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Publicado: Terça, 05 de Junho de 2018, 14h41 | Última atualização em Segunda, 11 de Junho de 2018, 12h52

Alvará de 1808 que autoriza as fábricas e manufaturas no Brasil

Cópia do alvará pelo qual d. João revoga o de 5 de janeiro de 1785, que abolia o estabelecimento das manufaturas e indústrias no Brasil e em todos os seus domínios ultramarinos. Desejava com esta medida promover a "riqueza nacional", melhorando consequentemente a agricultura, e fornecendo meios para a subsistência de seus vassalos.

Conjunto documental: Junta do Comércio. Portarias e circulares recebidas
Notação: caixa 419, pct. 01
Datas-limite: 1808-1812
Título do fundo ou coleção: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Código do fundo ou coleção: 7X
Argumento de pesquisa: fábricas
Data do documento: 1º de abril de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

 

Eu o príncipe regente[1] faço saber aos que o presente alvará[2] virem: que desejando promover, e adiantar a riqueza nacional, e sendo um dos mananciais dela as manufaturas[3], e melhoram, e dão mais valor aos gêneros e produtos da agricultura, e das artes, e aumentam a população dando que fazer a muitos braços, e fornecendo meios de subsistência a muitos dos meus vassalos[4], que por falta deles se entregariam aos vícios da ociosidade: e convindo remover todos os obstáculos, que podem inutilizar, e prestar tão vantajosos proveitos: sou servido abolir, e revogar toda e qualquer proibição, que haja a este respeito no Estado do Brasil, e nos meus domínios ultramarinos[5], e ordenar, que daqui em diante seja o país em que habitem, estabelecer todo o gênero de manufaturas, sem excetuar alguma, fazendo os seus trabalhos em pequeno, ou em grande, como entenderem que mais lhes convém, para o que. Hei por bem revogar o alvará de cinco de janeiro de mil setecentos oitenta e cinco[6] e quaisquer leis, ou ordens que o contrário decidam, como se delas fizesse expressa, e individual menção, sem embargo da lei em contrário.
[...]
Dado no Palácio do Rio de Janeiro em o primeiro de abril de mil oitocentos e oito. Príncipe = d. Fernando José de Portugal.[7]

 

[1] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] Proclamações do rei, articuladas geralmente em incisos, tendo, originariamente, natureza de lei de cunho geral, mas que passaram a ter caráter temporário, modificando as disposições constantes em decretos, regulamentações, normas administrativas, processuais e tributárias, dentre outras.

[3] O termo frequentemente é associado à indústria e a fábricas, por vezes, sendo usado indiscriminadamente. Manufatura, mais apropriadamente, seria a incipiente indústria do Brasil colonial. Ao longo desse período, verificou-se uma discreta presença de atividades manufatureiras (de caráter doméstico e artesanal) graças, sobretudo, à repressão operada pela Coroa portuguesa, pois este tipo de prática feria a estrutura do sistema colonial e a lógica mercantilista: onde a colônia exportaria produtos primários e importaria bens manufaturados de sua metrópole. Essa repressão culminou com a assinatura do alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibiu a atividade manufatureira à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, que serviam para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos. Esse setor da indústria colonial não foi afetado, mas não constituía uma atividade relevante do ponto de vista econômico. As manufaturas que se pretendiam combater, as que produzissem gêneros que rivalizassem com os produtos finos ingleses no mercado europeu, praticamente inexistiam na colônia. Somente depois da transferência da Corte e da sede do Império português para o Brasil em 1808, por meio do alvará de 1º de abril do mesmo ano, o príncipe regente revogou a lei de 1785 e, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, concedendo isenção de direitos de importação de matérias-primas e subsídios para a construção das primeiras manufaturas, sobretudo no setor têxtil e de ferro. Ainda assim, boa parte das manufaturas criadas não vingaria, devido, principalmente, a impossibilidade das pequenas fábricas, sem mão de obra especializada e sem uma verdadeira organização fabril, de competir com as importações inglesas, mais baratas e de qualidade muito superior, preferidas pela maioria da população em condições de consumir. Sem capital para investimento em melhorias e sem um mercado consumidor interno, a maior parte delas acabou falindo. Entre as manufaturas que mais se destacaram ao longo do período colonial, podemos citar a construção naval favorecida pela grande oferta de madeiras de boa qualidade proporcionada pela colônia; a produção de têxteis, principalmente dos tecidos grossos de algodão para consumo interno, atividade doméstica e feminina, muito disseminada pelo Brasil (sobretudo em Minas Gerais) e que constituía a fonte de renda para muitos colonos; e atividades artesanais diversas, urbanas e rurais, voltada para a produção de artigos necessários à vida cotidiana, como móveis, cerâmica, instrumentos de ferro, sapatos, ourivesaria, entre outros, exercidas sobretudo por escravos de ganho e libertos. A autorização das manufaturas e sua promoção em todo Império português por d. João, em abril de 1808, faziam parte de toda uma política de cunho liberal defendida por intelectuais como José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Posteriormente, uma série de alvarás que concediam isenções e privilégios, foram assinados, com o objetivo de impulsionar a produção manufatureira no Brasil e nos domínios ultramarinos portugueses.

[4] Súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[5] Ultramar era o termo também utilizado para se referir aos domínios ultramarinos, designava as possessões de além-mar, as terras conquistadas e colonizadas no período da expansão marítima e comercial europeia, ocorrida a partir do século XV. No caso português, as possessões coloniais espalhavam-se pelos continentes africano, americano e asiático, tendo como principais cidades Luanda e Benguela na África, Macau e Malaca na Ásia, e Rio de Janeiro e Salvador na América.

[6] Considerado uma medida de reforço dos laços exclusivistas do mercantilismo, cuja intenção era proibir a colônia de encetar uma produção manufatureira que substituísse parte do comércio obrigatório com a metrópole. A medida visava, especificamente, proteger uma tentativa de crescimento da indústria em Portugal, que por sua vez buscava libertar o Reino da dependência dos tecidos ingleses. O alvará, no entanto, atingiu pouco as manufaturas coloniais, pela isenção que estabelecia dos tecidos grossos de algodão, que constituíam a maior parte da produção da colônia. Poucos teares de boa qualidade foram suprimidos. O texto da lei, contudo, não era explícito quanto aos vínculos coloniais, mas sugeria uma preocupação com o próprio desenvolvimento da colônia. Segundo o texto da lei, a difusão das manufaturas promovia uma expansão no número de “fabricantes” e uma consequente diminuição no de “cultivadores”, e descobridores, que desbravavam, ampliavam, ocupavam, lavravam, e produziam no território, quer cultivando a terra, quer extraindo dela riquezas minerais. Uma decorrência direta seria a diminuição dos produtos que sustentavam o comércio Atlântico entre o Reino e seus domínios. Proibia, então, para evitar a “falta de braços”, as fábricas, manufaturas e teares, de tecidos, galões, bordados de ouro e prata. Proibia a produção de tecidos de seda, linho, lãs e finos de algodão, ou qualquer mistura entre eles, permitindo apenas as fazendas grossas de algodão, usadas para vestimentas de escravos, para produção de sacos para enfardar gêneros e usos afins.

[7] 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

 

Alvará que proíbe as fábricas e manufaturas no Brasil

Alvará de d. Maria I que proíbe o estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil. O principal argumento para a suspensão era que, com o desenvolvimento das fábricas e manufaturas, os colonos deixavam de cultivar e explorar as riquezas da terra, e de fazer prosperar a agricultura nas sesmarias, conforme haviam prometido aqueles que as receberam. Para que a agricultura e a extração de ouro e diamantes não enfraqueçam por "falta de braços", a rainha decide proibir todo tipo de fábrica e manufatura têxtil no Brasil, com exceção daquelas que produzissem tecidos grosseiros que servissem para vestuário dos negros e empacotamento de fazendas e outros gêneros. Caso se desobedecesse ao alvará, o fabricante teria que pagar multa para a justiça e a quem lhe houvesse denunciado.

Conjunto documental: Cartas, provisões e alvarás
Notação: códice 439
Datas-limite: 1750-1786
Título do fundo ou coleção: Junta da Fazenda da província de São Paulo
Código do fundo ou coleção: EG
Argumento de pesquisa: fábricas
Data do documento: 5 de janeiro de 1785
Local: Lisboa
Folha(s): 27 a 28

Leia esse documento na íntegra

 

Eu a rainha[1]. Faço saber aos que este alvará virem: que sendo-me presente o grande número de fábricas, e manufaturas[2], que de alguns anos a esta parte se tem difundido em diferentes capitanias do Brasil, com grave prejuízo da cultura, e da lavoura[3], e da exploração das terras minerais[4] daquele vasto continente; porque havendo nele uma grande e conhecida falta de população, é evidente, que quanto mais se multiplicar o número dos fabricantes, mais diminuirá o dos cultivadores; e menos braços[5] haverá, que se possam empregar no descobrimento, e rompimento de uma grande parte daqueles extensos domínios, que ainda se acha inculta, e desconhecida: nem as sesmarias[6], que formam outra considerável parte dos mesmo domínios, poderão prosperar, nem florescer por falta do benefício da cultura, não obstante ser esta a essencialíssima condição, com que foram dadas aos proprietários delas. E até nas mesmas terras minerais ficará cessando de todo, como já tem consideravelmente diminuído a extração do ouro, e diamantes, tudo procedido da falta de braços, que devendo empregar-se nestes úteis, e vantajosos trabalhos, ao contrário os deixam, e abandonam, ocupando-se em outros totalmente diferentes, como são os das referidas fábricas, e manufaturas: e consistindo a verdadeira, e sólida riqueza nos frutos, e produções da terra, as quais somente se conseguem por meio de colonos, e cultivadores, e não de artistas[7], e fabricantes: e sendo além disto as produções do Brasil as que fazem todo o fundo, e base, não só das permutações mercantis, mas da navegação, e do comércio[8] entre os meus leais vassalos habitantes destes reinos, e daqueles domínios, que devo animar, e sustentar em comum benefício de uns, e outros, removendo na sua origem os obstáculos, que lhe são prejudiciais, e nocivos: em consideração de tudo o referido: hei por bem ordenar, que todas as fábricas, manufaturas, ou teares de galões[9], de tecidos, ou de bordados de ouro, e prata. De veludos, brilhantes, cetins, tafetás, ou de outra qualquer qualidade de seda: de belbutes, chitas, bombazinas, fustões[10], ou de outra qualquer qualidade de fazenda de algodão ou de linho, branca ou de cores: e de panos, baetas, droguetes, saietas[11] ou de outra qualquer qualidade de tecidos de lã; ou dos ditos tecidos sejam fabricados de um só dos referidos gêneros, ou misturados, tecidos uns com os outros; excetuando tão somente aqueles dos ditos teares, e manufaturas, em que se tecem, ou manufaturam fazendas grossas de algodão[12], que servem para o uso, e vestuário dos negros, para enfardar, e empacotar fazendas, e para outros ministérios semelhantes; todas as mais sejam extintas, e abolidas em qualquer parte onde se acharem nos meus domínios do Brasil, debaixo da pena do perdimento, em tresdobro, do valor de cada uma das ditas manufaturas, ou teares, e das fazendas, que nelas, ou neles houver, e que se acharem existentes, dois meses depois da publicação deste; repartindo-se a dita condenação metade a favor do denunciante, se o houver, e a outra metade pelos oficiais, que fizerem a diligência; e não havendo denunciante, tudo pertencerá aos mesmos oficiais.
Pelo que: mando ao presidente, e conselheiros do Conselho Ultramarino[13]; presidente do meu Real Erário[14]; vice-rei do Estado do Brasil[15]; governadores e capitães generais, e mais governadores, e oficiais militares do mesmo Estado; ministros das Relações do Rio de Janeiro[16], e Bahia[17]ouvidores[18]provedores[19], e outros ministros, oficiais de justiça, e fazenda, e mais pessoas do referido Estado, cumpram e guardem, façam inteiramente cumprir, e guardar este meu alvará como nele se contém, sem embargo de quaisquer leis, ou disposições em contrário, as quais hei por derrogadas, para este efeito somente, ficando aliás sempre em seu vigor.
Dado no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda[20], em cinco de janeiro de mil setecentos oitenta e cinco.

