Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página

Sala de aula

Publicado: Terça, 05 de Junho de 2018, 13h42 | Última atualização em Segunda, 11 de Junho de 2018, 12h50

Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios

Decreto por meio do qual o príncipe regente estabelece a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, e concede mercê de pensões a vários estrangeiros que seriam empregados na instituição.

 

Conjunto documental: Contadoria Geral do Tesouro Público. Registro de cartas, provisões, alvarás e decretos
Notação: códice 62 vol.02
Data-limite: 1816-1818
Título do fundo: Tesouro Nacional
Código do fundo: C 2
Argumento de pesquisa: Escola Real dos Cientistas, Artes e Ofícios
Local: Rio de Janeiro
Data: 12 de agosto de 1816
Folha(s): 30, 30v e 31  

 

Atendendo ao bem comum, que provem aos meus fiéis vassalos de se estabelecer no Brasil uma Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios[1] em que se promova, e difunda a instrução, e conhecimentos indispensáveis aos homens destinados não só aos empregos públicos da administração do estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia, indústria e comércio de que resulta a subsistência, comodidade e civilização dos povos, maiormente neste continente, cuja extensão não tendo ainda o devido, e correspondente número de braços indispensáveis ao tamanho e aproveitamento do terreno, precisa dos grandes socorros da estética para aproveitar os produtos, cujo valor e preciosidade podem vir a formar do Brasil o mais rico, e opulento dos reinos conhecidos: fazendo-se por tanto necessário aos habitantes o estudo das belas artes[2] com aplicação e preferência aos ofícios mecânicos[3] cuja prática, perfeição e utilidade depende dos conhecimentos teóricos daquelas artes e difusivas luzes das ciências naturais, físicas e exatas: E querendo para tão úteis fins aproveitar desde já a capacidade, habilidade e ciência de alguns dos estrangeiros, que tem buscado a minha real e graciosa proteção para serem empregados no ensino e instrução pública daquelas artes; hei por bem e mesmo em quanto as aulas daqueles conhecimentos, artes e ofícios não formam a parte integrante da dita Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, que eu houver de mandar estabelecer, se pague anualmente por quartéis a cada uma das pessoas declaradas na relação inserta, neste meu real decreto, e assinada pelo meu ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra a soma de oito contos e trinta e dois mil reis, em que importam as pensões de que por um efeito da minha real magnificência e paternal zelo, pelo bem público deste reino, lhes faço mercê para sua subsistência, pagas pelo Real Erário[4], cumprindo desde logo cada um dos ditos pensionários com as obrigações, encargos e estipulações, que devem fazer base do contrato, que ao menos pelo tempo de seis anos hão de assinar, obrigando-se a cumprir quanto for tendente ao fim da proposta instrução nacional das belas artes aplicadas a indústria, melhoramento e progresso das outras artes, e ofícios mecânicos.

O marquês de Aguiar do conselho de Estado ministro assistente ao despacho do gabinete e presidente do meu Real Erário, o tenha assim entendido, e o faça executar com os despachos necessários, sem embargo de quaisquer leis, ordens, ou disposições em contrário. Palácio do Rio de Janeiro em doze de agosto de mil oitocentos e dezesseis = com a rubrica de sua majestade = cumpra-se e registre-se. Rio de Janeiro vinte e dois de outubro de mil oitocentos = com a rubrica do excelentíssimo marquês de Aguiar, presidente do Real Erário. 

Relação de pessoas a quem por decreto desta data, manda sua majestade dar as pensões anuais abaixo declaradas.

Ao cavalheiro Joaquim Breton[5], um conto e seiscentos mil reis              1.600$000

Pedro Dellon, oitocentos mil reis                                                                       800$000

João Baptista Debret[6] pintor de história, oitocentos mil reis                      800$000

Nicolao Antonio Taunnay[7], pintor oitocentos mil reis                                  800$000

Augusto Taunnay[8], escultor   oitocentos mil reis                                          800$000

Augusto Henrique Vitório Grandjean de Montigny[9], arquiteto oitocentos mil reis                                   800$000

Transporte                                                                                                          5.600$000

Simão Pladier, gravador, ou abridor     oitocentos mil reis                           800$000

Francisco Ovide, professor de mecânica oitocentos mil reis                        800$000

Carlos Henrique Levasseur        trezentos e vinte mil reis                             320$000

Luiz Simphoriano Meunié           trezentos e vinte mil reis                             320$000

Francisco Bonrepos                cento e noventa e dois mil reis                        192$000

 

Somam as onze parcelas, oito contos e trinta e dois mil reis.

Rio de Janeiro, em doze de agosto de mil oitocentos e dezesseis = marquês de Aguiar.

 

[1]ESCOLA REAL DE CIÊNCIAS, ARTES E OFÍCIOS: em 1816, a chegada de um grupo de artistas franceses que viria a ser conhecido por Missão Francesa viabilizou o início da instauração de um sistema de ensino de artes e ofícios no Rio de Janeiro. O grupo era formado basicamente por bonapartistas que perderam espaço em seus campos de atividade depois do retorno da dinastia Bourboun, e sua tarefa seria instalar uma escola superior que se dedicasse não apenas às artes de uma forma geral, mas também ao ensino das “artes úteis,” como desenho, ourivesaria e mecânica. O decreto de criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, assinado por d. João, data de agosto de 1816 e encontra-se no fundo Tesouro Nacional, do Arquivo Nacional. A direção da Escola coube, inicialmente, a Joachin Lebreton, que viria a ser substituído, após sua morte, pelo português Henrique José da Silva. Em 1820, passa a se chamar Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil. Por conta de rixas entre portugueses (ainda impregnados pelo barroco/ rococó) e franceses (adeptos do neoclássico); entre o próprio governo francês e alguns dos artistas, e também por problemas financeiros, a escola só viria a conseguir instalações físicas definitivas em 1826, já como Academia Imperial de Belas Artes, instalada em por decreto de novembro de 1826. O prédio, projetado por Grandjean de Montigny, integrante da missão, localizava-se na Travessa das Belas Artes. Ao longo do século XIX, a Escola terá papel central na sua área de atuação, as pinturas históricas e retratos oficiais tiveram grande destaque no período, sendo fundamental também no desenvolvimento da arquitetura no Brasil.

