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Publicado: Terça, 05 de Junho de 2018, 14h43 | Última atualização em Segunda, 11 de Junho de 2018, 13h08

Proclamação aos portugueses

Proclamação feita pelo imperador d. Pedro I aos portugueses sobre a independência do Brasil e sua elevação à condição de Imperador Constitucional. Propõe aos portugueses que aceitem a autonomia do Brasil, e mantenham os laços de amizade e sangue, caso contrário o reconhecimento da Independência dar-se-ia a partir da "guerra mais violenta".

Conjunto documental: Independência do Brasil: acontecimentos posteriores (impressos)
Notação: caixa 740.3
Datas-limite: 1822-1826
Título do fundo ou coleção: SDH - Diversos - "Caixas Topográficas"
Código do fundo ou coleção: 2H
Argumento de pesquisa: independência do Brasil
Data do documento: 21 de outubro de 1822
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): doc. nº 2, 7-8

 

PROCLAMAÇÃO

PORTUGUESES: Toda a força é insuficiente contra a vontade de um povo, que não quer viver escravo[1]: a História do mundo confirma esta verdade, confirmam-na ainda os rápidos acontecimentos, que tiveram lugar neste vasto Império embaído a princípio pelas lisonjeiras promessas do Congresso de Lisboa[2], convencido logo depois da falsidade delas, traído em seus direitos mais sagrados, em seus interesses os mais claros; não lhe apresentando o futuro outra perspectiva, senão a da colonização[3], e a do despotismo legal[4], mil vezes mais tirânico, que as arbitrariedades de um só déspota: o grande e generoso povo brasileiro passou pelas alternativas de nímia credulidade, de justa desconfiança, e de entranhável ódio: então ele foi unânime na firme resolução de possuir uma Assembleia Legislativa[5] sua própria, de cuja sabedoria e prudência resultasse o novo pacto social[6], que devia regê-lo, e ela vai entrar já em tão gloriosa tarefa: ele foi unânime em escolher-me para seu defensor perpétuo, honroso encargo que com ufania aceitei, e que saberei desempenhar a custa de todo o meu sangue.
Este primeiro passo que devia abrir os olhos ao Congresso para encarar o profundo abismo, em que ia precipitar a nação inteira, que devia torná-lo mais circunspecto em sua marcha, e mais justo em seus procedimentos, serviu somente de inflamar as paixões corrosivas de muitos demagogos, que para vergonha tem assento no augusto santuário das leis - Todas as medidas que tendiam a conservar o Brasil debaixo do jugo de ferro da escravidão[7], mereceram a aprovação do Congresso; decretaram-se tropas para conquistá-lo sob o frívolo pretexto de sufocar suas facções os deputados brasileiros foram publicamente insultados, e suas vidas ameaçadas; o senhor d. João Sexto, meu augusto pai, foi obrigado a descer da alta dignidade de monarca constitucional[8] pelo duro cativeiro, em que vive, e a figurar de mero publicador dos delírios e vontade desregrada, ou de seus ministros corruptos, ou dos facciosos do Congresso, cujos nomes sobreviveram aos seus crimes para execração da posteridade; e Eu, Herdeiro do Trono, fui escarnecido, e vociferado por aqueles mesmos que deviam ensinar o povo a respeitar-me para poderem ser respeitados.
Em tão críticas circunstâncias o heroico povo do Brasil, vendo fechados todos os meios de conciliação usou de um direito que ninguém pode contestar-lhe, aclamando-me no dia 12 do corrente mês seu Imperador Constitucional, e proclamando sua Independência. Por este solene ato acabaram as desconfianças, e azedume dos brasileiros contra os projetos de domínio, que intentava o Congresso de Lisboa; e a série não interrompida de pedras numerárias colocadas no caminho do tempo, para lhes recordarem os seus infortúnios passados, hoje só serve de os convencer do quanto o Brasil teria avultado em prosperidade, sem mais tempo se tivesse separado de Portugal; se a mais tempo o seu bom siso, e a razão tivesse sancionado uma separação, que a natureza havia feito.
Tal é o Estado do Brasil[9]: se desde dia 12 do corrente mês, ele não é mais parte integrante da Antiga Monarquia Portuguesa, todavia nada se opõe a continuação de suas antigas relações comerciais, como declarei no meu decreto de primeiro de agosto deste ano[10], com tanto que de Portugal se não enviem mais tropas a invadir qualquer província deste Império.
Portugueses: eu ofereço o prazo de quatro meses para a vossa decisão; decidi, e escolhei, ou a continuação de uma amizade fundada nos ditames da justiça, e da generosidade, nos laços de sangue e em recíprocos interesses; ou a guerra mais violenta, que só poderá acabar com o reconhecimento da independência do Brasil ou com a ruína de ambos os Estados. Palácio do Rio de Janeiro em 21 de outubro de 1822 - IMPERADOR[11].

 

[1] Pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de JaneiroBahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[2] As Cortes foram convocadas em janeiro de 1821, excepcionalmente pela Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, instituída pelos revolucionários do Porto, diferente do que tradicionalmente deveria ser realizado, encargo do monarca, d. João VI. Tais assembleias foram instauradas como expressão da vontade e autoridade da nação lusa, reunindo-se a fim de elaborar uma constituição para o Império português e derrubar o absolutismo, inaugurando uma monarquia constitucional. Quando o movimento liberal se iniciou em Lisboa, d. João VI já estava ciente da revolução originada na cidade do Porto e logo depois teve que enfrentar, também no Rio de Janeiro, um movimento de caráter semelhante para a escolha dos representantes brasileiros nas Cortes portuguesas e que levaria o monarca a jurar fidelidade à nova Constituição portuguesa – que sequer existia, mas à qual deveria se submeter – bem como ao seu retorno a Portugal em abril de 1821. Os deputados brasileiros convocados para o Congresso começaram a chegar em Lisboa, vindos do Rio de Janeiro e Pernambuco, sendo seguidos pelos de outras províncias, como MaranhãoBahia e Alagoas. O restante somente compareceu no ano seguinte e, mesmo assim, as províncias de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e do Norte recusaram-se a participar por discordar da forma como eram conduzidos os debates. Em 1822, durante as discussões acerca das relações entre os dois reinos, ficava clara a posição dos deputados portugueses e também de alguns brasileiros “regeneradores”, que previam, senão uma recolonização ao pé da letra, um domínio do reino português sobre os territórios de sua ex-colônia e a diminuição das liberdades econômicas, políticas e administrativas. Essas medidas provocaram profunda insatisfação nos brasileiros presentes, que intentariam romper com Portugal, preservando as partes em igualdade de direitos, mas mantendo o príncipe regente d. Pedro no Brasil com um governo autônomo. As medidas adotadas pelas Cortes deixavam clara a intenção de colocar os territórios na América em posição de subordinação a Portugal: os governos provinciais ficariam submetidos a Lisboa; órgãos administrativos estabelecidos no Brasil com a vinda da Corte foram transferidos para Portugal; determinou-se a volta de d. Pedro, sob a justificativa de completar sua educação para ocupar o trono português, entre outras medidas recolonizadoras. Tais decretos produziram profunda insatisfação entre os brasileiros, alimentando cada vez mais, as ideias de emancipação política.

[3] A expansão marítima portuguesa iniciada no século XV deu ensejo a formas distintas de exploração nos diferentes continentes, como por exemplo, a instalação de feitorias na África. Ao chegar à América, os portugueses, após os primeiros anos, deram início a uma ocupação mais efetiva do território, sobretudo, em razão da pressão exercida pelas potências europeias. A presença de estrangeiros no litoral era uma constante, principalmente de franceses, interessados no comércio do pau-brasil. A expansão da fé católica também se destaca entre os motivos que levaram ao povoamento das terras recém-descobertas, era preciso catequizar os nativos do continente, torná-los súditos da Igreja e da Coroa lusa. A colonização pressupunha o ato de povoar, pois a fixação de indivíduos em territórios garantiria, a princípio, a manutenção da soberania política, bem como de toda e qualquer riqueza ali existente. A partir de então, coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma de utilização econômica de sua colônia, ocupando-a produtivamente e cobrindo, assim, os gastos com a defesa territorial. Não encontrando ouro e prata inicialmente, a metrópole portuguesa optou pela agricultura tropical, em especial da cana-de-açúcar. Por meio do pacto colonial, as riquezas produzidas no Brasil eram transferidas para Portugal e a América lusa deveria, ainda, servir de mercado consumidor para os produtos metropolitanos. Mercadorias como o açúcar, as drogas do sertão, o ouro, bem como o lucrativo tráfico de escravos africanos, eram atividades cuidadosamente fiscalizadas por funcionários da administração portuguesa. Durante dois séculos, a colonização da América portuguesa esteve limitada a região costeira sobretudo, apesar de algumas incursões ao sertão brasileiro através de  atividades como a pecuária, a extração das drogas do sertão e as bandeiras de apresamento. Somente com a descoberta do ouro em Minas Gerais, no final do século XVII, ocorreria um movimento intenso de interiorização e expansão do território colonial. Para garantir o exclusivo metropolitano, a administração colonial e a expansão do cristianismo, funcionários régios, missionários, mercadores e nobres foram enviados à América, seriam os colonizadores, agentes diretos ou indiretos dos interesses da metrópole; cabendo aos colonos as atividades ligadas à produção: proprietários dos meios – escravos, terras e equipamentos –, que permitiam a realização de atividades produtivas numa colonização de exploração. Já entre os colonizados, estavam os escravos, inicialmente os povos indígenas e, a partir das duas últimas décadas do século XVI, cada vez mais, africanos, mas eram também os homens livres e pobres, como agregados, capangas e vadios, por exemplo. Toda uma produção sobre o tema têm a partir dos anos 1930 obras fundadoras, de autoria dos chamados “intérpretes do Brasil”, entre os quais se destacam a tríade formada por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., que inovou o pensamento crítico sobre o Brasil. A Caio Prado Jr. deve-se a ideia do sentido da colonização, eixo de toda uma corrente historiográfica que vê na expansão comercial e marítima europeia e no caráter complementar das economias coloniais as razões para o lugar periférico e dependente das antigas colônias, principalmente do Brasil. Um representante dessa corrente, o historiador Fernando Novais cunhou a fórmula “antigo sistema colonial da era mercantilista”, da qual se depreende ser essa uma fase do processo de acumulação primitiva de capital segundo a teoria marxista, que se dá na esfera da circulação e que, portanto trata-se de capital comercial investido na expansão e mesmo na colonização. Compreende-se, nessa perspectiva, que o sistema colonial se articula com a estrutura do Antigo Regime na Época Moderna. O fornecimento de gêneros agrícolas para a metrópole no modelo agrário-exportador escravista levou a que se pensasse em ciclos econômicos sucessivos, do açúcar, do ouro e do café. O processo de colonização e a natureza das sociedades coloniais conheceram, a partir dos anos 1990, novas abordagens que chamaram a atenção para a existência de um mercado interno e de uma comunidade mercantil residente, não apenas os comerciantes metropolitanos, mas negociantes com poder local, voltados para o abastecimento desse mercado e para transações comerciais atlânticas fora dos monopólios da Coroa, como o próprio tráfico atlântico de escravos controlado por negociantes na América portuguesa como afirmou Manolo Florentino ou que esses mesmos negociantes no Rio de Janeiro controlavam outros setores da economia colonial, tese defendida por João Fragoso (Fragoso, J. Apresentação. In: FRAGOSO, J., Gouvêa, Mª de Fátima. O Brasil colonial: 1443-1580, 2014). Ao lado da plantation e do poderio dos senhores de engenho, formou-se um grupo comercial residente na colônia ligado à exportação, mas também ao abastecimento interno e às atividades financeiras, com capital para investir na agroexportação, gerando relativa autonomia com relação à metrópole. Com a vinda da corte joanina para o Brasil e a abertura dos portos às nações amigas de Portugal, chega ao fim o monopólio metropolitano, dispositivo básico do vínculo colonial. Para alguns autores esses acontecimentos foram decisivos para desencadear o processo de Independência da América portuguesa. O império português perde sua colônia oficial em 1822, mas é somente a partir de 1974 que se encerra a dominação lusa na África e na Ásia, iniciada no século XV.