Rainha

Martinho de Melo e Castro[21]

Alvará, por que Vossa Majestade é servida proibir no Estado do Brasil todas as fábricas, e manufaturas de ouro, prata, sedas, algodão, linho, e lã, ou os tecidos sejam fabricados de um só dos referidos gêneros, ou da mistura de um com os outros, excetuando tão somente as de fazenda grossa do dito algodão.

Para Vossa Majestade ver.

José Teotônio da Costa Posser o fez.

A folha 59 do livro, em que se lançam os alvarás nesta Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha, e Domínios Ultramarinos[22], fica este registrado. Sítio de Nossa Senhora da Ajuda em 2 de março de 1785.

Francisco Delaage

 

[1] Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[2] O termo frequentemente é associado à indústria e a fábricas, por vezes, sendo usado indiscriminadamente. Manufatura, mais apropriadamente, seria a incipiente indústria do Brasil colonial. Ao longo desse período, verificou-se uma discreta presença de atividades manufatureiras (de caráter doméstico e artesanal) graças, sobretudo, à repressão operada pela Coroa portuguesa, pois este tipo de prática feria a estrutura do sistema colonial e a lógica mercantilista: onde a colônia exportaria produtos primários e importaria bens manufaturados de sua metrópole. Essa repressão culminou com a assinatura do alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibiu a atividade manufatureira à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, que serviam para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos. Esse setor da indústria colonial não foi afetado, mas não constituía uma atividade relevante do ponto de vista econômico. As manufaturas que se pretendiam combater, as que produzissem gêneros que rivalizassem com os produtos finos ingleses no mercado europeu, praticamente inexistiam na colônia. Somente depois da transferência da Corte e da sede do Império português para o Brasil em 1808, por meio do alvará de 1º de abril do mesmo ano, o príncipe regente revogou a lei de 1785 e, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, concedendo isenção de direitos de importação de matérias-primas e subsídios para a construção das primeiras manufaturas, sobretudo no setor têxtil e de ferro. Ainda assim, boa parte das manufaturas criadas não vingaria, devido, principalmente, a impossibilidade das pequenas fábricas, sem mão de obra especializada e sem uma verdadeira organização fabril, de competir com as importações inglesas, mais baratas e de qualidade muito superior, preferidas pela maioria da população em condições de consumir. Sem capital para investimento em melhorias e sem um mercado consumidor interno, a maior parte delas acabou falindo. Entre as manufaturas que mais se destacaram ao longo do período colonial, podemos citar a construção naval favorecida pela grande oferta de madeiras de boa qualidade proporcionada pela colônia; a produção de têxteis, principalmente dos tecidos grossos de algodão para consumo interno, atividade doméstica e feminina, muito disseminada pelo Brasil (sobretudo em Minas Gerais) e que constituía a fonte de renda para muitos colonos; e atividades artesanais diversas, urbanas e rurais, voltada para a produção de artigos necessários à vida cotidiana, como móveis, cerâmica, instrumentos de ferro, sapatos, ourivesaria, entre outros, exercidas sobretudo por escravos de ganho e libertos. A autorização das manufaturas e sua promoção em todo Império português por d. João, em abril de 1808, faziam parte de toda uma política de cunho liberal defendida por intelectuais como José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Posteriormente, uma série de alvarás que concediam isenções e privilégios, foram assinados, com o objetivo de impulsionar a produção manufatureira no Brasil e nos domínios ultramarinos portugueses.

[3] A agricultura surge no início da colonização da América portuguesa para melhor aproveitar as terras descobertas, como uma solução para a necessidade de ocupar, povoar e fazer produzir a colônia, quando se acreditava que as novas terras não eram promissoras em metais preciosos. Inicialmente tentou-se ajustá-las para a produção de gêneros europeus importados por Portugal; com o passar do tempo percebeu-se que alguns produtos não se adaptariam ao terreno e ao o clima, adotando-se o uso de produtos tropicais já cultivados pelos índios, ou outros produtos com grande valor comercial. A cana-de-açúcar foi o primeiro e o mais duradouro destes gêneros produzidos para a exportação. A agricultura colonial era apoiada no trabalho escravo, utilizava grandes áreas territoriais e tendia a se focar na exploração em massa de um gênero: o tripé escravidão, latifúndio e monocultura. No entanto, não se pode limitar o entendimento da lavoura na colônia a estas bases. Era comum a existência de grandes fazendas com lavouras não voltadas para o mercado externo. Como as técnicas de produção eram muito rudimentares (durante todo o período colonial e grande parte do Império), verificando-se a ausência do uso do arado, da adubação e do descanso das terras, grandes extensões de terreno eram necessárias para o plantio, além das necessidades habituais decorrentes do aumento da produção e do comércio. Quanto ao caráter de monocultura, embora se reconheça que as grandes lavouras produziam principalmente um produto para a exportação, sabe-se também que quase todas elas mantinham em seus terrenos, áreas consideráveis dedicadas a gêneros para consumo interno ou para abastecimento. Havia, em paralelo a esta grande plantação, pequenas propriedades produtoras de gêneros para o mercado interno que exerciam um papel complementar, suprindo a colônia. Sustentadas no trabalho familiar e na produção de mais de um gênero, essas lavouras foram responsáveis pela ocupação inicial do interior, o chamado sertão , para onde partiam os lavradores e suas famílias, em busca de solo mais fértil, haja vista que dentro ou nas franjas das grandes propriedades, somente ocupavam terras devolutas ou pobres. Por todo o período colonial, a grande lavoura mais lucrativa foi de cana-de-açúcar, seguida pelo tabaco, valoroso como moeda de troca por escravos na África, e pelo algodão, que ganhou importância depois do século XVIII, quando cresceu a demanda da indústria têxtil inglesa. Durante o período "áureo" da mineração, a agricultura, de forma geral, passou por reformulações: muitos escravos e braços utilizados na terra foram desviados para a extração de minérios; a receita gerada pela lavoura foi suplantada pelos vultosos e rápidos lucros obtidos com o ouro e os diamantes, colocando-a, de certa forma, em segundo lugar nas atenções da Coroa; e a lavoura de abastecimento cresceu em importância. Diversas famílias de agricultores pobres que se dedicavam à pequena lavoura de abastecimento lançaram-se à aventura do ouro, em busca de enriquecimento fácil, e devido à consequente diminuição na produção de alimentos, a fome e a carestia tomaram conta não somente do distrito aurífero, mas de boa parte da colônia. Até mesmo a escravos era possível desenvolver pequenas roças para subsistência e abastecimento, o que parte da historiografia brasileira sobre a colônia considera como a origem da "brecha camponesa", temática bastante debatida a partir dos anos 1960. A partir de meados do século XVIII, no âmbito da política fomentista da administração pombalina, começou-se a investir mais em estudos científicos para a melhoria das técnicas agrícolas, visando o aumento da produtividade e da produção. A agricultura passou a ser vista como uma arte, um exemplo da capacidade do homem interagir com seu ambiente e transformá-lo em seu benefício. E segundo este mesmo pensamento inspirado na fisiocracia, de grande influência no meio ilustrado luso- brasileiro, passou também a ser encarada como a grande fonte de riqueza do Estado, para onde deveriam se voltar todos os esforços, científicos e práticos.

[4] A expressão refere-se às regiões onde foram encontrados minerais preciosos no Brasil colonial (principalmente ouro, ouro branco e diamantes), a saber: as Minas GeraisGoiás e Mato Grosso, principalmente e, em bem menor escala, Bahia São Paulo. A descoberta das primeiras minas de ouro, resultado das expedições empreendidas pelos paulistas ao interior da América portuguesa, deu-se em finais do século XVII, já os diamantes foram encontrados na primeira metade do século XVIII. Os minérios do Brasil, além de boa qualidade, eram de aluvião, ou seja, encontrados nas margens dos rios, o que tornava mais fácil e barata a exploração. Estes fatores explicam a presença de toda sorte de pessoas nas regiões das minas, tanto vindas de outras partes da colônia quanto do reino, atraídas pela possibilidade de explorar o ouro e enriquecer rapidamente – o que não acontecia com tanta frequência tendo em vista a pobreza característica daquela sociedade em formação. A atividade mineradora gerou grandes divisas para a Coroa, muito embora os lucros tão fartos não tenham durado muito – o ouro de aluvião, apesar de fácil e barata extração, se esgotava com rapidez. O auge da mineração no Brasil deu-se em meados do século XVIII; já em 1780 os rendimentos se encontravam em queda. A exploração aurífera permitiu o início da ocupação do interior da colônia: cidades e vilas surgiram em torno dos ribeiros e lavras; estradas foram abertas; verificou-se um grande fluxo migratório para os “sertões” – o que representou uma variação no eixo produtivos centrado nos litorais e tornou a região das Minas Gerais a mais densamente povoada do Brasil. Criou-se, ainda que pequena, uma possível mobilidade social, praticamente inexistente em outros lugares da colônia. A região das minas, apesar de ter sofrido graves crises de fome, da eterna carestia dos gêneros, e de ter gerado uma falta de braços para o trabalho em outras regiões produtoras da colônia, auxiliou no desenvolvimento de outras áreas especializadas no abastecimento interno, sobretudo de gêneros agrícolas e gado. Surgiu um núcleo de produção urbano que beneficiou uma série de atividades ligadas ao transporte, ao comércio, aos serviços e ao artesanato. Além da formação de uma nova composição social, a coroa portuguesa precisou desenvolver um sistema de fiscalização para supervisionar a produção aurífera e coletar a parte devida ao governo. Ainda em 1603, foi criado o Regimento das Terras Minerais do Brasil, que buscava organizar a procura e a extração de metais preciosos na colônia. A legislação assegurava sempre à Coroa a propriedade das terras lavradas, aos descobridores era dada a concessão para explorar as datas (lotes de terras). Previa também, a instalação de casas de fundição, destinadas a fundir todo metal extraído das minas, e a criação do cargo de provedor, responsável por estabelecer e fiscalizar a exploração aurífera, evitando o contrabando, e por administrar as casas de fundição. As descobertas de grandes jazidas nas últimas décadas dos Setecentos provocou alterações na administração das terras minerais. O regimento de 1603 foi substituído, em 1702, pelo Regimento do Superintendente Guarda Mores e Oficiais para as Minas de Ouro, que alterou a denominação da Provedoria para Superintendência das Minas, vinculada diretamente à Lisboa, além de ter sob sua alçada toda a jurisdição ordinária, cível e criminal, dentro dos limites das minas. Com o aumento da produção aurífera, em meados do século XVIII, seguiram-se novas mudanças administrativas com a criação das Intendências do Ouro. [Ver Intendente das Minas] A exploração das terras minerais provocou o deslocamento do eixo político econômico para o centro-sul da América portuguesa, o que resultou na transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763, porta de acesso à região das Minas Gerais.

