secretário, porteiro e contínuo, e os altos cargos na Mesa eram cobiçados por trazerem altos privilégios e recebimentos. Pelo alvará de 4 de junho de 1771 coube também à Real Mesa Censória a administração das escolas menores do Reino, incluindo o Colégio dos Nobres. Em 1787, em decreto de d. Maria I, a instituição passou a se chamar Real Comissão Geral sobre o Exame e Censura de Livros e funcionou até 1794, quando foi abolida. A censura de livros voltou a ser exercida pelo Tribunal do Santo Ofício e o Desembargo do Paço. A Real Mesa Censória desempenhou importante papel na política cultural pombalina, influindo na cultura letrada do Reino e ultramar, no ensino público, na constituição de bibliotecas e na formação intelectual das elites.

[4] TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO: órgão de investigação e repressão, criado pela Igreja Católica no período medieval, que encontrou êxito depois da Contra Reforma ou reforma católica. Foi instituído, em 1231, pelo Papa Gregório IX, através da bula Excommunicamus e confirmado por um decreto dois anos depois. O Santo Ofício sistematizou as leis e jurisprudências acerca dos crimes relativos à feitiçaria, blasfêmia, usura e heresias. Os processos eram constituídos a partir de denúncias e confissões feitas, muitas vezes, por aqueles temerosos de serem acusados de acobertar ou fomentar as heresias. Se, na Idade Média, esteve ligado diretamente ao Vaticano e direcionado para investigação de práticas contrárias aos dogmas da Igreja, no período moderno se submeteu mais à monarquia, servindo de apoio para o estabelecimento e o fortalecimento dos Estados Nacionais na península Ibérica. As monarquias católicas promoveram a instalação do Santo Ofício buscando afastar possíveis percalços sociais que acarretassem conflitos, frustrando assim a estabilidade política e social de seus reinos (Juarlyson Jhones S. de Souza e Jeannie da Silva Menezes. O poder na inquisição: as redes de cooperação política com o Santo Ofício no império português. II Simpósio Internacional de Estudos Inquisitoriais. Salvador, 2013).  De acordo com os seus estatutos, as penas mais leves poderiam ser do jejum, multas, pequenas penitências e até a prisão. Quando os acusados se negavam a pedir perdão ou a retratar-se, eram entregues ao braço secular (autoridade civil), o qual geralmente aplicava a pena máxima da morte na fogueira, em um ato público chamado “auto de fé”, onde todo poder da Inquisição era exposto em toda sua amplitude. Instalado em Portugal entre 1536 e 1821, durante seu funcionamento atuou também nas colônias lusitanas. A Inquisição portuguesa demonstrou, desde cedo, o compromisso principal de perseguir a heresia judaizante, associada aos cristãos-novos. Aspecto preservado nos braços inquisitoriais do ultramar. O caráter antissemita do Santo Ofício pode ser evidenciado nas sentenças proferidas pelo tribunal, as penas mais graves eram aplicadas aos acusados de judaísmo. “A sistemática perseguição dos chamados cristãos-novos - judeus convertidos ao cristianismo e suspeitos de ‘judaizar’ em segredo - foi, sem dúvida, o traço distintivo e peculiar das inquisições ibéricas, respondendo pela grande maioria dos réus processados e executados” (Ronaldo Vainfas. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997). No Brasil, o bispo da Bahia preenchia a função inquisitorial, por delegação do Santo Ofício de Lisboa, com todo o aparato burocrático da Inquisição, tendo havido quatro visitações do tribunal português na Bahia (1591/1593 e 1618), em Pernambuco (1594-1595) e no Pará (1763-1769). Após quase 300 anos de atividade, o Tribunal do Santo Ofício foi extinto em 1821, por decisão da assembleia constituinte portuguesa – criada após revolução liberal do Porto. A extinção do tribunal foi uma adequação inevitável da sociedade portuguesa às “luzes do século” [Ver iluminismo].