[4] O filósofo iluminista francês Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu (1689-1755), [ver Luzes], definiu despotismo como um regime político onde o poder está concentrado nas mãos de um soberano, não havendo nem leis ou normas a serem seguidas, que governava de acordo com sua vontade e seus interesses. Com origem na expressão grega despote – chefe da casa – o despotismo transformaria o governo político num governo doméstico, onde tudo é arbitrário, todas as formas de liberdade são banidas e a autoridade do rei está fundamentada, sobretudo, na violência e dominação. Já o despotismo legal – conceito desenvolvido pelo fisiocrata Mercier de la Rivière – se opunha ao despotismo arbitrário. Defendia uma “monarquia funcional”, identificada com a proteção da propriedade e da liberdade econômica, sem, no entanto, grande liberdade política. O déspota legal teria no “bem governar” o seu maior interesse, com base nas evidências das leis e não em suas vontades. Associado ao conceito de déspota legal estaria o de despotismo esclarecido – expressão cunhada no século XIX para designar uma forma de governo característico da Europa da segunda metade do século XVIII, em que Estados absolutistas, seus monarcas e ministros tentaram pôr em prática alguns princípios dos ideais da Ilustração, sem, entretanto, abrirem mão da centralização do poder. Os casos paradigmáticos são os de Frederico II da Prússia, entre 1740 e 1786, apoiado por Voltaire; Catarina II, da Rússia, que se relacionou com Diderot; Carlos III da Espanha, com o conde de Aranda no governo, e de d. José I com o marquês de Pombal.

[5] Composta por representantes eleitos em todas as províncias que deveriam escolher e discutir os projetos de Constituição apresentados, bem como elaborar leis ordinárias necessárias ao país. A Assembleia Constituinte de 1823, primeira convocada no Brasil, foi dissolvida pelo imperador d. Pedro I, em 12 de novembro, por entender que não refletia seus anseios. Composta de magistrados, bacharéis, religiosos, militares, grandes proprietários de terras e escravos, funcionários públicos e profissionais liberais, estava dividida em dois incipientes partidos: o português, defensor da re-união com Portugal; e o brasileiro, que advogava a causa da independência e a formação de uma monarquia constitucional. O projeto de constituição foi apresentado em setembro daquele mesmo ano, elaborado por uma comissão encabeçada por Antônio Carlos Andrada e Silva, José Bonifácio, Araújo Lima, Pereira da Cunha, entre outros que a assinaram. Dentre as principais diretrizes da nova carta estavam: a limitação do papel dos portugueses (revelando uma preponderância do grupo brasileiro) e do poder do Imperador, que não poderia dissolver o Parlamento, comandar as forças armadas e receberia ordens diretamente do poder legislativo. Alguns dos primeiros pontos discutidos eram polêmicos e não geravam consenso, entre eles, a submissão do poder executivo ao legislativo (que desagradava particularmente a d. Pedro I) e a crítica dos Andradas à escravidão. Os debates e conflitos internos da Assembleia acabaram por repercutir na imprensa e nas ruas, provocando brigas e disputas entre portugueses e brasileiros. Esse projeto instituía o voto censitário e indireto, mas sequer chegou a ser integralmente discutido ou aprovado: o Imperador dissolveu a Câmara antes. A Constituição de 1823, ou “Constituição da Mandioca”, como ficou conhecida, dava lugar à Carta outorgada em 1824, cuja mudança mais significativa em relação à de 1823 era a criação do chamado Poder Moderador. Exclusivo do Imperador conferia-lhe poderes paradoxalmente absolutistas de, por exemplo, dissolver a Câmara, convocar, adiar ou prorrogar a Assembleia Geral, nomear senadores, nomear e demitir ministros de Estado, perdoar ou moderar penas impostas, entre outras. A Constituição imposta pelo Imperador possuía características absolutistas, mas também sofreu influências de alguns princípios liberais. Acabou por promover a imposição do Executivo sobre o Legislativo e uma centralização político-administrativa, restringindo o poder da aristocracia agrária. A Carta outorgada em 1824, acrescida por outras leis ao longo dos anos e pelo célebre ato adicional de 1834, vigorou durante todo o período imperial brasileiro. A eclosão das revoltas, que dariam origem à Confederação do Equador, está ligada aos descontentamentos surgidos em torno da dissolução da Assembleia, bem como da nova Constituição de 1824.

[6] A noção de pacto social vincula-se a uma linha de filosofia política que, no século XVII, buscava um contraponto às teorias de direito divino que justificavam o poder absoluto dos reis com base em uma suposta nobreza inerente. Este direito divino fazia dos monarcas a voz de Deus entre os homens. A decadência do Antigo Regime e os consequentes questionamentos às ideias que o sustentavam deram espaço a tentativas de compreender e explicar o mundo, natural e dos homens, secularmente. A busca por sistemas de governo compromissadas, de alguma forma e em algum grau, com a sociedade de uma forma geral representou uma destas tentativas. Opondo-se à defesa intransigente do sistema monárquico que respeitava apenas, ou principalmente, a vontade de um rei, os jusnaturalistas, ou defensores do direito natural, apresentaram uma noção de governo e sociedade que não dependia e não decorria diretamente da tradição bíblica, mas sim, da natureza e da existência prévia dos homens às formações sociais então conhecidas na Europa. A descoberta (e redescoberta) de outras sociedades contribuiu para a elaboração de tais teorias, pois deixava claro que a sociedade europeia era apenas um momento na vida dos povos europeus, a despeito da superioridade com que estes encaravam os povos de outras regiões do planeta. O homem, assim, possuía uma série de direitos que nasciam com ele, inalienáveis, dos quais ele poderia abrir mão apenas em decorrência de um ato voluntário. O pacto social representava um ato voluntário, através do qual a sociedade dos homens era fundada, dando um fim ao estado de natureza em que antes se encontravam, estado este, em geral, retratado como perigoso e pouco produtivo. A noção de pacto social rompia violentamente com as tradições de pensamento que sustentavam regimes despóticos, em especial os derivados do direito divino, já que atrelavam a soberania do governante (fosse quem fosse, rei, assembleia, conselho de anciãos, presidente) ao compromisso com o povo, que era a verdadeira origem da soberania e que, voluntariamente, havia escolhido abrir mão da sua liberdade natural para viver sob o domínio de um sistema político. Os nomes mais representativos desta corrente foram: Jean Jacques Rousseau, John Locke, John Harrington, Thomas Hobbes.

[7] A expressão foi utilizada por d. Pedro I em proclamação de 21 de outubro de 1822, sobre a independência do Brasil e sua elevação à condição de Imperador constitucional. Refere-se à tentativa dos portugueses de manter o sistema colonial e conservar o Brasil sob o domínio de Portugal. Remete a ideia de retrocesso ao pacto colonial contrariando as expectativas de modernização e progresso tão presentes na concepção de mundo contemporânea. Não menciona, porém a questão da escravidão negra, que foi mantida após o processo de emancipação.

[8] Forma de governo instaurada pela primeira vez na Inglaterra depois da Revolução Gloriosa (1688) representa uma monarquia na qual o soberano exerce seu poder e autoridade de acordo com um conjunto de leis e regras, uma constituição, que estabelece os limites de uma ordem jurídica. O monarca, antes absoluto, passa a ser o chefe do Estado, e não do governo, sob juramento à constituição. É a forma de governo baseada na separação dos poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – que historicamente substituiu a monarquia absoluta, na qual o poder centralizado passa das mãos do Rei para a mão do “povo” (dos cidadãos habilitados a serem eleitores) que elege o parlamento. O monarca pode ter poderes formais, desde que atribuídos pelos princípios constitucionais, mas representa, de fato, o símbolo da unidade nacional, a estabilidade do Estado. A monarquia constitucional é o sistema que governo que prevalece no contexto das revoluções liberais, de finais do século XVIII e ao longo do XIX, representando a dissolução da velha ordem monárquica, o Antigo Regime, e a vitória da nova ordem burguesa. O pacto constitucional tornava a monarquia uma instituição do Estado, e não acima dele, sujeita ao mesmo conjunto de regras jurídicas que outros setores da sociedade que passassem a ocupar o poder. O monarca constitucional seguia representante da unidade e personalidade do Estado, com funções que foram diminuindo na passagem de um sistema constitucional simples para um governo constitucional parlamentar. É quando vigora a ideia de que o monarca “reina, mas não governa”. No mundo luso-brasileiro, o constitucionalismo se apresentou principalmente em Portugal depois da revolução liberal do Porto e do exemplo espanhol, da Constituição de Cádiz, aprovada em 1812 pelas Cortes Gerais extraordinárias. A Constituição portuguesa foi elaborada pela reunião das Cortes do Reino, com pequena participação de outras partes do Império que não o próprio Portugal, e foi promulgada em 1822, depois do retorno de d. João VI a Europa. Foi um exemplo de monarquia constitucional pouco secular, aferrada a antigas tradições do Antigo Regime, de um liberalismo mitigado, profundamente católica e escravista. No caso brasileiro, em meio ao processo de independência houve a convocação de uma Assembleia que só se formou de fato em 1823, para a elaboração da constituição brasileira. D. Pedro, percebendo a disposição da nova lei em elaboração de limitar os poderes do monarca, dá um golpe, fecha a Assembleia Constituinte e convoca um conselho de Estado para elaborar uma nova carta, que foi outorgada em 25 de março de 1824. Embora bastante semelhante à que vinha sendo preparada pela extinta assembleia, a Constituição de 1824 trouxe, além dos três poderes, um quarto, o poder Moderador, privativo ao imperador, que lhe dava autoridade de dissolver a Câmara, convocar novas eleições, aprovar e vetar decisões do parlamento, nomear o Conselho de Estado, entre outras atribuições, em nome de zelar pela harmonia entre os poderes. A outorga da Constituição de 1824 representou uma mudança na ideia de soberania, que não emanava do povo (pelo Parlamento), mas do imperador, como obra da sua magnanimidade. Foi a forma encontrada por d. Pedro I para implementar uma monarquia constitucional e conservar parte dos poderes absolutos típicos do Antigo Regime.

[9] Uma das antigas divisões administrativas e territoriais da América portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Criados em 1621, ainda sob o reinado de Filipe III da Espanha (durante a União Ibérica), vigoraram até meados do século XVIII, quando a governação pombalina promoveu a centralização administrativa da colônia. O Estado do Brasil compreendia capitanias de particulares e capitanias reais (incorporadas à Coroa por abandono, compra ou confisco), e um conjunto de órgãos da administração colonial, semiburocrático que passa a se tornar mais profissional depois da segunda metade do século XVIII, com competências fazendária, civil, militar, eclesiástica, judiciária e política. O Estado do Maranhão existiu com esta denominação entre 1621 e 1652, e 1654 e 1772, e foi criado para suprir as dificuldades de comunicação com a sede do Estado do Brasil, a cidade de Salvador, aproveitando sua proximidade geográfica com Lisboa, e diminuir as ameaças de ataque estrangeiro à foz do rio Amazonas. Em 1772 o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas: Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam o Brasil como um todo e não percebiam unidade na colônia. Apesar de "Brasil" ser, nos dias de hoje, corriqueiramente usado para denominar as colônias portuguesas na América, durante o período colonial, o termo referia-se somente às capitanias que faziam parte do Estado do Brasil, onde ficava o governo-geral das colônias, primeiro na cidade da Bahia e depois no Rio de Janeiro. As capitanias que compunham o Estado do Brasil, depois da separação do Maranhão e suas subalternas, eram do sul para o norte: capitania de Santana, de São Vicente, de Santo Amaro, de São Tomé, do Espírito Santo, de Porto Seguro, de Ilhéus, da Baía de Todos os Santos, de Pernambuco, de Itamaracá, do Rio Grande e do Ceará. No início do século XIX, o Brasil, já sem as divisões de Estado internas, era formado pelas seguintes capitanias: São José do Rio Negro, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, GoiásMato GrossoMinas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São PauloSanta Catarina e São Pedro do Rio Grande. Em 1821, quase todas as capitanias se tornaram províncias e algumas capitanias foram agregadas em só território, deixaram de existir ou foram renomeadas. A partir daí, tivemos as províncias do Grão-Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Cisplatina.