[5] Em finais dos setecentos, lavoura e mineração dividiam os “braços” – mão de obra –, principalmente dos escravos africanos que ainda não entravam no Brasil na mesma quantidade dos milhares que seriam traficados na primeira metade do século XIX. Tal escassez aumentava os custos da produção agrícola, já que seria necessária a compra de mais escravos para suprir os engenhos e lavouras. O programa ilustrado português impulsionou o uso de novos métodos e instrumentos que possibilitassem o aumento da produtividade no campo e a liberação dos “braços” para outras atividades nas quais eram indispensáveis. D. Rodrigo de Souza Coutinho, então secretário da Marinha e Ultramar, foi grande incentivador do uso de novas técnicas para o aumento da produção de alguns produtos, como o algodão, o café (já neste período) e, principalmente, o açúcar – alvo de competição com o produto das Antilhas, produzido de acordo com as novas tecnologias de produção agrícola e manufatureira. Embora possa parecer contraditório, em benefício do aumento da riqueza do Império, recomendava-se o aperfeiçoamento das lavouras coloniais e o emprego de manufaturas e máquinas, que possibilitariam o uso dos “braços” “em outras coisas igualmente interessantes”.

[6] A lei de sesmarias foi criada em 1375, no reinado de d. Fernando, com a finalidade de pôr em produção todas as terras férteis do reino, visando diminuir a importação de grãos. Todas as terras selvagens ou já demarcadas que não estivessem em uso poderiam ser convertidas em sesmarias e, caso o recebedor não as cultivasse dentro de um certo período, perderia a concessão. D. João III foi o responsável pela implantação do sistema no Brasil, encarregando, a princípio, os donatários a concedê-las, por meio de forais, aos colonos, que pagariam apenas o dízimo para a Ordem de Cristo. Com a criação do Governo Geral e a edição do regimento de Tomé de Souza em 1548, os governadores das capitanias passaram a conceder os benefícios e, uma vez investido da carta, o sesmeiro teria totais poderes sobre a terra, inclusive arrendá-la, desde que a explorasse e nela produzisse. Até o século XVII não havia limites precisos para as terras, variando quase sempre entre uma e cinco léguas. O marquês de Pombal, primeiro ministro de d. José I, fixou regras mais específicas para a concessão, limitando a uma a quantidade de sesmarias que poderiam ser dadas a um colono, salvo exceções estabelecidas pelo próprio rei. A intenção da Coroa ao confiar as terras aos sesmeiros era ocupar o território da colônia, fazê-lo produzir, arrecadar impostos sobre a produção e demarcar (e alargar) as fronteiras. Por esta razão, sempre que havia alguma contenda, a Coroa tendia a favorecer o arrendatário, o produtor, em detrimento do proprietário da terra.

[7] O sentido atribuído às artes, no início do século XIX, estava relacionado, principalmente, às artes mecânicas, que incluíam atividades que iam das artes manuais (confecção de objetos, inclusive decorativos, “artísticos” no sentido que atribuímos hoje) às ciências da natureza. Pode-se afirmar que a noção de “ofícios mecânicos” estava ligada à ideia das “artes úteis”, que permitiam uma aplicação concreta em campos como a agricultura, a indústria, o comércio, a engenharia, as ciências naturais, a tipografia, ou seja, na produção de bens que auxiliassem a produção de riqueza para o Reino. As artes mecânicas incluíam a ourivesaria, marcenaria, concepção e construção de inventos e máquinas destinadas a melhorar a produção de bens. Tidos como propulsores das atividades econômicas, os ofícios mecânicos foram considerados mais relevantes, úteis, do que as “belas artes”. Por longo tempo as estruturas corporativas, representantes das artes mecânicas, foram um empecilho às artes plásticas, cuja liberação passa pela criação de academias e salões e pelo mecenato de Estado, como se pode ver pelos anseios manifestados na fundação da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios. Tratava-se de um processo, que na Europa data do Renascimento, de separação de pintores, escultores, músicos, poetas e outros daqueles profissionais artesãos e da compreensão de que, mais que a produção do Belo, se tratava de uma atividade humana por excelência, expressando ideais, princípios morais ou cívicos, liberdade e poder criativo.

[8] O controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie as falhas e brechas no sistema.  Considerado um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Durante a chamada Viradeira – período que se iniciou em 1777 com a nomeação de novos Secretários de Estado, em substituição do marquês de Pombal, por d. Maria I – empreendeu-se uma tentativa de controlar o contrabando e estreitar os laços comerciais intercoloniais, reservando à colônia seu papel de produtora de gêneros agrícolas e de consumidora de manufaturados, visando a controlar a erosão do sistema colonial, que já apresentava sinais de crise. Essa estrutura seria invertida com a chegada da corte joanina em 1808 e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, na prática, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura dos Tratados de 1810. Em 19 de fevereiro desse ano, dois importantes tratados foram firmados entre Portugal e Inglaterra: o Tratado de Comércio e Navegação e o Tratado de Aliança e Amizade, que regulamentavam as relações comerciais entre as duas nações, como consequência da nova situação política e econômica resultante abertura dos portos brasileiros. A justificativa dos tratados expressava principalmente o desejo das nações em estreitar os laços de amizade e ampliar os benefícios de seus vassalos por meio de um novo sistema de livre comércio entre os envolvidos, incluindo seus domínios, e no caso português, a nova sede do Império português, o Brasil. Foram acertados, entre outros pontos, assuntos relativos ao comércio entre os países envolvidos, como no artigo VIII, que abolia monopólios que pudessem restringir o comércio entre Portugal e Inglaterra (e seus respectivos domínios), embora fossem mantidos os estancos a certos produtos, como os tecidos de lã ingleses, os vinhos portugueses e o pau-brasil. O artigo principal (XV), que regulava as novas tarifas alfandegárias, estabelecia que todos os gêneros ingleses – à exceção dos estancados – deveriam ser admitidos sem limitações nos domínios portugueses, pagando direitos de 15%. O acordo firmado revela o precário equilíbrio de forças e as dependentes relações de Portugal em relação à Inglaterra, resultando em uma concessão que favorecia diretamente os produtos ingleses em detrimento dos próprios gêneros portugueses, que pagariam 16% de impostos, desigualdade corrigida quase um ano depois, e dos estrangeiros de outras nações amigas, taxados em 24%. Este tratado resultou, praticamente, em um domínio inglês no mercado do Brasil, uma vez que se tornava bastante difícil para as outras nações competir com os preços, a variedade e a qualidade dos produtos oriundos da Inglaterra e suas colônias. Provocou profundo mal-estar e insatisfação entre os produtores e negociantes portugueses, uma vez que se sentiam lesados no comércio colonial, anteriormente, controlado com exclusividade. Também desagradou aos ingleses, desejosos de mais benefícios e privilégios em troca de terem ajudado na transmigração da Corte e na manutenção da integridade do Império português. Os acordos referiam-se, ainda, as concessões previstas no Tratado de 1654 como a liberdade de culto aos súditos ingleses e o direito de julgamento por juízes ingleses segundo leis inglesas, caso algum súdito britânico cometesse delito nos domínios da Coroa portuguesa. O artigo X do Tratado tratava, ainda, sobre a gradual extinção do tráfico de escravos africanos e sua limitação às possessões portuguesas. Tal resolução suscitou inúmeras acusações de arbitrariedade, pois, segundo comerciantes portugueses, se foi elevado o número de embarcações apreendidas sob alegação de tráfico ilegal, também foi grande o número de traficantes que alegavam comerciar apenas nas possessões portuguesas, onde o governo britânico não deveria atuar. Em termos práticos, a medida mostrou-se ineficaz, a abolição do comércio de escravos só seria efetivada quatro décadas mais tarde.

[9] Tiras entrelaçadas de algodão ou linho, por vezes bordadas em tear ou trançadas com fios dourados, para enfeite de roupas, ou aplicadas às fardas e bonés como distintivo para indicar a categoria de militares ou funcionários.

[10] Os tecidos eram artigos muito valorizados no período colonial, já que eram importados via Portugal e comercializados a preços altos por mercadores que os traziam de navio ao Brasil, o que atribuía um elemento a mais às roupas que são representações de costumes, tradição e condição social. Cada grupo usava as roupas que lhe eram próprias e os códigos do vestuário incumbiam de conferir aos grupos seus privilégios ou deveres. A bombazina era um tecido de veludo de seda ou algodão com sulcos muito profundos na camada de uso no sentido da teia e apresentava muita resistência ao uso, servindo para vestuário de homem, senhora ou decoração. Belbute, ou belbutine, era uma espécie de tecido de algodão aveludado, usado em vestidos, camisas, forros de coletes ou roupas de baixo, algumas vezes como ornamento, outras como tecido para uma roupa completa. O fustão consiste num pano que tem o avesso liso e o lado direito em relevo, formando desenhos. A chita, originária da Índia e importada pela Companhia da Índias Orientais, junto as especiarias, como cravo, canela e pimenta, foi bastante apreciada por conta da qualidade da fixação da estampa no tecido. No inventário do inconfidente José Ayres Gomes, de 1791, constava, entre outros itens do vestuário, casaca de chita amarela, veste de belbute branco e outra de fustão branco.

[11] Tecido felpudo de lã de qualidade inferior, a baeta era usada na fabricação de roupas masculinas e femininas. Era comum as mulheres, durante o período colonial no Brasil, sobretudo nos séculos XVI e XVII, cobrirem a cabeça e parte do rosto com a mantilha (rebuço ou embuço) feitos com baeta. Este costume, de influência árabe, perdurou até o século XIX em São Paulo, sendo esse o tecido mais utilizado na capitania pela classe abastada. Posteriormente, passou também a fazer parte do vestuário das camadas mais pobres, incluindo os escravos. Desde meados do século XVIII, diversas leis proibiram o uso das mantilhas de baeta, que eram supostamente usadas por assassinos e ladrões para encobrirem seus crimes. Apesar disso, as mulheres continuaram a trajá-las, principalmente para esconder as marcas de varíola e a pobreza, apesar da ordem régia de d. João, de 30 de agosto de 1810, que determinou sua interdição proibindo “solenemente o andarem as mulheres nessa cidade embuçadas em baetas”. Seu uso só começou a cair no final do Império. O droguete era também um tecido de lã, todavia usado para estofamento. Já a saieta, fazenda do mesmo material, era próprio para forro de roupas.

[12] As fazendas grossas de algodão referem-se aos tecidos de algodão grosseiros e sem cor, utilizados por escravos, índios e por parte da população pobre branca, na fabricação de vestimentas. Eram usados também para a fabricação de sacos para enfardar a produção. Esse tipo de fazenda era produzida pela manufatura têxtil doméstica, principalmente em teares caseiros, a cargo de mulheres e crianças para auxiliar na subsistência das famílias mais pobres. À época do alvará de 1785, que proibia o estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil, mas que excluía a confecção de tecidos grosseiros de algodão, essa era a atividade que predominava na colônia, principalmente na região das minas gerais, e pouco foi afetada pela interdição. Nos decênios finais do século XVIII, o Maranhão fornecia estes tecidos maciçamente para o Pará e Minas Gerais fornecia panos grossos para o resto do Estado do Brasil, inclusive para a região do Prata (Argentina e Uruguai). O pano de algodão foi ainda uma moeda-mercadoria, utilizada na colônia para transações comerciais.