[5] INQUISIDOR GERAL: autoridade máxima da Inquisição, organização de origem medieval criada no século XIII para julgar e combater movimentos heréticos e contestatórios da Igreja e do papado, administrada pelos frades dominicanos. Como instituição permanente, o Tribunal da Inquisição somente foi implementado pelo papa Paulo III em 1542, com vistas a conter o avanço da Reforma protestante promovida por Lutero desde o início do século XVI. A inquisição ibérica, nascida na Espanha no século XV, embora inspirada na instituição medieval, tinha características próprias: o alvo privilegiado do Tribunal do Santo Ofício, criado durante a unificação dos reinos e formação do Estado, eram os judeus forçados à conversão ao catolicismo desde a segunda metade do século anterior (chamados pejorativamente de marranos) para fugir às perseguições. Principalmente depois de 1492 quando os reis católicos decretaram a expulsão de todos os judeus da Espanha, exceto os que se convertessem, houve uma imigração em massa para Portugal, ainda no reinado de d. Manuel. O clima de intolerância passou então a assolar o território português quando esse também decretou a conversão obrigatória de todos os judeus do reino, ou seriam expulsos (1496-1497). Foi no reinado de d. João III (1521-1557) que o Tribunal do Santo Ofício foi instalado em Portugal e a inquisição portuguesa teria como alvo também os convertidos, os cristãos-novos, suspeitos de manter suas práticas judaicas em segredo. Em 1540 havia três tribunais em Portugal, em Lisboa, Évora e Coimbra, e um no restante do império, fundado em 1560 em Goa, capital do Estado das Índias, que tinha jurisdição no Oriente e na África. O Brasil permaneceu ligado ao Tribunal de Lisboa, até o fim oficial da inquisição, somente em 1821. Cogitou-se instalar um Tribunal no Brasil entre 1621 e 1622, durante a União Ibérica, no reinado filipino, mas não chegou a acontecer. Aqui a função inquisitorial cabia aos bispos, depois da criação do Bispado da Bahia em 1551. Esses eram responsáveis pelas atividades inquisitoriais na colônia, embora com poderes limitados e sujeitos à jurisdição de um visitador enviado pelo Tribunal de Lisboa. Podiam receber denúncias, abrir devassas, prender suspeitos e receber presos encaminhados por vigários, agentes indiretos do Santo Ofício, mas não chegavam a pertencer aos quadros do tribunal. Como durante o século XVI a Inquisição foi praticamente nula no Brasil, houve a vinda de muitos judeus e cristãos-novos para cá, fugindo da perseguição no reino. Com a anexação de Portugal pela Espanha durante a União Ibérica (1580-1640), o Santo Ofício passou a olhar mais amiúde para o Brasil, tendo enviado visitadores da inquisição para investigar possíveis crimes na colônia, o primeiro, Heitor Furtado de Mendonça, esteve no Brasil entre 1591 e 1595. A essas alturas, os crimes de heresia tinham um significado mais amplo do que antes, não somente cristãos-novos e judeus foram vigiados e deportados para Portugal, mas comportamentos morais e sexuais tidos como inadequados, como práticas de sodomia, bigamia, adesão ao protestantismo, por exemplo, passaram a ser alvos do Tribunal. Apesar de nunca terem estabelecido um tribunal no Brasil, houve a instalação de todo um aparato do Santo Ofício, como comissários e auxiliares em várias capitanias. Entretanto, a presença e ação da Inquisição no Brasil, se comparada a América espanhola, foi bastante tímida, nunca tendo acontecido por aqui um auto de fé, com exposição de réus em praça pública e execução por fogueira, ou mesmo os cárceres secretos, com julgamentos e sessões de torturas.

[6] LUÍS XIV (1638-1715): também conhecido como “Rei Sol”, regeu a França no período de 1643 a 1715. Durante o seu reinado, destacaram-se as figuras do cardeal Mazzarino (que controlava os assuntos do Estado) e do seu ministro da Fazenda Jean-Baptiste Colbert. Com a morte do cardeal, em 1661, o monarca concentrou o poder em suas mãos, delegando aos seus ministros a tarefa de executar suas ordens. A partir de então, dirigiu pessoalmente a administração, controlando-a através de um alto conselho e de organismos do poder executivo, o que maximizou a expressão do poder absoluto dos reis ao afirmar “o Estado sou eu”. Luís XIV também buscou fomentar a cultura na França, lançando mão de um sistema de mecenato que prestigiou a arte, a pintura e a arquitetura em especial. Entre os artistas que financiou estavam Molière e Jean Racine. Durante seu reinado, a economia francesa foi reestruturada para atender às exigências mercantilistas, sendo criadas a marinha mercante, fábricas, estradas e portos. Foram desenvolvidos dois novos e eficazes instrumentos de poder: um corpo de diplomatas profissionais e um exército permanente.