[10] Por esse decreto, d. Pedro dirige-se aos brasileiros numa convocação de apoio à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, composta de deputados das províncias do Brasil e de “união do Amazonas ao Prata”. No texto ficava clara a insubordinação às ordens da metrópole, a intenção da criação de uma constituição e da possível separação de Portugal. Alguns historiadores consideram tal decreto como o documento oficial em que o príncipe regente proclama a independência do Brasil: “foi por assim pensar que eu agora já vejo reunido todo o Brasil em torno de mim; requerendo-me a defesa de seus direitos, e a manutenção da sua Liberdade e Independência.(...) Resolvi-me, portanto, tomei o partido que os povos desejavam, e mandei convocar a Assembleia do Brasil, a fim de cimentar a independência política deste Reino”, , o que fez com que o 7 de setembro não tivesse tanta repercussão na época, pois a emancipação já estava dada.

[11] O título de Imperador Constitucional faz referência à primeira constituição do Brasil, outorgada por d. Pedro I em 1824. A assembleia geral constituinte e legislativa do império do Brasil reuniu-se em 1823 para elaborar uma carta para o novo Império, logo após o conturbado processo de independência. No entanto, desentendimentos entre d. Pedro e os deputados constituintes, sobretudo no que diz respeito à limitação do poder do imperador, levaram ao fechamento do Congresso e à outorga da Constituição de 1824. Elaborada por dez juristas de sua confiança – “conselho de notáveis” – que redigiram o texto constitucional, centralizava diversas competências nas mãos do imperador através da criação do poder Moderador. Conhecido como quarto poder, era exercido exclusivamente pelo monarca, que poderia interferir no legislativo, judiciário e executivo, encontrando-se acima destes. A constituição de 1824 e seu poder moderador vingaram até o fim do Império em 1889, e foi a constituição brasileira de mais longa duração até os dias atuais.

 

Reconhecimento da Independência do Brasil por Portugal

Decreto do imperador d. Pedro I no qual ordena a execução do Tratado de Paz e Reconhecimento da Independência do Brasil por Portugal. Em anexo segue o tratado impresso e os artigos que têm por maior objetivo a retomada dos laços de amizade e comércio entre os dois Estados.

Conjunto documental: Independência do Brasil: acontecimentos posteriores (impressos)
Notação: caixa 740.3
Datas-limite: 1822-1826
Título do fundo ou coleção: SDH - Diversos - "Caixas Topográficas"
Código do fundo ou coleção: 2H
Argumento de pesquisa: independência do Brasil
Data do documento: 10 de abril de 1826
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): doc. nº 21

 

DECRETO

Achando-se mutuamente ratificado o Tratado assinado nesta Corte aos vinte e nove de agosto do ano próximo passado pelos meus plenipotenciários e o senhor dom João Sexto, rei de Portugal e Algarves[1], meu augusto pai, mediante o qual pondo-se o desejado termo a guerra que infelizmente se fizera necessária entre os dois Estados, foi justamente reconhecida a plena Independência da nação brasileira[2], e a suprema dignidade, a que fui elevado pela unânime aclamação dos povos, com a categoria de Imperador Constitucional, e seu Defensor Perpétuo[3]; hei por bem ordenar que se dê ao dito Tratado a mais exata observância e execução, como convém à santidade dos Tratados celebrados entre as nações independentes e a inviolável boa-fé, com que são firmados, o visconde de Inhambupe de Cima[4], do meu Conselho de Estado[5], ministro e secretário dos Negócios Estrangeiros, o tenha assim entendido, e faça executar, expedindo as devidas participações e exemplares impressos para as estações competentes desta Corte e províncias do Império, com as ordens mais positivas para que se cumpram e guardem como neles se contem. Palácio do Rio de Janeiro em dez de abril de mil oitocentos e vinte e seis.

Com a rubrica de SUA MAJESTADE IMPERIAL

Visconde de Inhambupe

Tratado

EM NOME DA SANTÍSSIMA E INDIVISÍVEL TRINDADE

SUA MAJESTADE FIDELÍSSIMA Tendo constantemente no seu real ânimo os mais vivos desejos de restabelecer a paz, amizade, e boa harmonia entre os povos irmãos[6], que os vínculos mais sagrados devem conciliar e unir em perpétua aliança, para conseguir tão importantes fins, promover a prosperidade geral e segurar a existência política, e os distintos futuros de Portugal, assim como os do Brasil; e querendo de uma vez remover todos os obstáculos, que possam impedir a dita aliança, concórdia, e felicidade de um e outro Estado, por seu diploma de treze de maio do corrente ano, reconheceu o Brasil na categoria de Império Independente, e separado dos reinos de Portugal e Algarves, e a seu filho DOM PEDRO por Imperador, cedendo e transferindo de sua livre vontade a soberania do dito Império ao mesmo seu filho, e seus legítimos sucessores, e tomando somente, e reservando para a sua pessoa o mesmo título.
            E estes augustos senhores, aceitando a mediação de SUA MAJESTADE BRITANICA para o ajuste de toda a questão incidente a separação dos dois Estados, tem nomeado plenipotenciários, a saber. [...]
            E vistos e trocados os seus plenos poderes, convieram e que, na conformidade dos princípios expressados neste preâmbulo, se formasse o presente Tratado.

ARTIGO PRIMEIRO

SUA MAJESTADE FIDELÍSSIMA reconhece o Brasil na categoria de Império independente, e separado dos reinos de Portugal e Algarves; e a seu sobre todos muito amado, e prezado filho DOM PEDRO por Imperador, cedendo, e transferindo de sua livre vontade a soberania do dito Império ao mesmo seu filho e a seus legítimos sucessores, SUA MAJESTADE FIDELÍSSIMA toma somente e reserva para a sua pessoa o mesmo título.

ARTIGO SEGUNDO

SUA MAJESTADE IMPERIAL, em reconhecimento de respeito e amor a seu augusto pai o senhor DOM JOÃO SEXTO, anui a que SUA MAJESTADE FIDELÍSSIMA tome para sua pessoa o título de Imperador.

ARTIGO TERCEIRO

SUA MAJESTADE IMPERIAL promete não aceitar proposições de quaisquer colônias portuguesas para se reunirem ao Império do Brasil[7].

ARTIGO QUARTO

Haverá de agora em diante paz e aliança e a mais perfeita amizade entre o Império do Brasil, e os reinos de Portugal e Algarves. [...]

ARTIGO QUINTO

Os súditos de ambas as nações, brasileira, e portuguesa, serão considerados e tratados nos respectivos Estados como os da nação mais favorecida e amiga, e seus direitos e propriedade religiosamente guardados e protegidos; ficando entendido que os atuais possuidores de bens de raiz serão mantidos na posse pacífica dos mesmos bens.

[...]

ARTIGO DÉCIMO

Serão restabelecidas desde logo as relações de comércio entre ambas as nações, brasileira e portuguesa, pagando reciprocamente todas as mercadorias quinze por cento de direitos de consumo provisoriamente, ficando os direitos de baldeação e reexportação da mesma forma, que se praticava antes da separação.

ARTIGO UNDÉCIMO

A recíproca troca das ratificações do presente Tratado se fará na Cidade de Lisboa[8], dentro do espaço de cinco meses, ou mais breve, se for possível, contados do dia da assinatura do presente Tratado.

Feito na cidade do Rio de Janeiro[9] aos vinte e nove dias do mês de agosto do ano de nascimento de nosso senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e vinte e cinco.

 

[1] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] O desejo de emancipação de Portugal por setores e regiões do Brasil manifestou-se, primeiramente, nas revoltas coloniais ocorridas a partir do século XVIII, dentro do contexto da crise do antigo sistema colonial e da disseminação dos ideais iluministas, refletidos pela chamada geração de 1790, formada por intelectuais luso-brasileiros que estudaram na Europa, como por exemplo, José Bonifácio de Andrada e Silva e d. Rodrigo de Souza Coutinho. Este último foi o artífice da ideia de construção de um império luso-brasileiro, unindo os dois territórios, Portugal e Brasil, a fim de solucionar o anseio pela independência, criando um único império em dois continentes. No entanto, a violenta repressão a essas revoltas e a vinda da família real para o Brasil em 1808 conteve, brevemente, os grupos emancipacionistas. Portugal, porém, passava a ser dirigido por governadores do reino, sofrendo forte interferência do governo britânico e tendo seu território ocupado por tropas inglesas para impedir a invasão napoleônica. Esses fatores aliados à difusão de ideias liberais, e à crise econômica, causada pela perda do monopólio comercial com o Brasil graças a abertura dos portos coloniais ao comércio internacional, desagradavam grupos mercantis, a elite letrada e os militares portugueses, que se reuniram no movimento liberal conhecido como Revolução do Porto. Os objetivos desse movimento eram: a transição para o sistema monárquico constitucional, através da criação de uma Constituição que limitasse os poderes reais; restabelecer a economia interna lusa e reforçar os laços de dominação com a colônia, além da volta da corte para a Europa. No sentido de diminuir as tensões e preservar o trono, d. João voltou a Portugal em 1821 e deixou em seu lugar o príncipe regente d. Pedro. Porém, as Cortes continuaram elaborando uma série de medidas que pressionavam o governo da colônia e limitavam sua autonomia, como a criação das juntas governativas provisórias subordinadas diretamente a Lisboa, cuja autoridade abrangia as áreas econômica, administrativa, de polícia e jurisprudência civil. A presença de d. Pedro no Brasil se tornava praticamente desnecessária, uma vez que as juntas representavam todas as esferas do governo, e o impeliam a retornar a Lisboa. No dia 9 de janeiro de 1822, conhecido como o dia do Fico, o príncipe decidiu permanecer no Brasil, visando controlar os ânimos e manter a ordem. Neste momento ainda não se falava em separação, ao contrário, o clamor pela continuidade da regência de d. Pedro se fazia para evitar a queda do Império luso-brasileiro, uma vez que a adesão ou não de cada província ao sistema constitucional das Cortes de Lisboa poderia acarretar a fragmentação do território do Reino Unido do Brasil, tal como ocorrera com as colônias espanholas na América. No entanto, representou um ato de rebeldia contra as Cortes e o sistema constitucional imposto por elas, e uma tentativa de manter no Brasil uma monarquia absolutista. A situação tornou-se insustentável, e mesmo antes da proclamação da independência de fato, o governo brasileiro procurou o governo inglês para o reconhecimento de sua emancipação, para que pudesse negociar diretamente com as nações estrangeiras, como um país tão livre quanto Portugal. Em 1822, durante uma viagem a província de São Paulo para resolver questões políticas locais, d. Pedro recebeu notícias de novas medidas decretadas pela metrópole e decidiu-se pela proclamação da independência. Esta, no entanto, não trouxe consigo a unidade territorial, pelo contrário, alguns grupos apoiavam os colonizadores portugueses contra a emancipação. Em 1823, com o apoio da Inglaterra, foi sufocada a resistência portuguesa nas províncias da Bahia, do Maranhão, do Piauí e do Pará. Contudo, ainda havia a negociação diplomática do reconhecimento da independência do Brasil pelas potências europeias, processo findo em 29 de agosto de 1825, quando o Tratado de Paz e Aliança finalmente oficializou o reconhecimento de Portugal.

[3] O título de Imperador Constitucional faz referência à primeira constituição do Brasil, outorgada por d. Pedro I em 1824. A assembleia geral constituinte e legislativa do império do Brasil reuniu-se em 1823 para elaborar uma carta para o novo Império, logo após o conturbado processo de independência. No entanto, desentendimentos entre d. Pedro e os deputados constituintes, sobretudo no que diz respeito à limitação do poder do imperador, levaram ao fechamento do Congresso e à outorga da Constituição de 1824. Elaborada por dez juristas de sua confiança – “conselho de notáveis” – que redigiram o texto constitucional, centralizava diversas competências nas mãos do imperador através da criação do poder Moderador. Conhecido como quarto poder, era exercido exclusivamente pelo monarca, que poderia interferir no legislativo, judiciário e executivo, encontrando-se acima destes. A constituição de 1824 e seu poder moderador vingaram até o fim do Império em 1889, e foi a constituição brasileira de mais longa duração até os dias atuais.

