Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Sexta, 23 de Fevereiro de 2018, 19h17 | Última atualização em Sexta, 10 de Agosto de 2018, 19h00

 

Mapa dos produtos exportados para a Áustria

Mapa resumido da balança geral do comércio de Portugal e suas províncias a outras nações que mostra os produtos, e respectivas quantidades, exportados da cidade de Lisboa para a Áustria no ano de 1818 . Constam da tabela itens exportados por Portugal, como vinho; do Brasil, açúcar, cacau, café e drogas; e das possessões da Ásia, especiarias e tecidos.

 

Conjunto documental: Resumo da balança geral do comércio do reino de Portugal com o Brasil, domínios e nações estrangeira
Notação: códice 731, vol. 03
Datas-limite: 1818-1818
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: café
Data do documento: 3 de dezembro de 1819
Local: s.l.
Folha(s): 74

 

Exportação de Lisboa para a Áustria[1], no ano de 1818

Produções do Reino

385       // Arrobas        // Atanados[2]                ...        a 5.280             // 2.032$800

8          // Pipas           // Vinho[3]                    ...        100.000            // 800$000

---        // ---               // Outros gêneros                                            // 560$000

 

                                                                                                                      3.392$806

 Do Brasil 

141.753            // Arrobas        // Açúcar[4] =

                                               122.463 branco

                                                                                  }           // 427.975$175

                                               19.290 mascavado

2.799               // Arrobas        // Algodão[5]      ...                    // 30.552$480

9.440               // Arrobas        // Cacau[6]        ...                    // 33.228$800

6.549               // Arrobas        // Café[7]                      ...                    // 51.082$200

---                    // ---               // Drogas[8] e outros efeitos      // 11.204$180                                     

                                                                                                                      554.042$835

Da Ásia

2.526               //Arrobas         //Algodão         ...                    // 14.145$600

6.570               //Peças            //Cassas          ...                    // 14.601$920

92.768              //Arrasteis       //Especiarias[9] ...                    // 20.897$920

---                    //                    //Outros gêneros e tecidos       // 9.719$600

                                                                                                                      54.365$040

Gêneros de fora do reino reexportados              ...                    // 842$740

                                                                                                                      612.643$415

Alcance do comércio da Praça de Lisboa ...                    // 252.470$350                                                                                                      

Rs        805.113$765

 

[1]ÁUSTRIA: as relações entre o Brasil e a Áustria remontam ao começo do século XIX. Em 1815, à época do Congresso de Viena, depois da derrota definitiva de Napoleão na península Ibérica, têm início constantes pedidos do Reino reclamando o retorno do príncipe d. João e da Corte a Portugal, já livre da ocupação francesa. Consta ter partido do primeiro-ministro francês, Talleyrand, a sugestão da elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves, podendo assim o regente permanecer mais tempo em terras brasileiras. Em 1816, foi acordado o casamento entre o príncipe herdeiro d. Pedro de Alcântara e a arquiduquesa da Áustria, d. Leopoldina. A ilustrada e refinada futura princesa chegou ao Brasil em 1817, seguida de um séquito de damas e acompanhantes, e também de artistas, naturalistas, botânicos, o que ficou conhecido, posteriormente, como a missão austríaca, justificando a fama de instruída, inteligente e amante das artes e das ciências atribuída à princesa. Os naturalistas Karl Phillip von Martius e Johann Baptist von Spix integraram a viagem de exploração e conhecimento do Brasil, que resultou na célebre obra Viagem ao Brasil e, depois, na igualmente importante Flora Brasiliensis. O botânico Martius foi também responsável por um dos primeiros textos historiográficos do Brasil, a memória Como se deve escrever a história do Brasil, vencedora do concurso promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1840 e publicado em português em 1845. O casamento com d. Leopoldina propiciou um estreitamento das relações entre Brasil e Áustria a partir do período joanino, inclusive no comércio entre o Reino Unido português e a potência europeia, sobretudo depois de declarada a independência brasileira em 1822, com apoio da futura imperatriz. A Áustria foi um dos primeiros países europeus a reconhecer a independência, depois apenas da Inglaterra e de Portugal, em 1825, tendo firmado, já em 1827, um Tratado de Navegação e Comércio bastante vantajoso com o Brasil, no qual tinha os mesmos benefícios alfandegários que a Grã-Bretanha.

[2]ATANADOS: termo utilizado para designar as substâncias vegetais, tais como cascas de árvores, sementes, folhas, frutos, raízes e flores, usadas tanto na coloração de peles e roupas desde o início da colonização do Brasil, bem como para os couros já tingidos por esses gêneros. A colônia, sobretudo na região norte, tinha grande oferta de extratos vegetais para tingimento, bastando lembrar o pau-brasil, madeira que produzia um corante vermelho muito usado na Europa para a coloração de tecidos. A produção de couros no Brasil era complementar à atividade da pecuária para corte e leite e forneceu gêneros em quantidade bastante significativa para exportação para o Reino, muito embora não fosse suficiente para prover as necessidades da metrópole. O comércio de couros atanados, ou seja, tingidos a partir de corantes naturais, era expressivo e não se limitou a Portugal, sendo ampliado às nações amigas durante o período joanino. A região que mais participou da exportação de couro foi o Nordeste – forte na pecuária – e o Norte, abundante em plantas ricas em extratos, era responsável pela maioria dos corantes empregados nos curtumes, principalmente de Pernambuco e da Paraíba, onde ficavam as fábricas. Uma vantagem na venda do couro já atanado, além do valor agregado pelo tingimento, era que o material se tornava mais firme e resistente. A confecção de couros, atanados ou não, teve grande importância comercial para o Brasil durante o século XVIII, sobretudo para o sertão nordestino.

[3] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.