[2] BELAS ARTES: o termo belas-artes, aplicado às chamadas "artes superiores", em oposição às artes aplicadas e às artes decorativas, data do século XVIII. Contudo, desde a Antiguidade verifica-se uma distinção entre “artes maiores”, relacionadas às atividades mentais, e “artes menores” ligadas aos trabalhos manuais de aplicação prática. A separação entre artes e ofícios ganha novo impulso com o surgimento das academias de arte, a partir do século XVI. No século XVIII, as academias são responsáveis por conferir caráter oficial ao ensino das belas-artes, garantindo aos artistas formação científica e humanística, além de treinamento no ofício com aulas de desenho de observação e cópia de moldes. Cabia também às academias organizar exposições, concursos, prêmios e periódicos, o que significava controle da atividade artística e fixação rígida de padrões de gosto. No decorrer dos séculos XVIII e XIX, o ensino das belas-artes passa progressivamente às Escolas Nacionais de Belas-Artes, criadas em todo o mundo, e o das artes aplicadas fica sob a responsabilidade dos Liceus de Artes e Ofícios e de instituições congêneres.

[3] OFÍCIOS MECÂNICOS: o termo designa atividades relacionadas com trabalhos manuais. No Brasil colonial, tais ofícios eram considerados inferiores, dada a tradição cultural de valorização do ócio enquanto representação de nobreza, associando-os à escravidão. Com frequência esses ofícios se agruparam em irmandades como os ferralheiros, ferreiros, serralheiros e outros que se reuniram na Irmandade de São Jorge. Era tida como obrigatória tal filiação e, em alguns casos, as irmandades abrigaram a população negra e escravizada, a despeito das interdições decorrentes dos critérios da “limpeza de sangue”. A irmandade vedava em seu primeiro compromisso o acesso de “Judeu, Mouro, negro ou mulato ou de outra infecta nação”, observa Beatriz Catão. Mas, diante da intervenção da Coroa, iria admitir a presença tanto de irmãos proprietários de escravos quanto de forros e cativos, reunidos a partir do ofício exercido (Irmandades, ofícios e cidadania no Rio de Janeiro do século XVIII. IX Congresso Internacional da Brazilian Studies Association (BRASA),2008. Disponível em http://www.brasa.org/wordpress/Documents/BRASA_IX/Beatriz-Catao-Cruz-Santos.pdf). Já os ofícios nobres relacionavam-se às habilidades intelectuais, tais como as letras e as artes. No entanto, ao longo do século XIX, ofícios mecânicos prender-se-iam à ideia de “artes úteis”, permitindo uma aplicação concreta em campos como a guerra, a engenharia, ciências naturais, tipografia, ou seja, na produção de bens ou serviços públicos. Por serem considerados impulsionadores de atividades econômicas, os ofícios mecânicos ganhariam importância. Um exemplo foi a criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios por d. João VI em 1816, com o objetivo de formar “homens destinados não só aos empregos públicos da administração do estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia, indústria e comércio de que resulta a subsistência, comodidade e civilização dos povos”. O decreto de criação da escola afirmava fazer-se “necessário aos habitantes o estudo das belas artes com aplicação e preferência aos ofícios mecânicos cuja prática, perfeição e utilidade dependem dos conhecimentos teóricos daquelas artes e difusivas luzes das ciências naturais, físicas e exatas”. As artes mecânicas incluíam ourivesaria, marcenaria e até concepção de inventos e máquinas destinados a melhorar algum aspecto da produção de bens.

[4]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[5] LEBRETON, JOACHIM (1760-1819): professor, legislador e administrador francês de instituições de ensino de belas artes, foi o encarregado de chefiar a Missão artística francesa, incumbida de iniciar um sistema de ensino de artes e ofícios na corte joanina. Ligado a École Royale du Dessin, de Bachelier, em Paris, desde 1788 e administrador das Obras de Arte no Musée du Louvre desde 1798, Lebreton tornou-se membro do Institut de France desde o golpe de 18 Brumário – realizado pelo exército francês, liderado por Napoleão Bonaparte em 1799, inaugurando o período conhecido como Consulado. Acabou demitido depois da Restauração e do retorno da família Bourbon ao poder. Afastado de seus cargos e obrigado a se exilar, conseguiu refúgio no Brasil, sob a proteção da família real portuguesa. Lebreton chegou ao Rio de Janeiro em 1816 e, após o falecimento do conde da Barca, maior incentivador da Missão, considerou que o ambiente artístico local, com uma série de disputas envolvendo os artistas portugueses acabaria por prejudicar a implantação do seu projeto. Assim decidiu retirar-se para uma propriedade no atual bairro do Flamengo, morrendo em 1819, poucos anos depois de sua chegada. Acabou não vendo a obra a que se propôs a realizar no Brasil efetivada, já que a Escola Real só viria a ganhar instalações definitivas e a ter funcionamento regular em 1826.