[4] Antônio Luis Pereira da Cunha, marquês de Inhambupe, nasceu na Bahia em 1776 e faleceu no Rio de Janeiro em 1837. Cursou Matemática, Filosofia e Direito na Universidade de Coimbra, tendo se bacharelado no último. Exerceu diversos cargos como juiz de fora, ouvidor de comarca, e foi desembargador da relação da Bahia, do Porto e da Casa de Suplicação de Lisboa. Foi ainda deputado da Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação e fiscal das mercês. Elegeu-se deputado à Constituinte, e como representante da nação, foi responsável por organizar o Conselho de Estado; posteriormente, foi eleito senador por três províncias, tendo sido escolhido pelo Imperador para representar a de Pernambuco em 1826, quando se tornou barão de Inhambupe. Durante o período entre 1821-1822 foi intendente de polícia no Rio de Janeiro, responsável pelo controle de distúrbios e movimentos causados pela convocação das Cortes de Lisboa e retorno do monarca. Destacou-se como ministro dos Negócios Estrangeiros em 1826 quando conduziu a assinatura do tratado de 23 de novembro com o governo inglês pela extinção do tráfico de escravos com a África. Foi governador interino da Bahia, após a morte do conde da Ponte, conselheiro de Estado e presidente do Senado (na ocasião de sua morte). Escreveu, entre outros trabalhos, uma Memória sobre a criação das capitanias da Paraíba e Ceará, em 1816, e o Projeto de Constituição para o Império do Brazil, juntamente com Antônio Carlos de Andrada e Silva e José Joaquim Carneiro de Campos, em 1823.

[5] O Conselho de Estado foi fundado em 1823 por d. Pedro I com a missão inicial de elaborar a nova constituição depois que o Imperador dissolveu a Assembleia. Após o cumprimento da tarefa de escrever a carta constitucional para o Brasil, o Conselho assumiu, a partir de 1828, a função de aconselhamento do Imperador em questões relativas ao quarto poder, o moderador, conforme estabelece o artigo 142 da constituição de 1824: “negócios graves e medidas gerais da pública administração; principalmente sobre a declaração de guerra, ajuste de paz, [e] negociações com as nações estrangeiras”. Os requisitos necessários para se tornar membro do Conselho de Estado eram os mesmos para o Senado: ser brasileiro no gozo dos direitos políticos, católico, digno por saber, capacidade e virtudes, e ter mais de 40 anos e renda anual de no mínimo 800 mil réis. Durante o primeiro reinado os conselheiros, nomeados pelo Imperador, eram em número de dez, outro tanto de suplentes. Até 1834, o Conselho de Estado era composto por um grupo de amigos de d. Pedro I, áulicos que gravitavam em torno do palácio e apoiavam mais o absolutismo do Imperador do que uma monarquia constitucional. No ato adicional de 1834, o Conselho de Estado foi suprimido, tendo em vista que, se sua função era aconselhar o Imperador no exercício do quarto poder, na ausência deste, o Conselho não teria razão para existir. Seguindo esta mesma lógica, em 1841, logo que o Segundo Reinado teve início com a maioridade de d. Pedro II, foi reinstalado pela lei de 3 de maio. Neste momento, o Conselho, presidido pelo próprio Imperador, teve seu número de membros ampliado para doze ordinários (podendo ter igual número de extraordinários), além dos ministros de Estado, e tornou-se vitalício, embora pudesse ser dissolvido pelo monarca a qualquer tempo. Durante o Segundo Reinado, o Conselho de Estado representou, no dizer de José Honório Rodrigues e João Camilo de Oliveira Torres, um quinto poder, pela importância de seus membros e sua atuação na política imperial, e pela influência que exercia no Imperador, que por sua vez, ao nomear os membros, procurava manter um equilíbrio entre liberais e conservadores, não obstante pendesse em direção a esses. O Conselho de Estado foi extinto junto com o regime monárquico.

[6] Essa expressão refere-se ao processo de reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, com o intuito de encerrar os conflitos que ocorreram em território americano pela não aceitação da emancipação. As províncias do ParáMaranhãoPiauíCeará, parte da Bahia e Cisplatina, por preservar relações diretas com a metrópole, mantiveram-se fiéis às Cortes de Lisboa e contrários à  Independência, o que originou conflitos entre tropas portuguesas e brasileiras, postergando a consolidação da soberania brasileira. No final do ano de 1823, todas as províncias já haviam reconhecido o Brasil como país independente e d. Pedro I como seu imperador. Contudo, no âmbito político, ainda se mantinham as divergências entre os adeptos da causa da emancipação e aqueles que queriam a permanência dos vínculos com Portugal, que mais tarde se reuniram nos partidos brasileiro e português, respectivamente. A intervenção do governo britânico foi fundamental para o reconhecimento da independência do Brasil por Portugal, interessada em manter as relações econômicas com o Brasil, intensificadas desde a abertura dos portos, mas também com a antiga aliada lusa. O reconhecimento pela nação britânica, asseguraria a continuidade das relações comerciais e seria, ainda, um passo importante para que as outras nações estrangeiras fizessem o mesmo. Entre os países estrangeiros, os Estados Unidos, favoráveis a independência de todas as colônias americanas, foram os primeiros a reconhecer o Brasil como país soberano. Já as nações europeias resistiram, uma vez que haviam firmado um acordo no Congresso de Viena (1815) para defender o absolutismo e combater as ideias de liberdade.  Nesse contexto, José Bonifácio enviou à Inglaterra o marquês de Barbacena, para negociar o reconhecimento do Brasil como Estado independente de Portugal. Para o correto desempenho da função, escreveu as instruções que deveriam ser cumpridas pelo agente diplomático, entre elas, a recomendação de informar e recolher documentos comprobatórios sobre possíveis acordos entre portugueses e ingleses que pudessem prejudicar o Brasil. O novo império americano utilizava-se do discurso de que a Independência se legitimava na vontade geral de seus habitantes e deixava claro que só negociaria com as nações que o reconhecessem como independente, não fechava suas portas para negociações com a antiga metrópole, desde que fossem por meio de alianças benéficas para ambos os países. Dessa forma, o governo inglês assumiu a intermediação das negociações com os governos do Rio de Janeiro e de Lisboa, conseguindo que o primeiro se comprometesse a pagar uma indenização de dois milhões de libras esterlinas a Portugal para o definitivo reconhecimento da  Independência. A quantia, paga a Portugal, foi emprestada pela Inglaterra. O Tratado de Paz e Aliança assinado em 1825 entre Brasil e Portugal pretendia estabelecer boas relações diplomáticas entre os dois países e assegurar a continuidade das relações comerciais.

[7] Fundado em 1822, o império brasileiro chegou ao fim em 1889 com a proclamação da República. Sua gênese pode ser localizada na crise do antigo sistema colonial, na difusão das ideias ilustradas, nas revoluções e lutas pela independência das colônias vizinhas, além das revoltas emancipacionistas internas do final do século XVIII que caracterizavam a constante insatisfação com as monarquias europeias. A vinda da família real portuguesa para o Brasil adiou as discussões sobre independência e inverteu as relações entre colônia e metrópole, uma vez que o domínio sobre a colônia se acentuou, mas o governo sobre a metrópole lusa passou a ocupar uma posição secundária. Diante disso, em 1820, organizou-se em Portugal o movimento conhecido como Revolução do Porto, que exigia a volta definitiva da realeza lusitana, a criação de uma constituição e o fortalecimento do domínio português sobre o Brasil, numa tentativa recolonizadora. Mesmo com a volta de d. João VI a Portugal e a aceitação da constituição elaborada pelas Cortes, as divergências entre colônia e metrópole persistiram, levando d. Pedro I a proclamar a independência e ser coroado como imperador do Brasil em 1822. Nove anos mais tarde, ele abdicou o trono em favor do seu filho, que ainda era uma criança e voltou para Portugal. No Brasil foram escolhidos regentes que governaram até que d. Pedro II pudesse assumir a direção do Império, o que ocorreu em 1840, com o chamado Golpe da Maioridade, pois d. Pedro II ainda tinha 14 anos de idade e pela constituição não poderia assumir o governo. Assim, esse período de 67 anos foi dividido pelos historiadores em três fases: o primeiro reinado, período regencial e o segundo reinado. Durante todos esses anos prevaleceu uma única constituição que instituía a monarquia hereditária, o catolicismo como religião oficial do império, os quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador – esse último estava acima dos demais poderes e centralizava o poder nas mãos do imperador, além do voto censitário, que por estar baseado na renda excluía a maior parte da população. Internamente, o país conheceu revoltas travadas contra o próprio sistema monárquico, a escravidão, os altos impostos e o sistema de pesos e medidas. O Brasil também se envolveu em guerras com países vizinhos por disputas territoriais como a Guerra da Cisplatina (1825 a 1828), que aumentou a impopularidade de d. Pedro I e as dívidas do país, e a Guerra do Paraguai (1865-1870), que, igualmente, contribuiu para o endividamento do estado e enfraquecimento do regime monárquico. Além disso, a partir da década de 1870, a Coroa entrou em conflito com a Igreja Católica e com os militares. Ambos estavam descontentes com a intromissão do governo em questões religiosas e militares e retiraram seu apoio ao governo monárquico. O movimento abolicionista ganhou força na década de 1880 quando projetos para a libertação dos escravos foram apresentados ao Senado até a vitória com a Lei Áurea de 1888, abolindo definitivamente a escravidão no Brasil. A liberdade dos cativos, porém, teve um alto preço para o trono de d. Pedro II, uma vez que grande parte da aristocracia brasileira foi contra essa medida. Dessa forma, estava instaurado o caos no império, com a crise econômica, perda do apoio da igreja Católica, da aristocracia e dos militares. Estes últimos uniram suas forças aos republicanos, principalmente do já formado Partido Republicano Paulista, para jogar a última pá de cal no sistema monárquico e proclamar a República em novembro de 1889.

[8] Capital de Portugal, sua origem como núcleo populacional é bastante controversa. Sobre sua fundação, na época da dominação romana na Península Ibérica, sobrevive a narrativa mitológica feita por Ulisses, na Odisseia de Homero, que teria fundado, em frente ao estuário do Tejo, a cidade de Olissipo – como os fenícios designavam a cidade e o seu maravilhoso rio de auríferas areias. Durante séculos, Lisboa foi romana, muçulmana, cristã. Após a guerra de Reconquista e a formação do Estado português, inicia-se, no século XV, a expansão marítima lusitana e, a partir de então, Portugal cria núcleos urbanos em seu império, enquanto a maioria das cidades portuguesas era ainda muito acanhada. O maior núcleo era Lisboa, de onde partiram importantes expedições à época dos Descobrimentos, como a de Vasco da Gama em 1497. A partir desse período, Lisboa conheceu um grande crescimento econômico, transformando-se no centro dos negócios lusos. Como assinala Renata Araújo em texto publicado no site O Arquivo Nacional e a história luso-brasileira (http://historialuso.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3178&Itemid=330), existem dois momentos fundadores na história da cidade: o período manuelino e a reconstrução pombalina da cidade após o terremoto de 1755. No primeiro, a expansão iniciada nos quinhentos leva a uma nova fase do desenvolvimento urbano, beneficiando as cidades portuárias que participam do comércio, enquanto são elas mesmas influenciadas pelo contato com o Novo Mundo, pelas imagens, construções, materiais, que vinham de vários pontos do Império. A própria transformação de Portugal em potência naval e comercial provoca, em 1506, a mudança dos paços reais da Alcáçova de Lisboa por um palácio com traços renascentistas, de onde se podia ver o Tejo. O historiador português José Hermano Saraiva explica que o lugar escolhido como “lar da nova monarquia” havia sido o dos armazéns da Casa da Mina, reservados então ao algodão, malagueta e marfim que vinham da costa da Guiné. Em 1º de novembro de 1755, a cidade foi destruída por um grande terremoto, com a perda de dez mil edifícios, incêndios e morte de muitos habitantes entre as camadas mais populares. Caberia ao marquês de Pombal encetar a obra que reconstruiu parte da cidade, a partir do plano dos arquitetos portugueses Eugenio dos Santos e Manuel da Maia. O traçado obedecia aos preceitos racionalistas, com sua planta geométrica, retilínea e a uniformidade das construções. O Terreiro do Paço ganharia a denominação de Praça do Comércio, signo da nova capital do reino. A tarde de 27 de novembro de 1807 sinaliza um outro momento de inflexão na história da cidade, quando, sob a ameaça da invasão das tropas napoleônicas, se dá o embarque da família real rumo à sua colônia na América, partindo no dia 29 sob a proteção da esquadra britânica e deixando, segundo relatos, a população aturdida e desesperada, bagagens amontoadas à beira do Tejo, casas fechadas, como destacam os historiadores Lúcia Bastos e Guilherme Neves (Alegrias e infortúnios dos súditos luso-europeus e americanos: a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1807. Acervo, Rio de Janeiro, v.21, nº1, p.29-46, jan/jun 2008. http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/86/86). No dia 30 daquele mês, o general Junot tomaria Lisboa, só libertada no ano seguinte mediante intervenção inglesa.