[4]AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[5] ALGODÃO: diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

[6]CACAU: fruto do cacaueiro (Theobroma cacao L.), árvore nativa do Brasil e da América Central, encontrada dispersa em florestas tropicais. Na América Central já era usado na alimentação como bebida, no preparo do chocolate, ou de outros alimentos. O primeiro contato dos europeus com o cacau data de 1502, quando Colombo, na quarta viagem à América, encontrou um grande barco nativo transportando, entre outras mercadorias, uma espécie de amêndoas (amêndoas do dinheiro) usadas pelos índios como moeda (“moeda da felicidade”) e com as quais preparavam uma bebida deliciosa. A importância do cacau nas trocas comerciais foi tão grande que se manteve em circulação em muitas regiões americanas até meados do século XIX. Até o século XIX toda a produção de cacau era obtida do continente americano. A exploração do cacau na Amazônia brasileira começou, ainda no século XVII, colhido por índios que desciam o rio Amazonas, coletavam os frutos na mata e os enviavam à metrópole. Essa atividade requeria a autorização da administração colonial, que regulava, por meio de licenças, a quantidade de canoas que poderiam circular, o que limitava a quantidade do produto colhida nos primeiros anos. Entre 1678 e 1681, houve tentativa, por parte da Coroa portuguesa, de introduzir uma variedade de cacau já domesticada na região norte, estimulando a plantação por colonos. Todavia, a empreitada não foi adiante, apesar das vantagens concedidas em isenção de impostos, sobretudo devido à facilidade de se encontrar o cacau nativo disperso na floresta e o baixo custo para obtê-lo. O cacau amazônico tinha grande mercado na Europa e as licenças para o recolhimento do fruto aumentavam expressivamente, chegando a representar quase 90% de todas as exportações da região norte para a metrópole. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão deteve o monopólio do comércio e o cacau representou cerca de 80% de seu total de exportações, sendo o principal produto da companhia até sua extinção em 1777. No reinado de d. José I a cultura do cacaueiro se instalou no Brasil, em especial na Bahia, onde a planta encontrou solo e clima bastante adequados para o plantio, sendo até hoje região de notável produção. A partir de meados do XVIII, a produção por livre coleta começou a lentamente declinar. No princípio do século XIX, o cacau ocupava o 6º lugar entre os produtos coloniais mais exportados para a Europa.

[7]CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[8]DROGAS DO SERTÃO: a necessidade do uso de especiarias e outros gêneros na alimentação e conservação foi um dos motores das grandes navegações no século XVI, em busca de novos caminhos para o Oriente e de terras onde se pudessem explorar essa e outras riquezas. As então chamadas “drogas” eram “todo o gênero de especiaria aromática; tintas, óleos [...]”, conforme o dicionarista Morais e Silva de 1798 (baseado na definição de Raphael Bluteau), e ficaram conhecidas na historiografia brasileira como drogas do sertão ou do mato, produtos nativos ou aclimatados, vindos do norte da colônia, onde se localizam atualmente os estados do Amazonas, Pará e Maranhão. Na prática, referiam-se a especiarias, castanhas, frutas, ervas, sementes, tintas e também animais originários da Amazônia. O início da exploração das drogas no Brasil combinou a necessidade de Portugal conter o avanço de estrangeiros nas colônias do norte e recuperar o comércio de especiarias, a esta altura interrompido com o Oriente, aclimatando espécies de outros continentes e colhendo as nativas que poderiam substituir as tradicionais. Apoiada mais na extração do que no cultivo, a produção de drogas floresceu no norte do Brasil e tornou-se a atividade econômica mais importante da região, baseada na mão-de-obra indígena, e até 1759, controlada pela Companhia de Jesus. Foi das trocas com as populações autóctones que os portugueses tiraram o conhecimento das drogas e aprenderam a usá-las na alimentação. Belém foi a base para o escoamento da produção e para o comércio com o restante da colônia e com a metrópole, sendo que muitas vezes não eram vendidas, mas trocadas por outros produtos inexistentes no local. Durante a governação pombalina, foi criada a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755), com a finalidade de impulsionar e controlar melhor a extração e o comércio das drogas, bem como introduzir novas culturas no norte/nordeste, como o arroz e o algodão. Apesar do progresso obtido pela Companhia, esta acabou extinta em 1777, durante o reinado mariano, trazendo um período de declínio para a produção dos gêneros. As drogas do sertão tiveram um papel importante na alimentação e no paladar dos habitantes da colônia, combinando produtos da terra com ingredientes e receitas vindas da Europa e criando uma culinária própria, mistura de hábitos indígenas, africanos e europeus. Entre os alimentos nativos destacavam-se o peixe-boi, muito apreciado pela carne e pela gordura, e a tartaruga e seus ovos, considerados iguarias, e que forneciam um tipo de manteiga, artigo raro na colônia. As drogas que se tornaram mais conhecidas e foram mais amplamente consumidas eram as variadas pimentas, as castanhas, o urucum, o gengibre, a salsaparrilha, o cacau e os animais – entre as nativas –, e o cravo, a canela, a urzela e o anil, que se adaptaram bem em terras brasileiras.

[9]ESPECIARIAS: palavra proveniente do termo latim especia = substância. Tinha o sentido de substâncias raras e caras, usadas em pequenas quantidades, para fins de perfumaria, remédios e condimentos (principalmente na conservação dos alimentos). A necessidade do uso de especiarias e outros gêneros na alimentação e conservação foi um dos motores das grandes navegações no século XVI, em busca de novos caminhos para o Oriente e de terras onde se pudessem explorar essas riquezas. A noz-moscada, o gengibre, a canela, o cravo-da-índia, a pimenta (líder absoluta da preferência das importações), e, por algum tempo, o açúcar são alguns exemplos de especiarias apreciadas pelos europeus na Idade Moderna. O açúcar deixou de ser considerado uma especiaria com o início de seu consumo em massa, a partir da monocultura de cana-de-açúcar fomentada pelos portugueses. A expressão francesa “caro como pimenta” data desta época, sendo utilizada para caracterizar o alto preço de um algum produto, assim como o valor das especiarias.