[7] COLBERT, JEAN-BAPTISTE (1619-1683): estadista francês que integrou a administração de Luís XIV por recomendação do cardeal Mazzarino. Como ministro da fazenda do “Rei Sol”, foi o responsável pela introdução das práticas mercantilistas na França, também chamadas de colbertismo. Entre as suas iniciativas destacou-se o estímulo para a criação de novas indústrias, principalmente as voltadas para artigos de luxo, e para o desenvolvimento da Marinha mercante, além da criação da Academia de Ciências (1666).

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Práticas e costumes no Brasil de d. João VI
- Estrutura administrativa colonial
O Rio de Janeiro colonial

Imprensa e opinião pública

Cópia do ofício de Inácio da Costa Quintela, informando a determinação régia para a censura imediata de todo folheto a ser impresso, como também a autorização para a concessão de licenças quando não houver sessão da Mesa do Desembargo do Paço. A licença para impressão destes folhetos deveria ser concedida após um rigoroso exame, com o objetivo de identificar a existência de críticas à religião, à dignidade do trono e à obediência ao soberano. Por este documento, percebe-se a lógica de Estado da época, que considerava a leitura de determinados textos perigosa à manutenção da ordem pública, posto que incentivariam o questionamento do poder real.



Conjunto documental: Tribunal do desembargo do Paço
Notação: caixa 231, pct.4
Datas-limite: 1811-1830
Título do fundo: Mesa do Desembargo do Paço
Código: 4K
Argumento de Pesquisa: censura
Data do documento: 1º de março de 1821
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

 

“Ilustríssimo e Realíssimo Senhor

Sendo indispensável nas atuais circunstâncias franquear-se a Imprensa[1], para que se facilite a leitura de Papéis que possam dirigir a opinião pública[2] segundo os princípios de uma bem entendida liberdade civil. E o Rei[3]  Nosso Senhor Servido, enquanto não manda dar outras providências, que logo que se apresentar qualquer folheto para ser impresso, se proceda imediatamente à censura[4]  dele, e se lhe conceda licença para se imprimir, uma vez que não ataque a religião que felizmente professamos, não contenha expressões pouco decorosas à dignidade do trono, ou doutrinas contrárias à obediência que devemos a Sua Majestade, e respeito à sua real família, ou por qualquer maneira possam alterar a segurança e tranquilidade individual e pública.

E querendo o mesmo senhor que não haja demora na expedição destas licenças, há por bem autorizar a vossa ilustríssima para que as possa conceder nos dias em que não houver sessão da Mesa do Desembargo do Paço[5], recomendando juntamente aos censores [6] que desembaracem quanto antes quaisquer dos mesmos folhetos, que lhes forem distribuídos para exame.

O que de ordem de Sua Majestade participo a vossa ilustríssima para que assim se execute, fazendo a vossa ilustríssima presente na sobredita Mesa para sua inteligência e execução na parte que lhe toca.

Deus guarde a vossa ilustríssima, Paço, em 1º de março de 1821. Inácio da Costa Quintela[7].”

 