[9] A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

 

Situação da província do Pará

Ofício do ouvidor da comarca do Pará, Francisco Carneiro Pinto Vieira de Melo, ao ministro secretário de Estado dos Negócios do Reino, José da Silva Carvalho, sobre a situação da província do Pará. Segundo Francisco Carneiro, os habitantes da província estariam satisfeitos com o sistema constitucional de Lisboa, havendo alguns poucos adeptos da independência do Brasil e da adesão ao sistema do Rio de Janeiro, mesmo tendo estes aumentado um pouco em número. Na cidade do Pará os facciosos chegaram a exibir uma fita verde como insígnia, ao estilo dos revolucionários de Parnaíba, porto do Piauí, indicando uma certa combinação entre os revoltosos, já que o juiz de fora daquela província era natural desta cidade. O governador das armas José Maria de Moura manteve a tropa subordinada, punindo alguns oficiais do regimento de 1ª linha que se uniram ao partido da independência, isolando-os em pontos distantes da província.

Conjunto documental: Independência do Brasil: acontecimentos posteriores (manuscritos). 1822-1922
Notação: caixa 740.2
Datas-limite: 1822-1922
Título do fundo ou coleção: SDH - Diversos - "Caixas Topográficas"
Código do fundo ou coleção: 2H
Argumento de pesquisa: independência do Brasil
Data do documento: 29 de dezembro de 1822
Local: Pará
Folha(s): doc. 9

 

Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor

Persuadido de que é de interesse público, e do meu dever participar a Vossa Excelência qual seja o estado atual desta província relativamente à consolidação do sistema constitucional, passo a fazer a seguinte exposição, para que Vossa Excelência se digne levá-la à presença de Sua Majestade[1]. = Por informações, que tenho dos Juízes Ordinários de umas vilas desta Comarca, e de várias pessoas de outras me consta que os habitantes delas vivem mui satisfeitos com o atual sistema, e não se lembram de Independência[2]; e apenas na vila de Cametá, a mais populosa desta província, me consta haverem pessoas, ainda que muito poucas em quem se divisam desejos de união ao sistema do Rio de Janeiro[3], e nem admira (permita-me Vossa Excelência a expressão) que entre doze apóstolos apareça um Judas; porém dali nenhum mal nos pode vir; nem devemos recear coisa alguma conservando-se a cidade, como espero, fiel ao juramento que prestou a constituição.
Os povos das comarcas de Marajó, e Rio Negro têm-se conduzido até agora com louvável firmeza de caráter, e nem era possível que se encontrassem ideia de desunião nestes povos, pela maior parte índios, rudes, pobres, habitando em povoações muito distantes umas das outras, e que não são suscetíveis de ideias revolucionárias. Pelo que respeita a esta cidade há a notar, que o pequeno partido de facciosos, que há meses se conhece, e de que tenho falado a Vossa Excelência, se tem aumentado alguma coisa, a ponto de aparecerem em algumas manhãs em várias esquinas desta cidade proclamações, de que remeto o incluso original, e pasquins, de que mando cópia: tem constado além disto ouvirem-se ditos a diferentes mancebos naturais do país, relativos à desunião de Portugal, e infelizmente alguns europeus imprudentes proferindo palavras indiscretas têm dado ocasião a ouvirem alguns de semelhantes ditos: acresce o terem aparecido alguns dos supraditos mancebos com laços de fita verde nas casacas, e há poucos dias por notícias de Maranhão[4] se sabe que insígnia dos revolucionários da Parnaíba[5] era uma fita verde; isto dá ideia de que havia combinação entre lá, e cá, e ainda mais porque o juiz de fora da Parnaíba, chefe daquela revolução, é natural desta cidade, e se correspondia com alguns dos que são aqui suspeitos, e isto a título de amizade antiga. Também constou há dias que alguns oficiais dos regimentos da 1ª linha desta cidade se haviam unido ao partido da Independência; pelo que, e antes que semelhante mal se propagasse na tropa, foram mandados pelo governador das armas José Maria de Moura[6] debaixo de pretextos honestos para diferentes pontos desta província muito distantes da cidade, e em grande distância uns dos outros: esta medida a meu ver foi muito acertada, e se a Junta Provisória[7] tomasse iguais medidas (como eu já lembrei) ficava essa cidade em perfeito sossego. Em consequência das mencionadas proclamações, e pasquins procedi a devassa, que espero concluir, passadas as férias, e de cujo resultado darei parte a Vossa Excelência. Não devemos apesar de tudo isto recear aqui alguma explosão nem mesmo ver um partido a favor da Independência, que possa competir com o partido constitucional, primeiramente, porque a maior parte dos habitantes desta cidade são europeus, muito constitucionais, e que se não deixam iludir pelos facciosos; em segundo lugar, porque o governador das armas, tem a tropa bem subordinada, e a meu ver conta com ela, tem dado boas providências, e tem mostrado muito zelo, e atividade em favor da causa constitucional, em fazer uma fortíssima barreira ao partido da Independência; e finalmente, porque com as notícias vindas proximamente de Maranhão do estado de desordem, em que se acha o Rio de Janeiro, do estrago, que o general Madeira tem feito nos insurgentes comandados por monsieur Labatut nas imediações da Bahia, da restauração da Parnaíba que havia proclamado a independência, da fuga dos chefes desta revolução, e do sossego, em que se achava atualmente toda a província do Maranhão, têm-se animado muito os constitucionais, tem-se manifestado em toda a cidade um contentamento indizível, excelentes iluminações da cidade em diferentes noites, e a proporção que vinham chegando as notícias do Maranhão, bem mostram o regozijo de seus habitantes, e alguns dos facciosos depois disto se tem retirado para fora da cidade para lugares isolados, e tem deixado de aparecer pasquins, e de haver falácias[8], como nos dias antecedentes.
Devo contudo advertir que o aumento do partido pela Independência não é tanto, que nos tenha causado medo, e as providências, que se tem dado, tem sido para obstar ao seu progresso, e não porque se conheça, que este, que existe possa nem ao menos lembra-se de fazer uma revolução; porque não tem forças para isso; mas bom é desde já dar providências enérgicas para se evitar o mal na sua origem.
Nestes termos ainda podemos contar com a união desta província à mãe pátria[9], e isto mesmo pode Vossa Excelência assegurar a Sua Majestade, pois que os honrados paraenses nada querem do Rio de Janeiro, e os poucos dissidentes não podem fazer mudar a vontade geral.
Deus guarde a Vossa Excelência. Pará[10] 29 de dezembro de 1822.
Ilustríssimo excelentíssimo senhor José da Silva Carvalho[11]
Ministro e secretário de Estado dos Negócios da Justiça
Ouvidor da Comarca Francisco Carneiro Pinto Vieira de Melo

 

[1] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] O desejo de emancipação de Portugal por setores e regiões do Brasil manifestou-se, primeiramente, nas revoltas coloniais ocorridas a partir do século XVIII, dentro do contexto da crise do antigo sistema colonial e da disseminação dos ideais iluministas, refletidos pela chamada geração de 1790, formada por intelectuais luso-brasileiros que estudaram na Europa, como por exemplo, José Bonifácio de Andrada e Silva e d. Rodrigo de Souza Coutinho. Este último foi o artífice da ideia de construção de um império luso-brasileiro, unindo os dois territórios, Portugal e Brasil, a fim de solucionar o anseio pela independência, criando um único império em dois continentes. No entanto, a violenta repressão a essas revoltas e a vinda da família real para o Brasil em 1808 conteve, brevemente, os grupos emancipacionistas. Portugal, porém, passava a ser dirigido por governadores do reino, sofrendo forte interferência do governo britânico e tendo seu território ocupado por tropas inglesas para impedir a invasão napoleônica. Esses fatores aliados à difusão de ideias liberais, e à crise econômica, causada pela perda do monopólio comercial com o Brasil graças a abertura dos portos coloniais ao comércio internacional, desagradavam grupos mercantis, a elite letrada e os militares portugueses, que se reuniram no movimento liberal conhecido como Revolução do Porto. Os objetivos desse movimento eram: a transição para o sistema monárquico constitucional, através da criação de uma Constituição que limitasse os poderes reais; restabelecer a economia interna lusa e reforçar os laços de dominação com a colônia, além da volta da corte para a Europa. No sentido de diminuir as tensões e preservar o trono, d. João voltou a Portugal em 1821 e deixou em seu lugar o príncipe regente d. Pedro. Porém, as Cortes continuaram elaborando uma série de medidas que pressionavam o governo da colônia e limitavam sua autonomia, como a criação das juntas governativas provisórias subordinadas diretamente a Lisboa, cuja autoridade abrangia as áreas econômica, administrativa, de polícia e jurisprudência civil. A presença de d. Pedro no Brasil se tornava praticamente desnecessária, uma vez que as juntas representavam todas as esferas do governo, e o impeliam a retornar a Lisboa. No dia 9 de janeiro de 1822, conhecido como o dia do Fico, o príncipe decidiu permanecer no Brasil, visando controlar os ânimos e manter a ordem. Neste momento ainda não se falava em separação, ao contrário, o clamor pela continuidade da regência de d. Pedro se fazia para evitar a queda do Império luso-brasileiro, uma vez que a adesão ou não de cada província ao sistema constitucional das Cortes de Lisboa poderia acarretar a fragmentação do território do Reino Unido do Brasil, tal como ocorrera com as colônias espanholas na América. No entanto, representou um ato de rebeldia contra as Cortes e o sistema constitucional imposto por elas, e uma tentativa de manter no Brasil uma monarquia absolutista. A situação tornou-se insustentável, e mesmo antes da proclamação da independência de fato, o governo brasileiro procurou o governo inglês para o reconhecimento de sua emancipação, para que pudesse negociar diretamente com as nações estrangeiras, como um país tão livre quanto Portugal. Em 1822, durante uma viagem a província de São Paulo para resolver questões políticas locais, d. Pedro recebeu notícias de novas medidas decretadas pela metrópole e decidiu-se pela proclamação da independência. Esta, no entanto, não trouxe consigo a unidade territorial, pelo contrário, alguns grupos apoiavam os colonizadores portugueses contra a emancipação. Em 1823, com o apoio da Inglaterra, foi sufocada a resistência portuguesa nas províncias da Bahia, do Maranhão, do Piauí e do Pará. Contudo, ainda havia a negociação diplomática do reconhecimento da independência do Brasil pelas potências europeias, processo findo em 29 de agosto de 1825, quando o Tratado de Paz e Aliança finalmente oficializou o reconhecimento de Portugal.

[3] A independência do Brasil não foi sentida da mesma forma em todo território nacional. Enquanto no sudeste, por exemplo, o processo de emancipação foi logo reconhecido, nas regiões onde, por razões estratégicas, se registrava maior concentração de tropas do exército português, a saber, nas então províncias Cisplatina, da Bahia, do Piauí, do Maranhão e do Grão-Pará, após o 7 de setembro, as cisões entre partidários a independência e aqueles fiéis a Portugal levaram a violentas batalhas. Nesse contexto a expressão sistema do Rio de Janeiro referia-se à aceitação da independência e juramento de fidelidade ao imperador d. Pedro I, sendo a sede do governo a cidade do Rio de Janeiro, contrariando o sistema constitucional das Cortes de Lisboa.

