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Requerimento da congregação de Santa Cruz dos Milagres de Goa

Escrito por cotin | Publicado: Quinta, 08 de Novembro de 2018, 13h42 | Última atualização em Domingo, 27 de Dezembro de 2020, 01h33

Informe da Secretaria de Estado do Ministério do Reino à Chancelaria da Relação de Goa sobre o requerimento da congregação de Santa Cruz dos Milagres de Goa solicitando ao príncipe regente que proibisse as denúncias contra esta igreja, que a impediam de manter os bens que garantiam seu sustento. Entre os bens da igreja estavam as propriedades concedidas pelos antigos reis de Portugal, anteriores a d. João VI. Consta do requerimento o grande serviço que a congregação prestava ao Estado português na propagação do evangelho tendo, inclusive, após a expulsão dos jesuítas de Goa, os padres desta igreja passado a exercer a função de inquisidores na Mesa do Santo Ofício, assim como também ficaram encarregados do ensino público nos colégios de Rachol e Chorão. Apresenta ainda a situação de penúria da congregação naquele momento, que foi obrigada a ficar endividada na tentativa de não deixar faltar comida a seus missionários, pois “há mais de sete anos tem chegado a diminuir parte para a ração destinada para o sustento individual”.      

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 645, pct. 5, pacotilha 3
Datas-limite: 1707-1821
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo ou coleção: 59
Argumento de pesquisa: Damão, cidade de; Damão, porto de
Data do documento: 8 de janeiro de 1816
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 1 a 3

 

Informe Chanceler da Relação de Goa com o seu parecer fazendo as diligências que lhe parecerem próprias. Rio em Mesa 8 de Janeiro de 1816.

Diz a congregação de Santa Cruz dos Milagres de Goa[1] que sendo ela sido estabelecida e confirmada pelos augustos predecessores de vossa alteza real e tomada de baixo da sua real proteção: Documento nº 1º e sendo indispensavelmente preciso para sua manutenção, que possuíssem alguns bens de raiz[2], foram os mesmos augustos senhores reis de Portugal, servidos conceder-lhe essa graça, a que em parte tem sido dominada para que se acham sem render as propriedades uma chamada Bamonabatta com seus anexos de pedaços pequenos de várzeas sita na aldeia de Murda das Ilhas de Goa; outra que foi de Miguel Pires de Carvalho situada em Carbolindas mesmas ilhas; terceira chamada Ambecarddoem, que foi de Francisco de Brito Rosário situada na aldeia de Meirut terras de Bardez, a quarta de Malna situada na aldeia de Pilerne da mesma província de Bardez, causando um abatimento em quase mil e noventa reis.

Documento nº 2º e o mesmo vice-rei Vasco Fernandez Cezar de Menezes ouvindo o procurador da Coroa e Fazenda concedeu a mesma licença de baixo da cláusula da aprovação real, a qual licença não teve efeito para que os suplicados não tiveram naquele tempo mesmo nem proporções de se poderem aproveitar dela. Documento nº 3º [sic]

A suplicante congregação é sem dúvida uma das mais úteis ao Estado de vossa alteza real na propagação do evangelho desde o seu estabelecimento:

Os arcebispos primazes, os vice-reis, e governadores da Índia tem empregado seus padres em diversas missões[3], e nas mais arriscadas como Timor, Ceilão, Damão, Malabar, Goa, e nas províncias e mais partes, umas vezes por ordens suas, e outras da mesma Corte como se vê de todas os documentos de baixo do nº 4º e ainda nas ocasiões que se lhe ofereceram de subscrições e outras deste Estado, se tem mostrado pronta e obediente a vontade de seus augustos soberanos e amante do Estado. Documento nº 5º; as freiras recolhidas, os sentenciados a último suplício e os povos os pedem sempre com preferência para a direção de suas almas. Documento nº 6º, e os de que deste Estado saíram os jesuítas têm sido empregados no ensino público dirigindo os dois colégios de Rachol e Chorão[4].

Documento nº 7º, e na mesma Corte tem reconhecido o bom serviço destes Padres documento nº 8º [sic]. Os inquisidores apostólicos, depois de que saíram de Goa os ditos jesuítas tem empregado os seus padres na instrução dos réus penitenciados pela Mesa do Santo Ofício.

Documento nº 9º

Acontece augusto e pio senhor que presentemente tendo diminuído as mesquinhas rendas dos conventos dos suplicantes muito consideravelmente pelas ocorrências [...], e pelo baixo preço dos gêneros muito principalmente do coco que faz a principal parte de suas rendas e vendo-se eles na precisão de conservarem o mesmo número de religiosos para acudirem ao ensino ao ensino dos colégios, as missões de que se acham encarregadas, e ao mais deveres, a que se vê chama o seu Ministério apesar de terem diminuído todas as despesas ainda mesmo algumas das mais necessárias, tem ficado para alguns anos obrigada a se empenhar endividada só assim de não faltar quanto fosse indispensável para a primeira necessidade, pois há mais de sete anos tem chegado a diminuir parte para a ração destinada para o seu sustento individual, como se vê no documento nº 10º. A suplicante Congregação detido se aniquilará se vossa alteza real por sua inata bondade, e clemência se não compadecer do seu estado atual, por quanto tendo ela recebido alguns legados pois com encargos de missas, e de outros hipotecados para vários devedores do dinheiro do fundo de vários encargos e pensões, e sentenciado como de empenho todos os encargos respectivos vários indivíduos levados mais de ânimo fazerem mal do que outro fim tem denunciado alguns destes bens do Juiz dos Feitos da Coroa e Fazenda[5] e suposto que uma destas denúncias foi julgada improcedente, contudo a suplicante Congregação receia que continuem a serem vexados, e portanto prostrada ante o trono de vossa alteza real.