Carlos Fraser solicita estabelecer um cafezal na Bahia

Ofício do inglês Carlos Fraser para a Junta de Comércio no qual escreve que pretende estabelecer um cafezal e um algodoal juntos, e solicita uma recomendação ao governador da Bahia para proteger suas diligências e facultar-lhe terras que estejam desocupadas.

 

Conjunto documental: Junta do Comércio. Empregados
Notação: caixa 386, pct. 01
Datas-limite: 1810-1846
Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Código do fundo: 7X
Argumento de pesquisa:café
Data do documento:[1810]
Local:Rio de Janeiro
Folha(s):-

 

Leia esse documento na íntegra

 

Senhor

Diz Carlos Fraser[1], inglês de nação, que tendo-se constantemente empregado no exercício da agricultura[2], calculando as vantagens, que ela oferece; e observando de próximo a ordem regular das estações, com a fertilidade natural do terreno do Brasil; pretende por em prática o fruto das suas observações, e experiências na circunvizinhança da Bahia[3] ou Pernambuco, estabelecendo um algodoal[4], e cafezal[5] juntamente, e unidos, para melhor aproveitar as vantagens, que oferece o trabalho dos escravos[6], e do lavrador[7]. E como a qualidade do estrangeiro o priva das proporções convenientes para a aquisição do terreno, ao mesmo tempo, que o estabelecimento do suplicante é de suma vantagem, tanto para a nação em geral, como para os lavradores em particular, pelos conhecimentos que vão adquirir pelo uso das máquinas usadas nas colônias inglesas, de que o suplicante tem pleno conhecimento, e prática: por isso implora a vossa alteza real se digne dar ao suplicante toda a proteção, e recomendá-lo ao governador daquela capitania, para proteger as suas diligências, e facultar-lhe terras, que estejam desocupadas, e que sejam cômodas para o dito estabelecimento.

Para a vossa alteza real se digne atender ao suplicante com as providências, que julgar conveniente.

Espera receber mercê.

 

 

[1]FRASER, CHARLES: o explorador inglês estabeleceu-se na Bahia na década de 1810, na região próxima a Porto Seguro, hoje município de Prado. Sua estadia no Brasil foi, em parte, narrada em cartas que ele enviava a lorde Castlereagh, secretário dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha durante parte do período joanino, nas quais informava ao governo britânico sobre a visão que os brasileiros tinham dos ingleses e as dificuldades enfrentadas no estabelecimento de sua propriedade. Fraser é mencionado na obra Viagem ao Brasil nos anos de 1815, 1816 e 1817 de Maximilian Alexander Philipp, príncipe de Wied-Neuwied, que relata alguns encontros com ele, já como proprietário de uma sesmaria na localidade de Cumuruxatiba, chamada de “fazenda” Caledônia, onde tinha um engenho de farinha de mandioca, provido de mão de obra negra escrava e indígena. Segundo Neuwied, uma das missões do inglês era “civilizar” os índios Pataxó, habitantes daquela região, não obtendo, no entanto, muito sucesso nessa empreitada, tampouco no controle de seus escravos, já que passava a maior parte do tempo ausente da propriedade.

[2]AGRICULTURA: durante a maior parte do período colonial o sistema agrícola brasileiro se caracterizou pela grande lavoura monocultora e escravista voltada para exportação, definida por Caio Prado Junior pelo conceito de plantation. Entretanto, podiam ser encontradas também em menor escala as pequenas lavouras, policultoras e de trabalho familiar. Com a chegada da família real e toda a estrutura do Estado português, houve a necessidade de incremento no abastecimento de gêneros agrícolas especificamente para o mercado interno. À época, a estrutura agrária brasileira era pautada pela rusticidade dos meios de produção, pela adubação imprópria e falta da prática do arado, enfim, o que havia era a presença modesta de técnicas modernas de cultivo. D. João VI, atento a essa situação emergencial, criou, em 1812, o primeiro curso de agricultura na Bahia e, em 1814, no Rio de Janeiro, uma cadeira de botânica e agricultura, entregue a frei Leandro do Sacramento. O objetivo era o melhor conhecimento das espécies nativas, não apenas para descrição e classificação, mas também para descobrir seus usos alimentares, curativos e tecnológicos. Mais do que isso, a incentivo aos estudos botânicos e agrícolas era parte de uma nova mentalidade de promoção das ideias científicas, que já vinha sendo implementada em Portugal desde o final do século XVIII. A agricultura era vista como uma verdadeira “arte”, pois era o melhor exemplo de como o homem era capaz de “domesticar” a natureza e fazê-la produzir a partir das necessidades humanas. Significava a interferência do Estado em prol do aproveitamento racional das riquezas naturais, orientado pelas experimentações e pela própria razão.

[3]BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[4]ALGODOAL: VER ALGODÃO: diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