[4] Os primeiros europeus a chegarem à região onde hoje se encontra o estado do Maranhão foram os espanhóis em 1500. A capitania originou-se a partir do sistema de capitanias hereditárias implantado por d. João III em 1534 e sua colonização coube ao tesoureiro e cronista português, João de Barros. No entanto, foram os franceses que realizaram a ocupação efetiva do território, iniciada em 1612, quando 500 deles, comandados por Daniel de la Touche, senhor de La Ravardière, chegaram em três navios e fundaram a França Equinocial diante das tentativas fracassadas de Portugal. Os franceses construíram na região o forte e vila de São Luís, batizados com este nome em homenagem ao seu rei Luís XIII, originando a cidade que se tornaria a capital do Maranhão. Seguiram-se lutas e tréguas entre portugueses e franceses até 1615, quando os primeiros retomaram definitivamente a colônia. Assim, em 1621, foi instituído o estado do Maranhão e Grão-Pará, com o objetivo de proteger a costa e facilitar os contatos diretamente com a metrópole, uma vez que as relações com a capital da colônia eram difíceis. Em 1641, os holandeses invadiram a região e ocuparam a ilha de São Luís. Três anos depois, foram expulsos pelos portugueses. Durante o século XVII, o Maranhão mostrou-se uma região relativamente lucrativa para o comércio internacional, dada a presença das chamadas drogas do sertão e de alguns produtos agrícolas, bastante valorizados para fins de exportação. Em 1751, devido ao florescimento econômico impulsionado pela produção de açúcaralgodãotabaco e das drogas do sertão (sobretudo na capitania do Pará), o nome do Estado mudou para Grão-Pará e Maranhão, e intensificaram-se as disputas pela exploração e comércio, sobretudo das drogas, que culminaram na expulsão dos jesuítas, que controlavam estas atividades, em 1759. Em 1772, o Estado foi desmembrado em duas capitanias gerais e duas subalternas, Pará e Rio Negro, e Maranhão e Piauí. É importante ressaltar ainda que, embora Portugal visse seus estados na América como um conjunto, como uma grande colônia, esta visão não era compartilhada pelos colonos que moravam aqui, que não viam este todo, o Brasil, e não percebiam unidade na colônia. Dessa forma, a forte influência portuguesa no Maranhão fez com que o estado apoiasse a metrópole contra a independência do Brasil, e só viesse a aceitá-la após intervenção armada em 1823.

[5] Fundada em 1759, Parnaíba era o principal porto e centro econômico da província do Piauí que, no início do século XIX, já exportava diretamente para a Europa. Essa cidade foi a primeira e única a proclamar a independência e aclamar o imperador, insubordinando-se contra toda província do Piauí que estava diretamente ligada a Portugal. Para o ouvidor da comarca na época, Francisco Carneiro Pinto Vieira de Melo, a restauração da Parnaíba, com o fim do movimento de adesão à independência da colônia brasileira e o restabelecimento dos vínculos de fidelidade com Portugal, estaria muito próxima. Contudo, as guerras entre as tropas locais e outras enviadas por Lisboa persistiram, até que, em agosto de 1823, toda a província do Piauí foi tomada, após a prisão do general Fidié, líder do exército português por tropas cearenses, aliando-se ao sistema do Rio de Janeiro. Por este motivo, Parnaíba foi agraciada por d. Pedro I, com o título meritório de “A Metrópole das Províncias do Norte”.

[6] Militar português nascido em Lisboa, foi adepto da Revolução liberal do Porto (1820) e nomeado pelas Cortes Governador das Armas de Pernambuco em 1821. No ano seguinte, assumiu o mesmo cargo na província do Grão-Pará, responsável pelo comando das tropas portuguesas na região, resistindo ao movimento de independência até 1823, quando se retiraram para Portugal.

[7] Criadas a partir de 1821, em substituição aos capitães e governadores das capitanias as quais foram transformadas em províncias brasileiras que, a partir de então, passariam a ser governadas por juntas governativas provisórias. Tinham autoridade e jurisdição no âmbito civil, econômico, administrativo e de polícia das agora chamadas províncias. Estabelecidas durante o governo do príncipe regente d. Pedro, após a volta de d. João VI e da corte para Portugal, acatavam as exigências das Cortes portuguesas, instituídas pelo movimento liberal do Porto. A criação dessas juntas governativas gerou insatisfações por parte da elite política local e, principalmente, do governo central do Rio de Janeiro, na figura do príncipe regente, que perdia sua autoridade diante das províncias e passava a governar apenas o Rio de Janeiro. Com a independência, as juntas foram substituídas pelo presidente de província, escolhido e subordinado ao imperador.

[8] Escritos satíricos, manuscritos ou impressos, de tiragem pequena, alcance limitado e vida efêmera, distribuídos ou afixados em local público. Os pasquins refletiam ideias vanguardistas, muitas vezes tidos como falácias ou boatos, que endossavam e incentivavam mudanças sociais, políticas ou econômicas. Sua divulgação foi alvo de repressão e censura e poderia mesmo constituir crime de lesa majestade, dado o significado subvertedor da ordem estabelecida. Esse tipo de folheto foi utilizado nas inconfidências setecentistas – a mineira, de 1789, e a baiana, de 1798 – e na independência, nas regências, no império, na abolição, na república, inspirado não só nos paladinos da Revolução Francesa, mas também nos pasquinheiros baianos como Jorge Marins, Belchior Ordonhes e Gregório de Matos (BAHIA, Juarez. Dicionário de jornalismo Juarez Bahia: século XX. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010). Os pasquins marcaram o momento inicial da imprensa popular do Brasil. Sem relação orgânica com grupos políticos dirigentes, externavam conceitos ásperos de oposição aos lusos no Brasil, sempre ligados à contestação política e social. Esses impressos mantinham algumas características comuns como o formato in-4º, não eram comercializados publicamente, não tinham periodicidade certa e mantinham o anonimato. “Se, de um lado, os pasquins se baseavam na liberdade de imprensa como base para sua existência e desenvolvimento (mesmo em inúmeros casos sofrendo com a repressão e a censura), por outro, tal liberdade era vista por muitos setores (principalmente os políticos) como elemento de desagregação e ameaça, pelo menos para aqueles que estavam no poder” (Oliveira, Rodrigo Santos de. A relação entre a história e a imprensa, breve história da imprensa e as origens da imprensa no Brasil (1808-1930) Historiæ, Rio Grande, 2 (3): 125-142, 2011 Disponível em: http://www.repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/6828/2614-7224-1-PB.pdf?sequence=1). A pasquinagem foi se tornando problemática diante da consolidação do sistema partidário. O fim dos pasquins, a partir da segunda metade do século XIX, dá início a um período de reordenamento da estrutura jornalística abrindo espaço para uma imprensa político-partidária.

[9] Desde os tempos coloniais, os obstáculos geográficos, a ausência de unidade e os interesses internos fizeram com que a administração da capitania do Pará se reportasse às regiões vizinhas ou diretamente a Portugal, no comércio ou em caso de alguma dificuldade. Textos na imprensa paraense ou panfletos, inclusive muitas vezes reproduzindo textos originários de outras províncias, ressaltavam a dificuldade de comunicação com o sul, como um argumento definitivo para a manutenção do alinhamento com Lisboa e a rejeição da independência. Após a independência, a situação continuou a mesma e a província se recusou a aderir ao sistema do Rio de Janeiro, mantendo-se fiel às Cortes de Lisboa e aos ideais liberais. O governo do Pará confirma a adesão espontânea às Cortes, apoio este que foi selado através de um “juramento solene”. O Pará seria logo reconhecido como província de Portugal, subordinando-se diretamente ao governo revolucionário, ignorando a corte do Rio de Janeiro e adotando provisoriamente a constituição de Cádiz. Porém, pouco depois, a situação se agravou, José Bonifácio contratou Thomas Cochrane, ex-capitão do exército inglês para conter os insurgentes, tarefa que foi cumprida com habilidade em todas as províncias que se mantinham ao lado de Portugal, inclusive o Pará, que foi ocupado por subordinados a Cochrane e finalmente aderiu à emancipação do Brasil em agosto de 1823.

[10] A etimologia do nome da antiga unidade administrativa decorre do rio Pará, derivado do tupi-guarani pa'ra que significa rio do tamanho do mar ou grande rio devido sua grande extensão. No ano de 1621, a colônia americana portuguesa foi dividida em dois territórios administrativamente separados que respondiam ambos diretamente a Lisboa: o Estado do Brasil, com sede em Salvador, e o Estado do Maranhão, com centro administrativo em São Luís. O Estado do Maranhão e Grão-Pará permaneceu com essa designação até o ano de 1751, quando no reinado de d. José I e do gabinete de Sebastião José de Carvalho e Melo, transfere a capital administrativa de São Luiz para Belém (fundada em 1616) e passa a se chamar Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Estado do Grão-Pará e Maranhão era composto pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, mantida essa estrutura até o ano de 1772/1774, quando o governo português resolve dividir o Estado do Grão-Pará e Maranhão em duas unidades administrativas distintas: o Estado do Grão-Pará e Rio Negro (1772/1774 -1850), ficando a capitania do Rio Negro Subordinada ao Pará, e o Estado do Maranhão e Piauí (1772/1774-1811), ficado a capitania do Piauí subordinada ao Maranhão. Ambas, as unidades administrativas criadas ficaram subordinadas diretamente a Lisboa (SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte: trajetórias administrativas no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). Tese de doutorado em História. USP, 2008). As conquistas do norte eram inicialmente subordinadas ao Estado do Maranhão, que não conseguia defender toda a vasta região amazônica, além de expandir as fronteiras para o oeste. Para tentar efetivar a apropriação do território e conter o alcance da influência dos religiosos nas missões e aldeamentos, a Coroa criou e distribuiu sistematicamente, entre 1615 e 1645, capitanias e sesmarias ao longo do rio Amazonas. As capitanias que compunham o Estado do Maranhão no século XVII eram Pará, Maranhão e Piauí – reais – e Cumá, Caeté, Cametá e Marajó (ou Ilha Grande de Joanes), estas particulares e subordinadas às da Coroa. O regime das capitanias permaneceu em vigor desde 1615 até 1759, quando o marquês de Pombal, primeiro-ministro de d. José I, reformulou o sistema, incorporando todas à Coroa e dando uma nova configuração ao Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Grão-Pará representou grande possibilidade de riqueza para colonos e colonizadores, interessados nas drogas do sertão e nas terras indígenas. O setecentos, sobretudo na segunda metade, foi um período profícuo para a região, devido à intensificação do comércio das drogas e ao incentivo às culturas agrícolas, como o cacautabacocaféalgodão, entre outros, promovidos pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e resultante da expulsão dos jesuítas, que controlavam o comércio com os índios.

[11] Nascido na freguesia portuguesa de São João de Areias era de família pobre, mas conseguiu frequentar o Colégio das Artes em Coimbra e o curso de Direito, se formando, em 1805, na Universidade de Coimbra. Inicialmente, exerceu a advocacia, mas, em seguida, ocupou diversos cargos como juiz de fora de Recardães, juiz dos órfãos do Porto, co-fundador de uma sociedade secreta pró-liberal chamada Sinédrio e integrante da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino e da Junta Provisional das Cortes. Foi nomeado pelas Cortes membro da regência do país, durante a ausência do rei, e com sua chegada em 1821, foi escolhido para a pasta dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça até 1823, quando emigrou para Londres. Em 1826, a outorga da Carta Constitucional possibilitou sua volta a Portugal, porém, novamente, precisou se exilar na Inglaterra por ser perseguido por tropas miguelistas. Na capital inglesa, foi nomeado duque de Palmela e vogal na Comissão de Socorros aos Emigrados. Voltou ao cenário político português quando d. Pedro IV assumiu o trono, exercendo vários cargos entre eles novamente o de ministro dos Negócios da Fazenda. Em 1842, foi nomeado vice-presidente da Câmara dos Pares. Na magistratura, chegou à presidência do Supremo Tribunal de Justiça. Também foi Conselheiro de Estado, grã-cruz das ordens de São Tiago de Espada e de Carlos III, da Espanha, além de sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa.

Termo de vereação do dia do fico

Termo de vereação que reuniu no Paço membros do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, entre eles o juiz de fora presidente, vereadores e o procurador, e o coronel do estado maior representando o governo do Rio Grande de São Pedro do Sul, em uma audiência na qual foi pedida a d. Pedro a sua permanência no Brasil. Obteve-se uma resposta positiva do príncipe, que ficou conhecida como "O Fico".