Pede a vossa alteza real pela sua alta grandeza pela conservação da religião neste Estado e pelas chagas de nosso senhor que vossa alteza real haja por bem proibir, que se denunciem os bens que possui a Suplicante consistentes da sexta junta; bem como vossa alteza real já foi servido determinar neste Estado relativamente as confrarias do Santíssimo Sacramento, e o mesmo vice-rei já assim determinou relativamente as igrejas; como conceder-lhe a licença para possuir os mesmos bens como até agora possui: A suplicante Congregação não cessa de rogar diariamente pela feliz conservação de vossa alteza real de sua real família, e felicidade de suas armas para sossego de nossa pátria comum, e todos os seus fiéis vassalos.

E receberá mercê.

 

[1] Criada em 1682, foi reconhecida formalmente pelo papa Clemente XI apenas em 1707. Desde o início constituiu-se em importante “braço” no processo de cristianização em Goa. Em 1759, com a expulsão dos jesuítas, a congregação assumiu a frente dos principais colégios católicos na região – Chorão e Rachol – e passou a ser considerada como o mais importante grupo religioso do Estado das Índias ficando, ainda, encarregado do Tribunal do Santo Ofício.

[2] São os bens imóveis, frequentemente relacionados à terra. Além dos terrenos propriamente ditos, as construções também são consideradas bens de raiz.

[3] Aldeamentos constituídos, quase sempre em regiões coloniais, com a finalidade de catequizar e civilizar as populações nativas de não-cristãos e como parte importante do domínio e imposição cultural da metrópole sobre suas colônias. A ação da Igreja católica no Brasil foi inerente ao processo de colonização da América portuguesa. Durante boa parte do período colonial, a catequização e o ensino na colônia ficariam ao encargo das ordens religiosas, sobretudo os jesuítas. As missões ou reduções, foram aldeamentos erigidos no interior do território com a finalidade de catequizar e civilizar os índios. Até 1580 somente os jesuítas tinham autorização para estabelecerem-se na colônia, mas isso mudou com anexação de Portugal à Espanha – período da União Ibérica – e outras ordens religiosas fundadas no período medieval instalaram-se no Brasil, como os franciscanos, carmelitas, beneditinos e capuchinhos. As missões religiosas possibilitavam, além da conversão, o processo de conquista da terra pelos portugueses. A política de construção de aldeamentos em variados pontos do sertão foi fundamental para a ocupação do vasto território colonial. O sucesso das missões suscitou conflitos entre colonos e missionários, principalmente no que diz respeito ao controle da mão de obra indígena: as reduções dependiam da força de trabalho compulsória dos índios aldeados, já os colonos ambicionavam a escravização dos indígenas, em especial, aqueles já “domesticados” pelos religiosos e habituados ao trabalho. A legislação real não se mostrou eficaz na solução desses conflitos e o período colonial assistiria às crescentes hostilidades entre missionários e colonos. O declínio das reduções iniciou-se com a expulsão dos jesuítas das colônias portuguesas e espanholas a partir do século XVIII.

[4] Foram os dois principais colégios de educação católica em Goa, além de abrigarem em suas instalações muitas das principais autoridades religiosas da região. Lá se formavam padres e partiam religiosos rumo a várias localidades da Ásia. Chorão foi criado em 1559 e Rachol concluído completamente em 1609, embora a primeira pedra para sua construção tenha sido erguida em 1580. Mas as atividades missionárias nas duas regiões onde se construíram tais seminários são ainda mais antigas, datando do início do século XVI.

[5] Juízo responsável por processar os bens de devedores de impostos ou que estivessem em débito com quaisquer obrigações financeiras com a Coroa. O devedor, passado certo prazo para quitação, caso não o fizesse, poderia ser executado em juízo e, em última instância, ver seus bens irem a leilão ou serem incorporados ao patrimônio da Coroa. Possuía, também, a incumbência de fiscalizar e de legislar sobre terras públicas. Era comum o recebimento de denúncias sobre terras da Coroa que estariam sendo utilizadas por outrem sem a devida propriedade; daí a questão era julgada e o denunciante poderia requerer alvará de Mercê para utilizar a terra, caso esta fosse retirada dos denunciados. Foi criado como parte constituinte da Relação do Rio de Janeiro, em 1751. Antes disso, existia Juiz dos Feitos da Corroa, Fazenda e Fisco na Relação da Bahia, fundada em 1609.

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