[1] IMPRENSA: o termo imprensa surgiu no século XV, com a criação da prensa móvel por Johannes Guttenberg (1390-1468) que imprimia, com caracteres móveis, palavras e frases em papel. A invenção da tipografia é considerada como marco fundamental que alicerçou e tornou possível a progressiva divulgação do conhecimento, até a sua massificação atual. Já a imprensa periódica, surge na Europa no século XVII, utilizando-se da mesma tecnologia para imprimir jornais, gazetas e pasquins. A primeira tipografia portuguesa surge no século XV e só em 1641 começa a circular o primeiro jornal periódico português: A Gazeta. No Brasil, a imprensa foi criada pelo decreto de 13 de maio 1808, por ocasião da transmigração da corte portuguesa. A Impressão Régia visou atender à necessidade de divulgação da legislação e atos governamentais, sendo facultada, na ausência destes, a impressão de obras variadas. Para administrar o novo estabelecimento, foi instituída uma junta diretora, composta por um oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e dois deputados da Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro e da Bahia. À Junta coube o exame dos papéis e livros a serem publicados até setembro de 1808, quando houve a nomeação dos primeiros censores régios. No entanto, o historiador Marco Morel chama atenção para a existência de impressos no Brasil antes mesmo de 1808, apesar de toda proibição e censura, como é o caso de um prelo no Recife; uma oficina tipográfica no Rio de Janeiro em meados do século XVIII; além de imprensas instaladas pelos jesuítas na região das Missões (MOREL, M. Os primeiros passos da palavra impressa. MARTINS, Ana Luiza e LUCA, Tânia Regina de (orgs.). Hino Campo de Santana, no Rio de Janeiro stória da imprensa no Brasil. São Paulo: editora Contexto, 2013. p. 24). Com relação aos impressos periódicos, há dois marcos fundadores: a criação, por Hipólito da Costa, do Correio Braziliense em Londres e o lançamento da Gazeta do Rio de Janeiro, ambos em 1808. Por ser publicado em Londres, o Correio Braziliense foi o primeiro periódico em língua portuguesa a circular sem censura. Já a Gazeta, era um jornal oficial, limitando-se aos comunicados do governo e impresso na tipografia régia. Em 1821, as restrições à imprensa diminuíram, devido a decisões das Cortes portugueses, aumentando o número de tipografias, jornais e panfletos no Brasil.

[2] OPINIÃO PÚBLICA: enquanto expressão da modernidade política, o conceito de opinião pública surgiu no século XVIII. Em Portugal essa categoria emerge na segunda metade do Setecentos e se afirma no início do XIX como processo decorrente das Luzes, no qual a esfera íntima e da vida privada é relegada, como parte de um processo pelo qual “não sendo uma criação artificial das elites esclarecidas, a opinião pública afirma-se de forma difusa, a partir do discurso filosófico e da argumentação plural de normas, valores, ideias e aspirações coletivas, pensados em função dessa entidade superior que é o público” (Ana Cristina Araújo, « Opinião pública », Ler História [Online], 55 | 2008, http://journals.openedition.org/lerhistoria/2260). No processo de afirmação dessa instância, a imprensa teve uma atuação importante ao interagir diretamente na formação e condução dessa consciência no espaço público. Também na América portuguesa, a opinião pública emergiu entre 1820 e 1821, em função das revoluções constitucionalistas nos países ibéricos e da consequente intensificação da atividade de imprensa. Em 1820, foram decretadas a liberdade de imprensa e a circulação de impressos portugueses para além do reino. No ano seguinte, foi a vez da censura prévia ser suspensa provisoriamente. A partir de então, firmam-se os debates através da imprensa periódica, possibilitando a formação de uma opinião assentada numa leitura individual e crítica acerca dos interesses públicos.

[3] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[4] CENSURA: exame crítico de obras diversas para o controle do governo, destinado a evitar a propagação de ideias contrárias à religião, à ordem moral e à política vigente. Para muitos autores a censura, sobretudo a tratados científicos e filosóficos modernos, produzidos no bojo da Revolução científica, foi responsável pela lacuna constatada entre Portugal e outras potências europeias. Em outra perspectiva, a atividade dos censores nos séculos XVII e XVIII também demonstra um comprometimento com o debate em torno da religião, da política, da arte e da literatura, como assinala Márcia Abreu. (O controle à publicação de livros nos séculos XVIII e XIX: uma outra visão da censura. Fênix. Outubro/ novembro/ dezembro de 2007, vol. 4, ano IV nº 4). Ainda conforme essa autora, a censura foi exercida desde o século XVI em Portugal e no Brasil através de três instâncias independentes, porém complementares. No reinado de d. José I, o Estado assume essa função com a criação da Real Mesa Censória (1768 – 1787), seguida da Real Mesa da Comissão Geral para o Exame e a Censura dos Livros (1787 – 1794) a que advém a instauração, pela administração Mariana, do sistema tríplice a cargo do Santo Ofício, Ordinário e Desembargo do Paço (1794 – 1820). Selecionados por nomeação régia, os censores possuíam um variado conhecimento da literatura da época, da biografia dos autores e dos acontecimentos históricos mais recentes. Era um cargo de grande prestígio e de remuneração vantajosa, ocupado por perfis variados como professores de retórica, membros da Real Academia de Ciências de Lisboa e, ainda, religiosos confessores da Casa Real, Corregedores do Crime ou deputados da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, conforme destacou Maria Beatriz Nizza da Silva (Cultura no Brasil colônia. Ed. Vozes, 1981). Além do regimento da Real Mesa Censória, a partir de sua criação os censores se conduziriam ainda pela Regulamentação da Censura Tríplice até 1795. Os dois documentos eram similares, estabelecendo os parâmetros para a censura das obras. No Brasil, com a instalação da Corte e da Impressão Régia, a censura ficou a cargo da junta diretora da Real Mesa Censória, passando a ser atribuição da Mesa do Desembargo do Paço e Consciência e Ordem meses depois. A partir de então, a impressão e a importação de obras e periódicos ocorreriam mediante a licença dessa Mesa.