 

Conjunto documental: Independência do Brasil: acontecimentos anteriores (impressos)
Notação: 740.4
Data-limite: 1821-1822
Título do Fundo ou Coleção: SDH - Diversos - "Caixas Topográficas"
Código do fundo: 2H
Argumento de pesquisa: independência do Brasil
Data do documento: 9 de janeiro de 1822
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): doc. 4, 1

 

Termo de Vereação[1] do dia 9 de janeiro de 1822[2]

Aos nove de janeiro do ano de mil oitocentos e vinte e dois, nesta cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, e Paços do Conselho, aonde se achavam reunidos em ato de vereação, na forma do seu regimento, o juiz de fora presidente, vereadores, e procurador do Senado da Câmara[3], abaixo assinados, por parte do povo desta cidade foram apresentados ao mesmo Senado várias representações, que todas se dirigem a requerer que este leve a consideração de SUA ALTEZA REAL[4], que deseja que suspenda a sua saída para Portugal, por assim o exigir a salvação da pátria[5], que está ameaçada do iminente perigo de divisão de partidos[6]que se temem de uma independência absoluta, até que o soberano Congresso[7] possa ser informado destas novas circunstâncias, e a vista delas acuda a este Reino com um remédio pronto, que seja capaz de salvar a pátria, como tudo melhor consta das mesmas representações, que se mandaram registrar. E sendo vistas essas representações, estando presente os homens bons[8] desta cidade, que tem andado na governança dela, para este ato convocados, por todos foi unanimemente acordado que elas continham a vontade dominante de todo o povo, e que urgia que fossem imediatamente apresentadas a SUA ALTEZA REAL. Para este fim saiu imediatamente o procurador do Senado da Câmara, encarregado de anunciar ao mesmo senhor esta deliberação, e de lhe pedir uma audiência para o sobredito efeito: e voltando com a resposta de que SUA ALTEZA REAL tinha designado a hora do meio-dia para receber o Senado da Câmara no Paço desta cidade, para ali saiu o mesmo Senado às onze horas do dia; e sendo apresentadas a SUA ALTEZA REAL as sobreditas representações pela voz do presidente do Senado da Câmara, que lhe dirigiu a fala; depois dele o coronel do estado maior as ordens do governo do Rio Grande Manoel Carneiro da Silva e Fontoura, que tinha pedido licença ao Senado da Câmara para se unir a ele, dirigiu a fala ao mesmo senhor, protestando-lhe que os sentimentos da província de Rio Grande de S. Pedro do Sul[9]  eram absolutamente conformes aos desta província. E no mesmo ato João Pedro Carvalho de Moraes apresentou a SUA ALTEZA REAL uma carta das Câmaras de Santo Antônio de Sá e Magé contendo iguais sentimentos e SUA ALTEZA REAL dignou-se a responder com as expressões seguintes = Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico = E logo chegando SUA ALTEZA REAL as varandas do Paço disse ao povo "= agora só tenho a recomendar-vos a união e tranqüilidade =" Foi a resposta de SUA ALTEZA REAL seguida de vivas de maior satisfação levantados das janelas do Paço pelo presidente do Senado da Câmara e repetidos pelo imenso povo, que estava reunido no largo do mesmo Paço, pela ordem seguinte = Viva a religião = Viva a constituição[10] = Viva el rei constitucional = Viva o príncipe constitucional = Viva a união Portugal com o Brasil[11]. = Findo este ato, se recolheu o Senado da Câmara aos Paços do Conselho, com os cidadãos, e os mestres do povo que acompanharam, e o sobredito coronel pela província do Rio Grande do Sul. E de tudo para constar se mandou lavrar este termo que todos os sobreditos assinaram comigo José Martins Rocha, escrivão do Senado da Câmara que a escrevi.

 

[1] TERMO DE VEREAÇÃO: declaração com a postura dos vereadores das câmaras municipais sobre assunto relativo ao governo e polícia das cidades. Segundo o Diccionario da lingua portugueza de Morais e Silva (Lisboa: Typographia Lacerdina, 1789), termo de vereação seria uma “postura, ou decisão dos vereadores, ou do Conselho para o bom regimento da terra”.

[2] [NOVE] 9 DE JANEIRO DE 1822: conhecido como dia do Fico, quando o então príncipe regente d. Pedro decide permanecer no Brasil, contrariando às ordens das Cortes portuguesas que exigiam sua volta a Lisboa. O episódio foi consequência dos decretos de 29 de setembro de 1821 das Cortes, que criavam as juntas governativas provisórias subordinadas diretamente a Lisboa, cuja autoridade abrangia as áreas econômica, administrativa, de polícia e jurisprudência civil. Também foi criado o cargo de governador das armas para cada uma das províncias, que atuaria na esfera militar, independente das juntas, e subordinados diretamente ao Reino. Essas medidas tiveram forte impacto ao chegarem ao Rio de Janeiro, porque tornavam a regência de d. Pedro praticamente desnecessária, uma vez que as juntas representavam todas as esferas do governo e o impeliam a retornar a Lisboa. As decisões, divulgadas na Gazeta do Rio de Janeiro, provocaram manifestações e incentivaram outros jornais a publicarem artigos alertando para o risco de desordens e invocando a permanência do príncipe regente no Brasil, visando a controlar os ânimos e manter a ordem. Neste momento, ainda não se falava em separação, ao contrário, o clamor pela continuidade da regência de d. Pedro se fazia premente para evitar a queda do Império luso-brasileiro, uma vez que a adesão ou não de cada província ao sistema constitucional das Cortes de Lisboa poderia acarretar a fragmentação do território do Reino Unido do Brasil, tal como ocorrera com as colônias espanholas na América. O presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, José Clemente Pereira, com o apoio das províncias de Minas Gerais e de São Paulo, redigiu um manifesto pedindo a suspensão do decreto das Cortes que exigia o retorno imediato de d. Pedro a Portugal. Alertava para o risco de desordens internas e de emancipação, e firmava o compromisso de as províncias, assim como o regente, estreitarem os vínculos com Portugal. O documento foi entregue ao príncipe, no Paço, por uma junta de cidadãos e homens bons da cidade. O aceite de d. Pedro representou um ato de rebeldia contra as Cortes e o sistema constitucional imposto por elas, bem como uma tentativa de manter, no Brasil, uma monarquia absolutista.

[3] CÂMARA MUNICIPAL: peças fundamentais da administração colonial, as câmaras municipais representam o poder local das vilas. Foram criadas em função da necessidade de a Coroa portuguesa controlar e organizar as cidades e vilas que se desenvolviam no Brasil. Por intermédio das câmaras municipais, as cidades se constituíam como cenário e veículo de interlocução com a metrópole nos espaços das relações políticas. Do ponto de vista da administração municipal e da gestão política, foram, durante muitos anos, a única instituição responsável pelo tratamento das questões locais. Desempenhavam desde funções executivas até policiais, em que se destacam resolução de problemas locais de ordem econômica, política e administrativa; gerenciamento dos gastos e rendas da administração pública; promoção de ações judiciais; construção de obras públicas necessárias ao desenvolvimento municipal a exemplo de pontes, ruas, estradas, prédios públicos etc.; criação de regras para o funcionamento do comércio local; conservação dos bens públicos e limpeza urbana. As câmaras municipais eram formadas por três ou quatro vereadores (homens bons), um procurador, dois fiscais (almotacéis), um tesoureiro e um escrivão, sendo presidida por um juiz de fora, ou ordinário empossado pela Coroa. Somente aos homens bons, pessoas influentes, em sua grande maioria proprietários de terras, integrantes da elite colonial, era creditado o direito de se elegerem e votarem para os cargos disponíveis nas câmaras municipais.

[4] PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[5] PÁTRIA: a origem do vocábulo pátria é atribuída a Homero, onde patra/patris correspondia à “terra dos pais”, relacionado tanto ao enraizamento ao lugar de nascimento quanto à fidelidade a uma terra e a um grupo de pessoas identificados por uma herança em comum. A pátria seria, portanto, a origem, determinada pela ancestralidade. Essa concepção perdeu força durante a Idade Média, pois, com a fragmentação política e fortalecimento da Igreja Católica, o termo associar-se-ia a ideia de religião. No entanto, a primeira acepção da palavra ganharia novo impulso na Idade Moderna, vinculada, então, ao conceito de nação – em sentido também moderno – como unidade política. No contexto da crise do sistema colonial e processo de emancipação brasileira, a reflexão sobre os conceitos de pátria e nação se impôs e seus sentidos foram distanciados: pátria seria o lugar de nascimento e nação o sentimento de pertencimento à monarquia portuguesa. Por outro lado, no início do século XIX, Frei Caneca defenderia a ideia de “pátria de direito”, que seria determinada pelo lugar de residência, onde estariam estabelecidos os próprios negócios, decorrente da escolha e da vontade de pertencimento. Nesse momento de passagem de uma identidade nacional portuguesa para uma identidade nacional brasileira, buscou criar entre os europeus residentes em Pernambuco e os naturais da província o sentimento de pertencimento a essa pátria de direito. Durante a revolução pernambucana de 1817, o termo patriota seria usado pelos insurgentes para identificar os partidários da causa.

[6] PERIGO DE DIVISÃO DE PARTIDOS: as medidas autoritárias decretadas pelas Cortes portuguesas e o ambiente de tensão que se encontrava na colônia brasileira na década de 1820 fizeram com que deputados brasileiros se alarmassem com a possibilidade de revoltas internas que viessem a fragmentar o território, seguindo o exemplo das colônias espanholas vizinhas. Tal preocupação não era infundada, uma vez que a unidade territorial era algo que a metrópole não havia conseguido exercer nem com a estadia da corte no Rio de Janeiro. Nesse momento, ainda não havia manifestações favoráveis à independência, pelo contrário, para os deputados a permanência do príncipe regente no Brasil evitaria que os acontecimentos tomassem este rumo e preservaria o império português.

[7] CONGRESSO DE LISBOA: as Cortes foram convocadas em janeiro de 1821, excepcionalmente pela Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, instituída pelos revolucionários do Porto, diferente do que tradicionalmente deveria ser realizado, encargo do monarca, d. João VI. Tais assembleias foram instauradas como expressão da vontade e autoridade da nação lusa, reunindo-se a fim de elaborar uma constituição para o Império português e derrubar o absolutismo, inaugurando uma monarquia constitucional. Quando o movimento liberal se iniciou em Lisboa, d. João VI já estava ciente da revolução originada na cidade do Porto e logo depois teve que enfrentar, também no Rio de Janeiro, um movimento de caráter semelhante para a escolha dos representantes brasileiros nas Cortes portuguesas e que levaria o monarca a jurar fidelidade à nova Constituição portuguesa – que sequer existia, mas à qual deveria se submeter – bem como ao seu retorno a Portugal em abril de 1821. Os deputados brasileiros convocados para o Congresso começaram a chegar em Lisboa, vindos do Rio de Janeiro e Pernambuco, sendo seguidos pelos de outras províncias, como Maranhão, Bahia e Alagoas. O restante somente compareceu no ano seguinte e, mesmo assim, as províncias de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e do Norte recusaram-se a participar por discordar da forma como eram conduzidos os debates. Em 1822, durante as discussões acerca das relações entre os dois reinos, ficava clara a posição dos deputados portugueses e também de alguns brasileiros “regeneradores”, que previam, senão uma recolonização ao pé da letra, um domínio do reino português sobre os territórios de sua ex-colônia e a diminuição das liberdades econômicas, políticas e administrativas. Essas medidas provocaram profunda insatisfação nos brasileiros presentes, que intentariam romper com Portugal, preservando as partes em igualdade de direitos, mas mantendo o príncipe regente d. Pedro no Brasil com um governo autônomo. As medidas adotadas pelas Cortes deixavam clara a intenção de colocar os territórios na América em posição de subordinação a Portugal: os governos provinciais ficariam submetidos a Lisboa; órgãos administrativos estabelecidos no Brasil com a vinda da Corte foram transferidos para Portugal; determinou-se a volta de d. Pedro, sob a justificativa de completar sua educação para ocupar o trono português, entre outras medidas recolonizadoras. Tais decretos produziram profunda insatisfação entre os brasileiros, alimentando cada vez mais, as ideias de emancipação política.

[8] HOMENS‌ ‌BONS: no‌ ‌período‌ ‌colonial,‌ ‌eram‌ ‌considerados‌ ‌homens‌ ‌bons‌ ‌aqueles‌ ‌que‌ ‌pertenciam‌ a‌ ‌um‌ ‌status‌ ‌social‌ ‌e‌ ‌econômico‌ ‌elevado,‌ ‌brancos,‌ ‌proprietários‌ ‌de‌ ‌terras‌ ‌e‌ ‌‌escravos‌,‌ constituindo-se‌ ‌as‌ ‌únicas‌ ‌pessoas‌ ‌qualificadas‌ ‌para‌ ‌exercerem‌ ‌determinados‌ ‌cargos‌ ‌políticos.‌ Além‌ ‌do‌ ‌caráter‌ ‌pecuniário,‌ ‌a‌ ‌pureza‌ ‌de‌ ‌sangue‌ ‌também‌ ‌impunha-se,‌ ‌excluindo‌ ‌descendentes‌ de‌ ‌judeus‌ ‌e‌ ‌mouros.‌ Somente‌ ‌aos‌ ‌homens‌ ‌bons‌ ‌era‌ ‌creditado‌ ‌o‌ ‌direito‌ ‌de‌ ‌se‌ ‌elegerem‌ ‌e‌ ‌votarem‌ ‌para‌ ‌os‌ ‌cargos‌ ‌disponíveis‌ ‌nas‌ ‌‌Câmaras‌ ‌Municipais‌.‌ ‌ ‌

[9] RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.