[6]DEBRET, JEAN BAPTISTE (1768-1848): pintor, desenhista, engenheiro e professor de francês nascido em Paris, foi aluno do pintor neoclassicista Jacques-Louis David (1748-1825), também seu primo e mestre de grande influência em sua formação artística. Chegou ao Brasil em 1816, junto a outros artistas e artífices franceses, liderados pelo professor Joaquim Lebreton, no que ficou conhecido como Missão Artística Francesa. Tinham como objetivo propor as bases de uma Academia de Belas Artes. Integrante do Institut de France, seu trabalho foi fortemente marcado pelo estilo neoclássico. Partidário de Napoleão Bonaparte beneficiou-se do mecenato bonapartista até a queda do governo, quando perde o apoio financeiro e engaja-se, junto a outros artistas, na missão artística que seguia para o Rio de Janeiro, por solicitação de d. João. Participou da decoração da cidade para os festejos da chegada da princesa Leopoldina, de seu casamento com d. Pedro e da aclamação de d João VI. Tornou-se o retratista oficial da Corte. Foi também cenógrafo do Real Teatro São João e organizou a primeira exposição coletiva de artes plásticas no Brasil, em 1829. Debret retornou a Paris dois anos depois. Sua mais famosa obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, publicada entre 1834 e 1839, reúne imagens e textos explicativos que procuraram apresentar os hábitos, costumes, os diferentes povos, cidades e paisagens que formavam a América portuguesa aos europeus, a quem o livro em grande parte se direcionava. Debret legou uma vasta coleção de aquarelas, desenhos, guaches e gravuras nas quais se destaca o tema da escravidão em cenas da vida cotidiana, dos ofícios aos castigos, nos quais se evidencia sua proposta documental.

[7] TAUNAY, NICOLAS (1755-1830): pintor, ilustrador e professor francês, Nicolas Taunay era irmão de Auguste Taunay. Recebeu o título de agregado da Academia Real de Pintura em 1784, o que possibilitou a sua participação em salões oficiais e uma pensão por três anos. Foi membro do Institut de France – instituição fundada em 1795 reunindo 5 escolas de ensino e estudos superiores –, ocupando a sua presidência entre 1814 e 1816. Consagrou-se como pintor que retratou os feitos de Napoleão Bonaparte, pintando os triunfos do general em quadros de grande formato. Em 1816, aceitou o convite de Joaquim Lebreton para integrar, junto ao seu irmão, a Missão Artística Francesa. Ao lado de nomes como Debret, Grandjean de Montigny, Marc e Zépherin Ferrez, estabeleceram-se na cidade do Rio de Janeiro com o objetivo de organizar o ensino das artes plásticas na capital. Durante sua estadia produziu mais de trinta paisagens da cidade e arredores; participou da decoração da cidade para os festejos da chegada da princesa Leopoldina; de seu casamento com d. Pedro e da aclamação de d. João VI. Voltou à França em 1821 como barão de Taunay, deixando filhos no Brasil.

[8] TAUNAY, AUGUSTE (1768-1824): nascido na França em 1768, irmão do pintor Nicolas Taunay, o escultor e professor Auguste-Marie Taunay ganhou notoriedade no período napoleônico, tendo sido responsável, entre outras obras, pela decoração das escadarias do Louvre e do Arco do Triunfo do Carrossel, em Paris. Incorporado, junto ao irmão, à missão artística francesa – grupo de artistas que vieram para o Brasil com a missão de organizar o ensino das artes plásticas na cidade –, aportou no Rio de Janeiro em 1816. Um dos primeiros trabalhos realizados, em parceria com Debret e Grandjean de Montigny, foi a ornamentação da cidade para as solenidades de aclamação de d. João VI em 1818. Participou também, da decoração dos festejos em homenagem a chegada da princesa Leopoldina e de seu casamento com d. Pedro. Taunay foi nomeado professor de escultura da recém-criada Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, que, no entanto, só seria de fato instalada dez anos depois, após a sua morte, já com o nome de Academia Imperial de Belas Artes

[9] MONTIGNY, AUGUSTE HENRI VICTOR GRANDJEAN DE (1776-1850): descendente de uma ilustre família da nobreza francesa, revelou desde cedo grande talento para o desenho, o que o levou a ingressar na Escola de Belas Artes de Paris, tendo aula com os maiores nomes da arquitetura e artes de seu tempo. Em 1799 conquistou o Grand Prix de Roma, prêmio máximo de arquitetura que abre as portas para em 1801 passar a frequentar a Academia Francesa de Belas Artes em Roma, onde fez importantes trabalhos, como a reforma do edifício e dos jardins da Vila Medici, para onde a Academia fora transferida. Com a derrota definitiva de Napoleão em 1815, teve a oportunidade de seguir para a Rússia, mas optou por manter seu compromisso com Joachin Lebreton, responsável pela missão artística que viria para o Brasil. Desembarcou no Rio em 1816 acompanhando outros artistas, como Taunay e Debret. Após a inauguração da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios em 1820, que se tornaria no futuro a Academia Imperial de Belas Artes, tornou-se o primeiro professor de arquitetura no Brasil e teve um grupo expressivo de alunos, para os quais já lecionava particularmente desde 1818. Teve diversas e importantes incumbências desde que chegou ao Brasil, como projetar a decoração festiva para a recepção da princesa Leopoldina em 1817, durante a Aclamação de d. João VI em 1818, quando juntamente com Jean-Baptiste Debret projetou o Arco do Triunfo e um Templo de Minerva, ambos decorativos e não permanentes, e em 1825 apresentou projeto para a estátua equestre de d. Pedro I. Fez o projeto da sede da Praça do Comércio do Rio de Janeiro em 1819 (obras concluídas em 1820) que se tornaria o prédio da Real Alfândega (que se tornou a partir de 1990 a Casa França-Brasil), pelo qual foi ordenado cavaleiro da Ordem de Cristo. Desenhou o edifício do Mercado da rua dos Peixes, próximo ao Paço (hoje extinto) em 1834, projetou a adaptação do Seminário de São Joaquim em 1838 para tornar-se o Imperial Colégio de D. Pedro II, fez também o projeto da nova Câmara Municipal e o anteprojeto da sede do Museu Imperial, em 1842. Por tantos trabalhos relevantes, recebeu o título de oficial da Ordem da Rosa. Montigny também realizou uma expressiva quantidade de projetos privados, como solares para a elite colonial e reinol, incluindo sua própria residência, o Solar Grandjean de Montigny na Gávea. Atuou ainda como arquiteto paisagista, tendo organizado o projeto que transformaria o campo da Aclamação, atual campo de Santana em um parque que ligaria a parte velha à nova da cidade. Colaborou em projetos de construções de pontes e chafarizes para combater o problema crônico da falta de água na cidade. Apesar de tantas e tão importantes contribuições para a arte e arquitetura no Brasil, Montigny teve problemas financeiros e dificuldades em se manter e até manter sua própria residência, na qual permaneceu até sua morte. Foi autor de diversos livros sobre arte e arquitetura e foi o introdutor do Classicismo no Brasil, responsável pelo predomínio do neoclássico na arquitetura brasileira ao longo do século XIX.