[5] MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (LISBOA): também chamada de Tribunal do Desembargo do Paço, foi o mais alto órgão da administração central portuguesa até o século XIX, que regia o Reino, e não o Ultramar. Este tribunal, estabelecido no reinado de d. João II (1481-1495) mas somente efetivado no período de d. Manuel I (1495-1521), era o tribunal supremo da monarquia, responsável por questões relativas à justiça e à administração civil do reino no âmbito da Graça. Tornou-se autônomo em relação à Casa de Suplicação em 1521, recebendo novo regimento. Até o reinado de d. Sebastião I, suspenso em 1578, quem presidia o Tribunal era o próprio rei, o que passou a não ser mais obrigatório com uma mudança instituída durante os reinados Filipinos (1580-1640). Constituído por um corpo de magistrados, já então denominados desembargadores do Paço, recrutados principalmente entre os eclesiásticos, teólogos e juristas experientes, este órgão da administração central da coroa, possuía uma grande variedade de incumbências, tendo suas funções revistas e ampliadas por sucessivas alterações de regimento, dentre as quais compreendiam: a concessão de cartas de perdão e cartas de privilégio; concessão de perdões reais, suspensão de degredos; a dispensa de idade e de nobreza para servir nos cargos de governo; comutação de pena aos criminosos; restituição de fama e outras mercês semelhantes; a legitimação e emancipação de filhos; a concessão de licença para impressão de livros; deliberando, ainda, sobre o recrutamento e provimento de juízes e arbitrando conflitos entre os demais tribunais da Coroa; entre outras questões. A vinda da corte para o Brasil em 1808 acarretou a criação da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, por meio do alvará de 22 de abril daquele ano, que incorporou parte dos encargos da Mesa da Consciência e Ordens de Lisboa. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço do Reino continuou a existir, sendo extinta apenas em 1833, no âmbito da guerra civil entre liberais e absolutistas, suas atribuições passando para as Secretarias de Estado do Reino e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

[6] CENSORES: funcionário do governo responsável pelo exame crítico de obras diversas, para evitar a propagação de ideias liberais e revolucionárias. Devidamente selecionados, os censores possuíam um variado conhecimento da literatura da época, da biografia de seus autores e dos acontecimentos históricos mais recentes.

[7] QUINTELA, [MANUEL] INÁCIO DA COSTA (1763-1838): vice-almirante da Armada portuguesa, grã-cruz da ordem da Torre e Espada, Quintela ingressou na Academia da Marinha, tendo concluído o curso em 1791. Foi rapidamente promovido na carreira militar, chegando, em 1801, a comandar uma corveta portuguesa em batalha vitoriosa contra uma fragata francesa. Comandante da nau Afonso, integrou a esquadra que trouxe a família real e a Corte portuguesa para o Brasil em 1807. Chegou ao posto de major-general pouco antes de assumir, em 1821, o cargo de ministro do Reino e da Justiça de d. João VI. Quando retornou a Portugal com a corte e o rei, passou a ocupar a pasta da Marinha. Retirou-se da vida pública em 1826, dedicando-se à poesia, à tradução de textos clássicos, e à redação de uma obra intitulada Anais da marinha portuguesa, publicada postumamente em 1839 e 1840 pela Academia Real de Ciências de Lisboa, da qual foi membro.

 
Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”.