[5]CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[6] ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[7]LAVOURA: a agricultura surge no início da colonização da América portuguesa para melhor aproveitar as terras descobertas, como uma solução para a necessidade de ocupar, povoar e fazer produzir a colônia, quando se acreditava que as novas terras não eram promissoras em metais preciosos. Inicialmente tentou-se ajustá-las para a produção de gêneros europeus importados por Portugal; com o passar do tempo percebeu-se que alguns produtos não se adaptariam ao terreno e ao o clima, adotando-se o uso de produtos tropicais já cultivados pelos índios, ou outros produtos com grande valor comercial. A cana-de-açúcar foi o primeiro e o mais duradouro destes gêneros produzidos para a exportação. A agricultura colonial era apoiada no trabalho escravo, utilizava grandes áreas territoriais e tendia a se focar na exploração em massa de um gênero: o tripé escravidão, latifúndio e monocultura. No entanto, não se pode limitar o entendimento da lavoura na colônia a estas bases. Era comum a existência de grandes fazendas com lavouras não voltadas para o mercado externo. Como as técnicas de produção eram muito rudimentares (durante todo o período colonial e grande parte do Império), verificando-se a ausência do uso do arado, da adubação e do descanso das terras, grandes extensões de terreno eram necessárias para o plantio, além das necessidades habituais decorrentes do aumento da produção e do comércio. Quanto ao caráter de monocultura, embora se reconheça que as grandes lavouras produziam principalmente um produto para a exportação, sabe-se também que quase todas elas mantinham em seus terrenos, áreas consideráveis dedicadas a gêneros para consumo interno ou para abastecimento. Havia, em paralelo a esta grande plantação, pequenas propriedades produtoras de gêneros para o mercado interno que exerciam um papel complementar, suprindo a colônia. Sustentadas no trabalho familiar e na produção de mais de um gênero, essas lavouras foram responsáveis pela ocupação inicial do interior, o chamado sertão, para onde partiam os lavradores e suas famílias, em busca de solo mais fértil, haja vista que dentro ou nas franjas das grandes propriedades, somente ocupavam terras devolutas ou pobres. Por todo o período colonial, a grande lavoura mais lucrativa foi de cana-de-açúcar, seguida pelo tabaco, valoroso como moeda de troca por escravos na África, e pelo algodão, que ganhou importância depois do século XVIII, quando cresceu a demanda da indústria têxtil inglesa. Durante o período "áureo" da mineração, a agricultura, de forma geral, passou por reformulações: muitos escravos e braços utilizados na terra foram desviados para a extração de minérios; a receita gerada pela lavoura foi suplantada pelos vultosos e rápidos lucros obtidos com o ouro e os diamantes, colocando-a, de certa forma, em segundo lugar nas atenções da Coroa; e a lavoura de abastecimento cresceu em importância. Diversas famílias de agricultores pobres que se dedicavam à pequena lavoura de abastecimento lançaram-se à aventura do ouro, em busca de enriquecimento fácil, e devido à consequente diminuição na produção de alimentos, a fome e a carestia tomaram conta não somente do distrito aurífero, mas de boa parte da colônia. Até mesmo a escravos era possível desenvolver pequenas roças para subsistência e abastecimento, o que parte da historiografia brasileira sobre a colônia considera como a origem da "brecha camponesa", temática bastante debatida a partir dos anos 1960. A partir de meados do século XVIII, no âmbito da política fomentista da administração pombalina, começou-se a investir mais em estudos científicos para a melhoria das técnicas agrícolas, visando o aumento da produtividade e da produção. A agricultura passou a ser vista como uma arte, um exemplo da capacidade do homem interagir com seu ambiente e transformá-lo em seu benefício. E segundo este mesmo pensamento inspirado na fisiocracia, de grande influência no meio ilustrado luso- brasileiro, passou também a ser encarada como a grande fonte de riqueza do Estado, para onde deveriam se voltar todos os esforços, científicos e práticos.

Privilégio sobre máquina de descascar café

Consulta de Luis Souvain e Simão Clothe, que alegam ter inventado uma máquina para descascar café, capaz de ser movida por um homem, por água ou tração animal, e solicitam privilégio de dez anos de exclusividade para construir o invento, e que incidam penas sobre quem o fizer sem sua autorização. Os criadores prometem a doação de uma réplica para exposição pública. A máquina foi inspecionada e seu funcionamento pareceu à Junta digno da súplica, porém a decisão final, caberia a d. Pedro, então príncipe regente. D. Pedro concede a patente em 13 de julho de 1822 – esta é considerada a primeira patente brasileira.

 

Conjunto documental: Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Registro de Consultas

Notação: códice 46, vol. 05

Datas-limite: 1821-1824

Título do fundo: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação

Código do fundo: 7X

Argumento de pesquisa: café

Data do documento: 6 de julho de 1822

Local: Rio de Janeiro

Folha(s): 28-29

 

Leia esse documento na íntegra

 

Registro da consulta sobre o requerimento de Luis Souvain e Simão Clothe em que pedem privilégio exclusivo por dez anos para uma máquina[1] de descascar café[2] de sua invenção.

Privilégio sobre máquina de descascar café

Senhor

Vossa Alteza Real[3] por portaria expedida pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino do Brasil, em data de quatro de maio do corrente ano ordenou, que este Tribunal da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação[4], consultasse com efeito o que lhe parecesse sobre o requerimento de Luis Souvain e Simão Clothe, o qual é do teor seguinte.

 Senhor 

Diz Luis Souvain e Simão Clothe, que eles têm inventado uma máquina para descascar café, a qual além de ser inteiramente própria da invenção dos suplicantes, produz todo o bom resultado, ou seja pela perfeição, com que descasca o café sem lhe quebrar o grão, ou seja pela brevidade, economia, e simplicidade do trabalho, como se poderá ver por exame feito à mesma máquina, que se bem está construída para ser trabalhada por um homem, é suscetível de maquinismo próprio para ser movida ou por um animal, ou por água. E como esta máquina é toda da invenção dos suplicantes, requerem estes a Vossa Alteza Real o privilégio exclusivo por dez anos dentro dos quais os suplicantes possam construir esta máquina com as penas estabelecidas contra os que a fizerem, ou as [sic] mandarem fazer sem licença dos suplicantes, como é de costume em todos os países, onde se favorece a indústria[5] e se premia o merecimento dos inventores e artistas. Os suplicantes em reconhecimento a esta graça que imploram a Vossa Alteza Real, depositam gratuitamente um modelo exato da dita máquina na casa destinada para recepção e exposição pública de máquinas estabelecidas nesta cidade, portanto: Pede a Vossa Alteza Real haja por bem conceder aos suplicantes o privilégio que suplicam uma vez que examinada a dita máquina se conheça ser ela propriamente da invenção dos suplicantes, e produzir o resultado desejado. E receberá mercê = Luis Souvain e Simon [sic] Clothe

O Tribunal por portaria de sete do dito mês e ano encarregou ao seu deputado Inspetor das Fábricas o exame da referida máquina, e o mesmo ministro depois dos exames a que procedeu acompanhado do maquinista Gaspar José Marques deu a informação seguinte.