 

 

 
Sugestões de uso

Eixo temático:
História das relações sociais da cultura e do trabalho
História das representações e relações de poder

Temas:

Práticas e costumes coloniais
Costumes no Brasil de d. João VI
O Rio de Janeiro colonial

Música na Bahia

Requerimento de Joaquim de Souza Negrão ao príncipe regente em que defende a necessidade e utilidade de criar uma cadeira de música nos lugares mais povoados da colônia, sustentando que na sua cidade mais antiga é admirável o abandono em que se encontra a música. O autor do requerimento se  oferece para o cargo desta cadeira, alegando sua competência para este.  


 
Conjunto documental: Ministério do Império. Correspondência do presidente da província
Notação: IJJ9 325
Data-limite: 1817-1817
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo: AA
Argumento de pesquisa:
Data do documento: s.d
Local: Bahia
Folha(s): 44

Leia esse documento na íntegra

 

Diz José Joaquim de Souza Negrão, que influindo na civilização dos povos a cultura das artes, ainda as de mero gosto, como, poesia, pintura, música, e sendo da benévola intenção de vossa majestade promovê-las como se prova do estabelecimento de cadeiras régias de desenho[1], e de poética; parece, que uma cadeira de música[2], estabelecida ao menos nos pontos mais povoados de um país nascente, e tão útil, como necessária não só para conseguir os fins que resultam de se promoverem as artes liberais[3], como para obviar os vícios, que procedem de uma indolência ociosa; pois que a mocidade grosseira, e inerte, em vez de amaciar a aspereza dos costumes, adoçando-os com a suavidade da música, embota o gênio com o suco das paixões, e quebra os laços mais santos, que ligam os homens a sociedade. Se a política, e a religião dependem da cultura do ânimo, é de admirar, que na mais antiga cidade do Brasil[4] exista numa espécie de abandono a música, esta arte amiga e filha de coração humano! Nos teatros é frio o louvor da virtude, inconsequente a correção do vício, quando as artes se desligam do centro comum a que tendem por natureza. E o que é mais, os cânticos devidos ao criador do Universo ressoam nos templos sem estro, e quase sem harmonia, quando sobem ao céu por meio de vozes incultas, ou contrafeitas, o que não, seria, havendo mocidade que logo nos primeiros anos se dê a música por princípios. E por que no suplicante concorrem conhecimentos teóricos, e práticos desta arte; e é superabundante a coleta do subsídio literário; por tanto, recorre a Vossa Majestade pedindo, que a bem da mocidade da Bahia, e utilidade do teatro, como escola civil do Estado, e mais que tudo para Glória da religião se digne fazer criar nesta cidade uma cadeira de música, a qual a suplicante Seja promovido com o mesmo ordenado das outras cadeiras régias[5]. Pelo que R.M.

ilegível Negrão

 