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Práticas e costumes no Brasil colônia
- Estrutura administrativa colonial
- O Rio de Janeiro colonial
- Economia colonial: comércio de livros

 

Livros, impressos e Polícia

Registro do edital proposto pelo intendente geral da Polícia da Corte, Paulo Fernandes Viana, visando a estabelecer uma melhor vigilância e controle sobre livros e demais impressos pela Polícia. Apesar de já existir, no período, a proibição da circulação de obras e textos estrangeiros (impressos ou não), esta ocorria sem os devidos exames e autorização da Intendência Geral da Polícia. O documento demonstra uma preocupação com a liberdade de circulação dessas publicações, estabelecendo uma norma proibitiva e as devidas punições para aqueles que não cumprissem as determinações oficiais.

 

Conjunto documental: Registro de correspondência da Polícia
Notação: códice 323, vol. 01
Datas-limite: 1809-1809
Título do fundo: Polícia da Corte
Código: ØE
Argumento de pesquisa: censura
Local: Rio de Janeiro
Data: 30 de maio de 1809
Folha: 85

 

Paulo Fernandes Viana[1]. Faço saber aos que o presente edital virem que importando muito a vigilância da Polícia que cheguem ao seu conhecimento todos os avisos, notícias impressas que se afixarem ao público acerca de livros e das obras estrangeiras[2] que se procuram divulgar muitas vezes sem se procurarem a aprovação das autoridades, a quem o príncipe regente[3] tem confiado esta inspeção; fica de hoje em diante proibida a liberdade que tem rogado abusivamente e que fazem semelhantes publicações e todos os que tiverem de dar notícias de obras e textos estrangeiros impressos ou não impressos deverão primeiro trazer estes avisos ou anúncios à secretaria da Intendência Geral da Polícia[4], para nela serem vistos, examinados e se lhes permitir esta liberdade e conhecer se tem ou não obtido a aprovação indispensavelmente necessária. E os que o contrário fizerem, nacionais ou estrangeiros, serão presos na cadeia pública e pagarão pena de duzentos mil réis[5] além das mais que impõem aos que procuram quebrantar a segurança pública, para o que haverá inquisição aberta em que se conheçam os transgressores e se admitirão denúncias em segredo. ”

 

[1] VIANA, PAULO FERNANDES (1757-1821): nascido no Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana era filho de Lourenço Fernandes Viana, comerciante de grosso trato, e de Maria do Loreto Nascente. Casou-se com Luiza Rosa Carneiro da Costa, da eminente família Carneiro Leão, proprietária de terras e escravos que teve grande importância na política do país já independente. Formou-se em Leis em Coimbra em 1778, onde exerceu primeiro a magistratura, e no final do Setecentos foi intendente do ouro em Sabará. Desembargador da Relação do Rio de Janeiro (1800) e depois do Porto (1804), e ouvidor-geral do crime da Corte foi nomeado intendente geral da Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808. De acordo com o alvará, o intendente da Polícia da Corte do Brasil possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetidos os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da ordem e segurança pública. Durante as guerras napoleônicas, dispensou atenção especial à censura de livros e impressos, com o intuito de impedir a circulação dos textos de conteúdo revolucionário. Tinha sob seu controle todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Foi durante a sua gestão que ocorreu a organização da Guarda Real da Polícia da Corte em 1809, destinada à vigilância policial da cidade do Rio de Janeiro. Passado o período de maior preocupação com a influência dos estrangeiros e suas ideias, Fernandes Viana passou a se ocupar intensamente com policiamento das ruas do Rio de Janeiro, intensificando as rondas nos bairros, em conjunto com os juízes do crime, buscando controlar a ação de assaltantes. Além disso, obrigava moradores que apresentavam comportamento desordeiro ou conflituoso a assinarem termos de bem viver – mecanismo legal, produzido pelo Estado brasileiro como forma de controle social, esses termos poderiam ser por embriaguez, prostituição, irregularidade de conduta, vadiagem, entre outros. Perseguiu intensamente os desordeiros de uma forma geral, e os negros e os pardos em particular, pelas práticas de jogos de casquinha a capoeiragem, pelos ajuntamentos em tavernas e pelas brigas nas quais estavam envolvidos. Fernandes Viana foi destituído do cargo em fevereiro de 1821, por ocasião do movimento constitucional no Rio de Janeiro que via no intendente um representante do despotismo e do servilismo colonial contra o qual lutavam. Quando a Corte partiu de volta para Portugal, Viana ficou no país e morreu em maio desse mesmo ano. Foi comendador da Ordem de Cristo e da Ordem da Conceição de Vila Viçosa, seu filho, de mesmo nome, foi agraciado com o título de barão de São Simão.