Senhor

Em portaria de sete de maio do presente ano ordena Vossa Alteza Real informe com o meu parecer o requerimento de Luis Souvain e Simão Clothe, em que pedem o privilégio deles somente poderem construir no espaço de dez anos a máquina que inventaram para descascar café; impondo-se as penas da lei a toda a outra pessoa, que sem licença dos suplicantes a fizer, ou mandar construir. Passando a ver a dita máquina, e fazendo examinar a sua construção pelo artista Gaspar José Marques[6], levo à presença de Vossa Alteza Real a sua exposição, à vista da qual, e do exame feito, pelo qual se conhece que a máquina descasca, e limpa dois alqueires de café em dez minutos, me parece que os suplicantes se fazem dignos da graça que pedem. Vossa Alteza Real porém mandará o que for mais justo. Rio de Janeiro sete de junho de mil oitocentos e vinte e dois. = Leonardo Pinheiro de Vasconcelos.

E dando-se de tudo vista ao Conselheiro Fiscal respondeu assim.

“À vista da presente informação não tenho que impugnar fiscalmente – Saraiva.”

E sendo tudo visto:

Parece ao Tribunal conformar-se com o parecer e informe do conselheiro deputado Inspetor das Fábricas, e que Vossa Alteza Real se há de dignar de conceder aos suplicantes o privilégio exclusivo por dez anos que pedem em seu requerimento para que dentro dos mesmos possam eles só construir outras máquinas semelhantes à da sua invenção para descascar o café aplicando-se as penas da lei estabelecidas contra os que fizerem ou mandarem construir outras máquinas pelo modelo da dos suplicantes sem sua licença, no que tudo também conveio o Conselheiro Fiscal na sua resposta.

Vossa Alteza Real mandará o que for mais justo. Rio seis de julho de mil oitocentos e vinte e dois. Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira[7] Amaro Velho da Silva[8] José da Silva Lisboa[9] = José Albano Fragoso[10] = Foram votos os deputados Antonio Luis Pereira da Cunha, e Mariano José Pereira da Fonseca

 

[1]MÁQUINA A VAPOR: a ideia de criação de uma máquina que substituísse a força humana ou animal em trabalhos braçais existe desde a Antiguidade. A máquina a vapor desenvolvida por James Watt em 1769 era, na verdade, um motor movido a vapor de água, que revolucionou a manufatura e a indústria nos séculos XVIII e XIX. Uma das primeiras aplicações da “máquina” foi na indústria têxtil, quando os teares deixaram de ser manuais, isto é, movidos pela força de quem os manipulava, para serem mecânicos, acionados pela energia produzida pelo motor. Na prática, essa invenção proporcionou, de imediato, um aumento de produtividade, e consequentemente da produção, diminuindo o uso de mão de obra. Esteve na base da revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha nos setecentos e foi sendo paulatinamente utilizada nos outros setores da indústria e expandindo-se por toda Europa. Em linhas gerais, o motor funcionava utilizando o vapor de água em ebulição como “combustível”. Para gerar a combustão, inicialmente, se usou lenha e depois o carvão. No século XIX, as máquinas foram inventadas com diversos propósitos, mas foram especialmente úteis e usadas no processo agrícola, para beneficiar matérias-primas. A partir da descoberta da eletricidade, e posteriormente do uso de outros combustíveis, como gases, óleos e o diesel, na segunda revolução industrial, a partir de fins do oitocentos e já no século XX, a tecnologia do vapor tornou-se obsoleta. Nos engenhos, teria a função de acelerar a moagem da cana-de-açúcar, substituindo a tração animal, as rodas d’água, e mesmo a força de trabalho escrava.

[2] CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[3] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[4] REAL JUNTA DO COMÉRCIO (BRASIL): em 23 de agosto de 1808, em consequência da abertura dos portos ao comércio estrangeiro, foi estabelecida no Brasil a Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, em substituição à Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro, incorporando suas funções. Foi organizada segundo o modelo da Real Junta do Comércio de Lisboa, instrumento de fiscalização e gestão do comércio ultramarino, importante no fomento à atividade agrícola e industrial. A junta acumulava funções judiciais e administrativas e entre suas funções, destacam-se: matricular os negociantes de grosso trato e seus caixeiros; regular a instalação de manufaturas e fábricas; cuidar do registro de patentes de invenções; conceder provisões de fábricas; administrar a pesca de baleias; faróis; estradas, pontes e canais; importação e exportação; além de solucionar litígios entre negociantes; dissoluções de sociedades mercantis; administração de bens de negociantes falecidos ou de firmas falidas ou em concordata, entre outros. Teve como primeiro presidente o conde de Aguiar, Fernando José de Portugal e Castro, que tomou posse em 18 de maio de 1809. Contam-se entre seus deputados, negociantes de grosso trato que exerciam o tráfico de africanos, evidenciando o papel de destaque dessa atividade no Brasil, o que incluía o recebimento de comendas como a Ordem de Cristo entre outras distinções. (FLORENTINO, Manolo et al. Aspectos comparativos do tráfico de africanos para o Brasil (Séculos XVIII e XIX). Afro-Ásia, 31 (2004), 83-126).