[13] Criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contrainformes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

[14] Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[15] Uma das antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Criados em 1621, ainda sob o reinado de Filipe III da Espanha (durante a União Ibérica), vigoraram até meados do século XVIII, quando a governação pombalina promoveu a centralização administrativa da colônia. O Estado do Brasil compreendia capitanias de particulares e capitanias reais (incorporadas à Coroa por abandono, compra ou confisco), e um conjunto de órgãos da administração colonial, semiburocrático que passa a se tornar mais profissional depois da segunda metade do século XVIII, com competências fazendária, civil, militar, eclesiástica, judiciária e política. O Estado do Maranhão existiu com esta denominação entre 1621 e 1652, e 1654 e 1772, e foi criado para suprir as dificuldades de comunicação com a sede do Estado do Brasil, a cidade de Salvador, aproveitando sua proximidade geográfica com Lisboa, e diminuir as ameaças de ataque estrangeiro à foz do rio Amazonas. Em 1772 o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas: Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam o Brasil como um todo e não percebiam unidade na colônia. Apesar de "Brasil" ser, nos dias de hoje, corriqueiramente usado para denominar as colônias portuguesas na América, durante o período colonial, o termo referia-se somente às capitanias que faziam parte do Estado do Brasil, onde ficava o governo-geral das colônias, primeiro na cidade da Bahia e depois no Rio de Janeiro. As capitanias que compunham o Estado do Brasil, depois da separação do Maranhão e suas subalternas, eram do sul para o norte: capitania de Santana, de São Vicente, de Santo Amaro, de São Tomé, do Espírito Santo, de Porto Seguro, de Ilhéus, da Baía de Todos os Santos, de Pernambuco, de Itamaracá, do Rio Grande e do Ceará. No início do século XIX, o Brasil, já sem as divisões de Estado internas, era formado pelas seguintes capitanias: São José do Rio Negro, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, GoiásMato GrossoMinas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São PauloSanta Catarina e São Pedro do Rio Grande. Em 1821, quase todas as capitanias se tornaram províncias e algumas capitanias foram agregadas em só território, deixaram de existir ou foram renomeadas. A partir daí, tivemos as províncias do Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Cisplatina.

[16] Criado em 1752, o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro representou uma solução para as queixas das câmaras municipais da região sudeste – que já superava a região do norte-nordeste em importância – em relação à distância que se encontravam do tribunal mais alto da colônia, até então a Relação da Bahia. A atuação da Relação do Rio de Janeiro ia da capitania do Espírito Santo até a colônia do Sacramento. Sua fundação expressava claramente a preponderância crescente das porções mais ao sul do continente, com o crescimento da extração de ouro e os conflitos de fronteira no extremo sul. Era composta pelo chancelerouvidor-geral do Crime (que serviu de intendente de polícia do Rio de Janeiro, até a criação da Intendência de Polícia da Corte em 1808), agravistas, juiz e procurador da Coroa e Fazenda, intendente geral do ouro, entre escrivães e funcionários. Foi elevada, por alvará de 10 de maio de 1808, a Casa de Suplicação do Brasil.

[17] Também conhecido como Tribunal da Relação do Brasil (até a criação da Relação do Rio de Janeiro em 1751), foi o primeiro tribunal de 2ª instância no Brasil, somando-se às Relações do Porto e de Goa, além da Casa de Suplicação de Lisboa, como as principais instituições judiciais superiores do império português. Apesar de criado efetivamente em 1609, desde 1588 já se pretendia instalar uma corte de apelação nos territórios americanos, quando se redigiu o primeiro regimento da instituição, que foi a base do regulamento de 1609, dentro do plano de modernização e legalização da burocracia estatal empreendido por Felipe II para todo o império luso-espanhol. A princípio funcionou por menos de vinte anos, até 1826, sendo reestabelecido em 1652, tendo encerrado suas atividades aparentemente durante o período em que tanto a Bahia quanto Pernambuco foram invadidos e comandados pelos holandeses. A principal atribuição da Relação consistia em julgar a 2ª instância, já que todos os recursos de casos no Brasil eram encaminhados para Lisboa, o que era demorado e custoso, a fim de melhorar e acelerar a justiça entre os colonos, além de contribuir para a centralização, pelo governo metropolitano, da burocracia e aparelho judicial colonial. Era também uma forma de a Coroa tomar conta mais amiúde da colônia, diminuindo os poderes dos donatários. Órgão colegiado, na segunda fase, o Tribunal contava com oito desembargadores, entre eles um chanceler, um ouvidor-geral e um procurador da Coroa, além de oficiais, e o presidente seria o vice-rei geral do Brasil, e estava subordinado diretamente à Casa de Suplicação de Lisboa, que serviu de modelo para sua organização. A seleção desse conjunto de letrados formados e treinados para a função foi uma tarefa difícil para a Coroa, que precisava confiar nesses membros para representa-la e ao mesmo tempo torna-los distintos e respeitáveis pela população muito avessa a obedecer às leis e à ordem, além da pequena elite colonial, que já dera sinais de insatisfação com a presença da justiça da metrópole passando por cima da local. A maior parte das ações que chegavam a Relação eram processos criminais (crimes passionais e de sedução, além de assassinatos pelos mais diversos motivos), disputas sucessórias, disputas cíveis (como brigas por terras e propriedades, contestações de contratos de dízimos, repressão ao contrabando, e ao comércio ilegal de pau-brasil), além de questões de tesouro (como fraudes e evasão fiscal). Os casos tratados prioritariamente eram os que envolviam diretamente a Coroa e a Casa Real. Desse modo, pode-se dizer que o Tribunal da Relação do Brasil (ou da Bahia) exerceu não somente funções judiciais (atuando ainda como juízes itinerantes pelas capitanias e responsáveis por investigações especiais), mas também funções administrativas, informando e aconselhando o rei sobre os acontecimentos e negócios da colônia, conduzindo devassas e administrando, por exemplo, missões especiais como a coleta de 1 % de impostos sobre as vendas para a construção de igrejas ou obras pias.

[18] O cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

[19] O provedor era imbuído de especiais funções quanto à vigilância e observância dos estatutos gerais e públicos de uma instituição, à obediência aos decretos, alvarás, avisos e resoluções. No Brasil o cargo foi criado em 1548, por ocasião da instalação do governo-geral, tendo por objetivo cuidar dos assuntos relativos à administração fazendária. Existiram várias categorias de provedores, todos subordinados ao provedor-mor (mais alta instância administrativa, responsável pela arrecadação, contabilidade, fiscalização e convocação dos oficiais da Fazenda) e que atuaram em instâncias diferenciadas, entre as quais se podem mencionar a Alfândega, a Justiça, a Casa da Moeda, as Minas, Defuntos e Ausentes, entre outras. Nomeados pelo rei ou pelo governador-geral, os provedores eram responsáveis por acompanhar e administrar as rendas e direitos régios arrecadados, fiscalizar e registrar a movimentação comercial, cobrar os direitos, punir as irregularidades cometidas pelos oficiais de Fazenda, entre outras funções. Prestavam contas ao provedor-mor, inicialmente, e depois ao Conselho da Fazenda.

[20] Foi construído em Lisboa, no século XVIII, em função da destruição do Paço da Ribeira, então sede do governo, causada pelo terremoto de 1755, durante o reinado de d. José I. O Palácio da Ajuda foi edificado em madeira para melhor resistir aos abalos sísmicos e serviu residência oficial da monarquia portuguesa durante cerca de três décadas. Durante seu governo, marquês de Pombal mandou construir à volta do palácio o primeiro jardim botânico de Portugal. Em 1794, um incêndio destruiu por completo a habitação real e outro palácio em pedra e cal foi projetado. A construção do novo palácio se estendeu por mais de sessenta anos, durante os quais o palácio ora serviu de residência real (quando monarcas escolhiam alas já habitáveis do palácio como moradia), ora assumia plano secundário. As obras na estrutura do edifício foram concluídas em 1861, durante o reinado de d. Luís I.

[21] Nascido em Lisboa, foi secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1770 até sua morte. Estudou latinidade, filosofia e teologia na Universidade de Évora, além de direito canônico, em Coimbra, onde se formou bacharel em 1744. Diplomata, iniciou seus trabalhos em 1751, como embaixador em Haia, Holanda, e atuou de forma decisiva na solução de questões conflituosas entre Portugal e Inglaterra, decorrentes da Guerra dos Sete Anos, o que levou à sua nomeação para a Secretaria de Estado. Durante sua gestão como secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, desempenhou papel central no planejamento e execução das viagens e expedições filosóficas às colônias portuguesas. Melo e Castro foi o principal agente da Coroa envolvido no planejamento das viagens e na interlocução com os naturalistas e administradores locais, com vistas à solução de problemas no decurso das expedições. O secretário foi, ainda, diretor do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda e destinatário das remessas de produtos naturais provenientes das viagens, encaminhados aos museus de História Natural em Lisboa e Coimbra para sistematização, análise e classificação. Demonstrou habilidade na administração pública, muito embora seus escritos apontem que não foi um grande político ou teórico, não reconhecendo o início da crise do sistema colonial durante sua governação. Foi sob sua gestão que ocorreu a Conjuração Mineira (1789), tendo partido de Melo e Castro a ordem para que o governador da capitania de Minas GeraisLuis Antonio Furtado de Castro, visconde de Barbacena, promovesse a devassa dos envolvidos.

[22] Em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.

 

Decreto de criação da Fábrica de Pólvora da Lagoa

Decreto no qual o príncipe regente, d. João, informado da "grave e urgente necessidade" de construir uma fábrica de pólvora no Brasil, assim como outro empreendimento para fundição e perfuração das peças de artilharia, gêneros necessários para a defesa do Estado, ordena que o Conselho da Fazenda avalie e compre o "engenho e terras denominadas Lagoa de Rodrigo de Freitas", local ideal para a construção das fábricas, pois dispunha de abundante espaço físico e água necessários para as instalações.

Conjunto documental: Real Erário. Avisos e portarias
Notação: códice 57, vol. 01
Datas-limite: 1808-1809
Título do fundo ou coleção: Real Erário
Código do fundo ou coleção: 7W
Argumento de pesquisa: fábricas
Data do documento: 13 de junho de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 183 e 184

 

Tendo-me presente a grave, e urgente necessidade que há de erigir sem perda de tempo uma fábrica de pólvora[1], onde se manufature este tão necessário gênero para a defesa dos meus Estados[2], e igualmente para o mesmo fim outra fábrica para a fundição, forneação, e perfuração das peças de artilharia, o que tudo exige não só um local espaçoso, mas inda abundância de águas para o movimento das diferentes máquinas, por cujo meio se hão de executar todas as necessárias operações; e constando-me outrossim, que o engenho, e terras denominadas da Lagoa de Rodrigo de Freitas[3], seja o lugar mais próprio para estes grandes estabelecimentos: sou servido ordenar, que pelo Conselho da Fazenda[4] se proceda logo a incorporar nos próprios[5] da minha real Coroa, e a escrever nos livros deles o sobredito engenho, e terras da Lagoa de Rodrigo de Freitas procedendo-se primeiro a competente avaliação, cujo valor com o aumento estabelecido pelas minhas leis, que mando sempre dar àqueles, cujos bens se tomam para o serviço público, será pago pelo meu Erário Régio[6], logo que seu dono, ou quem por eles se achar legitimamente autorizado assim o requerer, e mostrar que nada obsta a que se lhe faça a mesma entrega, ordeno outrossim não havendo embaraço legal, que até a época em que possa ser embolsado, se lhe pague sempre o mesmo que atualmente percebe do arrendamento que tem feito; o que também se continuará se a sobredita fazenda for vínculo, até que possa mostrar a compra de outra do mesmo valor, que possa sub-rogar-se a esta, que ora mando tomar para o meu real serviço, e público; dando todas estas providências a fim de que o legítimo proprietário, ou administrador não sofra dano em seu haver, e dispensando, para o preciso efeito destas minhas reais ordens, em todas, e quais leis, que possa haver em contrário, como se das mesmas aqui fizesse expressa menção. O presidente do meu Real Erário, e do Conselho da Fazenda assim o tenha entendido, e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de junho de 1808. = Com a rubrica do príncipe regente nosso senhor. = Cumpra-se, e registre-se. Rio de Janeiro 28 de junho de 1808. = Com a rubrica do excelentíssimo presidente do Real Erário.