[1]DESENHADORES:  desenhistas e pintores ocuparam, durante a maior parte do período colonial, um papel secundário na produção artística da época. As atividades que eles desenvolviam se enquadravam nas mais variadas atividades “mecânicas”, desde a elaboração de descrições topográficas para a construção de fortalezas, até a pintura de tábuas das bocas das sepulturas, havendo, portanto, uma fronteira muito tênue entre o que hoje chamaríamos arte (belas artes) e os ofícios mecânicos e artesanatos diversos. O estudo do desenho era requisito apenas para quem fosse trabalhar nas áreas de construção e engenharia, mas em outras áreas de estudo o suporte dado por esta atividade mostrou-se indispensável. É o caso, por exemplo, da História Natural, que contava com a fidelidade da reprodução dos elementos da natureza para a precisão dos seus estudos. Integrantes das viagens e expedições filosóficas, os desenhistas ou riscadores foram fundamentais para o desenvolvimento desse campo de conhecimento, em especial a botânica. Eram incumbidos de desenhar as espécies encontradas, como forma de complementar as descrições textuais, preservando texturas, cores e formas anatômicas alteradas nos preparos da viagem à metrópole. Paisagens, animais e árvores de grande porte, além de povos indígenas, eram “transportados” aos gabinetes por meio da representação gráfica. Muitos desenhos esboçados in loco eram finalizados em Portugal, com material adequado, na Casa do Desenho do Real Museu da Ajuda, onde também eram produzidas cópias das imagens. Também conhecida como Casa do Risco, a instituição, criada em 1780, formou alguns dos riscadores designados para as viagens filosóficas idealizadas por Domenico Vandelli, que deveriam apreender conhecimentos básicos de História Natural no Gabinete de História Natural e no Jardim Botânico da Ajuda. Cabe destacar que boa parte dos desenhistas que integraram as expedições eram engenheiros militares, uma vez que a técnica do desenho era transmitida nos cursos de engenharia militar. Suas obras buscavam criar um quadro objetivo e realista daquilo que retratavam, com o intuito de melhor aproveitar os elementos da nova terra, ao mesmo tempo em que indicavam quais os seus maiores perigos e ameaças. No final do século XVIII, muitos artistas viajaram para a Europa e trouxeram para a colônia técnicas mais aperfeiçoadas que seriam transmitidas para seus aprendizes. Foi o caso de Manuel Dias de Oliveira, fundador da primeira Aula Pública de Desenho e Figura no ano de 1800. Mas apenas com a chegada da Família Real, se deram as condições básicas para que a arte do desenho assumisse um papel primordial no aprendizado das belas-artes. Com a vinda da comissão de artistas franceses e a necessidade do estabelecimento do ensino de artes e ofícios no meio acadêmico, seriam também regularizados os ensinamentos básicos de desenho em vista de sua aplicação nos estudos de escultura, gravura, arquitetura, entre outras modalidades.

[2] MÚSICA: a música foi uma forma de expressão artística muito popular no Brasil colonial. Talvez os gêneros musicais mais conhecidos e difundidos entre as elites fossem a ópera, apresentada em alguns poucos teatros no final do século XVIII, e a música sacra, ensinada e tocada pelos jesuítas, que mesmo reclusa aos colégios e aldeamentos indígenas, caiu no gosto do povo e se desmembrou em belas canções entoadas nas danças e festas de rua. D. João VI, ao chegar ao Brasil, encontrou um terreno fértil para a difusão da música, mesmo com influências europeias. Logo tomou duas importantes medidas: a criação da Capela Real e a criação do Real Teatro de São João. Tanto a ópera quanto os cânticos religiosos estavam ligados diretamente às elites aristocráticas, simbolizando o poder, o luxo, a opulência da corte. Para a Coroa era necessária a criação de condições para a propagação de um estilo de música que proporcionasse à população um “maior grau de elevação e de grandeza” característicos da civilização europeia. Apesar dos esforços da monarquia de utilizar as operetas em comemorações e celebrações ligadas à família real, esses gêneros musicais se mesclaram às modinhas, lundus, chulas, fofas, entre outros estilos de música popular, produzindo gêneros operísticos originais que repercutiriam durante todo o século XIX. No Império português, os músicos, formavam-se nos conventos, mosteiros, quartéis, igrejas e, eventualmente, em casas particulares. Tinham grande acolhida nas igrejas e associações católicas, devendo, necessariamente, pertencer à Irmandade de Santa Cecília. As congregações religiosas mais ricas contratavam diversos profissionais para celebrarem a festa de seus padroeiros, indo desde compositores, aos intérpretes, coristas e instrumentistas. No Rio de Janeiro, além de serem contratados pelas irmandades, os músicos também trabalhavam junto a Câmara municipal – órgão que custeava as festas oficiais da cidade, como a de São Sebastião, a do Anjo Custódio do Reino e a de Corpus Christi. Ressalte-se, também, a participação destes profissionais nas comemorações pelo nascimento de príncipes, casamentos reais, ofícios fúnebres e, ainda, nas apresentações nas casas das famílias mais abastadas. Grande parte dos músicos, regentes e compositores deste período, eram considerados mulatos dentre os quais pode-se citar Caetano de Melo Jesus, Luís Álvares Pinto, Manuel Dias de Oliveira, e sobretudo, o padre José Maurício Nunes Garcia, músico, compositor, professor e diretor da Capela Real, grande compositor que desfrutava da admiração de d. João VI e prosperou durante os primeiros anos do período joanino. Foi perdendo seu prestígio desde a chegada do compositor e organista Marcos Portugal ao Rio de Janeiro, que caiu nos favores e nas graças da Corte.

[3] ARTES LIBERAIS: no início do século XIX, as chamadas “artes mecânicas” eram as mais difundidas entre a população colonial e popularmente conhecidas por “artes úteis”. Compreendiam atividades ligadas diretamente aos ofícios mecânicos tais como marcenaria, ourivesaria, construção de maquinário para produção de açúcar, entre outros. Após a chegada da família real, em 1808, deu-se início a uma política de valorização e propagação das chamadas “belas-artes” ou “artes liberais”. O novo Estado português nos trópicos passava a incentivar atividades artísticas mais variadas tais como pintura, desenho, escultura, teatro, poesia, música, entre tantas outras. Aconselhado por seu ministro Antônio de Araújo Azevedo, o conde da Barca, um dos homens mais cultos de sua época, d. João contratou um grupo de artistas franceses com o objetivo de organizar uma Escola de Artes e Ofícios em terras brasileiras. A Missão Artística, como ficou conhecida, era liderada por Joachim Lebreton, antigo secretário das Belas-Artes do Instituto da França. A Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios foi criada através de um decreto de agosto de 1816. As medidas da Coroa revelavam, no entanto, um conflito entre os artistas estrangeiros, que desejavam a implementação de uma política estatal de propagação das belas-artes, e os partidários da ideia de que estas “artes de luxo” deveriam se submeter às “artes úteis e necessárias”, necessárias no caso para o desenvolvimento de atividades econômicas ou ao menos de caráter mais prático.