[5] INDÚSTRIA NACIONAL: o termo refere-se às atividades agrícolas, comerciais e fabris, produtoras de riqueza, no interior do Império português. No século XIX, mesmo depois da Revolução Industrial inglesa, em muitos países, inclusive Portugal, o entendimento das atividades industriais era orientado pelo pensamento fisiocrata, que compreendia o setor manufatureiro como complementar à agricultura, principal fonte de riqueza de um país. Durante o período colonial, e especialmente a regência joanina, as atividades manufatureiras estiveram atreladas às necessidades do comércio de gêneros agrícolas entre as colônias e a metrópole, e à navegação. As atividades fabris serviriam para a aceleração e aumento da lavoura, substituindo a falta de braços suficientes por máquinas, promovendo um aumento da produtividade. Auxiliariam também na diversificação da produção, agrícola e fabril, visando à diminuição das importações, que muito oneravam o Estado português. Esse atrelamento da indústria à lavoura era uma das razões para as atividades fabris não se desenvolverem a contento, quer durante o período colonial, ou durante grande parte do Império: ficavam sempre em segundo plano em relação à agricultura. Um primeiro esforço significativo de investimento na indústria nacional, já durante o primeiro reinado, foi a criação da SAIN (Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional), em 1827, embora ainda muito presa ao pensamento fisiocrata, mas começando a reunir e canalizar esforços para a criação de um setor fabril mais forte e de caráter nacional, incentivando as chamadas “indústrias naturais”, que utilizavam materiais naturais e abundantes no país, em detrimento das “artificiais”, que importavam máquinas, ferramentas e matérias primas. O setor industrial no Brasil, entretanto, só começou efetivamente a se desenvolver em fins do século XIX, já com o advento da República.

[6]MARQUES, GASPAR JOSÉ: o “artista” Gaspar José Marques é considerado um dos primeiros engenheiros portugueses. Dono de uma oficina fabril em Lisboa desde 1826, era formado nas chamadas “artes mecânicas”, tendo sido mandado pela Coroa portuguesa para a Inglaterra em 1798 para estudar com Jesse Ramsden, engenheiro e fabricante de instrumentos astronômicos, em sua oficina, onde permaneceu 14 anos e de onde saiu capacitado como construtor de instrumentos físicos e matemáticos. Em 1836 foi designado para criar e ser o diretor do Conservatório de Artes e Ofícios, estabelecimento nascido da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN), cuja função seria também substituir as corporações de ofício que atestavam a formação de artistas e operários. A instituição seria responsável pela instrução prática e formação de novos “artistas” – artesãos, artífices, inventores – e depósito de máquinas e modelos para incremento da indústria nacional. O conservatório não teve muito sucesso até 1840, pois apesar de contar com pessoal e regulamento, não tinha sede apropriada e definitiva de funcionamento, além de carecer de máquinas, modelos e equipamento para as aulas. Somente neste ano inauguraram-se as primeiras cadeiras, de geometria e mecânica. O estabelecimento é o embrião das escolas técnicas profissionalizantes, e foi posteriormente incorporado à Escola Politécnica de Lisboa. No período em que esteve no Rio de Janeiro, Gaspar Marques atuou junto à Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, na inspeção de máquinas. Esteve ainda à frente da Imprensa Nacional entre 1833 e 1838, e foi nomeado cavaleiro da Ordem de Cristo. Morreu em 1843.

[7]OLIVEIRA, ANTÔNIO RODRIGUES VELOSO DE (c.1750-1824): o desembargador Veloso de Oliveira nasceu em São Paulo e faleceu na cidade do Rio de Janeiro. Filho de um rico comerciante da capitania, frequentou a Universidade de Coimbra entre 1773 e 1779, portanto no período das reformas ilustradas no ensino, formando-se em Leis em 1779, depois de ter cursado Matemática e Filosofia. Contemporâneo, entre outros, de Alexandre Rodrigues Ferreira e José da Silva Lisboa, iniciou sua carreira como magistrado na Ilha da Madeira e no Reino, retornando ao Brasil logo depois das invasões francesas. Foi nomeado chanceler da Relação do Maranhão em 1811, vindo depois para o Rio de Janeiro onde ocupou os cargos de desembargador do Paço, deputado da Mesa de Consciência e Ordens e juiz conservador da nação britânica em todo o distrito da Casa de Suplicação do Brasil. Recebeu a comenda de cavaleiro da Ordem de Cristo, era fidalgo da Casa Real, veador da imperatriz Leopoldina e conselheiro do imperador d. Pedro I. Em 1820 obteve a nomeação para deputado do Tribunal da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, e elegeu-se para a Assembleia Constituinte do Brasil em 1822, pela província de São Paulo, tendo destacada participação defendendo ideias bastante liberais, tais como o fim da escravidão dos negros africanos. Escreveu alguns artigos e memórias, entre as quais se destacam: Memória sobre o melhoramento da Província de São Paulo, oferecida a d. João em 1810, mas publicada somente em 1822; e a Memória sobre a Agricultura no Brasil, escrita em 1814, publicada em 1873.

[8]SILVA, AMARO VELHO DA (1780-1845 (?)): nasceu em 1780 no Rio de Janeiro, filho de Manuel Velho da Silva e Leonarda Maria da Conceição, ele um dos maiores comerciantes de grosso trato da praça do Rio de Janeiro, e ela filha de uma rica família de traficantes de escravos. O pai e o tio, de quem Amaro herdou o nome, atuavam na importação de produtos da Ásia, como especiarias, louças orientais, entre outros, e exportavam principalmente pau-brasil e açúcar, além de terem também destaque nos “negócios d’África”, que certamente contribuíram para aumentar a significativa fortuna que Amaro herdou juntamente com os irmãos. Além de abastado negociante, foi tenente-coronel de milícias do Rio de Janeiro, vereador do Senado da Câmara, fidalgo cavaleiro da Casa Real, veador da Imperatriz e comendador da Ordem de Cristo. Em 1819 foi nomeado deputado do tribunal da Real Junta do Comércio, Fábricas, Agricultura e Navegação, considerada uma grande distinção social e mercantil ambicionada pela maioria dos comerciantes da cidade, mas somente concedida aos mais ricos, destacados e influentes na Corte. Recebeu os títulos de conselheiro do Império, de barão e visconde (depois com grandeza) de Macaé, já no 1º Reinado. A data de seu falecimento é incerta, algumas referências apontam para os anos de 1845 e 1850, mas o mais provável é que tenha sido antes de 1844 (1843?), quando seu nome deixa de constar nas listas de comerciantes da praça do Rio de Janeiro.