 

[1] Conhecida como a arma do diabo no período colonial, foi a principal munição de combate a partir do século XIV, dando novas dimensões à guerra, ao permitir a criação das armas de fogo. Embora tenha sido inventada pelos chineses, chegou ao Ocidente com os árabes. Resultado da mistura inflamável e explosiva de salitre, enxofre e carvão, com que se carregam os cartuchos das armas de fogo, a pólvora teve grande importância estratégica para Portugal, tendo sido largamente usada na conquista e defesa de territórios no ultramar, sobretudo na América e nas guerras do país. No século XVIII, após um aperfeiçoamento na produção e mistura desses componentes, produziram-se várias espécies de pólvora, com diferentes poderes de destruição. Durante o período colonial, toda a produção e o comércio eram monopólio da Coroa, sendo o Estado da Índia o principal fornecedor de salitre e outras matérias-primas, até o declínio do comércio indo-europeu. Em virtude das dificuldades encontradas, a Coroa incentivou a busca de minas de salitre na África e no Brasil, tendo sido descobertas no interior da Bahia e das Minas Gerais. O consumo de pólvora nos domínios ultramarinos, sobretudo no Brasil, era muito grande, tanto pelo governo, que a utilizava largamente na defesa do território, quanto pelos particulares, para a defesa da propriedade. Isto justifica o interesse da Coroa em manter o monopólio de um produto tão lucrativo e útil. As novas minas descobertas no Brasil deveriam ser exploradas somente pela Coroa, o que não aconteceu. Alguns particulares, atraídos pelos lucros da extração e comércio do salitre e da pólvora, iniciaram manufaturas e, mesmo tendo sido duramente reprimidos e perseguidos pela Coroa, numerosas foram as fábricas clandestinas que existiam no interior de Minas Gerais. O salitre de Minas Gerais era de boa qualidade e em quantidade suficiente para fornecer a produção em Vila Rica e no Rio de Janeiro, além de ser exportado. Este setor produtivo acabou por entrar na pauta dos estudos das universidades e academias científicas portuguesas, gerando pesquisas e a redação de memórias sobre a mineralogia que procuravam novas técnicas de extração e exploração econômica. A Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas foi criada em 1808 pelo príncipe d. João, visando produzir o suficiente para suprir o mercado interno do Brasil. O feito só foi possível com a revogação, assinada por d. João em 1o de abril de 1808, do alvará de 5 de janeiro de 1785, no qual d. Maria I proibira o estabelecimento de manufaturas no Brasil. A direção técnica e científica foi dada a Carlos Antônio Napion, que havia tido o mesmo cargo em Portugal e tinha grande experiência no setor. O decreto de 1808 que criou a Real Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas deu origem também ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que só foi mencionado explicitamente na legislação em 1811. A localização da fábrica próxima à lagoa deveu-se à abundância de água e ao desnível do terreno, vantajoso para movimentação das máquinas de produção de pólvora, bem como à distância em relação ao centro da cidade. A reorganização das forças militares na América portuguesa, irrompida com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, trouxe a necessidade de dotar a sede do governo luso-brasileiro de infraestrutura bélica, incluindo a construção da fábrica de pólvora.

[2] Os Estados da América, em princípios do século XIX, compreendiam as seguintes capitanias gerais e subalternas: BahiaRio de JaneiroPernambucoMinas GeraisSão PauloParáMaranhãoGoiásMato Grosso, Ceará, São José do Rio NegroPiauí, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Espírito SantoSanta Catarina e São Pedro do Rio Grande. Estas capitanias estavam sob a administração central da Coroa, com o nome de Estado do Brasil, mas os Estados da América também se referem às antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão.

[3] Localizada na atual zona sul da cidade do Rio de Janeiro, a lagoa Rodrigo de Freitas, no início da colonização, era conhecida como Sacopenapã, que significa "Lagoa do Sacó" (uma ave que se alimenta, preferencialmente, de peixes mortos). A região da lagoa, primeiramente ocupada pelos indígenas Tamoio foi conquistada pelos portugueses durante o governo de Antônio de Salema (1576-1577). Após a conquista, suas terras foram vendidas e transformadas em um engenho de cana-de-açúcar por volta de 1575, denominado Engenho Del Rei, que teve entre seus donos, no início do século XVIII, Rodrigo de Freitas. Também ali foi erguida, no início do século XVII, a capela de Nossa Senhora da Cabeça. Sob sua administração, foram comprados e instalados novos engenhos nos arredores, sendo estas terras batizadas com o seu nome. Depois de sua morte, a lagoa e o seu entorno ficaram praticamente abandonados, até que, em princípios do século XIX, o príncipe regente d. João desapropriou o engenho da lagoa que passou a ser a Fazenda Nacional da Lagoa Rodrigo de Freitas e construiu no local a Real Fábrica de Pólvora, fundando na mesma localidade um jardim para aclimatação de plantas exóticas, o Real Horto Botânico, área do atual Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

[4] Órgão da administração pública responsável por arrecadar, distribuir e fiscalizar os bens do Estado, a Fazenda tinha como principal meta controlar as atividades mercantis e a consequente transferência das rendas arrecadadas para a elite lusitana. Para tanto, suas diretrizes pautavam-se essencialmente na tributação necessária para a manutenção desse sistema. Sob a incumbência da Fazenda estavam a cobrança de impostos e o pagamento de todos os gastos do Estado, além da aplicação das penas em caso de sonegação fiscal. A gestão de muitas destas funções recaía sobre os conselheiros da Fazenda, que possuíam competências regimentais para despachos ordinários, e preparavam através de consultas, a decisão régia em matérias de despacho extraordinário. A Fazenda foi estendida ao Brasil a partir da montagem de um aparelho local, subordinado ao metropolitano, e responsável pelas funções de arrecadação tributária sobre as atividades econômicas coloniais, zelando sempre pelos interesses portugueses. Sua finalidade era agregar num único centro o controle do recolhimento das receitas e das despesas da Coroa, evitando a fraude e a acumulação de dívidas. Dividia-se em quatro seções: a primeira cuidava do Reino, a segunda, do Brasil, Índia, Mina, Guiné, São Tomé e Cabo-verde, a terceira, das Ordens Militares, da Madeira e Açores, a quarta, da África. Cabia-lhe também o financiamento, preparo e recepção das frotas das Índias Orientais e do Brasil.

[5] Rendas obtidas com o patrimônio real, incorporadas à Real Fazenda [Real Erário], como por exemplo: rendas obtidas pelo arrendamento de terras reais; pelo uso de fornos e estalagens que eram monopólios da Coroa; pela exploração das coutadas – bosques de caça, de onde se retiravam madeiras para a construção de navios e frutos das árvores; casas aforadas, entre outros. Produziam relativamente pequenos lucros para o Estado, a serem utilizados com a família real. Os “próprios” remetem a direitos antigos dos suseranos em relação a seus vassalos e servos, que pagavam foros para se utilizarem das terras, bosques, casas e fornos do senhor feudal.

[6] Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

 

Pedido de isenção para máquinas de descascar café

Resposta ao requerimento de Luiz Lecesne, no qual pede a isenção de direitos das três máquinas de descascar e limpar o café que mandou vir da França, pois estas beneficiariam muito a agricultura nacional, uma vez que cada máquina economizaria o trabalho de seis pessoas. O parecer do desembargador juiz da Alfândega e do Conselho Fiscal ao príncipe regente foi favorável, para o bem da agricultura brasileira que se encontrava ainda na "infância". As máquinas deveriam ser liberadas da Alfândega livres de qualquer direito, pois o pouco que a Coroa deixaria de arrecadar com tais direitos, ganharia muito mais, depois, com o aumento da produção.

Conjunto documental: Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Consultas.
Notação: códice 45, vol. 02
Datas-limite: 1820-1827
Título do fundo ou coleção: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Código do fundo ou coleção: 7X
Argumento de pesquisa: manufaturas, máquinas
Data do documento: 24 de novembro de 1821
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 79 e 79v

 

Sobre o requerimento de Luiz Lecesne[1], em que pede a isenção de direitos[2] das três máquinas para a mais pronta e perfeita cultura do café[3], que por sua conta mandou vir de França.
Parece ao Tribunal[4] sem embargo da informação do desembargador juiz da Alfândega[5], e da resposta do conselheiro fiscal, que Vossa Alteza Real a de dignar de anuir a pretensão do suplicante, mandando que lhe sejam entregues livres de direitos as três máquinas de descascar, e alimpar o grão do café, que mandou vir de França, e que se acham nesta Alfândega. Em um país aonde a cultura das suas mais preciosas produções, estão ainda tanto na infância a introdução de todos e quaisquer inventos, que tenderem a melhorar a sua agricultura[6], e indústria[7] devem sic ser assinada com todos os possíveis favores, pois que as decididas vantagens, que delas podem resultar em pública utilidade compensam super abundantemente a Fazenda Nacional[8] do pequeno prejuízo, que sofre pela falta do pagamento dos respectivos direitos.
A qualidade só de que cada uma das três máquinas em questão economiza o trabalho de seis pessoas, como informa o dito marquês[9], basta para as fazer recomendáveis em um país aonde a mão de obra é tão cara por falta de braços, e para ser o seu introdutor e digno da graça que pede da isenção de direitos.
Vossa Alteza Real mandará o que for mais justo. Rio de Janeiro em 24 de novembro de 1821.
Sua Alteza Real. Como parece. Paço em 28 de novembro de 1821, Francisco José Vieira.

 

[1] Médico francês, considerado um dos pioneiros da introdução do café no Brasil em no começo do século XIX. Iniciou suas atividades como cafeicultor em São Domingos (Haiti), ainda no século XVIII, onde teve duas grandes fazendas de café, que o levaram ao enriquecimento e à aprendizagem de técnicas modernas de cultivo da planta. Depois de fugir da Revolução dos escravos do Haiti em 1791, continuou a plantar café, desta vez em Havana (Cuba), mas, em 1801, foi forçado a deixar a ilha depois que a França invadiu a Espanha, no âmbito das guerras napoleônicas. Viveu um tempo nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e, novamente, em Cuba, e chegou ao Rio de Janeiro em 1816. Lecesne tinha planos de empreender a cultura do café no Brasil, mas d. João não apoiou seu projeto, optando pelo desenvolvimento da lavoura de trigo, que não foi bem-sucedida. Estabeleceu uma fazenda de café, a fazenda São Luís, na Gávea, nas encostas da Tijuca, em sociedade com o duque de Luxemburgo, onde se instalou-se com a família em 1817. Segundo descrição de viajantes, sua propriedade era das melhores e das mais produtivas, contando com, aproximadamente, cinquenta mil pés de café, e rendendo-lhe elogios do barão de Langsdorff, que registrou sua iniciativa e seu pioneirismo. Morreu em 1823, deixando a fazenda para seus herdeiros. Com o crescimento da lavoura e a mudança do café para o vale do Paraíba a partir dos anos 1830, a cultura na Gávea entrou em decadência.