[4]SALVADOR: a fundação da cidade de Salvador data de 1549, sendo, portanto, a primeira cidade administrativa criada por Portugal na América, com a instalação do governo-geral na capitania da Bahia. A 29 de março, data simbólica de aniversário da cidade, desembarcou na enseada do Porto da Barra, o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, que trouxe as instruções régias de como fundar uma cidade. Ficou a cargo do mestre Luiz Dias executar as primeiras construções. Inicialmente erguida sobre uma colina, visando a defesa contra-ataques de índios e estrangeiros, no século XVII, a cidade, embora ainda pequena, já se dividia entre a parte alta e a baixa. Contava apenas com uma praça, ao redor da qual se erguiam os prédios da administração colonial e o palácio do governador, depois vice-rei. Com auxílio de ordens religiosas como a dos jesuítas e beneditinos, que construíram igrejas, praças, capelas, escolas e conventos, os limites da cidade se ampliavam rapidamente. Salvador também foi a primeira diocese da América portuguesa. A cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, como era também chamada, tinha importância política, econômica e comercial de destaque devido a seu grande porto, por onde circulava intenso comércio transatlântico e interno, intensificado depois da abertura dos portos do Brasil. O viajante inglês Thomas Lindley refere-se à cidade como “empório do universo” dada sua centralidade econômica, local de encontro de rotas comerciais internas e externas à capitania e entreposto fundamental na redistribuição de produtos importados para outras capitanias e na saída de produtos locais para o exterior, uma face atlântica, que contemplava desde o comércio com a Europa, África e Ásia, como dizia Russell-Wood. Enquanto de Salvador eram exportadas mercadorias como o açúcar, o tabaco, couro, a aguardente, o melado, o algodão, o arroz, o cacau, o café, a madeira e o azeite de baleia, de Portugal, importavam-se gêneros manufaturados, como tecidos, louças, ferragens, pólvora, chumbo, alcatrão, farinha de trigo, vinho, vinagre e azeite de oliva; da Índia, tecidos e especiarias e, da África, escravos e cera. Salvador foi uma das principais cidades escravistas na América portuguesa, um dos principais eixos do tráfico com o golfo da Guiné, principalmente com a baía de Benim (ALENCASTRO, L. F. África, números do tráfico atlântico. In: SCHWARCZ, L. M., GOMES, F. (Orgs). Dicionário da escravidão e liberdade, 2018). As trocas inter-regionais, feitas com mercadorias importadas, sobretudo escravos, que chegavam através do porto de Salvador, empregavam navios e outras embarcações em número superior aos que faziam conexão com Lisboa. De acordo com Moema Angel, autora de Visitantes estrangeiros na Bahia Oitocentista (1980), chegando a Salvador, os viajantes dos séculos XVIII e XIX podiam evocar com admiração a beleza das igrejas e dos conventos, os palácios do governador, do arcebispo e da câmara, bem como a riqueza do seu comércio. Mas não deixavam de ver aí, também, uma “nova Guiné”, “uma cidade negra” (Souza, E., Marques, G. e Silva, H. (org.). Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica / Salvador, Lisboa: EDUFBA, CHAM, 2016). Com a chegada da Corte, algumas mudanças favoreceram a cidade, como a criação de manufaturas, da primeira tipografia e gazeta, e aumento das atividades culturais, como o teatro, a dança e a música. Salvador foi a capital do Brasil até 1763, quando a sede do vice-reinado foi transferida para o Rio de Janeiro.

[5] CADEIRAS RÉGIAS: as primeiras aulas lecionadas na colônia portuguesa nas Américas foram resultado das atividades realizadas pelos colégios da Companhia de Jesus, que detiveram o monopólio do ensino no Brasil durante quase todo o período colonial. Essa situação mudaria com a reforma pombalina que teve, basicamente, duas fases: a primeira logo após a expulsão dos jesuítas, quando foram criadas as aulas régias de Primeiras Letras e de Gramática Latina, mas o alcance dessas primeiras medidas foi muito limitado; a segunda fase da reforma, a partir de 1768, viabilizou um ensino regulado pela Coroa em várias capitanias da colônia. O sistema das Aulas Régias correspondia ao ensino primário e secundário, e suas características marcantes eram o seu caráter centralizador, a falta de autonomia pedagógica e o acesso à educação restrito a uma parcela da população, assim evidenciando o seu caráter excludente. Pombal transferiu a direção dos estudos para a Real Mesa Censória, criando um tributo específico para o financiamento dos professores, o subsídio literário. A abundância da arrecadação do imposto em algumas localidades estimulou o aparecimento de outras disciplinas. Surgiram, assim, as primeiras aulas de grego, filosofia, retórica e as relacionadas às belas-artes como desenho e figura. Com a presença da Corte no Brasil, as aulas passaram a ser denominadas “cadeiras régias”, que logo depois seriam absorvidas por academias e escolas financiadas pelo governo, como foi o caso da Real Academia de Desenho, Escultura e Arquitetura Civil, inaugurada em 1820.

 

 
Sugestões de uso
Eixo temático:
História das relações sociais da cultura e do trabalho
História das representações e relações de poder

Temas:
Práticas e costumes coloniais
Costumes no Brasil de d. João VI
O Rio de Janeiro colonial

O Juramento dos Numes

Revisão feita por Luiz Melo do folheto que continha uma resposta de D. Gastão Fausto da Câmara Coutinho à censura pública feita pelo redator do jornal O Patriota à sua peça intitulada “O Juramento do Numes”. A revisão – realizada a pedido do Marques de Aguiar - critica tanto o redator quanto o autor do drama que estariam excedendo-se em ofensas pessoais, das quais o público não estaria tirando nenhum proveito. Ao contrário do redator, Luiz Melo recomenda a impressão do manuscrito da peça pois não encontrou neste nenhuma expressão que “ofendesse a religião, o Estado ou os bons costumes” e também porque o autor riscou duas passagens que poderiam ofender o decoro público. 