[10] CONSTITUIÇÃO: lei fundamental de uma nação, a constituição deve informar e engendrar as outras leis comuns, originárias da mesma, que vão reger e governar uma determinada sociedade. É o conjunto de normas, diretrizes e princípios que organiza o Estado e impõe limite aos poderes dos governantes, inviabilizando que estes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado. Ao limitar o alcance do governo, garantiria alguns direitos aos cidadãos. Na Idade Moderna, o princípio do constitucionalismo afirmava que todo poder deveria ser legalmente limitado e sua aplicação deu-se primeiramente na Inglaterra, em fins do século XVII, quando as Cortes judiciárias proclamaram a superioridade das leis fundamentais sobre o rei as leis do Parlamento; e em 1787, na constituição norte-americana. Com a Revolução Francesa, o princípio do constitucionalismo propagar-se-ia por toda Europa, tendo ecos nas áreas coloniais da América. Em Portugal, a Revolução Liberal do Porto de 1820 foi responsável pela criação das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa [ver Cortes de Lisboa], a primeira experiência parlamentar lusitana com o objetivo de criar uma constituição para o Reino Unido, exigia que d. João VI retornasse a Portugal e jurasse a nova Constituição, de caráter liberal e que levou ao fim do absolutismo português.

[11] REINO UNIDO DE PORTUGAL E ALGARVES: em 16 de dezembro de 1815, o Brasil foi elevado à categoria de reino e o príncipe regente d. João tornou-se soberano do Reino Unido de Portugal, do Algarve e do Brasil. Trata-se da consagração de um processo iniciado com a mudança da Corte para o Rio de Janeiro e reforçado pelas transformações que essa transmigração gerou. Instalada em sua colônia americana, em consequência das guerras napoleônicas, a família real portuguesa viu-se em uma situação delicada depois do Congresso de Viena, cujas diretrizes expressavam o sentimento restaurador das velhas monarquias europeias. Reafirmando a legitimidade dos antigos soberanos e dos velhos reinos europeus, o Congresso reconhecia apenas Portugal e sua capital, Lisboa, como par, o que deixava o monarca português vivendo nos trópicos em meio a um dilema. A saída veio com a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, que igualou o estatuto do Brasil ao do Reino de Portugal. Aparentemente, a solução apresentada pelo delegado francês no Congresso, o ministro das Relações Exteriores da França, Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, de elevar o Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarve, pretendia reforçar os laços entre Portugal e Brasil que, embora não mais uma simples colônia, continuaria atrelado à Coroa portuguesa. E, especificamente em um momento de restauração das antigas tradições das monarquias europeias, defendia e legitimava a presença europeia e monárquica no continente sul-americano, cada vez mais independente e republicano. Para os que representavam os “brasileiros”, a elevação significou o fim do pacto colonial e de um status definitivamente inferior em relação à metrópole. Na prática, o tempo mostrou que esta medida seria um passo fundamental para a Independência, pois, no momento em que as elites portuguesas exigiram o retorno da família real e o rebaixamento do Brasil novamente à colônia, tal retrocesso mostrou-se impossível, culminando em uma ruptura – processo cuja origem, extensão e efeito seriam objeto de uma extensa discussão historiográfica sobre o lugar e o papel do país no cenário americano e internacional.

 

Sugestões para uso em sala de aula:

Utilizações possíveis:

- Nos eixos temáticos: "História das representações e das relações de poder".
- Ao abordar o sub-tema: "Nações, povos, lutas, guerras, revoluções".

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- Independência política;
- Lutas pela independência política;
- Processo político de independência do Brasil;
- Mitos dos heróis nacionais.

Timbre brasileiro - Independência ou Morrer

"Timbre Brasileiro - Independência ou Morrer". Hino à independência que relata a luta dos "brasileiros"  com armas contra Portugal. São mencionados na letra os filhos e as mulheres dos lutadores e a glória da vitória: "Fomos Lusos, e quisemos/ De Lísia a glória suster/ Não quis Lísia, agora sofra/ Independência ou Morrer".

 

Conjunto documental: Independência do Brasil: Hinos
Notação: 740.5
Data-limite: 1822-1830
Título do fundo ou coleção: SDH - Diversos - "Caixas Topográficas"
Código do fundo: 2H
Argumento de pesquisa: independência do Brasil
Data do documento: 1822
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): doc. nº 3

TIMBRE BRASILEIRO[1]
INDEPENDÊNCIA OU MORRER

                        1
Às Armas corramos todos
D'Europa contra o Poder[2];
Seja o Timbre Brasileiro
Independência, ou morrer[3].

                        2
Morram todos os Tiranos
Q'ofendem nosso Bem Ser;
Brasileiros[4] somos livres,
Independência, ou morrer.

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Basta, tanto sofrimento....
Porque havemos mais sofrer?
Só se humilha quem não pode
Independência, ou morrer.

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Pela Pátria[5] guerreando
Honra, e glória vamos ter,
Às Armas pois, não temamos,
Independência, ou morrer.

                        5
Nossos filhos, nossos Lares
Vamos, vamos defender;
Mas antes juremos todos
Independência, ou morrer.

                        6
Vinde, oh Lusos Brasileiros[6],
À nossa Causa[7] aceder
Corram todos igual Sorte:
Independência, ou morrer.

                        7
Vossos filhos e mulheres
Do Brasil vos fazem ser:
Igual Timbre vos distinga;
Independência, ou morrer.

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Fomos Lusos, e quisemos
De Lísia a glória suster
Não quis Lísia, agora sofra
Independência, ou morrer.

 

[1] TIMBRE BRASILEIRO: durante o processo de emancipação do Brasil, adeptos da causa brasileira compuseram e apresentaram hinos de exaltação à Independência, como por exemplo o Timbre Brasileiro: independência ou Morrer, que relata a luta dos brasileiros contra Portugal, se libertado da tirania e alcançando a liberdade almejada. Nos anos seguintes a 1822, fez-se necessário escolher e apresentar tais insígnias aos ‘brasileiros', já com o intuito de fortalecer o pertencimento a uma nova pátria. No entanto, a composição escolhida como Hino da Independência era um poema de Evaristo da Veiga, Hino Constitucional Brasiliense, com música de d. Pedro I. O hino tornou-se bastante popular durante o período imperial, sendo proferido como hino nacional, embora de forma não oficial.

[2] D’EUROPA CONTRA O PODER: essa frase foi usada em uma das propostas de Hino à Independência como justificativa para as lutas pela emancipação de Portugal: no ambiente de difusão das ideias iluministas, do liberalismo econômico e de tantas revoluções, incluindo os conflitos coloniais em busca de independência, era necessário e justo que os povos empunhassem suas armas e lutassem contra o poder das monarquias absolutistas, que não tinham mais lugar no novo tempo. No caso específico do Brasil, o poder que vinha da Europa e ameaçava os brasileiros provinha das decisões das Cortes portuguesas de reativar o pacto colonial, rebaixando os direitos do Brasil como Reino Unido a Portugal e Algarve.

[3] INDEPENDÊNCIA OU MORRER: a convocação aos brasileiros a lutar pela emancipação do país retirada de um dos hinos propostos como Hino à Independência nos remete à frase que teria sido proclamada por d. Pedro às margens do rio Ipiranga - Independência ou Morte. Alguns historiadores chamam atenção para o fato de o 7 de setembro de 1822 não ter sido um acontecimento de grande repercussão na época, uma vez que a Independência praticamente já estava dada com a convocação da Assembleia, no decreto de 1º de agosto. No entanto, ao longo do império a narrativa da suposta proclamação ganhou uma aura que mostrava o imperador como o libertador do país da opressão e submissão que sofria pelo colonizador europeu.

[4] BRASILEIROS: até as vésperas da independência, o uso do termo ‘brasileiro’ ainda não era muito claro. Em oposição ao ‘brasiliense’, que denominava o natural da terra, nascido no Brasil, o ‘brasileiro’ costumava se referir àqueles que aqui se estabeleciam para negócios e para viver. Esses termos diluíam-se na grande categoria de súdito ou vassalo do Império português, do Reino de Portugal e do Reino do Brasil. Talvez, por conta desta definição mais “funcional”, como argumentou Hipólito da Costa, o termo ‘brasileiro’ tenha sido preferido durante o período de fermentação da independência do Brasil, quando, mais do que o local de nascimento, importava a adesão a um projeto, à causa do Brasil ou de Portugal. Deste modo, “brasileiro” foi empregado para denominar adeptos da causa da emancipação e prevaleceu, ao longo do Primeiro Reinado, para diferenciar de “portugueses” não exatamente de nascimento, mas partidários da volta dos vínculos com o Império português. Ambos os conceitos, portugueses e brasileiros, embora ainda não totalmente definidos, serviram para adjetivar os nascentes partidos, identificados com os grupos políticos envolvidos nas lutas pela independência. Depois da abdicação de d. Pedro I, o termo ganhou novo sentido, buscando incorporar outros elementos, culturais e simbólicos, que identificassem o “brasileiro” não somente como aquele que aderiu à causa do Brasil, mas o nascido no novo Império que se construía. Esse projeto de construção da identidade aparece com força, não por acaso, durante o período regencial, quando as identidades locais e regionais se sobrepunham a um sentimento nacional e ameaçavam a integridade do território do Estado.

[5] PÁTRIA: a origem do vocábulo pátria é atribuída a Homero, onde patra/patris correspondia à “terra dos pais”, relacionado tanto ao enraizamento ao lugar de nascimento quanto à fidelidade a uma terra e a um grupo de pessoas identificados por uma herança em comum. A pátria seria, portanto, a origem, determinada pela ancestralidade. Essa concepção perdeu força durante a Idade Média, pois, com a fragmentação política e fortalecimento da Igreja Católica, o termo associar-se-ia a ideia de religião. No entanto, a primeira acepção da palavra ganharia novo impulso na Idade Moderna, vinculada, então, ao conceito de nação – em sentido também moderno – como unidade política. No contexto da crise do sistema colonial e processo de emancipação brasileira, a reflexão sobre os conceitos de pátria e nação se impôs e seus sentidos foram distanciados: pátria seria o lugar de nascimento e nação o sentimento de pertencimento à monarquia portuguesa. Por outro lado, no início do século XIX, Frei Caneca defenderia a ideia de “pátria de direito”, que seria determinada pelo lugar de residência, onde estariam estabelecidos os próprios negócios, decorrente da escolha e da vontade de pertencimento. Nesse momento de passagem de uma identidade nacional portuguesa para uma identidade nacional brasileira, buscou criar entre os europeus residentes em Pernambuco e os naturais da província o sentimento de pertencimento a essa pátria de direito. Durante a revolução pernambucana de 1817, o termo patriota seria usado pelos insurgentes para identificar os partidários da causa.

[6] LUSO-BRASILEIROS: expressão utilizada no hino “Timbre brasileiro” de exaltação à Independência do Brasil, datado de 1822. Convocava todos os portugueses que se estabeleceram no Brasil ou que tinham aqui seus interesses a defender a causa da independência. Tanto portugueses e brasileiros eram nesse momento construções políticas, relacionadas à sua adesão ou recusa ao projeto de ruptura com a metrópole. O hino procurava mostrar que os portugueses não estavam excluídos do projeto de construção de uma nova nação. Havia um reconhecimento das raízes portuguesas na criação do país, já que o próprio imperador era português. Portanto, o projeto para o recém-criado império ia além das barreiras geográficas. Pretendia formar uma nação da união dos dois reinos, uma nação luso-brasileira.

[7] NOSSA CAUSA: Reforça a ideia dos luso-brasileiros a aderir a justa causa da independência, a causa dos brasileiros.

 

Sugestões para uso em sala de aula:

Utilizações possíveis
- Nos eixos temáticos: "História das representações e das relações de poder".
- Ao abordar o sub-tema: "Nações, povos, lutas, guerras, revoluções".

Ao tratar dos seguintes conteúdos
- Independência política;
- Lutas pela independência política;
- Processo político de independência do Brasil;
- Mitos dos heróis nacionais.

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