[9] LISBOA, JOSÉ DA SILVA (1756-1835): primeiro barão e visconde de Cairu nasceu em Salvador e formou-se em direito pela Universidade de Coimbra. Influenciado por autores ingleses, dentre eles Adam Smith, escreve obras em defesa do liberalismo econômico. Em 1797, foi indicado para o cargo de secretário da Mesa de Inspeção da Bahia por d. Rodrigo de Souza Coutinho. À frente da Mesa, o ilustrado procurou adequá-la aos novos preceitos da economia política, em acordo com os princípios do iluminismo português, chegando a escrever uma memória sobre a situação da Mesa, onde propunha melhoramentos na organização do comércio na capitania e uma reforma na estrutura do órgão. Com a vinda da família real para o Brasil, acompanha o príncipe regente d. João e torna-se um dos seus mais assíduos assessores. Sob sua influência é adotada uma série de medidas em favor de uma economia liberal no país, entre as quais se destaca a abertura dos portos às nações amigas

[10]FRAGOSO, JOSÉ ALBANO (1768-1843): jurista português foi nomeado ouvidor do Rio de Janeiro em 1843, passando depois para a Relação da mesma cidade no lugar de desembargador. Quando a Relação da cidade se tornou a Casa de Suplicação do Brasil em 1808, Albano Fragoso tornou-se desembargador ordinário extravagante. No ano seguinte, foi nomeado Juiz Conservador da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos. Quando da Revolução Pernambucana de 1817, foi designado Juiz das Diligências para apuração das circunstâncias relativas à sublevação. Foi nomeado Corregedor do Crime da Corte e Casa, em decreto de 6 de fevereiro de 1818, e dois anos depois recebeu a delicada incumbência de organizar o processo e punir os responsáveis pelo assassinato de Gertrudes Angelica Pedra, mulher de Fernando Carneiro Leão, posteriormente barão e conde da Vila Nova de São José. Dizia-se então, que o esposo da vítima mantinha um notório relacionamento com dona Carlota Joaquina, considerada responsável pelo crime.

Café para o príncipe regente

Carta na qual Francisco Antonio da Veiga Cabral comunica a d. Rodrigo de Souza Coutinho o pedido do príncipe regente de que lhe sejam enviadas anualmente dez arrobas do melhor café do Estado e algumas arrobas do melhor café de Moca, armazenados e transportados com a maior cautela possível. Em resposta, d. Rodrigo de Souza Coutinho informa que os caixotes de café foram devidamente armazenados e enviados pela nau de viagem Marialva, sob os cuidados do capitão de mar e guerra Antonio Joaquim dos Reis Portugal.

 

Conjunto documental: Registro da correspondência de Goa com a Secretaria de Estado

Notação: códice 519, vol. 01

Datas-limite: 1800-1802

Título do fundo: Negócios de Portugal

Código do fundo: 59

Argumento de pesquisa: café

Data do documento: 10 de maio de 1801

Local: Goa

Folha (s): 548-548v

 

Leia esse documento na íntegra

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

príncipe regente[1] nosso senhor é servido que V. EXª. mande todos os anos dez arrobas do melhor café[2], mais escolhido, mais assazonado[3], e conduzido com todo o resguardo que possa haver neste Estado, com o sobrescrito «Para S. A. R. o príncipe regente nosso senhor, e seu serviço particular» vindo encarregado o mestre ou comandante da embarcação que o trouxer de o ir mesmo apresentar logo no Real Palácio apenas chegar, e vindo também distribuído em caixões de duas arrobas cada um. Além da sobredita porção de café, recomenda sua Alteza Real a V.EXª., que veja se pode mandar também anualmente algumas arrobas do melhor café de Moca[4], com o mesmo resguardo, e sobrescrito acima indicado.

Deus guarde a V. EXª. Palácio de Queluz em 2 de março de 1800. D. Rodrigo de Souza Coutinho[5] = Senhor Francisco Antonio da Veiga Cabral[6]

 

Resposta

Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor

Em execução da Real ordem de sua Alteza Real o príncipe regente nosso senhor, remeto pela nau de viagem Marialva cinco caixotes, com dez arrobas do café de Goa, e mais dois caixotes um deles com duas arrobas do café de Moca, e outro com arrobas do café de Balagate[7], tudo acondicionado o me que coube no possível na presença do capitão de mar e guerra Antonio Joaquim dos Reis Portugal, a quem vão encarregados os ditos sete caixotes, com as recomendações que sua Alteza Real foi servido determinar.

A ilustríssima e excelentíssima pessoa de V. Excelência. Guarde Deus ms. asGoa[8] a 10 de maio de 1801. Ilustríssimo e excelentíssimo senhor d. Rodrigo de Souza Coutinho. Francisco Antonio da Veiga Cabral.

Diogo Vieira de Tovar e Albuquerque[9]

 

[1]PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[2]CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[3]ASSAZONADO: assazonar ou sazonar significa amadurecer, tornar mais saboroso, temperar; neste caso o café mais assazonado é o café mais maduro, que está no ponto de colheita.

[4]CAFÉ MOCA: o café Moca (ou Moka, ou ainda Mocha) é uma variedade superior de café da espécie Coffea arabica, que era comercializada pelo porto de Moca, na península arábica, atual Iêmen. Entre os séculos XVI e XVII Moca foi um dos mais importantes mercados de café do mundo, sendo a esta época, a principal cidade do território otomano. Os portugueses já conheciam o porto desde o século XV, quando iniciaram as navegações pelo mar Vermelho, e posteriormente tornaram-se importadores e consumidores do café oriundo daquela região, bem como outros países da Europa. O café dessa região, que recebeu o mesmo nome, tem o grão um pouco menor e mais redondo do que outros do tipo arabica, e embora nativo da região da Etiópia, adaptou-se bem e foi muito cultivado na província arábica. Conhecido principalmente pelo sabor peculiar que lembra o do chocolate, o café Moca é muito consumido até hoje no mundo, e diversas vezes o termo é usado para descrever não exatamente o café desta qualidade de grão, mas a bebida, café comum ao qual se adiciona chocolate.