Conjunto documental: Ministério da Justiça
Notação: caixa 774, Pct. 3
Datas – limite: 1808-1830
Título do fundo: Ministério da Justiça
Código do fundo: 4V
Argumento de pesquisa: Patrimônio, teatros
Data do documento: 23 de agosto de 1814
Local: Rio de Janeiro
Folhas: - 

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo príncipe  O folheto justo, que revi, e examinei por ordem de Sua Alteza Real participada em aviso de 3 do corrente mês contém uma resposta a censura que fez o redator do Patriota ao drama intitulado = O Juramento dos Numes[1] = composto Por Dom Gastão Fausto da Câmara[2] , que pretende agora desafrontar-se com vantagens dos erros e defeitos, que o referido redator achou naquele poema, e publicou no seu jornal. Estes dois êmulos e rivais em vez de se conterem nos limites de uma disputa literária, de que tiraria proveito o público, e eles glória, transcenderam-nos e misturaram sarcasmos, e ditos picantes com observações e raciocínios eruditos, e fartos de poesia, e critica. Assim acontece as mais das vezes neste gênero de discussões literárias, e não é muito, que se verificasse entre estes dois contendores, quando entre sábios de quando engenho e saber tem havido diatribas  amargas e pesadas sendo até a este respeito célebre o grande Voltaire[3], que tanto se demasiou com o filósofo de Genebra, com Malpertuis[4] , e outros. O Ponto está porém em averiguar-se se merece o manuscrito a permissão de imprimir-se. Não encontrando neste expressão, que ofenda e religião, o Estado, ou os bons costumes persuado-me, que se lhe pode conceder a licença pedida, pois que tendo o seu autor riscado duas passagens, que me pareceram mais ásperas contra o seu contendor, que mais, que podem ter ressaibos de personalidade não ofendem o decoro público, e correm parelhas com as de que rechaçou a sua censura o redator do Patriota[5] , que foi quem tirou a terreiro o seu competidor, que tentam a desafrontar-se não ficou atrás com o seu estilo, e tom desenjoado, e em que meu bem misturou erudição com sal amargo. E suposto não se possam pesar ouro e fio as expressões de um e outro, ilegível, que se não ficam devendo nada, e o público só tira desta disputa o ver tratadas com mais trabalho algumas questões de gramática, poesia e linguagem. A vista do exposto é o meu Parecer, que pode imprimir-se o folheto, cujo autor não tem menor direito, que o do Patriota para por em público e raso os que chama erros do seu contendor. -Vossa Excelência o decidira com mais Judicioso e acertado parecer. Ilegível a Vossa Excelência. Rio 23 de agosto de 1814

Ilustríssimo e Excelentíssimo Marquez de Aguiar Luiz José de Carvalho e Melo

 

[1] JURAMENTO DOS NUMES, O: na noite de inauguração do Real Teatro de São João, no dia 12 de outubro de 1813, foi apresentado o espetáculo lírico intitulado “O Juramento dos Numes,” de autoria do escritor e dramaturgo português d. Gastão Fausto da Câmara Coutinho, com música de Bernardo José de Souza e Queiroz, mestre e compositor oficial do mesmo teatro. A apresentação da peça foi precedida por uma intensa polêmica entre o redator do jornal “O Patriota”, Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, e o autor da peça, que trocaram acusações e ofensas pessoais através da imprensa. Araújo Guimarães havia feito uma censura pública ao texto de d. Gastão na edição de outubro de O Patriota, que respondeu com uma publicação intitulada “Resposta defensiva e analítica à censura que o redator do Patriota fez ao drama intitulado O Juramento dos Numes”. Na edição de janeiro-fevereiro de 1814 de O Patriota, Araújo publicou sua tréplica intitulada “Exame da resposta defensiva e analítica à censura que o redator do Patriota fez ao drama intitulado O Juramento dos Numes”. Câmara Coutinho, por sua vez, responde mais uma vez com o texto “Recenseamento ao pseudo-exame que o redator do Patriota fez à resposta defensiva e analítica do autor do Juramento dos Numes”. Segundo Paulo M. Kuhl, em seu artigo “L.V. De-Simoni e uma pequena poética da ópera em português” (Rotunda, Campinas, n.3, outubro 2004, p. 36-48), a última informação a respeito da discussão foi uma resposta indireta do redator de O Patriota com uma citação de Alexander Pope, poeta e escritor inglês do século XVII, na edição de setembro-outubro de 1814 do mesmo jornal: “There is a woman’s war declar’d against me by a certain Lord: his weapons are the same, which women and children use, a pin to scratch, and a squirt to bespatter, &c.”

[2] COUTINHO, GASTÃO FAUSTO DA CÂMARA (1772-1852): escritor e dramaturgo português entrou para a Armada Real em 1792, onde se tornou capitão de fragata. Também exerceu o cargo de bibliotecário da Marinha. Era membro do Conservatório Real de Lisboa e acompanhou a vinda da Família Real ao Rio de Janeiro, onde produziu a peça O Juramento dos Numes, apresentada na noite de abertura do Real Teatro de São João, no dia 12 de outubro de 1813. De volta a Portugal, aderiu à Revolução de 1820, também conhecida como Revolução do Porto, da qual foi um dos poetas oficiais. Recebeu a comenda de Cavaleiro da Ordem de Cristo.