[2] Referem-se ao direito fiscal aduaneiro. Trata-se das leis referentes à importação e exportação de mercadorias, e igualmente a uma série de atividades a elas relacionadas, como fiscalização, carga, descarga, armazenagem, transporte etc. Antes da carta de 28 de janeiro de 1808, que determinava a abertura dos portos do Brasil às nações amigas de Portugal, os direitos não figuravam na pauta de discussões da colônia, limitada a seu comércio exclusivo oficial com a metrópole – salvo algumas exceções e o contínuo contrabando. Em virtude da transferência da sede do governo português para o Rio de Janeiro, os portos brasileiros, abertos, passam a ser frequentados por outras nações estrangeiras, e não somente por Portugal. Essa ação impôs a instituição de novos percentuais a serem pagos nas alfândegas do Brasil e uma nova ordem de valores que favorecia os produtos ingleses. Isto aconteceu devido ao acordo estabelecido com a Grã-Bretanha, que havia escoltado a esquadra portuguesa até as Américas em troca de abertura comercial com o Brasil, visando a aliviar o escoamento de sua produção, limitado pelo bloqueio continental imposto por Napoleão à Europa. A carta de 28 de janeiro institui o percentual de 24% a ser cobrado sobre os produtos estrangeiros e de 16% sobre os produtos portugueses. O decreto seguinte, de 11 de junho do mesmo ano, diminui em 8% os impostos sobre os produtos de Portugal e dá 5% de abatimento para os produtos estrangeiros transportados em navios portugueses. O tratado de comércio e navegação com a Inglaterra, de 1810, reduziu para 15% a tarifa alfandegária sobre produtos ingleses — favorecendo este país em relação a outros e até mesmo a Portugal, que pagava valores mais altos. Em fevereiro de 1811, para favorecer o comércio com as possessões portuguesas na África e, sobretudo, na Ásia, uma nova lei determinava que as mercadorias vindas destes continentes, especialmente de Goa, Diu e Damão, pagariam metade dos direitos de entrada (16%) quando transportadas em navios portugueses — protegendo principalmente a produção têxtil dos territórios portugueses nas “Índias”, tornando-as competitiva com as fazendas inglesas. Próximo ao final do período joanino no Brasil, sobretudo depois da coroação acontecida no Rio de Janeiro em 1818 e o não-retorno da Corte, portugueses cobraram e protestaram contra a situação de inferioridade em que se encontrava a metrópole. No que foram atendidos com uma nova lei, que reduziu mais a cobrança da entrada de produtos portugueses e aumentou os entraves dos produtos estrangeiros, visando a melhorar o comércio português e diminuir o domínio inglês nos postos do Brasil.

[3] Planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[4] Em 23 de agosto de 1808, em consequência da abertura dos portos ao comércio estrangeiro, foi estabelecida no Brasil a Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, em substituição à Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro, incorporando suas funções. Foi organizada segundo o modelo da Real Junta do Comércio de Lisboa, instrumento de fiscalização e gestão do comércio ultramarino, importante no fomento à atividade agrícola e industrial. A junta acumulava funções judiciais e administrativas e entre suas funções, destacam-se: matricular os negociantes de grosso trato e seus caixeiros; regular a instalação de manufaturas e fábricas; cuidar do registro de patentes de invenções; conceder provisões de fábricas; administrar a pesca de baleias; faróis; estradas, pontes e canais; importação e exportação; além de solucionar litígios entre negociantes; dissoluções de sociedades mercantis; administração de bens de negociantes falecidos ou de firmas falidas ou em concordata, entre outros. Teve como primeiro presidente o conde de Aguiar, Fernando José de Portugal e Castro, que tomou posse em 18 de maio de 1809. Contam-se entre seus deputados, negociantes de grosso trato que exerciam o tráfico de africanos, evidenciando o papel de destaque dessa atividade no Brasil, o que incluía o recebimento de comendas como a Ordem de Cristo entre outras distinções. (FLORENTINO, Manolo et al. Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (Séculos XVIII e XIX). Afro-Ásia, 31 (2004), 83-126).

[5] Organismo da administração fazendária responsável pela arrecadação e fiscalização dos tributos provenientes do comércio de importação e exportação. Entre 1530 e 1548, não havia uma estrutura administrativa fazendária, somente um funcionário régio em cada capitania, o feitor e o almoxarife. Porém, com a implantação do governo-geral, em 1548, o sistema fazendário foi instituído no Brasil com a criação dos cargos de provedor-mor – autoridade central – e de provedor, instalado em cada capitania. Durante o período colonial, foram estabelecidas casas de alfândega, que ficaram sob controle do Conselho de Fazenda até a criação do Real Erário em 1761, que passou a cobrar as chamadas “dízimas alfandegárias”. Estas, no entanto, mudaram com a vinda da família real em 1808 e a consequente abertura dos portos brasileiros. Por esta medida, quaisquer gêneros, mercadorias ou fazendas que entrassem no país, transportadas em navios portugueses ou em navios estrangeiros que não estivessem em guerra com Portugal, pagariam por direitos de entrada 24%, com exceção dos produtos ingleses que pagariam apenas 15%. Os chamados gêneros molhados, por sua vez, pagariam o dobro desse valor. Quanto à exportação, qualquer produto colonial (com exceção do pau-brasil ou outros produtos “estancados”) pagaria nas alfândegas os mesmos direitos que até então vigoravam nas diversas colônias.

[6] Durante a maior parte do período colonial o sistema agrícola brasileiro se caracterizou pela grande lavoura monocultora e escravista voltada para exportação, definida por Caio Prado Junior pelo conceito de plantation. Entretanto, podiam ser encontradas também em menor escala as pequenas lavouras, policultoras e de trabalho familiar. Com a chegada da família real e toda a estrutura do Estado português, houve a necessidade de incremento no abastecimento de gêneros agrícolas especificamente para o mercado interno. À época, a estrutura agrária brasileira era pautada pela rusticidade dos meios de produção, pela adubação imprópria e falta da prática do arado, enfim, o que havia era a presença modesta de técnicas modernas de cultivo. D. João VI, atento a essa situação emergencial, criou, em 1812, o primeiro curso de agricultura na Bahia e, em 1814, no Rio de Janeiro, uma cadeira de botânica e agricultura, entregue a frei Leandro do Sacramento. O objetivo era o melhor conhecimento das espécies nativas, não apenas para descrição e classificação, mas também para descobrir seus usos alimentares, curativos e tecnológicos. Mais do que isso, a incentivo aos estudos botânicos e agrícolas era parte de uma nova mentalidade de promoção das ideias científicas, que já vinha sendo implementada em Portugal desde o final do século XVIII. A agricultura era vista como uma verdadeira “arte”, pois era o melhor exemplo de como o homem era capaz de “domesticar” a natureza e fazê-la produzir a partir das necessidades humanas. Significava a interferência do Estado em prol do aproveitamento racional das riquezas naturais, orientado pelas experimentações e pela própria razão.

[7] O termo frequentemente é associado à indústria e a fábricas, por vezes, sendo usado indiscriminadamente. Manufatura, mais apropriadamente, seria a incipiente indústria do Brasil colonial. Ao longo desse período, verificou-se uma discreta presença de atividades manufatureiras (de caráter doméstico e artesanal) graças, sobretudo, à repressão operada pela Coroa portuguesa, pois este tipo de prática feria a estrutura do sistema colonial e a lógica mercantilista: onde a colônia exportaria produtos primários e importaria bens manufaturados de sua metrópole. Essa repressão culminou com a assinatura do alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibiu a atividade manufatureira à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, que serviam para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos. Esse setor da indústria colonial não foi afetado, mas não constituía uma atividade relevante do ponto de vista econômico. As manufaturas que se pretendiam combater, as que produzissem gêneros que rivalizassem com os produtos finos ingleses no mercado europeu, praticamente inexistiam na colônia. Somente depois da transferência da Corte e da sede do Império português para o Brasil em 1808, por meio do alvará de 1º de abril do mesmo ano, o príncipe regente revogou a lei de 1785 e, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, concedendo isenção de direitos de importação de matérias-primas e subsídios para a construção das primeiras manufaturas, sobretudo no setor têxtil e de ferro. Ainda assim, boa parte das manufaturas criadas não vingaria, devido, principalmente, a impossibilidade das pequenas fábricas, sem mão de obra especializada e sem uma verdadeira organização fabril, de competir com as importações inglesas, mais baratas e de qualidade muito superior, preferidas pela maioria da população em condições de consumir. Sem capital para investimento em melhorias e sem um mercado consumidor interno, a maior parte delas acabou falindo. Entre as manufaturas que mais se destacaram ao longo do período colonial, podemos citar a construção naval favorecida pela grande oferta de madeiras de boa qualidade proporcionada pela colônia; a produção de têxteis, principalmente dos tecidos grossos de algodão para consumo interno, atividade doméstica e feminina, muito disseminada pelo Brasil (sobretudo em Minas Gerais) e que constituía a fonte de renda para muitos colonos; e atividades artesanais diversas, urbanas e rurais, voltada para a produção de artigos necessários à vida cotidiana, como móveis, cerâmica, instrumentos de ferro, sapatos, ourivesaria, entre outros, exercidas sobretudo por escravos de ganho e libertos. A autorização das manufaturas e sua promoção em todo Império português por d. João, em abril de 1808, faziam parte de toda uma política de cunho liberal defendida por intelectuais como José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Posteriormente, uma série de alvarás que concediam isenções e privilégios, foram assinados, com o objetivo de impulsionar a produção manufatureira no Brasil e nos domínios ultramarinos portugueses.

[8] Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[9] 1o conde de Aguiar e 2o marquês de Aguiar, era filho de José Miguel João de Portugal e Castro, 3º marquês de Valença, e de Luísa de Lorena. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, ocupou vários postos na administração portuguesa no decorrer de sua carreira. Governador da Bahia, entre os anos de 1788 a 1801, passou a vice-rei do Estado do Brasil, cargo que exerceu até 1806. Logo em seguida, regressou a Portugal e tornou-se presidente do Conselho Ultramarino, até a transferência da corte para o Rio de Janeiro. A experiência adquirida na administração colonial valeu-lhe a nomeação, em 1808, para a Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, pasta em que permaneceu até falecer. Durante esse período, ainda acumulou as funções de presidente do Real Erário e de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Foi agraciado com o título de conde e marquês de Aguiar e se casou com sua sobrinha Maria Francisca de Portugal e Castro, dama de d. Maria I. Dentre suas atividades intelectuais, destaca-se a tradução para o português do livro Ensaio sobre a crítica, de Alexander Pope, publicado pela Imprensa Régia, em 1810.

 

Proteção das manufaturas de tecidos nacionais

Resposta de uma consulta feita pelo conselheiro Manoel Moreira de Figueiredo da Real Junta do Comércio a Francisco José Guimarães acerca de dois parágrafos da lei de 4 de fevereiro de 1811 que proibia a entrada de tecidos estampados que não fossem produzidos no Estado português na Índia, e estabelecia os direitos de entrada a serem cobrados sobre estes nos portos do Império português. O parecer de Francisco José é favorável à lei, pois que ela, além de incentivar o desenvolvimento da manufatura nacional, também protegia a produção nas colônias portuguesas da Índia, e favorecia o comércio no Império, até que o Brasil tivesse condições de sozinho abastecer seu comércio interno.