[5]COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[6]PIMENTEL, FRANCISCO ANTÔNIO DA VEIGA CABRAL DA CÂMARA (1733-1810): nascido em Bragança, no seio de uma família fidalga, os Veiga Cabral, prestou importantes serviços militares ao Reino. Foi nomeado pelo vice-rei marquês de Lavradio, em 1778, governador e capitão-general da capitania de Santa Catarina, logo após a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso (1777), quando a ilha foi restaurada ao governo português, permanecendo no cargo até 1779. Em 1792 exerceu o lugar de comandante das tropas do Estado português na Índia, até que, em 1794, foi nomeado governador e capitão-general do Estado das Índias, posto que ocupou até 1806. Embarcou com a Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, e foi conselheiro de guerra de d. João entre 1808 e 1810, quando o príncipe regente lhe concedeu o título de visconde de Mirandela. Faleceu neste mesmo ano, no Rio de Janeiro.

[7]BALAGATE: a região conhecida pelos portugueses, até o século XIX, como Balagate (ou Balaghat) é a que compreende o antigo reino do Bijapur (um dos 5 sultanatos do Decão que ocuparam a península índica entre os séculos XV e XVII), hoje aproximadamente o estado de Madhya Pradesh. A cidade de mesmo nome situa-se atualmente no extremo nordeste do estado, no interior do território hindu. A oeste do território ficava a cidade de Goa, alvo de disputa por séculos entre os muçulmanos e portugueses, que conseguiram manter o controle da cidade, capital do Estado português na Índia, e do porto, principal local de exportação de produtos orientais para o ocidente. Da região do Balagate vinham principalmente os tecidos baratos de algodão, geralmente de cor azul e branca, que ficaram conhecidos pelo mesmo nome da região que os produzia. Para os portugueses, o Balagate era a região que ficava além dos Gates (Ocidentais), cordilheira de montanhas que atravessa longitudinalmente o território oeste da Índia, e que separa as cidades litorâneas, como Goa, do interior. Provavelmente o café do Balagate não provinha de uma cidade ou região específica daquele estado, mas da região central da Índia, além da cadeia dos Gates, e era exportada para Portugal e seus domínios pelo porto de Goa.

[8]GOA, DIU E DAMÃO:  foram as maiores cidades do Estado português da Índia, grandes centros comerciais e polos receptores de gêneros e matérias-primas das outras regiões, a serem redistribuídos pelo Império luso. Embora os portugueses tenham se espalhado pela costa da Índia, foram essas as três regiões que permaneceram pontos ativos do império atlântico até o século XX (reconquistadas em 1961). Goa, a maior dessas cidades, situada na costa do Malabar, foi desde o século XV, a sede das possessões no sudeste asiático. Conquistada em 1510 por Afonso de Albuquerque, era uma região estratégica, cercada de áreas de produção agrícola, recebia a maior quantidade de navios e cargas de outros pontos da península e proporcionava aos portugueses o controle de comércio do oceano índico. Goa foi um dos vértices do comércio luso no Atlântico – assim como Luanda, Lisboa, Salvador e Rio de Janeiro – e, embora o comércio com as possessões lusas na Índia tivesse entrado em decadência a partir do século XVIII (devido aos grandes gastos com guerras para mantê-las e ao contrabando, que diminuía consideravelmente os lucros da Coroa), a cidade permaneceu o ponto forte de Portugal na região. Ao longo do período colonial, os navios carregados de tecidos e outros produtos “finos” (como porcelanas e especiarias) da Índia deixavam os portos de Goa em direção a Luanda e, depois de uma escala em Salvador, iam para Lisboa, onde chegavam praticamente descarregados. A maior parte desses tecidos era vendida diretamente para os comerciantes destas cidades (o que levou ao aumento de impostos e à proibição da escala no Brasil). Depois da abertura dos portos do Brasil em 1808, o comércio com Lisboa enfraqueceu mais ainda, já que os navios eram diretamente direcionados para a África e depois para o Rio de Janeiro, de onde seriam redistribuídos para o restante do Império. Diu e Damão, localizadas respectivamente na costa de Guzerate e no golfo de Cambaia (ambos parte da região do Guzerate), mais ao norte da costa ocidental, foram peças-chave, desde o século XVI, no fornecimento de gêneros para o comércio metropolitano, sobretudo de tecidos de algodão, os mais finos reservados para envio a Lisboa por Goa, e os mais grosseiros a serem exportados para Moçambique, em troca de marfim, âmbar, ouro, escravos, entre outros.

[9]ALBUQUERQUE, DIOGO VIEIRA DE TOVAR: o desembargador Diogo Vieira de Tovar e Albuquerque nasceu em 1775, natural da vila de Molelos, e frequentou a Universidade de Coimbra, tendo-se formado na faculdade de Leis em 1797. Em 1807, depois de exercer a função de Opositor naquela Universidade desde 1803, recebeu a nomeação de desembargador da Relação de Goa, e serviu no Estado da Índia até 1815, tendo lá sido também procurador da Coroa e Fazenda e secretário Geral do Estado. Regressou a Portugal como desembargador da Casa de Suplicação, mas em 1818 seguiu para Madri, onde, além de tutor do infante d. Sebastião, atuou como conselheiro da legação portuguesa. Em 1823 voltou a Portugal, onde ocupou diversos cargos e presidiu comissões até 1834, quando se retirou da vida pública depois da mudança do regime político. Foi fidalgo da Casa Real, comendador das ordens de Cristo e da Conceição e conselheiro do Rei. Há dúvidas sobre a data de seu falecimento, entre os anos de 1846 e 1847.

registrado em: ,,
Fim do conteúdo da página