[3] VOLTAIRE (1694-1778): François-Marie Arouet, conhecido como Voltaire, foi filósofo, dramaturgo, poeta e historiógrafo francês, mas sobretudo um polemista satírico contra o Antigo Regime. Nascido em uma família de pequena nobreza, foi figura importante do Iluminismo francês e grande defensor das liberdades civis, inclusive religiosa e econômica, tornou-se membro da Société du Temple – associação de livres pensadores – sendo detido na Bastilha em 1717, devido a sua atividade panfletária contra o regente francês, Filipe II, duque de Orléans. Libertado, continuou em suas obras provocadoras, que lhe renderam uma segunda prisão, por discussões e ofensas ao príncipe de Rohan-Chabot, e a exigência de se exilar na Inglaterra. Lá, toma conhecimento das teorias de Isaac Newton e a filosofia de John Locke, que o influenciariam consideravelmente. Sua principal obra, Cartas filosóficas (1734) – um estudo comparativo entre a Inglaterra liberal e a França absolutista – denotava seu apreço pelo sistema político britânico. Ao retornar à Paris, tornou-se membro da Academia Francesa em 1746 e tornou-se um divulgador da obra de Newton, especialmente de seu trabalho sobre a ótica, escrevendo o livro “Elementos da filosofia de Newton”. Sua visão newtoniana da ciência lhe rendeu uma discussão com Pierre L. M. de Maupertuis, na época presidente da Academia de Berlim. Voltaire dirigiu a Maupertuis vários panfletos satíricos, como o Diatribe do dr. Akakia em 1752, criticando as interpretações teológicas que Maupertuis deu a alguns princípios científicos. Tal desavença indispôs Voltaire com o rei Frederico II da Prússia, levando o filósofo a transferir-se para Suíça, onde terminou suas maiores obras históricas: Um Ensaio sobre os costumes e o Espírito das Nações e A Era de Luís 14, publicações de grande impacto para a história e mesmo para uma visão de algum modo antropológica, que tratam da história europeia, desde Carlos Magno, passando pela colonização da América e de territórios no Oriente. Escritor prolífico, produziu romances, ensaios, poemas, peças de teatro, sátiras, muitas cartas e panfletos, nos quais fazia duras críticas aos reis absolutistas, à alta nobreza e ao clero. Foi um dos principais influenciadores iluministas da Revolução Francesa.

[4]  MAUPERTUIS, PIERRE LOUIS MOREAU DE (1698–1759): matemático e astrônomo francês, membro da Academia de Ciências Francesa (1723) e da Royal Society de Londres (1728). Foi convidado para ser presidente da Real Academia de Ciências da Prússia pelo rei Frederico, O Grande, em 1740, cargo que ocupou entre 1745 e 1753. Persuadido pelo rei, de quem se tornou grande amigo, participou da batalha de Mollwitz em 1741, na Guerra de Sucessão Austríaca (1740-1748). Com a derrota, foi feito prisioneiro pelos austríacos, mas libertado em pouco tempo e voltou a Paris. Responsável por introduzir na França a teoria gravitacional de Newton, escreveu numerosos trabalhos sobre astronomia, filosofia, matemática, física, geografia, cosmologia, biologia, história natural e até música. Envolveu-se em uma grande polêmica acerca de sua teoria do Princípio da Ação Mínima, que foi atribuída ao filósofo e matemático Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716). Foi criticado duramente por Voltaire por ter se apropriado do princípio, tanto que esse criou o personagem Dr. Akakia, satirizando e ridicularizando as relações de Maupertuis com o Rei no panfleto intitulado Histoire du Docteur Akakia et du Natif de St Malo. Frederico II ordenou que queimassem todos os exemplares dos panfletos que o filósofo francês escreveu em praça pública, o que aconteceu em 1752. Durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), que envolveu a França e a Prússia em lados opostos, Maupertuis enfrentou desconfianças de ambos os lados; retirou-se para a Suíça, onde faleceu.

[5] O PATRIOTA: Jornal Literário, Político e Mercantil, que circulou de fevereiro de 1813 a dezembro de 1814. O redator era Manuel Ferreira Araújo Guimarães (1777-1838) e entre seus colaboradores estavam Domingos Borges de Barros (1780-1855), barão e visconde de Pedra Branca; Francisco de Borja Garção Stockler (1759-1846), general do exército português, sócio e secretário da Academia Real das Ciências de Lisboa; Mariano Pereira da Fonseca (1773-1846), Marquês de Maricá e autor das famosas Máximas, Pensamentos e Reflexões e José Bonifácio de Andrada e Silva (1765-1838), o “Patriarca da Independência”. Foi o primeiro jornal brasileiro a publicar, ao mesmo tempo, artigos literários, científicos, políticos e mercantis, tendo um papel precursor na difusão das luzes no império luso-brasileiro. Entre as principais reportagens do jornal estão a primeira publicação de Memória Histórica e Geográfica da Descoberta das Minas, extraída de manuscritos de Cláudio Manuel da Costa; o inquérito promovido pelo Senado da Câmara, junto aos médicos do Rio de Janeiro, sobre as moléstias endêmicas e epidêmicas da cidade, e uma memória escrita por Ricardo Franco sobre a necessidade de uma povoação na cachoeira do Rio Madeira.

 

Sugestões de uso

Eixo temático:
História das relações sociais da cultura e do trabalho
História das representações e relações de poder
 
Temas:
Práticas e costumes coloniais
Costumes no Brasil de d. João VI
O Rio de Janeiro colonial

Fim do conteúdo da página