Conjunto documental: Junta do Comércio. Falências comerciais
Notação: caixa 363, pct. 02
Datas-limite: 1820-1835
Título do fundo ou coleção: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Código do fundo ou coleção: 7X
Argumento de pesquisa: manufaturas
Data do documento: 23 de março de 1821
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

 

Em resposta à carta que vossa senhoria se serviu dirigir-me por determinação da Real Junta do Comércio[1] pedindo a minha opinião sobre os §os 32 e 34 da lei de 4 de fevereiro de 1811[2] tenho a dizer a vossa senhoria que sendo muito conveniente uma proibição geral da exportação das fazendas tecidas tintas, e estampadas com cores[3] da Costa do Coromandel e Bengala[4] para consumo importadas em Portugal, Brasil, Ilhas, etc porque assim se pode aumentar a indústria nacional[5] tecendo estampando, e pintando nas suas fábricas[6] iguais ou melhores fazendas ocupando por isso um sem número de braços, e concorrerem estas para o consumo d'África com as do Malabar[7], meio também da conservação e aumento dos nossos estados, deve o § 34 sustentar-se, e restringir-se inteiramente na parte em que por uma exceção admite a consumo aquelas ditas fazendas que ali compradas pagarem os direitos em Goa, Diu, e Damão[8], sendo considerados do mesmo modo que as primeiras, pois que no caso d'admissão, e pagando onde descarregarem teriam as Rendas Reais[9] maiores resultados, e até tem sido uma desgraça terem até aqui os negociantes visto a sangue frio a introdução de fazendas daqueles portos nos nossos pelos ingleses, ou suas imitando-as, fabricando-as em seus reinos, e empatando a extração das de Malabar, e estarem com as mãos amarradas sem poderem dar que fazer aos seus navios, e vendo ir para o estrangeiro as vantagens que também podiam tirar.
Como porém as circunstâncias tornam esta medida um pouco árdua, e ainda as fábricas nacionais se não possam promover ao ponto de fornecer os usos da nação, e quantidade para a exportação das permutas africanas, sou de parecer que no entanto se admitam a despacho aos nacionais nas Alfândegas[10] para consumo, e reexportação todas as fazendas tecidas estampadas e tintas em Coromandel e Bengala a proveito também da negociação portuguesa pagando os respectivos direitos[11] limitando-se a esta franqueza tempo determinado, e enquanto se não substitui pela indústria nacional a introdução de semelhantes fazendas.

Deus Guarde a vossa senhoria muitos anos.

Rio de Janeiro 23 de março de 1821.

Ilustríssimo Senhor Conselheiro Manoel Moreira de Figueiredo

Francisco José Guimarães

 

[1] Em 23 de agosto de 1808, em consequência da abertura dos portos ao comércio estrangeiro, foi estabelecida no Brasil a Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, em substituição à Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro, incorporando suas funções. Foi organizada segundo o modelo da Real Junta do Comércio de Lisboa, instrumento de fiscalização e gestão do comércio ultramarino, importante no fomento à atividade agrícola e industrial. A junta acumulava funções judiciais e administrativas e entre suas funções, destacam-se: matricular os negociantes de grosso trato e seus caixeiros; regular a instalação de manufaturas e fábricas; cuidar do registro de patentes de invenções; conceder provisões de fábricas; administrar a pesca de baleias; faróis; estradas, pontes e canais; importação e exportação; além de solucionar litígios entre negociantes; dissoluções de sociedades mercantis; administração de bens de negociantes falecidos ou de firmas falidas ou em concordata, entre outros. Teve como primeiro presidente o conde de Aguiar, Fernando José de Portugal e Castro, que tomou posse em 18 de maio de 1809. Contam-se entre seus deputados, negociantes de grosso trato que exerciam o tráfico de africanos, evidenciando o papel de destaque dessa atividade no Brasil, o que incluía o recebimento de comendas como a Ordem de Cristo entre outras distinções. (FLORENTINO, Manolo et al. Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (Séculos XVIII e XIX). Afro-Ásia, 31 (2004), 83-126).

[2]alvará de 4 de fevereiro de 1811 tinha como objetivo principal eliminar as barreiras que impediam o comércio entre os portos “de PortugalBrasil, Ilhas das Açores, Madeira, Ilhas de Cabo Verde, portos da Costa da África Ocidental e Ilhas adjacentes”, pertencentes à Real Coroa, “abolindo todas as restrições”, em favor dos domínios da Coroa portuguesa. O alvará era composto de 40 artigos que definiam as medidas que deveriam ser adotadas para fortalecer o comércio entre os portos portugueses, como a diminuição de taxas para as mercadorias produzidas nos domínios portugueses face às mercadorias estrangeiras, e a isenção, em alguns casos, de direitos sobre gêneros transportados em navios de bandeira portuguesa, de acordo com o parágrafo 32: “os gêneros que forem importados em navios portugueses para os portos do Reino e seus domínios, pagarão 16% de entrada” e, os navios que “forem carregar ou despachar os gêneros” em portos do Reino e já “tiverem pago os direitos de entrada e saída gozarão de isenções, mediante a apresentação das certidões”. Esta lei buscava fortalecer as manufaturas do Reino, como fica claro no parágrafo 34, que proibia a entrada nos portos do Reino das fazendas “com cores, sejam tecidas, pintadas ou estampadas, a exceção das que vierem despachadas pelas Alfândegas de Goa, Diu e Damão e mais portos dos meus domínios além do Cabo da Boa Esperança”. Portugal desconsiderava, por meio deste alvará, o Tratado de Navegação e Comércio [ver Tratados de 1810] que havia assinado com a Inglaterra em fevereiro de 1810, que previa a livre circulação das mercadorias inglesas, inclusive os tecidos que eram “melhores e mais baratos”, como forma de compensar os comerciantes portugueses de seus domínios pelas perdas que tiveram com o predomínio inglês nos portos do Brasil estabelecido a partir daquele acordo.

[3] O processo de tingimento e estamparia de tecidos, embora muito antigo, ainda durante o século XIX era bastante artesanal na maioria dos países produtores de têxteis, com exceção da indústria inglesa depois da Revolução. E, mesmo com todas as inovações tecnológicas, a Índia manteve-se por muito tempo como o maior país produtor e exportador de tecidos finos e de qualidade. Entre as características que distinguiam os tecidos indianos se destacavam a qualidade dos fios, especialmente das sedas, e a beleza das cores e estampas. Esse processo valorizava os tecidos e também os encarecia, tornando-os verdadeiros artigos de luxo, consumidos pelas elites dos países para onde eram exportados, enquanto que as camadas mais pobres das populações consumiam tecidos “crus”, sem tingimento, normalmente de fibras mais baratas como o algodão e a lã. O processo de tintura era feito, normalmente, de duas maneiras: colorindo-se os fios separadamente para depois serem entrelaçados formando desenhos, normalmente "riscados" e xadrez, e que representam uma forma mais artesanal de estampa, ou utilizando técnicas mais sofisticadas, como a estamparia em blocos (os desenhos eram esculpidos em blocos de madeira ou outro material resistente, pintados e depois impressos nos tecidos coloridos ou brancos) ou o uso do estêncil (stencil), formas vazadas de desenhos sobre as quais se aplicava a tinta para obterem-se os desenhos. Outra forma de ornamentação muito empregada na produção artesanal de tecidos de luxo era a aplicação de bordados sobre os tecidos. Os fios e tecidos de algodão eram mais difíceis de tingir do que a seda e a lã, por exemplo. Nas oficinas artesanais, corantes naturais eram usados para colorir os fios e tecidos, habitualmente fervidos com mormente (substâncias fixadoras da cor, como o alúmen, taninho e sal, por exemplo) e os corantes em grandes tachos em fogões a lenha. Os mais usados no século XVIII e XIX eram o anil (azul), a cochonilha (carmim) e o pau-brasil (para tons rubros e avermelhados), além de cascas de árvores, nozes, e outros insetos. O Brasil fora um importante fornecedor de corantes naturais para a indústria têxtil europeia, sobretudo pela exportação de pau-brasil (que persistiu até meados do século XIX), e também de anil, que existia em praticamente todo o território nacional, mas cultivado com fins exportadores, principalmente no Rio de Janeiro e no Pará. O anil brasileiro acabou sendo substituído no início do oitocentos pelo da Índia, superior em qualidade e de melhor preço.

[4] Bengala, às margens do golfo de mesmo nome na costa oriental do atual território da Índia, ocupava a região onde hoje se situa o estado de Bengala (na Índia) e Bangladesh – tendo como principal cidade Calcutá. Região de ocupação inglesa desde o século XVII foi considerada um importante entreposto comercial e de produção para fornecimento de gêneros para o Império inglês e para as outras regiões da Índia, sobretudo de arroz, tecidos de algodão, trigo, drogas, especiarias, açúcar e manteiga. A costa do Coromandel compreende a costa oriental da Índia. Parte de suas cidades mais importantes esteve sob domínio inglês. Até o século XVIII e início do XIX, a maior parcela da produção desta região era de arroz (base da alimentação hindu), para provimento principalmente interno, sobretudo da costa do Malabar, e de outros gêneros, como óleo de gergelim, especiarias e produtos da indústria têxtil, exportados para a Inglaterra. Uma quantidade significativa do arroz consumido no Império português provinha da costa do Coromandel passando por Goa, capital do Estado português na Índia.

[5] O termo refere-se às atividades agrícolas, comerciais e fabris, produtoras de riqueza, no interior do Império português. No século XIX, mesmo depois da Revolução Industrial inglesa, em muitos países, inclusive Portugal, o entendimento das atividades industriais era orientado pelo pensamento fisiocrata, que compreendia o setor manufatureiro como complementar à agricultura, principal fonte de riqueza de um país. Durante o período colonial, e especialmente a regência joanina, as atividades manufatureiras estiveram atreladas às necessidades do comércio de gêneros agrícolas entre as colônias e a metrópole, e à navegação. As atividades fabris serviriam para a aceleração e aumento da lavoura, substituindo a falta de braços suficientes por máquinas, promovendo um aumento da produtividade. Auxiliariam também na diversificação da produção, agrícola e fabril, visando à diminuição das importações, que muito oneravam o Estado português. Esse atrelamento da indústria à lavoura era uma das razões para as atividades fabris não se desenvolverem a contento, quer durante o período colonial, ou durante grande parte do Império: ficavam sempre em segundo plano em relação à agricultura. Um primeiro esforço significativo de investimento na indústria nacional, já durante o primeiro reinado, foi a criação da SAIN (Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional), em 1827, embora ainda muito presa ao pensamento fisiocrata, mas começando a reunir e canalizar esforços para a criação de um setor fabril mais forte e de caráter nacional, incentivando as chamadas “indústrias naturais”, que utilizavam materiais naturais e abundantes no país, em detrimento das “artificiais”, que importavam máquinas, ferramentas e matérias primas. O setor industrial no Brasil, entretanto, só começou efetivamente a se desenvolver em fins do século XIX, já com o advento da República.