[2] LIVROS E DAS OBRAS ESTRANGEIRAS: muitos livros estrangeiros foram proibidos de circular no Império Português pela Mesa Censória, em uma tentativa de conter a propagação das ideias revolucionárias e dos modelos do enciclopedismo e do liberalismo franceses. Apesar de grande parte das obras vedadas incidirem sobre livros religiosos (especialmente aqueles escritos por padres jesuítas), a relação das publicações interditadas incluía autores famosos como d’Alembert (1717-1783), Bentham (1748-1832), Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-1778), com seus livros total ou parcialmente censurados.  Existiam ainda, os que receberam à pena máxima da fogueira como “Eco das vozes saudosas”, que foi condenado em 1768; “Élève de la nature”, em 1774; além da “Vida do sapateiro santo”, de Simão Gomes. Apesar de retiradas de circulação, algumas dessas obras poderiam ser adquiridas, caso o pretendente encaminhasse à Real Mesa Censória um pedido devidamente justificado, ou ainda, por meio de contrabando.

[3] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[4] INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA: a Intendência de Polícia foi uma instituição criada pelo príncipe regente d. João, através do alvará de 10 de maio de 1808, nos moldes da Intendência Geral da Polícia de Lisboa. A competência jurisdicional da colônia foi delegada a este órgão, concentrando suas atividades no Rio de Janeiro, sendo responsável pela manutenção da ordem, o cumprimento das leis, pela punição das infrações, além de administrar as obras públicas e organizar um aparato policial eficiente e capaz de prevenir as ações consideradas perniciosas e subversivas. Na prática, entretanto, a Polícia da Corte esteve também ligada a outras funções cotidianas da municipalidade, atuando na limpeza, pavimentação e conservação de ruas e caminhos; na dragagem de pântanos; na poda de árvores; aterros; na construção de chafarizes, entre outros. Teve uma atuação muito ampla, abrangendo desde a segurança pública até as questões sanitárias, incluindo a resolução de problemas pessoais, relacionados a conflitos conjugais e familiares como mediadora de brigas de família e de vizinhos, entre outras atribuições. O aumento drástico da população na cidade do Rio de Janeiro, e consequentemente, da população africana circulando nas ruas da cidade a partir de 1808, esteve no centro das preocupações das autoridades portuguesas, e nela reside uma das principais motivações para a estruturação da Intendência de Polícia que, ao contrário do que vinha ocorrendo no Velho Mundo, deu continuidade aos castigos corporais junto a uma parcela específica da população. Foi a estrutura básica da atividade policial no Brasil na primeira metade do século XIX, e apresentava um caráter também político, uma vez que vigiava de perto as classes populares e seu comportamento, com ou sem conotação ostensiva de criminalidade. Um dos traços mais marcantes da manutenção desta ordem política, sobreposta ao combate ao crime, se expressa em sua atuação junto à população negra – especialmente a cativa – responsabilizando-se inclusive pela aplicação de castigos físicos por solicitação dos senhores, mediante pagamento. O primeiro Intendente de Polícia da Corte foi Paulo Fernandes Vianna, que ocupou o cargo de 1808 até 1821, período em que organizou a instituição. Subordinava-se diretamente a d. João VI, e a ele prestava contas através dos ministros. Durante o período em que esteve no cargo, percebe-se que muitas funções exercidas pela Intendência ultrapassavam sua alçada, em especial àquelas relacionadas à ordem na cidade e às despesas públicas, por vezes ocasionando conflitos com o Senado da Câmara. Desde a sua criação, a Intendência manteve uma correspondência regular com as capitanias, criando ainda o registro de estrangeiros.

[5] RÉIS: moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”.

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Práticas e costumes no Brasil de d. João VI
Estrutura administrativa colonial
O Rio de Janeiro colonial

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