[6] O termo frequentemente é associado à indústria e a fábricas, por vezes, sendo usado indiscriminadamente. Manufatura, mais apropriadamente, seria a incipiente indústria do Brasil colonial. Ao longo desse período, verificou-se uma discreta presença de atividades manufatureiras (de caráter doméstico e artesanal) graças, sobretudo, à repressão operada pela Coroa portuguesa, pois este tipo de prática feria a estrutura do sistema colonial e a lógica mercantilista: onde a colônia exportaria produtos primários e importaria bens manufaturados de sua metrópole. Essa repressão culminou com a assinatura do alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibiu a atividade manufatureira à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, que serviam para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos. Esse setor da indústria colonial não foi afetado, mas não constituía uma atividade relevante do ponto de vista econômico. As manufaturas que se pretendiam combater, as que produzissem gêneros que rivalizassem com os produtos finos ingleses no mercado europeu, praticamente inexistiam na colônia. Somente depois da transferência da Corte e da sede do Império português para o Brasil em 1808, por meio do alvará de 1º de abril do mesmo ano, o príncipe regente revogou a lei de 1785 e, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, concedendo isenção de direitos de importação de matérias-primas e subsídios para a construção das primeiras manufaturas, sobretudo no setor têxtil e de ferro. Ainda assim, boa parte das manufaturas criadas não vingaria, devido, principalmente, a impossibilidade das pequenas fábricas, sem mão de obra especializada e sem uma verdadeira organização fabril, de competir com as importações inglesas, mais baratas e de qualidade muito superior, preferidas pela maioria da população em condições de consumir. Sem capital para investimento em melhorias e sem um mercado consumidor interno, a maior parte delas acabou falindo. Entre as manufaturas que mais se destacaram ao longo do período colonial, podemos citar a construção naval favorecida pela grande oferta de madeiras de boa qualidade proporcionada pela colônia; a produção de têxteis, principalmente dos tecidos grossos de algodão para consumo interno, atividade doméstica e feminina, muito disseminada pelo Brasil (sobretudo em Minas Gerais) e que constituía a fonte de renda para muitos colonos; e atividades artesanais diversas, urbanas e rurais, voltada para a produção de artigos necessários à vida cotidiana, como móveis, cerâmica, instrumentos de ferro, sapatos, ourivesaria, entre outros, exercidas sobretudo por escravos de ganho e libertos. A autorização das manufaturas e sua promoção em todo Império português por d. João, em abril de 1808, faziam parte de toda uma política de cunho liberal defendida por intelectuais como José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Posteriormente, uma série de alvarás que concediam isenções e privilégios, foram assinados, com o objetivo de impulsionar a produção manufatureira no Brasil e nos domínios ultramarinos portugueses.

[7] A costa do Malabar compreende geograficamente o lado ocidental da costa da Índia, entre a cidade de Goa e o estado de Kerala, o ponto mais ao sul do território, banhada pelo mar arábico. Foi a região onde os primeiros navegadores portugueses chegaram em busca de especiarias e produtos finos (louças e sedas) das “índias”, e estabeleceram suas feitorias. Os principais pontos comerciais da costa foram as cidades de Goa, Cochim e Calicute, conquistadas e dominadas pelos portugueses durante séculos, a exceção da última tomada pelos holandeses ainda no século XVI. Devido ao intenso contato com os europeus, principalmente portugueses, holandeses e ingleses, essas cidades floresceram e tornaram-se bastante cosmopolitas e movimentadas, recebendo produtos (e influência) da África, de territórios árabes, de outras regiões na Índia e da Europa. A costa do Malabar era especializada na recepção, redistribuição e exportação de gêneros vindos de outras regiões, como o arroz proveniente da costa do Coromandel (lado oriental), mas também produzia sal, peixe, madeiras e vegetais, e era responsável pela maior parte da produção de especiarias, tão desejadas e disputadas pelos exploradores e comerciantes europeus. Essa região ainda foi porta de entrada de produtos da Europa, como por exemplo, a carne, o pão de trigo, o azeite, o vinho, os queijos e a manteiga, introduzidos pelos portugueses principalmente pela capital do Estado português na Índia, Goa. O Malabar manteve intenso comércio com a costa oriental da África (principalmente com a colônia portuguesa de Moçambique), fornecendo gêneros agrícolas em troca de marfim e escravos, entre outros.

[8] Foram as maiores cidades do Estado português da Índia, grandes centros comerciais e polos receptores de gêneros e matérias-primas das outras regiões, a serem redistribuídos pelo Império luso. Embora os portugueses tenham se espalhado pela costa da Índia, foram essas as três regiões que permaneceram pontos ativos do império atlântico até o século XX (reconquistadas em 1961). Goa, a maior dessas cidades, situada na costa do Malabar, foi desde o século XV, a sede das possessões no sudeste asiático. Conquistada em 1510 por Afonso de Albuquerque, era uma região estratégica, cercada de áreas de produção agrícola, recebia a maior quantidade de navios e cargas de outros pontos da península e proporcionava aos portugueses o controle de comércio do oceano índico. Goa foi um dos vértices do comércio luso no Atlântico – assim como Luanda, LisboaSalvador e Rio de Janeiro – e, embora o comércio com as possessões lusas na Índia tivesse entrado em decadência a partir do século XVIII (devido aos grandes gastos com guerras para mantê-las e ao contrabando, que diminuía consideravelmente os lucros da Coroa), a cidade permaneceu o ponto forte de Portugal na região. Ao longo do período colonial, os navios carregados de tecidos e outros produtos “finos” (como porcelanas e especiarias) da Índia deixavam os portos de Goa em direção a Luanda e, depois de uma escala em Salvador, iam para Lisboa, onde chegavam praticamente descarregados. A maior parte desses tecidos era vendida diretamente para os comerciantes destas cidades (o que levou ao aumento de impostos e à proibição da escala no Brasil). Depois da abertura dos portos do Brasil em 1808, o comércio com Lisboa enfraqueceu mais ainda, já que os navios eram diretamente direcionados para a África e depois para o Rio de Janeiro, de onde seriam redistribuídos para o restante do Império. Diu e Damão, localizadas respectivamente na costa de Guzerate e no golfo de Cambaia (ambos parte da região do Guzerate), mais ao norte da costa ocidental, foram peças-chave, desde o século XVI, no fornecimento de gêneros para o comércio metropolitano, sobretudo de tecidos de algodão, os mais finos reservados para envio a Lisboa por Goa, e os mais grosseiros a serem exportados para Moçambique, em troca de marfim, âmbar, ouroescravos, entre outros.

[9] As rendas reais consistiam na riqueza do Estado. Durante muito tempo, representaram as rendas do próprio rei, misturadas à renda do Estado. A consolidação dos Estados modernos europeus e de seus aparelhos burocráticos administrativos ajudou a separar o tesouro público das propriedades pessoais do rei. As principais fontes de renda, ou como também costumava se chamar, de fazenda do Estado português eram: os tributos; os metais preciosos; o comércio ultramarino; os próprios e as indústrias, entendendo-se aí as atividades agrárias e fabris. Os próprios eram os bens do patrimônio real, como terras, gado, bosques, prédios, fornos, que rendiam pequena renda. Os tributos incluíam impostos cobrados internamente (sisas, décimas, terças, quinto do ouro, entre outros), estancos e impostos alfandegários, cobrados sobre o comércio e navegação ultramarinos, como direitos de entrada, de passagem e de saída. Outra significativa fonte das rendas reais era proveniente do comércio e da exploração de suas colônias, no qual o reino obtinha ouromarfim, diamantes, especiariasescravos, entre outros produtos de grande valor para a época. A Real Fazenda foi um órgão criado em 1761, durante a governação pombalina, com a finalidade de centralizar e organizar a administração das fontes de receita do Estado e zelar pela riqueza do reino.

[10] Organismo da administração fazendária responsável pela arrecadação e fiscalização dos tributos provenientes do comércio de importação e exportação. Entre 1530 e 1548, não havia uma estrutura administrativa fazendária, somente um funcionário régio em cada capitania, o feitor e o almoxarife. Porém, com a implantação do governo-geral, em 1548, o sistema fazendário foi instituído no Brasil com a criação dos cargos de provedor-mor – autoridade central – e de provedor, instalado em cada capitania. Durante o período colonial, foram estabelecidas casas de alfândega, que ficaram sob controle do Conselho de Fazenda até a criação do Real Erário em 1761, que passou a cobrar as chamadas “dízimas alfandegárias”. Estas, no entanto, mudaram com a vinda da família real em 1808 e a consequente abertura dos portos brasileiros. Por esta medida, quaisquer gêneros, mercadorias ou fazendas que entrassem no país, transportadas em navios portugueses ou em navios estrangeiros que não estivessem em guerra com Portugal, pagariam por direitos de entrada 24%, com exceção dos produtos ingleses que pagariam apenas 15%. Os chamados gêneros molhados, por sua vez, pagariam o dobro desse valor. Quanto à exportação, qualquer produto colonial (com exceção do pau-brasil ou outros produtos “estancados”) pagaria nas alfândegas os mesmos direitos que até então vigoravam nas diversas colônias.

[11] Referem-se ao direito fiscal aduaneiro. Trata-se das leis referentes à importação e exportação de mercadorias, e igualmente a uma série de atividades a elas relacionadas, como fiscalização, carga, descarga, armazenagem, transporte etc. Antes da carta de 28 de janeiro de 1808, que determinava a abertura dos portos do Brasil às nações amigas de Portugal, os direitos não figuravam na pauta de discussões da colônia, limitada a seu comércio exclusivo oficial com a metrópole – salvo algumas exceções e o contínuo contrabando. Em virtude da transferência da sede do governo português para o Rio de Janeiro, os portos brasileiros, abertos, passam a ser frequentados por outras nações estrangeiras, e não somente por Portugal. Essa ação impôs a instituição de novos percentuais a serem pagos nas alfândegas do Brasil e uma nova ordem de valores que favorecia os produtos ingleses. Isto aconteceu devido ao acordo estabelecido com a Grã-Bretanha, que havia escoltado a esquadra portuguesa até as Américas em troca de abertura comercial com o Brasil, visando a aliviar o escoamento de sua produção, limitado pelo bloqueio continental imposto por Napoleão à Europa. A carta de 28 de janeiro institui o percentual de 24% a ser cobrado sobre os produtos estrangeiros e de 16% sobre os produtos portugueses. O decreto seguinte, de 11 de junho do mesmo ano, diminui em 8% os impostos sobre os produtos de Portugal e dá 5% de abatimento para os produtos estrangeiros transportados em navios portugueses. O tratado de comércio e navegação com a Inglaterra, de 1810, reduziu para 15% a tarifa alfandegária sobre produtos ingleses — favorecendo este país em relação a outros e até mesmo a Portugal, que pagava valores mais altos. Em fevereiro de 1811, para favorecer o comércio com as possessões portuguesas na África e, sobretudo, na Ásia, uma nova lei determinava que as mercadorias vindas destes continentes, especialmente de Goa, Diu e Damão, pagariam metade dos direitos de entrada (16%) quando transportadas em navios portugueses — protegendo principalmente a produção têxtil dos territórios portugueses nas “Índias”, tornando-as competitiva com as fazendas inglesas. Próximo ao final do período joanino no Brasil, sobretudo depois da coroação acontecida no Rio de Janeiro em 1818 e o não-retorno da Corte, portugueses cobraram e protestaram contra a situação de inferioridade em que se encontrava a metrópole. No que foram atendidos com uma nova lei, que reduziu mais a cobrança da entrada de produtos portugueses e aumentou os entraves dos produtos estrangeiros, visando a melhorar o comércio português e diminuir o domínio inglês nos postos do Brasil.

 

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